Capítulo 06


Estavamos cerca de 10 minutos aí e Tom não dizia nada, talvez estivesse esperando para que eu começasse a falar ou sei lá. Sinceramente não tenho nada para falar, o psicólogo é ele então já devia saber o que dizer durante todo esse tempo que estamos aqui parados.

Tom parece muito jovem para já ser um psicólogo, quando ele se formou? Ele parece ter 19 anos assim como eu, 19 ou 20. Seu rosto não expressava nada, seria mais fácil se olhasse para ele e conseguisse adivinhar o que seu rosto expressa, mas nem isso.

Não sei se ele está feliz, triste, relaxado ou algo parecido, é uma mistura de coisas.

Tom olhou para mim como se tivesse ouvido os meus pensamentos, abriu um pequeno sorriso e afastou uma mecha de cabelo que estava quase atingindo seus olhos negros.

— Eu estou simplesmente admirando a vista – disse fazendo silêncio logo depois por trinta segundos. — Alguma vez já se deu conta que tem um jardim muito lindo? Consigo sentir o cheiro das flores daqui.

Olhei a volta tentando ver a beleza que Tom tanto admirava, mas não vi nada mais do que o jardim que vejo todos os dias da janela do meu quarto. Não é algo tão lindo a ponto de eu ficar extasiada olhando. O jardim é bonito sim, mas é só mais um jardim comum como todos os outros.

— Você com certeza deve estar se perguntando o que de tão especial estou vendo aqui – sorriu de leve mais uma vez — Acho que olha essa parte da sua casa tão depressa que se acostumou, é como se a sua mente tivesse feito uma fotografia e sempre que você olha acha que é a mesma coisa.

— E não é? – minha voz saiu meio tímida — Faz anos que essa vista é a única coisa que vejo, e para ser sincera nunca me importei muito com ela. Eu consigo ver todo esse jardim da janela do meu quarto, tenho todos os cantos dele em minha mente.

Tom sorriu pelo nariz e sem que pudesse esperar girou a sua cadeira e se aproximou um pouco de mim. Não estávamos tão longe um do outro, basicamente estávamos agora virados um de frente para o outro e não como nossas mães nos deixaram que era lado a lado.

— Como é possível que você esteja vendo a mesma vista por anos?  – pareceu admirado dizendo aquilo — As cor das plantas mudam, as flores mudam, o aspecto delas mudam e até o cheiro muda Zendaya, então não é possível que esteja vendo a mesma imagem por tanto tempo.

Nunca pensei por esse lado ou era só mesmo falta de interesse.

— Que idade você tem? – perguntei me sentindo envergonhada e um pouco burra pela explicação simples que ele me deu sobre as flores que em anos não consegui perceber.

Agora com tudo o que ele disse continuo vendo a mesma imagem, mas com curiosidade suficiente para ver tudo de belo que Tom viu nesse jardim.

Talvez pelas coisas que ele frizou é que esse é o lugar favorito da Zuri. Ela passa horas aqui e nunca entendi o porque.

— 21 – respondeu me causando mais inquietação sobre a vida dele.

— Já terminou a faculdade?

— Sim, faz 3 anos – minha expressão de surpresa aumentou fazendo ele sorrir de novo — Digamos que fui uma criança especial, terminei o ensino médio com 14 anos, com 15 entrei para a faculdade de psicologia e com 18 anos me formei, tudo graças ao meu QI que era melhor do que devia.

Estava surpresa ouvindo tudo o que ele dizia, tudo isso explica o porque dele ser tão jovem e já ser um psicólogo.

— E o que aconteceu para ficar nessa cadeira de rodas? – senti vergonha por fazer essa pergunta, mas logo lembrei que eu também estava numa nê? Portanto não tem como um de nós sair ofendido por falar sobre esse assunto.

— O psicólogo sou eu – disse em tom de brincadeira — Mas vou contar – limpou a garganta e passou suas mãos pelo rosto — Um dia eu estava indo para a faculdade, já havia terminado a faculdade de psicologia e queria começar uma de psicologia criminal, minha mente era tão perturbada que não me permitia ficar parado nem por dois segundos. Eu era uma pessoa muito ansiosa, tanto que chegava a falar sozinho na rua e não é falar sobre problemas da vida ou algo assim, eu falava as inúmeras páginas dos livros que lia, era só dar uma vista de olhos que tudo aquilo automaticamente colava em minha mente, como uma fotografia do mesmo jeito que olha para esse seu jardim e acha que não mudou nada – ele explicava aquilo tão calmo e dessa vez sua expressão era serena, como se estivesse explicando algo agradável para ele.

Eu acompanhava tudo calada só tentando imaginar o que aconteceu.

— Aquele dia era normal como todos os outros, menos o carro que bateu em mim com tanta força ao ponto do meu corpo ser arremessado para o outro lado da estrada.

— Meu Deus! – foi o que consegui dizer com as mãos na boca — Que horrível Tom, nem imagino o trauma que foi aquilo tudo para você.

Ao invés dele ficar com uma expressão triste, Tom abriu um enorme sorriso me deixando confusa.

— Zendaya – começou ele — Sem medo de errar, esse acidente foi a melhor coisa que podia ter me acontecido.

Fiquei ainda mais confusa com suas palavras. Como assim perder os movimentos das pernas, andar em uma cadeira de rodas, ser atropelado e arremessado do outro lado da estrada como um saco de lixo foi a melhor coisa que aconteceu com ele? Isso é alguma brincadeira?

A pior coisa que aconteceu comigo foi ter perdido os movimentos das minhas pernas, desde que sofri o acidente nunca mais fui a mesma e ele vem me dizer que ser atropelado foi a melhor coisa que aconteceu com ele?

E ainda diz com esse sorriso todo no rosto?

Respirei fundo para não dizer umas poucas e boas para ele, já que odiei sua fala e aquelas palavras me fizeram perder o interesse de falar mais qualquer coisa com ele. Ele quer me fazer achar que estar numa cadeira de rodas é algo bom?  Que tem lado positivo? Isso nunca vai entrar na minha cabeça, não há lado bom nessa história.

— Acho melhor você ir embora... melhor coisa que te aconteceu? Você acha que estar nessa cadeira e depender de todos para tudo é algo bom? Se você pensa assim e quer me fazer achar isso também é melhor sair da minha casa e não voltar.

Tom ficou sério pela primeira vez.

—  Eu perdi tudo naquele acidente, minha família se destruiu por conta daquele acidente e você vem dizer que foi a melhor coisa que te aconteceu?

— Porque eu ia morrer! – sua voz saiu um pouco alta, fazendo com eu me encolhesse na cadeira — Meu QI estava me matando aos poucos, eu não era uma pessoa normal, minha mente tinha que estar funcionando 24/24 horas e eu já não aguentava mais aquilo. Minha cabeça doia, não dormia por dias e se dormia 30 minutos era o suficiente, eu não aguentava mais aquilo e a qualquer momento eu ia acabar com a minha vida. Quando fui atropelado não sei o que aconteceu, mas eu já não era mais a mesma pessoa, toda confusão e o QI elevadíssimo que eu tinha foi embora no dia do acidente. Por isso digo que foi a melhor coisa que me aconteceu, porque graças aquele dia eu consigo ser uma pessoa normal, sair com amigos que até então nem tinha, já não sou obcecado por nada. Foi difícil também me habituar a não poder andar, mas depois daquele acidente eu renasci!

Vendo por esse lado não o julgo por dizer que o acidente foi a melhor coisa que lhe aconteceu.

Me senti envergonhada pela atitude que tive, surtei sem sequer ouvir tudo o que ele tinha para dizer.

— Me desculpe...

— Não precisa se desculpar, é normal a sua reação. Não se esqueça que sou psicólogo, então não se preocupe.

— É bom ver que não se abateu tanto pelo que aconteceu, você é uma pessoa muito forte.

— Eu só olho para os meus problemas como algo que em algum momento vou ultrapassar, no final de tudo esses problemas serão apenas lembranças. Faz 3 anos que sofri o acidente, organizei a minha mente, abri o meu consultório e ajudo pessoas com os mesmos problemas que eu. E comecei a frequentar a fisioterapia a já dois anos, como o meu acidente foi muito grave estou a ter um pouco de dificuldades, mas daqui uns 5 anos eu voltarei a caminhar com normalidade  tenho a certeza.

5 anos? Eu não tenho tanta paciência assim. É por isso que nunca quis fazer fisioterapia, pode ser que você volte a andar como podes não voltar a andar também, prefiro viver nessa cadeira para sempre do que me iludir, fazer a fisioterapia e mesmo assim continuar do mesmo por não dar certo.

— Agora me diz, quais seus planos para o futuro? – perguntou.

E tenho algum?

— Que futuro? Sentada nessa cadeira?

— Porque é tão pessimista? Mesmo com a sua condição você pode ser e fazer o que você quiser.

— Não compartilho da mesma opinião.

— Olha para mim, mesmo não andando consegui realizar meus sonhos, basta ter ao seu lado pessoas que te amem.

— Podemos continuar em outro dia? – perguntei já aborrecida com o rumo da conversa.

Ele pareceu desapontado pela cara que demonstrou.

— Sim, claro – pareceu sem jeito — Vamos ter consulta duas vezes por semana, pode escolher os dias.

— Todos, menos no final de semana – falei e ele riu sem jeito.

— Pode não acreditar, mas não era a minha intenção invadir a vossa privacidade hoje, mas sua mãe insistiu.

Já devo imaginar, minha mãe é bem persuasiva quando quer alguma coisa.

— Eu conheço a mãe que tenho – falei sem jeito também.

— Então nos encontraremos nas quartas e sextas feiras, tudo bem para ti?

— Claro.

Até que conversar com ele não foi tão mau assim, não foi tão mau como foi com outras psicólogas que nem vontade de vê-las na outra consulta tinha.

— Posso pedir mais uma coisa? – assenti e ele continuou — As nossas consultas podem ser em algum parque ou uma geladeira, restaurante ou...

— Acho melhor não  – interrompi — Prefiro que seja aqui em casa mesmo.

— Tudo bem – não pareceu se abalar por eu ter negado.

Ficamos conversando por mais algum tempo sobre coisas bem aleatórias como "como vai a faculdade" entre outras coisas. A impressão de que Tom me passou é de que ele não fica triste porque sua forma de ser demonstra que é alguém alegre e com vontade de viver.

Queria ser desse jeito, não me preocupar com nada e viver a vida, mas  minha condição me inibe de tudo que sempre quis na minha vida.

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