Capítulo 01
Um barulho enorme fez com que eu acordasse transtornada mais uma vez. Era como se eu tivesse corrido uma maratona, pois minha respiração estava muito acelerada. Passei uma das mãos pelo meu rosto e estiquei a outra para pegar o copo de água que estava por cima da cômoda, assim que o peguei bebi como se minha vida dependesse daqueles míseros mililitros de água.
Estou cansada desses pesadelos, aquele dia horrível não quer me deixar em paz. Se ao menos conseguisse andar até que tudo seria menos doloroso, se conseguisse andar não teria que mudar minha vida radicalmente como aconteceu, aquele maldito dia acabou com as minhas pernas.
Quando o carro capotou minhas pernas ficaram presas nele, eu fiquei presa naquele carro por longos e pavorosos minutos, quando os bombeiros chegaram era tarde demais. Meu pai teve fraturas leves que se curaram rapidamente, mas eu não, estarei presa á uma cadeira de rodas para sempre.
Minha família teve que sair da Espanha onde residia por conta do trabalho do meu pai e vir morar em Seattle, nos Estados Unidos. Tudo para fugir da mídia que não nos deixava em paz e também porque eu pedi, não aguentava mais o olhar das pessoas sobre mim. Eu era modelo e tinha uma carreira brilhante pela frente, mas infelizmente tudo isso acabou, foi e continua sendo difícil me acostumar a minha nova condição mesmo depois de dois anos, nem consigo ir a escola porque não me aceito sentada nessa cadeira. Tive aulas particulares o ano passado e para mim chega, já foi suficiente a cara da minha professora sempre que olhava para mim, ela me reconheceu como outras pessoas também me reconheceriam.
"Zendaya Coleman, a modelo que ficou paralítica mudou-se para Seattle, onde tenta ter uma vida normal depois da tragédia que mudou sua vida"
Aí viriam os comentários:
Coitada!
Que pena dela!
No lugar dela eu teria me matado!
E blá blá blá.
Seria a notícia do ano, os jornalistas viveriam na porta da minha casa, nunca mais teria paz, acabaria me matando dentro dessa casa.
Quanto mais longe eu ficar desses abutres, melhor!
Afugentei as lembranças que só me faziam mal e decidi dormir, para amanhã ter a mesma rotina de sempre fazendo absolutamente nada. Nem uma rede social posso ter porque serei invadida em menos de 20 segundos.
Isso é o preço de ser uma pessoa pública.
****
— Zen? Zen? Acorda Zendaya – ouvia a voz da minha mãe, mas me recusava a abrir os olhos. — Zendaya, você vai se atrasar – sua voz saia suave como sempre.
Como assim já amanheceu?
— Me atrasar para o que, mãe? – perguntei ainda com os olhos fechados. — Não tenho nenhuma consulta hoje.
— Não é consulta, vai se atrasar para o seu primeiro dia de aulas – abri os olhos e sentei na cama sem entender.
— Aulas?
— Sim, eu matriculei você na faculdade.
Minha cara de chocada não foi suficiente para minha mãe dizer que aquilo era uma brincadeira, eu esperava do fundo do coração que ela dissesse que estava brincando.
— A senhora está falando sério? – perguntei ainda sem acreditar.
— Muito sério, primeiro temos que passar no salão de beleza – falava enquanto procurava alguma roupa minha em uma mala que nunca havia aberto desde que cheguei em Seattle. — Depois temos que comprar algum material de apoio para você, sua aula começa as 13:00.
— Eu não vou – deitei na cama e me cobri com o lençol.
Ela só pode estar louca, ela mais do que ninguém sabe que enfrentar as pessoas é o meu maior medo.
— Vai se esconder até quando? Eu conversei com a sua psicóloga e ela aconselhou...
— Mãe, eu não quero saber o que disse a psicóloga!
— Meu amor, vai fazer bem para você.
— O que é que vai fazer bem? Eles me olharem com pena?
— Eles não vão – Puxou o lençol que me cobria e jogou longe.
— Não me obriga a isso, mãe, eu nunca vou perdoar você se me obrigar a ir – chorei já sentindo o pânico tomar conta de mim.
Fazia 2 anos que não tinha contato com ninguém que não fosse a minha família, a professora e a psicológa que me visitava duas vezes na semana.
— Meu amor olha para mim – sentou do meu lado e segurou minhas mãos. — Eu nunca faria nada para te magoar, tudo o que faço é para o seu bem. Você já tem 19 anos, precisa levar uma vida de garota da sua idade, eu quero ver você sorrindo, quero te ver brilhar meu amor.
— Como vou fazer isso sendo que perdi tudo, mãe? – as lágrimas já se formavam em meus olhos com uma rapidez absurda. — Eu não sou mais a mesma.
— Você não perdeu tudo – ela derramou uma lágrima, e logo a limpou. — Você tem o mais importante, a vida, e o amor que eu e o seu pai temos por você. Já imaginou que esse acidente poderia ter sido pior, que ao invés de perder os movimentos das pernas você perdesse o seu pai? Já imaginou?
— Não fala isso nem brincando!
— Está vendo? Seu pai morre todos os dias quando vê você chorando, quando te vê trancada dia e noite nesse quarto, sabia que ele começou a beber? Seu pai sempre odiou álcool, mas pela culpa de ter acabado com a sua vida ele está se entregando para o álcool.
A confissão da minha mãe me deixou sem palavras. Passo tanto tempo nesse quarto que não sei direito o que acontece nessa casa, nem conheço ela direito. A última vez que me lembro que sai do quarto, foi a dois meses no aniversário de 17 anos do meu irmão, fora isso nem na cozinha eu vou.
Tenho dois irmãos, Zion de 17 anos e Zuri de 12 anos.
Não imaginei que meu pai estivesse se sentindo culpado, por isso ele não me olha nos olhos e nem chega muito perto quando vem me ver, ele não veio nos últimos 3 dias achei que fosse por conta do trabalho e por isso não me incomodei.
— Isso... isso é verdade?
— Sim querida, por isso eu peço que faça um esforço para se animar, para viver ou o seu pai vai acabar morrendo de tristeza e culpa.
Meu pai é uma das pessoas que mais amo no mundo, se algo acontecer com ele por minha causa eu nunca vou me perdoar.
Eu faria qualquer coisa para ver ele bem, minha família já não é a mesma desde o acidente, e se eu ir a faculdade fará ele se animar, então eu farei esse sacrifício.
— Eu aceito ir à faculdade – falei rápido. — Mas com uma condição, uma não, várias.
— Quais? – os olhos da minha mãe brilharam na hora.
— Eu vou, a senhora terá que comprar vestidos longos para mim, calças largas ou pantalonas, tudo comprido...
— O que você quiser – respondeu ela. — Me promete só mais uma coisa?
— O que?
— Vai frequentar a fisioterapia.
— Isso não.
— É uma chance para você poder voltar a andar devia ir.
— E se eu me iludir e no fim eu continuar nessa cadeira de rodas?
— Pronto – suspirou. — Uma coisa de cada vez, vamos ver como irá se adaptar á faculdade.
Não falei nada assenti simplesmente.
— A madame vai querer mais alguma coisa? – minha mãe sorriu de leve e me deu um beijo.
— Só mais algumas coisas – sorri de volta mesmo que a ideia de frequentar a faculdade não me agrade. — Quero pintar o cabelo e cortar até o ombro, e também quero umas lentes de contato e óculos graduados, se vou voltar para a escola que seja como outra pessoa, eu não quero ser alvo de ninguém mamãe.
— Eu entendo você, eu mesma já pensei nisso – respondeu me soltando. — Mas seu nome continua sendo Zendaya Coleman, isso não vai mudar.
— Mamãe, o meu nome Zendaya Maree Stoermer Coleman, esqueceu?
— Esqueci – riu dando o leve tapa em sua cabeça. — Verdade, seu nome é esse.
— posso usar qualquer um desses nomes ninguém precisa ouvir o meu nome completo, que é bem bizarro, mas eu o amo.
— Usa o nome que você quiser filha, agora vou ajudar você a tomar banho – beijou minha bochecha me ajudando a sair da cama.
— Pode deixar que eu tomo banho sozinha, depois te chamo pra ajudar a me arrumar.
Meu quarto tinha toda as condições para que eu conseguisse me locomover melhor com a minha cadeira, inclusive tinha uma no banheiro que usava pra tomar banho, era um pouco trabalhoso, mas dava pra o gasto.
Quando minha mãe empurrou a minha cadeira até ao banheiro e fechou a porta aí percebi a borrada que fiz.
Como assim eu vou para a faculdade? Meu Deus!
Eu não vou conseguir encarar aquele monte de gente me olhando, eu não vou conseguir... para Zendaya, você só vai passar algumas horinhas com gente completamente desconhecida e que provavelmente nem vai notar a sua presença.
E é pelo papai!
Usei isso como a maior motivação para começar a tomar o meu banho. Tinha um espelho enorme de frente ao meu chuveiro para que pudesse me lavar sem muita dificuldade, mas odeio olhar para mim por isso finjo que nem está ali.
Tomei meu banho, sai do banheiro depois de terminar de fazer todas as minhas higienes e encontrei minha mãe sentada na cama, logo ela levantou ajudou a me secar e começar a me vestir. Estou me sentindo muito nervosa, não sei como vai ser lá na escola, o olhar de pena das outras garotas, espero sinceramente não sair correndo...
Pera! Como assim?
Sorri amargo com o meu pensamento. Como alguém que não consegue movimentar as pernas vai sair correndo? Isso é alguma piada?
— Você está pronta – disse minha mãe sorrindo. — Você está linda, estou orgulhosa, podemos ir?
Demorei um pouco a responder, eu usava uma saia longa amarela e uma blusa de alcinha preta que mostrava um pouco minha barriga, coloquei um casaco e pronto.
O sorriso no rosto da minha mãe era tudo, desde o acidente que não vejo ela com esse brilho no olhar.
— Só falta o tênis, está ali – apontei para um ponto do meu quarto onde ficavam os sapatos — os pretos – ela logo foi até a sapateira e tirou os tênis.
Minha mãe me ajudou a colocar eles, me olhei no espelho por cima daquelas roupas largas e em nenhum momento senti que era eu, faz tempo que não coloco uma roupa pra sair, mas enfim não faz diferença sentada nessa cadeira.
Fomos até a sala onde meus irmãos e meu pai estavam tomando o café da manhã, minha casa era toda adaptada para que eu pudesse me deslocar com a cadeira.
— Olha quem decidiu ir às compras, ao salão de beleza e advinhem? Ir à faculdade também? – minha mãe perguntou e todos olharam como se não acreditassem.
— Como assim? – meu pai perguntou ainda com a sua cara incrédula. — Vai fazer faculdade agora?
— Não sou eu Coleman, é a Zendaya!
Não imaginei que minha família ficaria tão eufórica só por saber que vou para a faculdade, nunca recebi tantos beijos e abraços sem ser o meu aniversário. A felicidade no rosto da minha família era impagável, não havia dinheiro no mundo capaz de pagar aquele momento, eles ficaram tão emocionados, mas tão emocionados que quase me derrubaram.
— Chega, nê? – falei endireitando o meu cabelo. — Me despentearam toda.
— Não sabe como eu fico feliz minha filha, divirta-se tá? – disse meu pai. — Eu vou comprar uma pizza logo a noite para a gente comemorar.
— Eu posso levar você para a faculdade sempre que precisar — disse Zion depois de me dar um abraço. — Não será incômodo nenhum.
— E eu posso ser sua escrava por tempo integral, se você prometer que vai ver la casa de papel comigo – disse Zuri eufórica.
Que?
— E o que é "la casa de papel"?
— A melhor coisa que você perdeu enquanto estava trancada no seu quarto, la casa de papel é o paraíso, isso! – disse empolgada —Essa é a definição.
Sorri com a maneira de falar da minha irmã, passou dois anos e eu nem percebi o quanto ela cresceu, ela ganhou mais corpo, seus olhos verdes continuam lindos, seus cabelos castanhos continuam ondulados, mas algo em seu pensamento mudou, ela já não é tão criança como eu imaginava.
— Tudo bem Zuri, eu prometo que vou ver a série com você e você não esqueça da sua promessa, será a minha escrava em tempo integral – sem que eu esperasse ela me abraçou e eu retribui.
Não percebia o quanto isso me fazia falta.
Depois de algum tempo eu e minha mãe fomos ao centro comercial e depois ao salão de beleza. Foi bem estranho sair de casa novamente, parecia que estava em outro planeta ou algo assim, as pessoas, os prédios enormes, tudo me pareceu estranho nos primeiros minutos.
Sou uma garota alta, meus cabelos castanhos tem alguns cachos dispersos até nas costas e meu corpo é magro. Quando fui ao salão de beleza, decidi corta-los até aos ombros e pintar todo ele loiro, colocar algumas ondas, tudo isso só para não ser reconhecida.
Ao meio dia eu já era uma nova pessoa, uma nova pessoa pronta para encarar seu novo desafio...
Mentira, não estou pronta, mas paciência!
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