Poetizar


Escrever poesia é como encher a barriga

De um líquido vicioso e quente

Que então estufa e te infla

E te queima de repente

E os versos, em silêncio, vem subindo

Rastejando perenes por papel novo

Reconstruindo a história em uma via

E em papel carbono logo a outra

E então as palavras vão enchendo

E transbordam, todas largas, o campo branco

Como flores que desabrocham em campo seco

Como aves que grasnam ao léu do vento

Como fiéis que oram em templos santos

E, de repente, não se vê nada

Além do ponto e da palavra e ponto e linha

E se for para descrever uma casinha

Que se descreva como em conto

E as palavras vão assim crescendo

E entumecendo como jornal em chuvarada

E se cria o sol, a sala, a moça toda enluarada

E se fala sobre os anos, os amores e os espíritos inquietos

Que pousam sobre o papel, em tinta de repente

E saem, na madrugada, como serventes

Desfrutar da nova palavra cantada

Isso é delírio (é poesia)

É tudo e, simplesmente, nada

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