Lírio-do-vale
Lacey tornou a entrevistar tanto o senhor Dash, Miles e Maren quanto a outros habitantes. O sangue sempre lhe subia perigosamente às bochechas quando o mineiro se dirigia a ela; porém, não era como Luke, o qual ela sentia-se livre para contar seus segredos mais profundos. Era um rubor de constrangimento, pois Lacey temia nunca abandonar esse costume com homens bonitos. Não se considerava uma menina boba, porém... Ah, eu nunca conheci mais ninguém além dos meus cunhados, Lacey procurava justificar. Qualquer atração seria fatal.
Assim, quando retornou ao vilarejo com Isla, Lacey estava mais experiente e mais confiante. Fez as perguntas certas, obteve respostas verdadeiras e condizentes com o estado daquelas pessoas, e também pode se compadecer delas com sinceridade. Isla elogiou-a pelo entusiasmo, piscando o par de olhos azuis-escuros para Lacey.
— Nesse ritmo, Lace, terá batido nosso recorde quando chegar à nossa idade — Isla gargalhou. — Sinto que estamos tendo alguma vantagem na sua exploração. Estou certa?
— Veja bem... — Lacey riu baixo, seguindo o rabo de cavalo ambulante. — Não posso dizer nem que sim e nem que não. Estou me mantendo imparcial, entenda.
— Ah, é justo. Desculpe, é o espírito competitivo falando mais alto.
— Meu Deus. Você, Hadley e as outras gêmeas são mesmo os quatro cavaleiros do apocalipse.
Isla gargalhou uma vez mais. Baixando o tom da voz para que os transeuntes não a ouvissem, Isla – também conhecida como Número 9, Bruxa Má do Leste ou apenas tia Lila – comentou com uma pontada de ironia:
— Aos olhos de Rowena, as monstrinhas eram vocês. Ela as chamou de quê?
— Pestinhas — Lacey riu com amargura. — Águas passadas. Sempre fomos todas monstrinhas, porém era motivo de elogio e não de crítica. O que temos para fazer hoje?
— Quer fazer mais? Garota! Não, chega! Estamos cansadas, não estamos?
— Hm-hm. Estou pronta para mais.
— Pode ir aproveitar o seu amiguinho, então — Isla ergueu uma sobrancelha com implicância. Era inacreditável que tivesse tomado o papel de Genevieve onze anos depois. Bem, Luke não era nenhum sapateiro, mas ser jardineiro real poderia ser considerado equivalente...? — Me pareceu bem animada para o trabalho.
Espere. De quem ela estava falando?
— Desculpe?
— O senhor Dash! Ele e os irmãos a amaram. Deveria investir nisso, sabia? Se não investir, eu o faço!
— Ah, não, Isla. Não! Não tem nada a ver — Lacey sentiu as bochechas corando. — Nada de piadinhas, por favor. Eu não... Não, não é isso.
Isla deu-se por vencida, mas Lacey acatou o conselho e procurou ao menos despedir-se dos novos amigos. Apesar de envergonhada pela sugestão, não podia esquecer os bons modos. Portanto, foi com timidez que Lacey aceitou a mão estendida dos pequenos Miles e Maren. Após um dia de convivência, Miles e Maren abandonaram o tímido "Alteza" por Lacey, por insistência da mesma.
— Já vai embora, princesa? — Maren pareceu sinceramente decepcionada. — Tudo bem... Promete voltar de vez em quando para ver a gente?
— Não é a gente que pede essas coisas, Ren — Miles censurou-a com as bochechas vermelhas.
Dash e Lacey riram simultaneamente, com suavidade.
— Prometo voltar — Lacey estendeu os dedos mindinhos para ambos, com seriedade. — Jamais poderia deixar de visitar meus amigos. Ainda mais amigos que me recepcionaram tão bem. Isso, é claro, se eu tiver permissão do seu irmão. É ele quem manda por aqui, tudo bem?
Os pequenos pareceram conformados com a palavra final. Dash aguardou até que eles voltassem a brincar para aproximar-se com timidez da garota. Lacey prendeu o fôlego por alguns segundos, antes de ouvir o que ele tinha a dizer.
— Acredito que possa dizer em nome de todos que estamos profundamente agradecidos pela ajuda, Alteza — então, ele realizou uma mesura graciosa. — À senhorita e às suas irmãs. E à Vossa Majestade, é-é claro.
Lacey riu baixinho, retribuindo o gesto. Lacey andara lendo que, em algumas culturas – principalmente as de origem do príncipe Benjamin –, a reverência dupla era sinal de igualdade e respeito. Passaria a experimentar o novo costume para ver se exercia alguma influência como caçula da família. Apenas a ideia a fazia rir.
— Não se preocupe, senhor. Há algo mais que poderia realizar pelo senhor ou pelas crianças?
Daí, as bochechas do minerador inflamaram em vermelho vivo. Lacey perguntou-se se havia dito algo de errado, no entanto ao ouvi-lo falar em tom baixo, percebeu que se tratava apenas de uma confidência.
— Na verdade, eu... Por acaso sua irmã já tem algum pretendente?
— Uh... Qual delas? — Lacey franziu a testa. — Tenho onze.
— Ah, perdoe-me — ele riu um tanto para dentro. — A que está a acompanhando hoje...
— Oh! Isla? Oh, eu...
Lacey olhou por cima do ombro para averiguar a situação. Dash parecia esconder-se atrás de seu corpo, apesar de ser bem mais alto do que ela. Arrumando o chapéu que cobria seus cabelos loiros, sorriu com gentileza.
— Não, ela não tem — valorizando a confidência, Lacey sussurrou de volta. — Porém, creio que ela seja um pouco... Hum... Resistente à ideia de ser cortejada. Sabe?
— Ah — ele minguou seu sorriso, deixando o coração de Lacey cortado em dois. — Entendo... Eu, bem... Admiro muito seu trabalho com todos nós.
— Ah, não, por favor, não foi um desestimulo! Resistente não significa que ela seja avessa à ideia. Vale a pena tentar... Minha irmã é incrível e muito ativa. Não digo isso só porque ela é minha irmã, mas porque a conheço muito bem. Se estivesse sugerindo Hadley, aí sim eu diria que está correndo perigo de ser mordido se tentasse...
Dash gargalhou baixo, ainda escondendo-se atrás do corpo da garota. Lacey olhou para a irmã não muito longe dos dois. Lacey admirou-a em silêncio agindo em conjunto com Hadley. Como sempre, a mais velha era a que propunha coisas geniosas e majestosas a seu modo, ao passo que Isla era mais passiva. Suas opiniões eram mais pontuais e concisas, porém contribuíam para que fossem reconhecidas como uma dupla. Lacey sorriu sozinha, voltando-se uma última vez para sua paixonite-relâmpago.
— O caminho está livre, e acredito que sejam compatíveis — ela disse num tom gentil. — Tem minha aprovação e meu incentivo, senhor.
— Obrigado, Alteza.
Em seguida, Dash depositou em suas mãos enluvadas um beijo mais do que educado. Como minha cabeça é maluca, Lacey riu com amargura nos ecos de sua própria cabeça. Ao deixar os três irmãos a sós e notar o modo como o minerador observava a irmã, preferiu aguardar até a próxima vez que as gêmeas fossem solicitar sua ajuda. Como isso não acontece, Lacey recolocou o chapéu e deu meia-volta.
Ivory a esperava. Montando com mais coragem, os dois trotaram rumo ao palácio. Já tinha a resposta para seus questionamentos.
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Lacey mal notou que completou o percurso com maestria – se não isso, ao menos sem ir se tremendo toda com medo de cair do cavalo –, tamanha era sua ansiedade de voltar para casa. Foi apenas com o estopim de Dash para que lhe viesse uma vozinha e dissesse "por que está atrás de alguém que seu coração não conhece?". Lacey sorria de orelha a orelha, pronta a se arriscar com os próprios sentimentos. Já era hora de tentar apesar do medo. Era isso o que significava coragem, não é?
Como bem diria Delia... O não eu já tenho, agora só falta correr atrás da humilhação. Lacey gargalhou sozinha com o pensamento, mal se contendo de euforia. Após deixar Ivory no estábulo, caminhou a passos quase saltitantes em direção ao jardim. Parando um momento para contemplar o pátio de dança da mãe, Lacey sorriu um tanto mais suavemente. Gostaria de dividir o momento com a mãe, apesar de não ter lembranças dela.
Continuando o caminho, Lacey seguiu pela trilha que lhe era tão familiar. Ao aproximar-se da estufa, porém, Lacey notou que havia uma conversa em andamento. Apesar de não ser uma bisbilhoteira, já era tarde demais para fingir não estar ali. O coração de Lacey apertou-se ao ver Luke e Kathleen conversando animadamente.
— É muita gentileza, Alteza — ele dizia, com as bochechas coradas. — Obrigado.
— A beleza está nos olhos de quem vê — Kathleen respondeu com seu tom delicado de praxe. — A honra é toda minha, Luke.
Lacey bateu à porta, com uma timidez avassaladora a dominando. Ambos se sobressaltaram, olhando para ela como se fosse uma miragem. Trocando o peso dos pés, ela apressou-se em explicar:
— Desculpem, não quis atrapalhar. Eu só vim pegar minha amostra de lírio-do-vale.
— É claro! — Luke ajeitou-se de prontidão. — Aqui estão, Alteza.
Conforme pedido, as prensas foram dentro de dois volumes da Enciclopédia Botânica. Luke entregou-as com um sorriso educado, ao passo que Kathleen observava tudo de seu canto. Lacey optou por manter-se polida.
— Muito obrigada.
— Vou voltar com você — Kathleen prontificou-se, sem maldade. — Q-quer dizer, se não for ficar mais tempo aqui...?
— Não, eu já... Fiz o que tinha para fazer. Podemos ir.
Luke desviou o olhar para suas plantas em cultivo, sem-graça. Kathleen assentiu energicamente, contrastando com a falta de ânimo da irmã. E pensar que, apenas alguns minutos antes, era Lacey a estar enérgica. Agora, parecia ter caído do cavalo e ter sido atropelada por ele... Duas vezes.
Como minha cabeça é maluca...
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