Capítulo 02


Minhas mãos tremiam tanto que eu nem conseguia controla-las. A cada segundo que o carro se aproximava do meu mais novo pesadelo mais as minhas mãos tremiam. Não pensei que ficaria tão apavorada, na verdade eu pensei sim e tudo está acontecendo como imaginei.

—Porque você tem tanto medo, filha? Você não é a primeira e nem a última garota nesse mundo a viver com alguma deficiência.

—Não é isso, mãe – um nó se formou em minha garganta.

— Então o que é? – ela parou o carro e me olhou esperando a minha resposta.

— Nós vivemos em uma sociedade tão perversa, vivemos num mundo onde se você não for do jeito que a sociedade quer você é humilhada, é tratada como lixo – me concentrei ao máximo para não chorar enquanto falava. — Eu não sou uma garota padrão que essa sociedade tóxica exige, eu sou só mais um nada que será olhada como lixo como todas outras garotas com deficiência são olhadas por essa sociedade "padrão", e estou falando de qualquer deficiência. Estou mal por ter perdido os movimentos dos membros inferiores, mas estou mais mal ainda pelo julgamento que caíra no olhar de todo mundo que olhar para mim sabendo que não poderei andar, ou que preciso de uma muleta para me locomover ou pior ainda, que preciso ficar sentada em uma cadeira de rodas porque não sirvo para mais nada!

Não percebi quanto tempo fiquei explicando os enormes motivos de eu ser insegura perante a minha nova condição, mas quando terminei de falar minha mãe chorava descontroladamente, eu também não consegui conter as lágrimas e choramos juntas dentro do carro.

Um dos motivos que fez com que eu quisesse sair da Espanha foram as pessoas. Elas não me deixavam em paz, me olhavam como se eu tivesse alguma culpa pelo que me aconteceu, não aguentava mais os dedos apontados para mim. Ainda tentei ir á aula nos primeiros meses depois de ter me curado do acidente, mas no segundo dia eu não consegui ir mais, era muita pressão em cima de mim, tudo que ouvia das pessoas foi motivo maior para todas as frustrações que desenvolvi até agora.

— Você é e continuará sendo a minha menina especial – me soltou e colocou meu rosto entre suas mãos. — Não importa o que esse bando de desocupados vão dizer, você é a minha menina especial com uma perna, um braço, um olho ou qualquer outra coisa, eu nunca vou ver você diferente e devia também pensar assim, você sabe de todas as suas lutas e vitórias até aqui, as outras pessoas não importam, entendeu?

— Eu te amo, mãe! – a abraçei mais uma vez sem vontade nenhuma de a soltar.

— Eu te amo, querida. Agora vamos enfrentar esse povo – me soltou e limpou as lágrimas que escorriam por meus olhos. — Passa um pouco de maquiagem no seu rosto, não pode chegar com o rosto todo vermelho no seu primeiro dia de aulas.

Me endireitei no banco do carro, peguei a maquiagem da minha bolsa e comecei a passar em meu rosto.

— Já agora, em que curso a senhora me inscreveu? – perguntei só pra mudar o clima de velório.

— Literatura, não é legal? – fiz uma careta só para ver qual seria a reação da minha mãe. — Você faz o que quiser, eu só quero que faça faculdade, eu não vou obrigar você...

— Calma mãe – sorri. – Eu amei, sabe que sempre gostei de livros.

Ela colocou a mão no peito e deu um suspiro longo.

— Que alívio – deu partida no carro em direção a faculdade e não demorou muito para chegarmos, pois já estávamos perto.

Assim que o carro estacionou no portão só faltou meu coração sair pela boca.

— Se quiser eu posso te levar até a sala de aulas...

— Isso será o primeiro motivo para as pessoas gozarem de mim - falei rejeitando a ideia, mas não tinha muita escolha porque preciso de alguém que me dirija já que é o meu primeiro dia aqui. — Me leve pra sala mamãe, esse mico eu vou pagar só por hoje.

Ela desceu pra tirar a cadeira do carro, eu fiquei esperando ela ajeitar tudo e depois me ajudar a sair do carro e a sentar na cadeira. Eu podia muito bem entrar sem a minha mãe já que minha cadeira tem controle, mas com ela me sinto mais confiante tipo uns 0,5%.

Quando olhei em volta percebi o quanto de gente estava me rodeando naquele momento, pessoas de todas as raças, jovens bonitos e completos.

Droga!

Para Zen, ninguém aqui sabe sua verdadeira identidade, já se olhou no espelho hoje? Você está linda com esse cabelo, está muito linda, você é linda, esqueceu? Ninguém aqui te conhece então para de se sentir insegurança.

Respirei fundo e fomos até a entrada da faculdade, minha mãe me acompanhava empurrando a minha cadeira algumas pessoas olhavam para mim, mas logo desviavam o olhar, outras nem perceberam minha presença e por sorte não tinha muitos alunos fora das salas. Sempre me habituei a ser o centro das atenções, por isso achei que quando chegasse todos olhariam para mim.

Ainda bem que serei só mais uma colega invisível da faculdade.

Nos encaminhamos para o que imaginei ser a secretária da faculdade, confirmamos minha matrícula e foi-me indicada a sala e a turma que eu ficaria.

E graças a Deus não precisava subir escada nenhuma.

Minha mãe me levou até a porta da sala de número 7 e a porta já estava fechada.

— Até aqui está por sua conta – as palavras da minha mãe me fizeram engolir seco.

— Infelizmente, mas tenho que fazer isso.

— Vai correr tudo bem, só seja você qualquer coisa me liga – beijou minha testa. — Amo você e boa sorte – logo ela se retirou.

Que seja o que Deus quiser.

Respirei fundo e bati duas vezes na porta com as mãos tremendo, logo ela foi aberta por um homem de meia idade, óculos redondos no rosto e que me olhou com um ar agradável.

—Pois não? – perguntou ele.

— Eu... eu... meu nome é... eu vim aqui para... – não conseguia nem formular uma frase.

— Pertence a essa turma? – perguntou me interrompendo com um pequeno sorriso no rosto.

— Sim, sou aluna nova – finalmente uma frase.

— Claro, faça o favor de entrar senhorita...

— Zendaya Col... Coleman, mas pode me chamar de Zen.

— Ok Zen, entre - deu espaço para mim entrar, mas eu não o fiz. Fiquei parada na porta pensando se aquilo valia mesmo a pena, eu podia voltar para casa e arranjar outra maneira de fazer o meu pai se sentir bem. Eu preciso mesmo fazer isso? E eu nem estou tão bem assim... — Senhorita Zendaya Coleman, vai entrar ou não? Preciso continuar a minha aula – meus pensamentos foram atrapalhados pelo professor que parecia já estar aborrecido comigo.

Foram os dois segundos mais rápidos da minha vida, precisava decidir se devia ir ou não, mas antes que eu pudesse responder alguém atrás de mim chamou a atenção do professor.

— Michael Jordan, está outra vez atrasado – o professor disse me fazendo olhar para trás automaticamente.

Meus olhos quase não se aguentaram de tanto brilho que aquele garoto tinha, nunca na minha vida tinha visto um homem tão lindo.

Seu rosto parecia bronze polido, era negro e forte, alto, tinha olhos cor de mel, seu cabelo era aparadinho, sua boca era rosada e linda. Nunca fui de olhar para rapazes desse jeito, mas uma beleza dessas não passaria despercebida nem que eu fosse madre, esse cara é muito lindo isso não posso negar.

— Desculpa professor, o senhor sabe que... – ele tentou explicar, mas o professor não deixou.

— Eu sei, entra - o tal Michael passou por mim entrando no sala e o seu cheiro ficou impregnado pelo ambiente. – E a senhorita, tem que decidir se vai entrar ou ficar aí.

Já estou na chuva mesmo, não tenho como recuar.

Dirigi minha cadeira até a sala mesmo não querendo aquilo e finalmente tive a visão da minha turma, não tinha mais de 50 pessoas, umas 35, acho eu. Eles olhavam para mim curiosos, eu não sou branca, e eles são todos brancos, tem algumas pessoas negras, mas a maioria é branca. A insegurança tomou conta de mim, as pessoas me olhando me fez ficar tão nervosa que a única coisa que me apetecia era sair daquela sala.

— Essa é a senhorita Zendaya Coleman – disse o professor fazendo as pessoas olharem ainda mais para mim.

— Só Zendaya chega – falei constrangida com tanto olhar sobre mim.

— Pode se sentar do lado esquerdo do Michael – apontou um lugar vazio perto do garoto que passou por mim na entrada. — Tom, tire a carteira para que a Zendaya consiga posicionar melhor a sua cadeira – disse e o Michael levantou fazendo o que o professor mandou. — Se tiver qualquer dúvida é só perguntar para ele, o homem é fera nas matérias.

Parecia que minha cadeira estava colada ao chão.

— Seja bem vida Zendaya – a turma falou depois do professor pedir para me darem as boas vindas.

Sorri em resposta, um sorriso bem forçado, é claro.

— Pode se sentar... Quero dizer, pode ir para o seu lugar – Ouvi um riso fraco de alguém na sala, mas respirei fundo e fingi não ter ouvido. Parece que o professor percebeu que fiquei constrangida. — Não queria constrangir você Zen, eu te ajudo a ir para o seu lugar.

— Não precisa professor, eu vou – engoli meu medo e a vergonha, fui lentamente até onde o professor indicou, que por sorte não era tão longe.

Alguns olhares ainda estavam sobre mim, coloquei minha bolsa em cima da mesa e peguei um caderno para fazer anotações de coisas que o professor dizia que tínhamos que comprar.

A aula correu na normalidade, eu não consegui nem virar o rosto para olhar em outro ponto da sala, me manti na mesma posição o tempo todo até que a aula terminou. Os colegas começaram a sair da sala e num segundo já não havia quase ninguém na sala, olhei para o meu celular constatando que ainda faltavam algumas horas até a hora de voltar para casa.

Que esse dia acabe logo.

— Precisa de alguma coisa? – alguém que usava um tênis branco parou na minha frente, nem me dei ao trabalho de levantar o rosto para ver quem era.

— Não.

— Tem certeza? – a pessoa insistiu.

— Sim.

— Você é sempre assim?

— Sim – não é querer ser grossa, quero ter menos contato possível com pessoas desconhecidas, quero vir para aula e voltar para casa, só isso.

— Seu nome é Zen, não é? – olhei para cima para ver quem era e travei na resposta grossa que eu estava pronta para dar a ele. — Viu? Consegui que olhasse para mim, meu nome é Michael Jordan, meus amigos me chamam de Mich - esticou a mão para que eu a apertasse.

O que um garoto como ele quer falando com uma garota que nem eu?

— Zendaya – falei depois de alguns segundos só olhando na mão dele.

— Consegui que dissesse algo além do "sim e não" estamos evoluindo – sorriu mostrando seus dentes perfeitos.

Gente, esse garoto é perfeito.

Ele deve ser mais um conquistador barato da universidade, um que já namorou metade das garotas daqui e espera namorar a outra metade, sei bem o tipo dele, sempre sorridente, simpático, gentil e quando menos esperam as garotas já estão morrendo de amor por ele.

Eu não sou esse tipo de garota.

— O que deseja?

— Outra palavra – puxou uma cadeira e sentou na minha frente sem que eu sequer desse permissão. — O professor disse que pode perguntar o que quiser para mim, tudo mesmo.

O que ele quer dizer com isso?

— E quem disse que eu quero saber alguma coisa da sua vida? – fechei a cara na esperança que ele notasse que estava incomodada com a presença dele e fosse embora.

Quem esse imbecil pensa que é? Pelos vistos é um babaca que sabe que é bonito e usa isso para se aproximar das garotas.

— Estou falando da aula - ele sorriu mais uma vez.

Quis dar um soco na minha cara só pela vergonha que estava sentindo naquele momento, eu devia ter imaginado que ele estava falando da aula.

— Ah, isso. Não, não tenho dúvida nenhuma.

— Tudo bem então, eu... – na hora uma garota alta e loira entrou na sala fazendo com que ele deixasse de falar.

— Mich, estou tentando falar com você a semana inteira – a mulher falou e ele se levantou ficando na sua altura.

—O que você quer, Sam? – seu rosto ficou tão sério que nem parecia o garoto sorridente que falava comigo a alguns segundos.

— Como assim o que quero? A gente precisa conversar! – respondeu ela.

— A gente não tem nada para conversar, tudo o que tinha para falar para você eu já falei.

— Você não me deixou explicar!

— Explicar o que? Você transou com o meu melhor amigo, qual a explicação que vai me dar?

Que babado, como assim? Eu não devia estar presenciando isso, mas pelo que estou vendo essa garota é ex namorada dele e o traiu com o melhor amigo dele, agora ela está correndo atrás dele tentando dar uma explicação e ele parece que está nem aí para as explicações dela.

Pelo menos alguma coisa para me entreter nesse lugar.

Mas como alguém trai um cara desses? Ele é perfeito, por fora é claro, no interior nunca se sabe.

— Mich por favor...

— Para de andar atrás de mim, isso já está ficando chato.

— Não faz isso...

— Me deixa em paz! – Mich saiu da sala deixando a garota lá.

Eita!

Pela reação que Michael teve ele ainda gosta dela.

A garota olhou para mim e fechou a cara imediatamente.

Eu ein!

— O que você é dele? – olhei para trás para ver se não tinha mais ninguém, para ter a certeza que a garota estava falando mesmo comigo.

— Está falando comigo?

— Está vendo mais outra mosca morta aqui?

Essa garota só pode ser desequilibrada. O que eu teria com um garoto que acabei de conhecer? E mesmo se o conhecesse a mais tempo, ele não faz o meu tipo.

— Estou vendo sim, você! – falei devolvendo o insulto gratuito que ela estava lançando para mim. Ela abriu a boca e fechou várias vezes como se não acreditasse na resposta que eu tinha dado.

Obrigada pela dica mãe, ganhei o dia por isso.

— O que você disse? –  se aproximou mais de mim e me encarou.

Ia responder novamente a mesma coisa, mas outro professor entrou na sala e os colegas também começaram a chegar. Ela me olhou feio e logo se retirou da sala se esbarrando em Mich que estava entrando também, mas os dois não trocaram nenhuma palavra.

Loucos.

Estou vendo que não vou ter tanta paz assim.

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