t r e z e
Jungkook já tinha os olhos abertos quando ouviu batidas suaves e cautelosas da mãe na sua porta.
Que manhã fatídica, Jungkook já podia sentir.
Não se mexeu nem um pouco, mas como se a sua mãe já soubesse que ele não tinha pregado olho, disse-lhe baixinho:
– Se não quiser sair da cama, eu posso ir com a sua irmã e chegar um pouco mais tarde ao trabalho...
Jungkook ia merecer se a sua mãe lhe quisesse bater depois da noite passada.
– Eu vou com ela. – ele disse também baixinho, mas audível – Já desço.
– Jungkook... – a mulher suspirou e Jungkook ouviu o som da maçaneta ser largada por ela. Não a olhava, mas imagina como estava agora se agarrando em um casaco de malha, tendo cuidado com as suas palavras.
– A sério, já vou. – afastou um pouco os cobertores para provar o seu ponto, mesmo sabendo que não era a isso que a mãe se referia.
Após ouvir os passos da mulher pelas escadas, levantou-se da cama e saiu do quarto, indo até o banheiro. No espelho, quase pôde sorrir para si mesmo após não encontrar qualquer vestígio de lágrimas, porque não tinha chorado. Embora tivesse que se acalmar por longos minutos depois de chegar a casa na noite anterior, não tinha derramado uma lágrima que fosse. Isso era bom.
Sentindo que os ossos pesavam, Jungkook entrou no chuveiro e ligou a água um pouco mais quente do que costumava gostar. Mal se habituou à temperatura, ficou quieto por algum tempo debaixo dela.
Sabia que tinha cometido um erro. Jimin tinha ligado para si pelo menos três vezes e, embora Jungkook não soubesse se fora a primeira opção do Park, ele sabia que não era a única. Magoava-lhe que, ali na cidade, ao invés de ter chamado Yoongi ou Hoseok, ele tinha ligado a Ravi, que viera de tão longe. Magoava-lhe que, se fosse o caso, mal Jungkook não estava, Jimin recorria a Ravi. Magoava muito.
Longos minutos depois, mas não demasiados, Jungkook desceu, vestido em um hoodie. Não queria soar nada dramático, mas ultimamente estava tão familiarizado em ser desapontado que podia facilmente passar pelo dia sem focar nesse remorso.
A sua irmã estava no sofá, os seus pés nem tocavam no chão, balançando de um lado para o outro, mostrando a sua ansiedade. A TV estava ligada, desenhos animados passavam.
– Você está pronta? – Jungkook perguntou.
Yang olhou o irmão rapidamente, notando-o ali e sorrindo largo enquanto acenava com a cabeça. A mãe veio da cozinha num instante.
– Você deveria mesmo começar as aulas de condução, Jungkook. – disse ela enquanto abanava as chaves do carro na mão – Vamos lá, eu vos levo.
A viagem para o hospital foi silenciosa. A mãe dos Jeon não tinha dito nada sobre a noite anterior e Jungkook temia que ela estivesse chateada. Não sabia como pedir desculpas, porque assim que o fizesse, a sua mãe quereria uma justificação para o que acontecera e Jungkook não queria nada justificar-se. O que diria? "O meu coração quebrado se despedaçou"?
Perto do hospital, o telemóvel da mãe tocou. Jungkook estranhou logo, porque a mãe tinha enfiado o telemóvel no bolso traseiro das calças quando costumava levá-lo no meio do carro, às vezes ligado diretamente às colunas da viatura.
– Não vai atender? – perguntou ele, quando a mulher apenas puxou o celular, o silenciou e voltou a guardar.
– Estou a conduzir, não estou? – respondeu ela na defensiva, debruçando-se sob o volante e fingindo-se atenta a algo na estrada.
Jungkook quase quis rir. Lembrava-se da primeira suspeita que tivera sobre a sua mãe estar vendo alguém, mas era apenas uma coisa boba. Agora que parava para pensar, talvez fosse mesmo verdade. Na noite passada estava estranhamente acordada e de casaco de lã na cozinha da casa, hoje não atendia o celular em frente aos filhos, coisa que era muito comum antigamente.
Quando chegaram ao parque do hospital, a mãe perguntou:
– Tem dinheiro para o ónibus depois?
Jungkook apenas acenou, saindo do carro e abrindo a porta de trás do carro para a irmã sair, já que a mesma estava trancada do lado de dentro. Os dois acenaram à mãe e puseram pés a caminho.
– Você não ia dormir na casa do pai, hoje?
– E dormi.
– Mentiroso. – ela riu enquanto encaixava a sua mão na do mais velho – Dormiu com o seu hyung, Jimin? Na casa dele?
– Não, Yang, dormi em casa. – balbuciou, apertando a mão dela momentaneamente enquanto entravam no edifício.
– Antes sempre dormia na casa do Jimin. Agora nunca.
Jungkook não disse mais nada até alcançar o balcão de receção. Entregou o cartão da irmã e rapidamente passaram à sala designada. Jungkook se sentou num dos sofás ao canto, enquanto a irmã ficava à sua frente, também numa pequena poltrona, enquanto a enfermeira tratava do que tinha a tratar.
Jungkook não gostava muito de ver, porque a irmã sempre se queixava da picada e ele não era muito fã da cena. Rapidamente puxou do celular e fingiu ver qualquer coisa. Claro que a sua aura triste e solitária não encaixava ali. A sala era colorida, com as paredes pintadas e alguns desenhos. Mais tarde, novas crianças chegavam e a sua irmã ficava mais desperta, pois conhecia-os. Eles podiam jogar às cartas, fazer desenhos e lutar pelo comando da TV pendurada na parede. E Jungkook ficava ali, como outros acompanhantes, fechados em seu mundo.
Antes que notasse, meia hora já tinha passado e a sua irmã estava o olhando, sentada na sua frente. Ele subiu o olhar da tela e suspendeu uma sobrancelha.
– O que foi? – perguntou ele.
– Pode... ir buscar bolachinhas daquelas? – murmurou ela, tentando falar baixinho.
Jungkook suspirou, levantando-se enquanto acenava com a cabeça. Do lado de fora, no final do corredor, havia uma máquina de venda ao lado dos elevadores. Da última vez a menina tinha-se queixado da fome e as ditas bolachas fora a única coisa que Jungkook achara apropriado.
Ele parou em frente da máquina, marcando o número correto para as bolachas de mel que a irmã gostava e introduzindo o dinheiro. Assistiu o pacote cair e, assim que se abaixou para pegar o mesmo, travou o olhar no elevador que acabara de ser aberto porque alguém o chamara.
Jungkook estava curvado sobre o próprio corpo quando viu Ravi, dentro do elevador, batucando os dedos na perna e esperando as portas fecharem. Ele não viu Jungkook.
Jungkook puxou pela sua memória de minutos atrás, tentando perceber de onde Ravi tinha vindo, se o tinha visto pela sua visão periférica e, mais importante de tudo, qual era a probabilidade de ele estar ali por Jimin?
Jungkook caminhou até o fim do corredor, espreitando pelas portas abertas. Não esperava nada, mas foi um choque enorme quando parou na frente de um quarto individual. Embora a pessoa que estava lá dentro estivesse baixando um sweater pelo corpo, de costas para si, Jungkook sabia que aquele era Jimin. O facto de o sweater ser de Jungkook nem tinha nada que ver com isso.
Incapaz de dizer alguma coisa, Jungkook ficou ali parado até que Jimin se virasse e o visse ali.
Para ser honesto, Jimin estava acabado. Os seus olhos estavam inchados, o nariz tinha uma coloração vermelha e os cabelos despenteados. No entanto, tudo o que ele se preocupou em fazer, foi apressar o passo até Jungkook e abraçá-lo.
Jungkook quase tremeu, deixou escapar uma respiração e um batimento, imóvel. Era como se não visse Jimin há anos e não o conhecesse mais. E, mesmo assim, ainda o queria, ainda dava tudo para estar ali.
– Jun... – Jimin sussurrou, o apertando tanto.
– O que aconteceu? – Jungkook perguntou, o afastando para olhá-lo – Porque está aqui?
Jimin nem teve tempo para notar que Jungkook não estava ali por ele, que se tratava de uma coincidência.
– Foi um ataque de pánico... feio... – ele coçou os cabelos, entrando no quarto e sentando-se na cama – Mas está tudo bem agora.
Jungkook entrou para dentro do quarto, incerto.
– Eu soube o que aconteceu... – ele disse – Lamento muito.
– Porque... não atendeu? – Jimin quis saber, apanhando um ténis do chão e enfiando-o no pé – Eu fiquei preocupado e... porquê?
Foram longos segundos até Jimin largar os atacadores e encarar Jungkook. O Jeon estava no meio do quarto, mãos nos bolsos da camisola larga e o olhar focado em Jimin.
– O que se passa? – perguntou o de cabelos divididos e desbotados – Oh... você viu Ravi?
– Eu vi. – Jungkook confessou, sem mais nada para dizer.
– Ele veio sem eu pedir... nem sei como soube...
Jungkook tinha a certeza que aquilo era mentira. Não tinha como Ravi simplesmente saber.
– É estranho porque... – Jungkook nem sabia se queria mesmo dizer o que ia dizer – Mesmo puto com você, quando soube... só quis correr para estar do seu lado. E você estava com Ravi.
– Jun. – Jimin pousou os pés no chão apenas para se esticar e puxar Jungkook pelos pulsos. Em peso morto, ele foi, ficando na frente do de cabelos divididos – Não significa nada. Nada mesmo. Ele me trouxe aqui, apenas.
– Foi um pouco doloroso. – Jungkook admitiu, ignorando tudo o que ele dissera – Mas nada comparado com o que eu senti quando soube que... quando soube que... – Jungkook nem sabia pôr em palavras.
– Soube o quê?
Como um choque de realidade, recordado das bolachas da irmã, Jungkook se afastou.
– Devíamos de conversar noutra altura. – recuou alguns passos – Lamento o que aconteceu, hyung. Você não merecia nada disso. – falava depressa – Agora eu tenho de ir. Yang está me esperando.
– Yang? – Jimin apenas repetiu.
– Sim. Está no tratamento. Preciso de ir.
– Jungkook. – Jimin se levantou novamente, tentando impedir que o moreno deixasse a sala de vez – Não veio aqui por mim, veio?
Jungkook era muito de meias palavras, mas estava tão magoado que apenas disse:
– Não. – pensou em virar costas, mas recuou, afinal não ia aguentar agir de forma malvada – Mas ontem fui. Fui a sua casa no meio da madrugada por você.
– Jungkook, o que isso...
Jimin ia segui-lo pelo corredor, mas Ravi apareceu na sua frente antes de tudo.
Por azar, as bolachas que Jungkook tirara já não estavam na máquina e por isso ele teve de tirar outras. No seu interior, só queria poder estar num filme em que o génio da lâmpada existisse e ele pudesse pedir para nunca ter ido até Jimin naquela manhã.
Parecia insensível da sua parte ter dito aquelas coisas ao melhor amigo após o que ele passara e ainda estava passando por, mas Jungkook, honestamente, estava tão cansado.
De volta à sala onde a irmã estava, Jungkook entregou as bolachas e a assistiu partilhar com as restantes crianças. Ele não aceitou nenhum, embora estivesse com fome. Enquanto esperava os últimos quinze minutos passarem, Jungkook voltou a segurar o celular. Nele, uma mensagem de Wonwoo.
Segundo os seus termos, sei que ainda é cedo para te chamar, mas vou mesmo precisar desse casaco de volta. |
Jungkook negou para si com a cabeça. Estava marcado para a vida por ter demorado tanto tempo a chamá-lo.
| Tudo bem. Quando quiser podemos combinar 😊
Jungkook odiava emoji, porque raio estava usando?
Não quer saber para o quê? |
| Para o quê?
Jungkook esperou alguns segundos depois de a mensagem ter entrado em seu celular.
Tem um cara que eu quero convidar para assistir o show. |
| Não tem mais casacos STAFF?
Para ser honesto... esse é especial. |
| Então porquê?
Prometi a esse cara que levava ele em um concerto diferente... mas isso está demorado e por isso, se quero vê-lo, vou ter de arrastá-lo para esse. |
| E o casaco?
Oh, o casaco! É especial, foi a nossa primeira vez partilhando roupa. |
| Você está nervoso? Ninguém usa assim tanta pontuação...
Jungkook acabou rindo com a mensagem que acabara de enviar.
Daquela forma, o tempo na perceção de Jungkook passou bastante mais rápido. Estava triste por Jimin, achava que ele não merecia nada daquilo e embora Jungkook condenasse os atos mais recentes do pai, ele sabia que se algo semelhante acontecesse com ele também sofreria de qualquer das formas.
No autocarro, Jungkook trocou as últimas mensagens do dia com Wonwoo, cedendo ao convite e aceitando encontrar-se com o mais velho no dia seguinte. No grupo com os amigos, ignorava qualquer acontecimento recente que envolvesse Jimin e, por isso, apenas comentou que tinha a certeza sobre a mãe estar vendo alguém romanticamente. Mais tarde no dia, quando os amigos o encheram de mensagens perguntando se ele sabia o que tinha acontecido com o pai de Jimin e também se Jungkook estava com ele, o mais novo apenas ignorou, sem capacidade para os responder de forma honesta.
A noite foi um pouco dolorosa. Depois do jantar, enquanto Jungkook corria vídeos aleatórios da internet numa tentativa de não pensar no quão mal Jimin estava, Yang entrou pelo seu quarto com uma cara triste que ele não pôde ignorar. Trazia na mão um peluche velho.
– O que foi? – o irmão perguntou logo, se sentando melhor na cama para a mais nova conseguir subir e se sentar também.
Cabisbaixo ela respondeu:
– A mãe me contou que aconteceu uma coisa ruim com a família de Jimin...
Jungkook suspirou, fechando os olhos por um segundo e segurando as mãos da mais nova.
– Está tudo bem... – ele mentiu.
– Você não dormiu em casa porque estava com ele? Ele chorou? – ela perguntou seguido, olhando-o com expectativa. Talvez se Yang achasse que Jungkook esteve com Jimin, isso a consolasse, mas Jungkook não tinha coragem para mentir – Você deu beijinhos nele como naquele dia no sofá?
Jungkook nem pensou em ficar constrangido. A pergunta da irmã era inocente. Estava com pena de Jimin, triste por ele mesmo não sabendo bem o que acontecera. Queria que ele tivesse um amigo por perto, um consolo.
– Yang... – Jungkook a puxou, sentando-a entre as suas pernas – Talvez eu não seja o melhor amigo que Jimin tem para estar lá agora... mas ele não está sozinho, eu prometo.
– Mas devia ser você, Jun... – ela murmurou, abraçando o mais velho – Naquele dia, ele me disse no ouvido que queria dormir com você porque ele tinha medo do escuro e você o fazia sentir seguro...
Jungkook arregalou o olhar levemente, mordendo o lábio. Jimin não tinha nada medo do escuro, mas ainda assim... caramba, estava tornando as coisas difíceis.
– Você podia ligar para ele... – disse a mais nova, se largando do abraço e o olhando com expectativa – Já que não pode estar lá.
– Está bem. – ele respondeu sem pensar.
– Boa. – ela saltou para o chão, agarrando o peluche – Converse muito com ele. A mãe disse que ele precisa de um amigo agora.
Jungkook assistiu a irmã sair do quarto, o que era uma coisa inédita. Normalmente, a mais nova queria ficar ali sempre para cuscar os assuntos do irmão, principalmente com Jimin. Mas, daquela vez, até a porta fechou.
Jungkook nem sequer tinha pensado em ligar para Jimin, mas agora quase que se sentia na obrigação. Será que podiam conversar como amigos? Será que se podiam restringir apenas ao assunto que exige um ombro amigo? E, se conseguissem, isso significava que um dia podiam voltar a ser amigos como antes?
Esperançoso, e sem nunca esperar muito, Jungkook se levantou de forma ansiosa. Parou em frente do espelho, o telemóvel já entre os dedos e respirou fundo. Sem pensar muito, encostou-se à parede e desceu até o chão, sentando-se no mesmo e discando o número de Jimin. Rapidamente puxou os fones do bolso da calça, ligando-os e pousando o aparelho no chão. Tinha as pernas encolhidas e estava olhando os pés calçados com meias quando Jimin atendeu, mas não disse nada.
Jungkook encostou a cabeça na parede, tentando separar dentro de si a parte que queria estar com Jimin e a outra, que guardava rancor.
– Oi, hyung... – disse ele baixinho, sem certezas de que o microfone tinha apanhado a sua fala.
– Jun... – um suspiro escapou de sua boca de forma aliviada – Você me deixou pensando no que disse de manhã... sobre estar puto e...
– Hyung. – o interrompeu rapidamente – Liguei porque... quero saber como você está. Estou preocupado sobre como está se sentindo sobre... o seu pai.
Jimin parou por algum tempo, mas Jungkook não tinha coragem de perguntar se ele ainda estava ali. Após alguns minutos, o mais velho disse:
– É estranho... eu nunca o vi, mas ele estava vindo para me ver. Ele disse naquela mensagem que...
– Qual mensagem?
– Oh... – ele suspirou – Os passageiros sabiam que... sabiam que o avião estava com problemas. E, meu pai gravou uma mensagem... Aparentemente ele tem uma família... noutro lugar, e ele quis se despedir e ele... ele fez uma para mim também. É horrível, Jun. Deve ser horrível saber que vai morrer. E ele... ele simplesmente aceitou e se despediu da mulher, da filha dele... da minha irmã. Eu tenho uma irmã, Jun. Eu não fazia a mínima ideia. E ele se despediu de mim, mesmo nunca... mesmo nunca tendo me conhecido.
Jungkook conteve um fungo, passando a manga da sweater pelo nariz e pela bochecha. Queria chorar, se isso não fosse egoísta.
– E o que ele disse?
– Hum... – Jimin engoliu em seco – Ele disse que o seu maior arrependimento era não ter tido coragem de ser meu pai... de ter olhado para mim e não ter visto que eu era a luz que ele precisava. Isso soa amargo, mas da forma que ele disse, Jun... Ele disse mais coisas sobre... sobre como não merecia que eu lhe desse o perdão que ele queria, a rendição que buscava, mas que, se pudesse, sempre estaria lutando por essas coisas.
Jimin sabia bem o que ele tinha dito, não precisava de puxar pela memória, ele simplesmente sabia. Devia ter ouvido a mensagem tantas vezes...
– Jimin... você não merecia nada disso.
– Eu sei... – concordou ele – Passei a noite tentando perceber o que tinha mudado para ele querer vir agora...
– E o que pensou?
– Pensei que... às vezes as pessoas cometem erros e não sabem que estão cometendo erros. Outras vezes elas sabem. Mas acho que o tempo que elas levam não devia determinar o nível de arrependimento. – ele murmurou, meio perdido e, depois suspirou, dizendo: – Me diz onde errei, Jun. Essa... Essa agonia... esse pensamento de que desapontei você mesmo antes de tentar ser melhor está dando cabo de mim.
– Não te liguei para falarmos sobre isso, hyung... – ele resmungou – Estou preocupado com você e...
– E eu estou preocupado com você!
– Não precisa.
– Claro que preciso. – Jimin quase refutou de forma irónica – Quem me diz a mim que, nesse momento, você não está perdido em devaneios no chão do seu quarto? Julgando coisas que não condizem com a realidade? Jun, por favor... Só me fala o que há de errado.
Jungkook suspirou, apanhou o celular do chão e pousou-o em cima das pernas, que esticou. Pressionou os olhos com a parte interior dos pulsos.
– Por favor, não desliga. – Jimin o conhecia demasiado bem – Nunca te pressionei em nada, Jungkook, mas disto preciso de saber. O que está te mantendo longe de mim? Porque não te tenho aqui agora? É por Ravi?
– Não é por Ravi... – ele disse de forma calma – É por saber que... Hyung, é por saber que você sempre soube.
– O quê, Jun? O que eu sempre soube? – perguntou, ansioso.
– Você sempre soube o que eu sentia por você. Você sabia quando... sentiu o mesmo por mim. E não fez nada, Jimin. – ele contou – A pergunta que está em sua cabeça agora, sobre seu pai, paira na minha, sobre você. Porquê agora?
– Jungkook...
– É mentira?
Podia ser. Podia ter entendido mal. Podia ser que Jimin nunca sequer sentiu nada por ele. Queria tanto que fosse mentira. Queria tanto poder esquecer aquilo, ignorar os demónios dentro de ti e correr para os braços de Jimin. Caramba, se era nos seus que Jimin se sentia seguro, então Jungkook queria estar lá.
– Jun...
– É mentira ou não?
– Não é.
Pois não, não era. Jimin sabia desde sempre. Também, quem é que não via? Jungkook era uma piada, uma chacota. Todas as vezes que olhara para Jimin de forma apaixonada e secreta... não era nada secreta. Sabiam todos, até ele. Até ele, que tinha gostado de Jungkook, mas nem quisera nada com ele. Provavelmente, Jungkook não era bom o suficiente como namorado. Porquê que Park Jimin havia de o querer? Porquê que Park Jimin havia de o querer quando o abismal Ravi existe? O monumental, o bem-parecido, o adulto Ravi?
Apercebendo-se do que fazia, Jungkook pegou o telemóvel, pronto para desligar quando Jimin soou mais uma vez em seu ouvido.
– O que eu sinto por você agora não se aproxima sequer do que eu senti por você há anos, Jungkook. – ele disse, certeiro – Não foi nada apagado. Pelo contrário, agora que eu posso me permitir gostar de você, tudo está amplificado.
– Jimin-hyung. – ele disse, o tom de voz ainda controlado, o volume também – Se você não quis estragar a nossa amizade antes, então não devíamos estragá-la agora.
E desligou.
O celular foi pousado do lado das pernas, os fones arrancados das orelhas. Aquilo era frustrante. Mas Jungkook estava cansado de todas as emoções negativas que o parecia seguir como uma nuvem pesada, uma nuvem carregada.
Ele se levantou, com alguma pressa, mas relaxado. Rapidamente encontrou os all-star pretos debaixo da cama, calçando-os. Depois, enfiou um gorro nos cabelos, vestiu um casaco e desceu para a entrada da casa.
– Vou a casa de Sun-Hee! – e não deu tempo da mãe responder, esta que estava no sofá, dando a certeza ao mais novo que a mesma sabia que ele tinha saído.
Do lado de fora, Jungkook montou a bicicleta. Lembrava-se de que Sun-Hee, por aquela hora, a menos que chovesse, levava a irmã ao parque ao lado da casa, aproveitando para passear o cão. Se tivesse sorte, encontraria a mesma lá.
Claro que Jungkook poderia ter recorrido a um dos amigos mais próximos, mas ele não sentia que era isso que queria. Contar o que quer que fosse, desabafar, com alguém que conhecesse Park Jimin era colocá-lo num pedestal, pronto para que lhe atirassem pedras e sem qualquer proteção.
Sun-Hee ouviu tudo o que Jungkook tinha para dizer desde que se sentou ao seu lado no banco do parque até que ficasse demasiado tarde para estarem na rua e começasse a escurecer.
Já estava em cima da bicicleta quando Sun-Hee o chamou:
– Olhe, Jungkook... – a irmã mais nova estava ao seu lado, o cão no chão, seguro pela trela – Entendo que esteja magoado, mas, no fundo, está apenas se privando da sua felicidade...
Jungkook nem piscou, assimilando aquelas palavras. E depois Sun-Hee foi embora.
Não ia mentir, sentia-se melhor. Sentia que, naquela nuvem, já não existiam tantas gotas e trovões para o atacarem. Estava mais leve, tinha admitido tudo o que sentia, todos os ressentimentos, os medos. Estava mais livre agora.
Mas, no fundo, só sentia saudades. A sério, honestamente. Desde a primeira vez que sentiu algo por Jimin, aquela unidade pequena e simples que o fez imaginar tudo. A beleza de não saber se era correspondido ou não. As noites que acordou atordoado, sem saber se sonhara ou se era real e até era bom. Tudo. Sentia saudade de tudo, mesmo. Das vezes que arranjou desculpas para estar com o melhor amigo, como se fosse preciso. Os sinais do universo que tentava interpretar, como um bobo apaixonado. Tudo mesmo. Nem podia acreditar que tinha chegado ali.
As palavras da amiga não duraram muito tempo na sua mente, para ser honesto. Não estava se privando de nada, estava apenas evitando uma catástrofe, sendo adulto por uma vez. Pelo menos era isso que achava.
A sua mãe, no entanto, discordava altamente disso. Mal o filho entrou em casa, a mesma suspirou, desolada.
– Yang... suba para o quarto e vista o pijama, se quiser. – não soava muito autoritária, apenas cansada.
Jungkook soube de imediato que estava algo de errado. A irmã saiu do sofá onde estava e caminhou para cima sem contestar.
– Amanhã é o funeral... – suspirou ela.
Jungkook engoliu em seco, se baixando para desapertar os cordões dos ténis, sem coragem para olhar a mãe.
– Se for preciso, eu posso ficar com Yang.
– Yang quer ir. – a sua mãe não entendeu de primeira – Espere, o quê?
Jungkook sacudiu os ombros, puxando os ténios apertado e deixando-os na entrada, do lado do móvel.
– Então... vão.
– Vamos? – repetiu ela –Vamos todos.
– Não. – Jungkook negou – Obrigado por tomar essa decisão por mim, mas não quero ir. – ele se apressou a segurar o corrimão das escadas para ganhar lanço para cima.
– Jungkook, volte aqui agora! – esgotada, a mãe levantou o tom de voz, se aproximando da escada. O filho a olhou atentamente – Jimin é seu amigo, eu entendo se não quiser... Moon-Hee me assegurou que... está tudo fechado. Ela está contando com você, Jimin está contando com você. Porque não iria? – perguntou mais meiga.
– Talvez as coisas não como você ou a mãe de Jimin julga que são. – disse ele, subindo mais um degrau – Jimin tem um monte de amigos. Yoongi e Hoseok devem ir. O Taehyung está cá, mãe. Aliás... o namorado dele está cá. Eu acho que eu posso perder essa.
– Jungkook. – a sua mãe ficou brevemente chocada, quase como se que o Jungkook disse a tivesse magoado – Não é uma festa. O pai... O pai de Jimin, Jungkook.
– Qual pai? – chegou a perguntar – Porque estamos agindo como se tivesse sido a mãe? Como se tivesse sido alguém que realmente esteve lá para ele?
– Porque está sendo insensível? – ela estranhou, pegando a mão do mais novo – Caramba, Jungkook... Se fosse eu, você não gost...
– Mas não foi. Não foi sequer, remotamente, alguém com a sua importância. E não estou sendo insensível, mãe... – foi subindo mais escadas calmamente, ainda olhando a mulher – Estou sendo honesto. Não quero ir. Não sou preciso lá.
Ao entrar no quarto, Jungkook se deu conta de que sentia mesmo aquilo. Sabia que eram pensamentos cruéis e egoístas. Para além disso, sentia que se fosse, Jimin não faria seu luto, preocupado, talvez, com ele. Esse também podia ser um pensamento egoísta, mas quando tentara, mais cedo, ligar-lhe e deixar os seus problemas de lado, Jimin não permitira.
Na tarde seguinte, Jungkook não descera para almoçar com a desculpa de que ainda dormia. Quando isso não foi o suficiente para a sua mãe, o moreno disse que sairia mais tarde para almoçar com um amigo. Quando saiu do quarto eram quase 16 horas. Estava vestido e devidamente arranjado.
Interpretando mal as suas intenções, a mãe sorriu quando o viu entrar na cozinha. A mesma prendia o cabelo da filha com um elástico.
– Já estamos de saída. – disse ela.
– Sim, eu também. – respondeu ele.
A mulher parou o que fazia, o olhando.
– Onde vai?
– Eu te disse. Almoçar.
– Não vai com nós a casa de Jimin? – perguntou Yang, batendo na mão da mãe para que a mesma se apressasse.
– Oh, não, a casa de Jimin está muito cheia por esta altura.
– Assuma as consequências das suas atitudes, Jungkook. – retrucou a mulher, terminando o penteado simples da mais nova – Fale a verdade para a sua irmã.
– Estou falando. – rangeu ele, irritado.
– O seu irmão não vai porque decidiu agir como uma criança mimada na altura ideal. – explicou ela – No futuro ele se arrepende.
– Você não sabe o que está acontecendo! – exclamou ele enfurecido – Eu sei onde sou bem-vindo e nesse lugar não sou. Não farei um bom papel. Não vou.
– Mas, Jungkook... – a irmã interveio – Jimin deve estar te esperando...
– Você está me tirando do sério. – continuou a mãe – Você é crescidinho. Não me obrigue a te dar ordens.
Jungkook semicerrou os olhos, a mãe com tanta raiva que se apoiou na mesa da cozinha.
– Não vou, que porra! – exclamou de repente – Faço pior lá do que cá! Me deixe ficar, por favor!
Yang observava os dois um pouco receosa quando a mãe, de repente, abriu a boca e fez uma careta. Tentou falar e, quando não conseguiu, desatou a correr da cozinha para fora até o banheiro debaixo da escadaria.
Os mais novos ouviram a mãe vomitar e depois tossir, ficando sem se mexer.
– Fique aqui. – disse Jungkook de repente, apanhando um pano da cozinha e se apressando até o banheiro.
Já não havia nada para sair e, por isso, a mãe estava apenas sentada no chão, aceitando o pano que Jungkook lhe estendeu para limpar a boca.
– Devo... devo ter comido algo estragado no almoço.
Jungkook revirou os olhos, conhecendo a mãe bem demais.
– Talvez você devesse assumir as consequências de suas atitudes. – disse ele, se afastando até dar costas à mãe, caminhando para a saída.
Do lado de fora estava Wonwoo, dentro de um Jeap que Jungkook nunca vira antes. Por momentos, Jungkook esqueceu tudo o que acontecera e disse, ao entrar:
– Carro novo?
– Os concertos que pago não dão assim tanto. – respondeu o mais velho com uma risada, parando no olhar do Jeon – Olá, bonito.
– Olá. – Jungkook respondeu, sorrindo curto e espreitando pela janela.
– O meu casaco? – perguntou ele, brincalhão.
– Oh! – Jungkook levou a mão à maçaneta, tentando sair para ir busca-lo, mas Wonwoo apenas arrancou, gargalhando alto.
– Ponha o cinto. – mandou ele, depois verificando que o mais novo o fazia mesmo – E, da próxima, não me obrigue a encontrar uma desculpa tão complexa para te encontrar.
– Se queria assim tanto, porque não veio mais cedo?
– Talvez, atenção, apenas talvez, porque um de nós é péssimo a dar sinais e, uma pista, não sou eu.
Jungkook riu baixinho.
– Perdão.
– Sem problema. – disse ele, apertando a coxa de Jungkook por um segundo, como um pequeno beliscão.
Wonwoo trazia os cabelos presos por uma fita preta, assim como quase toda a sua roupa era, preta. A única coisa saliente era uma corrente que escapava de dentro da tshirt, de prata, contra a pele morena que Jungkook não podia deixar de admirar sempre que olhava.
Aquele toque quase que o desmontava.
– E, afinal, estou sendo levado para onde? – perguntou, curioso.
– Onde quer ir?
Jungkook não fazia a mínima ideia. Para além de ser péssimo a tomar decisões, não conhecia assim tantos lugares.
– Ei... – Wonwoo tocou a sua mão quando pararam num sinal luminoso – Você entrou um pouco afetado no carro. Aconteceu alguma coisa? Está tudo bem?
– Afetado? – repetiu ele, sem desdenhar, apenas confuso.
– Pareceu. Está tudo bem?
Instintivamente, Jungkook apertou o próprio pulso ao pensar em Jimin. Claro que aquilo não passou despercebido a Wonwoo que, achando que talvez Jungkook estivesse magoado, ergueu o sweater dele e espreitou.
Jungkook estava magoado, mas não era no pulso nem era fisicamente. Com ele, tinha a lembrança dessa dor.
– Oh, não sabia que tinha tatuagens.
– Só essa. – murmurou ele, baixando o pulso.
– É dividida com alguém especial? – mal Wonwoo perguntou, Jungkook ergueu o olhar – Muitas vezes é. Mas se não for também é legal.
Alguém especial. Jungkook odiava sentir dor, mas para fazer aquela surpresa a Jimin nem tinha pensado duas vezes, para cumprir a sua promessa. Ia para além de sentirem coisas mais reais um pelo outro, aquilo era sobre pura amizade.
– Ei... – Wonwoo se aproximou, depois de colocar o travão de mão, ao notar que Jungkook estava um pouco emocionado.
Só quando Wonwoo tocou a sua bochecha é que Jungkook se apercebeu de suas lágrimas.
– Oh meu Deus, me perdoa. – ele se apressou a limpar as faces – Isto foi estúpido, desculpa.
Wonwoo soltou uma risada baixa, negando com a cabeça em seguida.
– Não é estúpido. – disse ele – Quer conversar?
Jungkook acenou que sim. Não sabia bem o que dizer, mas queria.
– Vou tirar o carro daqui. – ele disse com um sorriso meigo.
De forma rápida, Wonwoo avançou com o carro e parou mais à frente, numa berma da estrada onde era permitido.
Jungkook lhe contou sobre a tatuagem ser dividida com o melhor amigo, mas também mencionou que o caminho entre eles estava turbulento devido a mentiras entre os dois. E, de repente, Jungkook disse:
– O pai dele faleceu. Não eram muitos chegados, mas é um pai... – disse ele baixinho, como se fosse segredo – Queria estar lá, mas sempre que penso nisso fico um pouco sufocado.
Wonwoo engoliu em seco.
– Um dia, quando não sentir tanta amargura, você vai sentir arrependimento, Jun... – dizia Wonwoo com calma enquanto afastava os cabelos do mais novo para trás.
– É tarde demais. – afirmou ele, olhando o relógio – Já começou e... estamos longe.
– Me diz onde é, podemos tentar.
– Não quero te fazer passar por isso. – respondeu certeiro – Acho que não devia ter dito nada...
– Jungkook, por favor. – Wonwoo o olhou antes de regressar ao banco e colocar o cinto novamente – Vou estar te esperando e recomeçamos de onde ficamos.
Com relutância, Jungkook aceitou. Estavam já em lados opostos da cidade, mas Wonwoo parecia estar se esforçando para evitar o trânsito típico da hora.
Quando pararam no carro a bons largos metros da entrada do cemitério, os dois avistaram uma quantidade abastada de pessoas à sua entrada. Na multidão, Jungkook reconheceu logo a irmã, que estava um pouco perdida no meio daquelas pessoas. Moon-Hee, a mãe de Jimin, conversava com uma mulher que no encalço tinha uma criança e que Jungkook nunca tinha visto.
E depois, o olhar de Jungkook pousou sobre Jimin, que recebia abraços breves dos amigos e, naquele momento, de Ravi.
– Se quiser, posso ir embora e remarcamos. – disse Wonwoo.
– Vou só dar uma palavra e volto. – Jungkook disse, recebendo um sorriso singelo do mais velho e saindo do carro depois.
Com as palavras de Wonwoo na cabeça, Jungkook avançou rápido. A mãe sorriu-lhe de longe quando o viu, contente com a atitude do filho.
– Jimin. – chamou assim que estava perto o suficiente para não ser muito notado.
Jimin se virou, largando o corpo de Ravi. Em um encontrão, os seus corpos se uniram em um abraço e durante o mesmo, Jungkook lhe sussurrou:
– Lamento que esteja passando por isso. Você não merecia.
Jimin o apertou mais e soluçou. Jungkook subiu a mão até os seus cabelos, respondendo ao aperto do melhor amigo.
– A minha irmã está aqui, mas eu não... eu não consigo, Jun. – disse ele abafado, o rosto vermelho contra o peito de Jungkook.
– Está tudo bem. – disse ele com calma, erguendo o rosto dele na sua direção – Você não está sozinho. Está rodeado de...
– Você não estava aqui.
Jungkook engoliu em seco e olhou em volta. Os olhos de Ravi, Yoongj, Hoseok, Taehyung e até de sua irmã estavam postos neles e, talvez por isso, Jungkook falou ainda mais baixo:
– Nós dois vamos nos resolver, depois do seu luto. – Jungkook disse e, para concordar, Jimin acenou com a cabeça – Você é corajoso, eu sei que você vai dar conta. Conheça o seu pai através da sua nova irmã. Você não queria isso?
Jimin chorou um pouco mais e Jungkook o voltou a abraçar. Ao fim de um tempo e depois de olhar Taehyung como quem vai precisar dele, Jungkook se afastou um pouco.
– Eu preciso de ir, agora. – avisou – Foi bom te ver.
– O quê?
– Está tudo bem, Ji. Nós estamos aqui. – disse Taehyung, se aproximando e puxando o menor para si.
Jungkook, ainda antes de ir, deu um pequeno abraço a Moon-Hee, lhe transmitindo os seus pêsames e indo embora depois.
Aquilo era devastador, mas servira como uma lição. Jungkook nunca mais deixaria que um amor estragasse uma amizade com a qual não consegue viver sem. E claro que a de Jimin era uma dessas.
]n/a[
Quem é vivo sempre aparece...........
Feliz ano novo para todos!!
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