T r ê s
Jungkook sentia que tinha levado um excerto de porrada.
Ainda estava encostado na mesma árvore, os seus ombros doíam do encontrão que Jimin o fizera dar contra o tronco e, no fundo da sua mente, implorava para que o resto dos amigos não aparecesse agora.
Envergonhado por não conseguir controlar a própria cabeça, Jungkook a enfiou entre os joelhos, abraçando os mesmo depois e respirando fundo. Jimin ainda esperava por uma resposta que Jungkook tinha a certeza que ele nunca teria.
Depois de engolir em seco, Jungkook subiu o olhar, encontrando Jimin ainda ali, agachado na sua frente, a feição preocupada. Esticou a mão na sua frente, pedindo ajuda para se levantar. O loiro se levantou apressadamente, sacudindo as mãos contra o tecido da calça e segurando a do Jeon, puxando-o para cima. Jimin quase pôde sorrir por estar tocando Jungkook, mas assim que ficou em pé, firme, Jungkook o empurrou com brusquidão pelo ombro e enquanto ia embora disse:
– Nunca mais me minta desse jeito.
Jimin mirou as costas dele, ainda desequilibrado pelo empurrão repentino.
Jungkook foi até a banca de bebidas ao lado da diversão, se encostando no balcão até ser notado. Confiava em Jimin o suficiente para que ele não trouxesse o que acabara de se passar entre eles para uma conversa à luz do sol. O que queria dizer com isso é que ainda tinha a esperança de que o melhor amigo o entendesse um pouco e, no caminho disso, não mencionasse o que acabara de acontecer nunca mais. Não importava para onde Jungkook tinha viajado, porque já lá não estava.
– Uma água, por favor. – ele pediu assim que a mulher tatuada ficou na sua frente, o julgando por pedir água.
– Ei, Junnie.
Jungkook rapidamente sentiu os ombros pesados, o braço de Taehyung os cobrindo e, embora ainda doessem, não disse nada.
– Olá. – ele foi capaz de sorrir de canto, deixando o momento mau de antes para trás.
– A barriga? Melhor?
Jungkook acenou, recebendo a água gelada e entregando o dinheiro. Eles se viraram, juntos, encontrando os amigos à sua procura e, junto deles, já lá estava Park Jimin. Jungkook respirou fundo, decidido a deixar aquilo para depois e não para agora, onde estragaria, mais uma vez, a saída com os amigos.
Eles combinaram ir embora, agora praticamente todos vítimas da situação. Realmente não fora uma boa ideia andar nos carrinhos logo depois de comer.
Jungkook abriu a garrafa de água, bebendo dela com calma e passando-a a Yoongi logo depois, este que já tinha o braço esticado para pedir a mesma.
A casa de Yoongi e Hoseok estava completamente dada à escuridão quando eles chegaram. Todos os garotos seguiram os donos pelo meio dela, sem acender nenhuma luz e cruzando o espaço até a outra ponta, onde, na cozinha, havia uma passagem para o jardim na parte de trás. Tinha uma mesa comprida de madeira, coberta com uma toalha de plástico e ao lado a churrasqueira montada.
Jungkook podia remontar uma memória longínqua em que se juntavam ali depois da escola, quando todos frequentavam a mesma. A senhora Jung traria sanduiches que eles devoravam em segundos e limonada fresca. Às vezes, jogavam partidas de futebol dois contra dois e normalmente era Yoongi quem ficava de fora, demasiado preguiçoso para correr pelo jardim extenso. Outras, montavam a piscina de plástico e fingiam que estavam num grande jacuzzi. Jungkook podia ficar a noite toda se lembrando daquelas coisas, podia jurar que foram os melhores tempos da sua vida que envolviam os amigos.
Seu olhar parou em Jimin quando se sentaram, cansados da caminhada até ali. Estava tentando não parecer triste ou começar uma discussão interna consigo mesmo sobre como podia ter deixado aquilo acontecer na frente do seu hyung.
Como adolescentes pré-históricos que eram, assim que Hoseok trouxe bebidas brancas para a mesa e refrigerantes para misturar também começaram os jogos que envolviam as mesmas. Nunca cruzavam o limite, isto é, nunca abusavam da confiança entre eles ou eram invasivos em relações pessoais. Por isso, Jungkook não sentiu nenhum receio em jogar. Não tinha cometido muitas infrações ou loucuras ao longo da sua vida, por isso enquanto os mais velhos bebiam vários shots durante o "eu nunca" Jungkook gargalhava da forma como eles faziam caretas porque não gostavam de Whisky ou Vodka.
Eles conversaram tanto e fizeram tanta coisa que o deixaram feliz que, no fim, Jungkook sentia dor nas bochechas.
A senhora Jung já sabia no que resultava a saída dos amigos e, por isso, na sala já tinha um monte de cobertores os esperando. O espaço era grande e amplo e eles dormiam sempre ali, uns do lado dos outros num grande colchão feito de cobertores.
– Mas, mas!
– Cala a boca, Yoongi! – Hoseok mandou num sussurro gritado, segurando o irmão bêbado pelos ombros. – Pouco barulho...
Jungkook riu, também meio atordoado mas não tanto quanto os amigos. Ele estava estendendo os cobertores quando sentiu um puxão na sweater, o levando a recuar para trás e ir contra Jimin, que o puxara em primeiro lugar.
– Posso dormir do seu lado? – ele perguntou, murmurando e com o olhar bêbado e perdido.
Jungkook o olhou de cima a baixo. Jimin era sempre grudento quando bebia demais, principalmente consigo. Ele acenou uma vez, sem paciência para dizer que não e voltando a arrumar os cobertores no chão.
– Eu posso... sofá! – Taehyung exclamou, deixando o corpo ir contra o sofá macio.
– Nem pensar! – Yoongi foi atrás dele, tentando puxá-lo e, sem forças, caindo em cima do mais velho.
Taehyung abraçou o corpo pequeno do Jung e os dois ficaram ali parados.
– Os dois... – Jungkook caminhou por cima dos cobertores, puxando os dois até que caíssem abaixo do sofá – Nada de sofá... para ninguém!
A regra de ouro... Não havia cá favoritos, não senhor.
Os dois se lamentaram no chão, mas assim que Hoseok lhes atirou almofadas eles se mexeram para ocupar um lugar de modo a deixar espaço para os outros. Hoseok ficou logo do lado deles, esperando que Jungkook ou Jimin apagassem as luzes. Os dois trocaram um olhar e então Jungkook revirou o olhar antes de dizer:
– Só deite.
Enquanto Jimin se aconchegava do lado dos outros amigos, Jungkook apagava a luz. Cumprindo a promessa, se deitou do lado do loiro e fechou imediatamente os olhos. Os Jung tinham uma luz de presença no jardim e a mesma ainda o deixava ver silhuetas na sala. Naquele lugar, Jimin tinha a mesma refletida no rosto, como se a sua pele fosse de vidro.
Após alguns minutos, o suficiente para já se ouvir o leve ressonar de Yoongi, Jungkook foi desperto por um sussurro:
– Jun...
Ele abriu um olho, verificando Jimin com os seus também abertos, o encarando.
– Está chateado comigo?
Jungkook arregalou o olhar ao encará-lo, virando o corpo num instante para o outro lado e respirando fundo. Não é que aquela fosse a sua resposta oficial, mas Jimin tinha as bochechas tão vermelhas que, ao olhá-lo, parecia a única coisa possível para Jungkook se concentrar. Sempre que o via assim, quando ele ficava tocado pela bebida, Jungkook sentia que o seu coração lhe estava dizendo que apesar de ainda estar apaixonado... não era só isso: ele estava ainda mais.
– Me desculpe... – Jimin sussurrou, o seu corpo se arrastando para a frente até juntar as suas pernas nas do Jeon e o seu peitoral nas costas.
Jungkook engoliu em seco, sentindo o hálito quente do menor contra as costas do seu pescoço. Se assustou quando o braço dele passou por cima de si, segurando a ponta dos cobertores e puxando-os mais sobre ele, o protegendo do frio.
– Quero te dizer que... Nada vai mudar entre nós dois.
Num fio de coragem e ainda temendo que algum dos amigos estivesse escutando, Jungkook disse:
– Podemos falar disso depois...
Ou, se for a ser sincero, nunca. Talvez fingir que nunca aconteceu.
– Mas você está me escutando agora. – a voz embargada disse – Eu te conheço, depois você vai...
– Shh. – ele tentou calá-lo, sem se mexer.
Por momentos, achou que aquilo tivesse chegado. Mandar Jimin se calar, em outro momento qualquer, faria como que ele se calasse mesmo. Faria com que ele esperasse por algo de Jungkook. Mas aquela não era uma situação normal, porque Jimin estava bêbado.
– Jun, por favor... – ele voltou a dizer, a mão pousada sobre o ombro do maior – Me perdoe. Nós nunca nos chateamos e eu não sei como... Te prometo que não vai mudar nada em nós e que...
– Você não entende? – ele se virou, frustrado e em sussurros zangados. Apoiou o cotovelo contra o colchão e encarou o menor – As coisas já mudaram. Você me mentiu por... Por meses! Isso sim, é uma coisa que nunca fizemos. Nunca mentimos um para o outro.
– Jun... – ele tentou, a mão subindo para a bochecha alheia.
– Porque você tinha de fazer isso? – rapidamente afastou o toque, as sobrancelhas juntas e a questão de um milhão lançada ao ar – Eu não vou morrer por você ter um namorado.
– Morrer? – a mente bêbada de Jimin se focou naquilo – Porque está falando em morrer? Jun, não sei lidar com você bravo, também não... Por favor, não morre?
Jungkook negou com a cabeça, sem saber o que dizer.
– Não consigo entender o que... – ele suspirou, encarando o amigo – O que te fez acordar um dia e decidir... me mentir. Nunca menti para você. Porque fez isso?
– Jun... – ambas as mãos dele subiram para os ombros do Jeon, o encarando por alguns segundos.
Jungkook podia ouvir os pensamentos de Jimin dali, podia prever o que ele ia fazer, por isso assim que o loiro avançou para si, Jungkook apressadamente subiu a mão e o empurrou. Não tinha forças para recuar, mas foi rápido o suficiente para pará-lo. Sob o olhar confuso de Jimin, ele se mexeu.
– Não quero conversar. – ele deixou claro, ficando de joelhos e agarrando a almofada contra o peito – Não quero conversar com você. – e então se levantou, jogando a almofada no sofá livre e se deitando depois, como se aquilo fosse sobre conversar.
Dali, Jungkook podia ver Jimin se ele quisesse. Se não tivesse fechado os olhos e virado as costas, podia muito bem ver o quão abalado tinha ficado o mais velho com aquelas palavras. Talvez fosse do álcool, mas talvez fosse pela verdade rígida ao dizer que não sabia como lidar com o facto de estar longe de Jungkook.
Jungkook também podia imaginar uma realidade em que era egoísta e deixava que Jimin fosse em frente e o beijasse, mas ele não quis. Estava cansado da sua imaginação. Cansado de imaginar e criar planos que eram demasiado otimistas e nunca davam certo.
Na manhã seguinte, o corpo do moreno foi puxado de rompante para o chão e a partir daí tudo correu demasiado rápido. Os amigos estavam dando tapas em suas pernas e ombros, o castigando por ter ficado com o sofá. Sem se importar muito, esperou que os amigos parassem e então parou para respirar, sem ar devido às risadas.
Se sentaram contra o sofá, discutindo o porquê de Jungkook ter ido contra o pacto deles. Antes de poder responder, ainda atordoado, o mais novo contou pelos dedos os amigos.
Um. Dois. Três.
– Jimin? – acabou perguntando em voz alta, olhando em volta.
Arrependeu-se imediatamente, porque Jimin podia estar apenas no banheiro ou coisa parecida.
– Incrível! – Yoongi negou com a cabeça, dando um tapa ao mais novo na nuca – Estamos discutindo coisas importantes e-
– Ele saiu mais cedo. – Taehyung interrompeu, explicando.
O quão cedo? Era o que Jungkook queria perguntar.
As coisas podiam ter corrido rápido demais mas Jungkook se lembrava de tudo. De como saiu da casa dos amigos sozinho, sem esperar por Taehyung porque claramente o mesmo queria ficar com os amigos por mais tempo e Jungkook só queria ir para casa. No caminho, ao invés de paz, cogitou demasiadas vezes se deveria dizer algo a Jimin, ligar ou mandar mensagem porque sentia que tinha sido duro demais. Um Jimin bêbado era facilmente traduzido para um Jimin com os sentimentos à flor da pele e Jungkook ainda lhe dera um empurrão. No entanto, apesar de tudo, não lhe disse nada.
Tinha planos para quando chegasse a casa. Sua mãe estaria tomando o pequeno almoço com a filha, mas Jungkook não ficaria pela cozinha. Daria um beijo às duas e subiria para dormir mais ou ficar deitado na cama, esperando que aquela sensação ruim o abandonasse. Nada do que tinha planeado tinha acontecido e, infelizmente, Jimin não tinha uma desculpa boa para que Jungkook o pudesse perdoar de imediato. Estar chateado com ele era uma coisa idiota de se pensar, porque Jungkook sabia que o perdoaria eventualmente, porque nunca se veria sem o melhor amigo. Isso era um pouco sórdido, no entanto, porque ainda estava magoado, mas saber a conclusão o fazia pensar que estar chateado agora era um desperdício de tempo.
Quando entrou em casa, foi direto para a cozinha, encontrando logo a irmã e a mãe, tomando o café da manhã, assim como ele imaginara.
– Bom dia. – disse depressa, se abaixando para beijar a face da irmã e correndo logo para o lado da mãe, fazendo o mesmo – Vou para o meu quarto porque não... – seu olhar se estreitou ao ver a mãe encolher os lábios – O que foi?
– Quero te contar uma coisa.
– O que foi? – agora preocupado, parou no meio das duas, na lateral da mesa, em pé.
– Ontem de manhã... Jimin esteve aqui. – ela contou, arrependida por ter escondido – Desculpe por não ter te dito. Você estava dormindo e eu mandei ele embora.
Jungkook sorriu curto. Sabia que em outra ocasião qualquer a sua mãe nunca o mandaria embora, faria com que ele subisse e o acordasse, fossem horas que fossem. O facto de sua mãe ter feito aquilo aquecia o coração de Jungkook, porque a mulher sempre o entendeu tão bem e aquele era só mais um exemplo disso.
– Não faz mal. – ele abanou as mãos, tentando não preocupar a mulher – Está tudo bem.
– Você e Jimin-hyung estão zangados? – a pequena perguntou, dividindo o olhar entre o irmão e a mãe.
Jungkook prendeu a língua entre os dentes, se virando de repente e sem perceber que, ao fazer isso, o seu casaco esbarrou no pacote de leite meio vazio e leve o suficiente para que aquilo o fizesse cair contra o chão.
– Jung- – a mãe tentou avisá-lo, mas o moreno só teve tempo de se afastar para não ficar com os ténis encharcados de leite.
– Eu ia beber! – Yang Mi resmungou, indignada.
– Quem mandou você deixar aberto? – Jungkook resmungou logo, agarrando o pano que a mãe já estava lhe estendendo e se abaixando para secar o chão.
Quando a irmã não se mexeu para buscar outro pacote de leite, o moreno arregalou o olhar, mas não disse nada, esperando que passasse. Quando se levantou, querendo deixar a cozinha de fininho, a mais nova disse:
– Tem de ir buscar mais porque só havia esse e eu quero leite.
Ele rangeu de raiva, fechando as mãos em punho e se virando para elas de novo.
– Não é possível que esse fosse mesmo o último, certo?
A mãe voltou a encolher os lábios, sem querer responder.
– Quero leite. – Yang insistiu, cruzando os braços – Você virou ele, você vai buscar outro.
– Você quem foi irresponsável e deixou o leite aberto na beira da mesa. – ele contrapôs, tentando se livrar de ter de ir ao supermercado quando só queria paz e sossego.
– Se você não tivesse chegado eu ainda teria o meu leite.
– Yang. – a mãe alertou.
– Bebe iogurte. – Jungkook mandou, já se dirigindo para o frigorifico para lho chegar.
– Não quero iogurte.
O moreno bufou, com a cabeça enfiada dentro do eletrodoméstico, olhando todas as prateleiras, rezando por haver outro pacote ali que as outras não tivessem visto antes.
– Tem o seu preferido... – ele se virou, o iogurte líquido na mão, o abanando. A irmã fazia uma careta e quando tentou apelar à mãe, o mais velho recebeu um encolher de ombros como quem não podia fazer nada.
Chateado e aborrecido, Jungkook fechou o frigorifico, abrindo o iogurte na frente da irmã e bebericando dele. Em seguida, marchou da cozinha até a saída sob o olhar indignado da mãe e da irmã, porque Jungkook odiava iogurte com todas as suas forças, estava o bebendo por maldade.
Tinha um supermercado a um quarteirão de casa e enquanto caminhou até lá, Jungkook sentiu náuseas. Odiava mesmo iogurte, principalmente líquido e do sabor doce que a irmã era viciada.
Chegou ao lugar de forma rápida, sabia qual o corredor certo, mas ao se deparar com a fila para a única caixa do lugar quis chorar e amaldiçoar a irmã ainda mais do que já tinha feito no caminho até ali. Tinha o pacote de leite debaixo do braço, preso entre as costelas e o cotovelo e batucava o pé contra o chão de forma impaciente. Havia dois clientes na sua frente, a senhora que já estava a pagar e um homem com apenas alguns legumes pousados no tapete. Tinha tudo para ser rápido, se a senhora não estivesse despejando um monte de moedas no balcão para que a atendente contasse.
Jungkook bufou alto, se assustando quando notou alguém parando do seu lado, o fazendo pular para o lado.
– Senhora Park! – guinchou ao reconhecê-la.
– Jungkook, é mesmo você! – ela deixou logo claro o porquê de ter parado tão próxima, rapidamente afagando o braço do moreno.
– Olá. – coçou os cabelos, envergonhado pela última vez que vira a mulher.
– Ainda bem que te encontro... – ela começou e, como já esperava, Jungkook se deixou ouvir – Queria te pedir desculpa pela festa... Eu estava um pouco... Como digo?
Bêbada, Jungkook pensou.
– Está tudo bem. – ele garantiu.
– Espero não ter causado problemas entre você e Jimin.
– Claro que não.
A culpa não era dela, Jungkook sabia porque a culpa era completamente do melhor amigo por ter escondido.
– Realmente achei que... – a mão dela subiu para massagear a testa, como se aquilo fosse difícil – Fiquei mesmo surpresa quando Jimin me disse.
Jungkook sabia do que ela falava, porque ele mesmo estava surpreso com esse facto, mas preferiu não dizer nada sobre o assunto.
– Está tudo bem. – voltou a dizer.
A mulher olhou os pés e Jungkook olhou em frente, segurando o pacote na mão e cruzando os braços, avistando a atendente ainda a contar as moedas.
– Aconteceu alguma coisa entre vocês, não foi? – ela perguntou, murmurando como se fosse um segredo ou alguém tivesse morrido. Jungkook negou com a cabeça depressa, mas a mulher negou também, o parando – Nenhum namorado faria Jimin perder o tempo com você.
– O quê? – sem entender, não foi capaz de não perguntar.
– Vocês tem essa tradição desde pequenos e... – ela lamentou, negando sempre com a cabeça – E não sei porque ele foi embora. Vocês brigaram a sério?
Embora de forma lenta, Jungkook juntou as peças em sua cabeça. A mulher falava da tradição deles de fim de ano, se juntando todos novamente para comemorar o aniversário de Kim Taehyung, mas o que ela estava querendo dizer com o resto?
– Embora? – Jungkook repetiu, sacudindo os cabelos para o lado.
– É isso que estou dizendo. – ela respondeu, sem entender a confusão do outro – Nenhum namorado faria Jimin voltar mais cedo e perder isso. Vocês brigaram, não foi?
– Senhora Park... – Jungkook suspirou – Voltar? Voltar para onde?
– Para o campus. – respondeu como se fosse óbvio – Ele estava fazendo as malas hoje de manhã. Disse que ia voltar.
– Para o campus? – ele perguntou, como se fosse burro – Da universidade?
A mulher acenou, cansada de aparentemente dizer a mesma coisa. Ela não entendia que Jimin estava indo embora sem avisar ninguém.
– Jimin está voltando para o campus hoje?
– Agora. Ele provavelmente está saindo agora. – ela contou, tentando se lembrar – Quando eu saí, ele disse que me ligava quando...
– Senhora Park, você pode... – ele se apressou, pousando o pacote de leite no carrinho de compras da mulher, se curvando e juntando as mãos – Me desculpe, eu preciso de ir. Me desculpe... – foi dizendo, o seu corpo recuando para trás às cegas.
Na entrada na loja, Jungkook olhou para ambos os lados, tentando perceber qual dos caminhos era mais perto para a casa dos Park. Seus passos começaram rápidos e longos, mas só de pensar na possibilidade de Jimin ir embora chateado consigo ou por sua causa fez com que ele começasse a correr sem parar. Seu professor de educação física ficaria orgulhoso de o ver correr tanto nos últimos dias, se o visse. Nem sequer sabia que o seu corpo podia ter tanta resistência, que as suas pernas podiam não desistir ou que as suas costelas aguentavam a dor.
Mas claro que tudo foi em vão, afinal Jungkook não tinha sorte com nada.
Bateu na porta larga algumas vezes, mas assim que ouviu o som de sapatos contra o piso, do lado de dentro, percebeu que Jimin não estava. Uma das assistentes de Eve abriu a porta, assustada por Jungkook ter batido tantas vezes.
Com a respiração completamente desregulada pela corrida extensa, ainda perguntou:
– Jimin está?
– Não, o menino saiu há mais de meia hora.
Nem perto. Jungkook nem podia dizer que morreu na praia.
Jungkook abanou com a cabeça, concordando com aquilo. Seu corpo se curvou, apoiando as mãos nos joelhos e tentando encontrar ar puro. Sua mão subiu até a testa, arrastando o suor ali para o lado e quando notou que a mulher ainda estava ali, o olhando, endireitou a postura, sorrindo torto e desengonçado.
– Obrigado.
Ela acenou uma vez, fechando a porta.
As sobrancelhas de Jungkook se uniram em confusão plena quando se deparou com a porta. Nela, pendurada no centro de forma simétrica, tinha uma coroa natalícia e foi então que Jungkook se deu conta... Jimin não tinha ficado para passar o Natal com a mãe? A véspera de Natal era no dia seguinte e ele não estava ali. Tinha ido embora.
Seu corpo caiu nos degraus da entrada, sem energia. Se permitiu parar por um minuto, sentindo todos os músculos do corpo doerem. Na sua imaginação, tinha corrido até ali. Jimin ainda estava em casa, por isso não tinha sido a assistente a abrir a porta. Ao perceber que o melhor amigo tinha corrido até ali, Jimin não se importaria de o ouvir. Ele também não estava indo embora, Jungkook só estava arrependido pela noite anterior. Ele pediria desculpa por isso, seria perdoado e Jimin o pediria para entrar e conversar melhor. Jimin lhe pediria desculpa também, ele admitiria que não havia justificação para o que fizera e Jungkook reconheceria a coragem necessária para admitir tal coisa. Eles então entrariam na casa, desceriam as escadas e, no seu final, Jungkook veria Ravi no sofá. Ele estaria sem camisa e, incrédulo, Jungkook procuraria pelo olhar do melhor amigo, apenas para perceber que Jimin também estava sem camisa desde o início, a respiração ofegante porque Jungkook o tinha interrompido.
Jungkook sacudiu a cabeça de forma rápida com o decair da imaginação, ao mesmo tempo em que a vibração do celular o despertou. Depois do que imaginara não conseguiu continuar ali, se levantando apressado, ignorando a dor nas pernas e atendendo a ligação do pai enquanto punha pés a caminho para casa.
– Alô. – disse, distraído, respirando fundo e tentando tirar as imagens anteriores da cabeça.
– Jungkook, olá! – o pai exclamou, demasiado entusiasmado – A sua mãe deve estar ocupada, ela não me atendeu...
– Eu também não estou com ela agora. – avisou, revirando o olhar.
– Não faz mal. – o mais velho disse – Eu queria saber se você e Yang querem vir hoje. Não te vi na festa de Eve e mal tive tempo com Yang... Não nos vemos há algum tempo.
Jungkook engoliu em seco, lembrando-se das palavras da irmã.
– Só nós? – quis certificar-se.
– Como assim só nós?
– Porque teve de trazer uma mulher para a festa? – rapidamente perguntou, sem se conter.
– Foi sua mãe quem...
– Foi Yang. – o interrompeu, ainda mais chateado, atravessando a rua para outro quarteirão – Ela tem seis anos. Você acha que ela entende?
– Filho, isso é uma coisa que temos de conversar, como uma família...
– O que você quer dizer com uma família? – retorquiu, chateado com o rumo da conversa – Quem quer que seja a sua namorada, ela não é da nossa família.
– Jungkook, não seja injusto. – ele mandou, sério – Temos de conversar os três, era isso que eu queria dizer.
– Hoje estamos ocupados. – mentiu ao pai, irritado – Yang e eu temos trabalhos.
– Isso é mesmo verdade?
– Estamos ocupados.
Encerrando a ligação, Jungkook enfiou o telefone no bolso, apressando o passo para que pudesse chegar a casa e avisar a mãe de que não queria encontrar o pai naquele dia, pedir-lhe que mentisse por ele.
Se seu pai queria finalmente admitir que tinha outra pessoa, coisa que Jungkook já desconfiava há tempos, então o moreno devia conversar com a irmã sobre isso antes que ele pudesse. Sabia que o pai ia enchê-la de burocracias, que se preocuparia mais em inserir uma mulher desconhecida na vida deles do que propriamente com o que aquilo significaria para a mais nova, que ficara tão abalada com a saída do pai da casa.
Quando entrou em casa, apressado, buscando pela mãe, encontrou a mesma na cozinha, arrumando os restos do café da manhã. Antes que pudesse dizer alguma coisa, a mulher se virou para ele, sabendo que o filho estava ali, apoiando as mãos no tampo da mesa, a feição séria.
– O leite?
Jungkook arregalou o olhar, ainda olhou as mãos, como se estivesse esquecido de que tinha deixado o leite no supermercado. Sem sabe o que dizer, ficou calado.
– Ela queria o iogurte e você o bebeu também, Jungkook. – ela dizia e Jungkook sabia que ela estava certa em estar chateada, deixando o corpo encolher-se com a forma dura com que as palavras deixavam a boca da mulher – Eu entendo que você está passando por uma coisa difícil, mas isso não justifica você agir assim, entende? Você não tem um passe branco.
– Me desculpe. – ele pediu, a cabeça baixa.
A mulher suspirou, abanando com a cabeça. Ela se virou para o balcão, se abaixando para pegar um dos detergentes que guardava ali debaixo e depois se virou, pousando-o em cima da mesa e olhando o filho mais uma vez.
– Peça desculpas a Yang e... – empurrou o detergente – Lave o all-star que está na entrada agora.
Jungkook agarrou o detergente, olhando a sua etiqueta enquanto a mãe se virava para o lava-loiça, ficando de costas para si do outro lado da mesa. Ao encarar a embalagem roxa, pôde ler no rótulo "nódoas difíceis". Voltou a olhar as costas da mãe e disse:
– Por favor, me desculpe. – pediu mais uma vez – Não vou agir assim novamente.
– Só peça desculpas para ela, está bem? – ela disse, sem se virar – Eu lhe disse que você iria.
Mesmo sem ela ver, Jungkook acenou com a cabeça, se virando e caminhando até a entrada. Apanhou o all-star ali perdido, o levando para o lado de fora. Primeiro tirou os cordões manchados e depois molhou o ténis. Ficou alguns minutos esfregando o tecido com as mãos até os nós dos dedos doerem, mas ficou mais aliviado quando viu o ténis ganhar cor novamente. O pendurou no estendal da parte de trás da casa e olhou o céu, num pedido silencioso ao sol, para que secasse de forma rápida o seu all-star preferido.
Estava prestes a subir as escadas até o quarto da irmã quando parou na entrada, ouvindo barulho do lado de fora. Rapidamente abriu a porta, vendo um Taehyung virar costas, pronto para ir embora.
– Tae? – o chamou, saindo e encostando a porta atrás de si.
O ruivo se virou, levemente assustado, as mãos enfiadas nos bolsos do grande casacão que trazia. Jungkook o olhou de cima a baixo, desde o sorriso torto, aos sapatos brilhantes.
– Oh, olá. – Taehyung lhe respondeu como se fosse uma coincidência encontrá-lo ali, na porta de sua casa.
– O que se passa? – Jungkook gargalhou, olhando os pés descalços e sentindo frio.
– Jimin foi embora! – ele disse, como se tivesse deixado escapar num lapso momentâneo ou não conseguisse mais manter a informação para si.
Jungkook suspirou, sorrindo de canto.
– Eu sei, a mãe dele disse-me. – revelou e, de repente, o seu olhar se focou no de Taehyung, que também o encarava. Por alguns momentos ficaram calados, quando Jungkook reuniu coragem para realmente perguntar – Porque me deixou passar por isso?
– O quê?
Jungkook negou com a cabeça, ficando do lado do menor e sentando do seu lado, no primeiro degrau das escadas do alpendre.
– Você sabia e... não me contou.
– Não é uma coisa minha para contar. – Taehyung revelou, lamentando – Mas eu quis. Quis mesmo, Jungkook, porque eu sabia que...
– O quê? – incitou-o a continuar.
– Foi demasiado tempo, não é? – Taehyung perguntou, como se tudo o que quisesse dizer fosse sobre isso – Se ele ao menos tivesse te dito logo... Mas ele mentiu por muito tempo, não foi?
Jungkook sabia que Taehyung sabia muito mais do que fazia parecer, tanto do seu lado como do de Jimin, mas enquanto ele continuasse tratando aquilo como um segredo que nunca saiu do peito de Jungkook, ele também continuaria o tratando assim.
– Ele omitiu... – o mais novo tentou amenizar porque se continuasse pensando em Jimin como um mentiroso então ficaria irritado com o menor – Não sei porque ele fez isso.
O olhar de Taehyung se focou no outro lado da rua, na própria casa, incapaz de olhar Jungkook porque ele sabia. Ele sabia o porquê e não podia dizer, embora não desejasse outra coisa.
– Você sabe que... Daqui a uns dias também tenho de voltar, mas você sabe que pode me ligar, não é? – quis se certificar, virando o corpo para o amigo e sorrindo acolhedor.
Jungkook o retribuiu, mas soltou uma pequena risada.
– Você não precisa se preocupar, hyung. – assegurou – Eu estou bem e... Eu e Jimin vamos nos resolver, eventualmente.
– Eu te conheço, Junnie... – Taehyung não deixou a preocupação de lado, pousando uma mão no ombro do mais novo – Todos nós te conhecemos.
– O que isso quer dizer?
– Quer dizer que sei exatamente o que vai na sua cabeça. – ele sorriu desengonçado, batucando o dedo contra os cabelos despenteados do moreno – Não faça isso com vocês. Não fique irritado ou triste por uma coisa que está apenas aqui. – E novamente seus dedos tocaram a cabeça do maior, dessa vez na testa.
– Não vou, hyung. – disse com certeza, encostando a cabeça no ombro alheio e olhando a casa do outro lado também – Posso te perguntar uma coisa?
– Claro que sim.
– Como vamos festejar o seu aniversário agora? Eu sei que ele também é o seu melhor amigo...
Taehyung gargalhou, sem se conter.
– Está pensando nisso agora?
Jungkook ergueu o corpo, encarando o mais velho.
– Claro que estou.
– Pensei que iria me perguntar o porquê de ele ter ido embora.
Jungkook parou por um momento ali. Nunca tinha usado o Kim para descobrir coisas sobre Jimin. Às vezes, quando estava preocupado porque Jimin não dizia nada há uns dias, queria enviar algo a Taehyung, lhe perguntar se tudo estava bem, mas nunca o fazia. Também não gostava de quando os dois voltavam à cidade e sentia vontade de perguntar ao Kim pelo Park. Não gostava dessas coisas, por isso não as fazia. Naquele momento, também não faria.
– Ele foi passar o Natal com o namorado, né? Acho que isso é normal.
Embora Jungkook tivesse dito aquilo, ele ainda não tinha pensado sobre. Jimin realmente tinha um namorado há quatro meses e embora ele não achasse que isso fosse tempo o suficiente para passar uma data tão importante com o namorado, ele podia compreender se o melhor amigo tivesse esses planos, afinal eles até já eram sérios o suficiente para que Jimin o trouxesse e apresentasse à sua mãe e aos amigos.
Quando seu olhar pousou em Taehyung, o mesmo tinha um sorriso no rosto.
– Você ia começar a viajar. Agora mesmo. Não ia? – ele perguntou, encantado.
Jungkook negou com a cabeça. A sua cabeça não era mais um lugar tão seguro como antes, ele já não podia fugir para a sua imaginação sem estar precavidamente prevenido.
– Não ia, hyung. – ele quase lamentou, a sua imaginação era algo tão importante para si e agora estava sofrendo uma crise, abalada pela realidade.
– Bom. – Taehyung se levantou, enfiando as mãos nos bolsos mais uma vez – Era isso que eu vinha te dizer, mas se você já sabe...
– E o seu aniversário? – Jungkook se levantou também, sorridente – Pensou em alguma coisa?
Taehyung sacudiu os ombros, como se não fosse nada.
– Yoongi me disse hoje de manhã que gostaria de conhecer o nosso dormitório, mas não sei se é uma boa ideia.
Jungkook piscou os olhos várias vezes, considerando. Pensou em como estaria em uma cidade diferente, apenas com os seus amigos, pensou em como as coisas poderiam dar para o torto num instante, mas assim que seus olhos pousaram em Taehyung novamente ele sorriu e perguntou:
– Isso te faria feliz? Estarmos todos juntos?
Jungkook até se perguntou se o facto de Jimin ter ido embora tinha chateado o ruivo, afinal Jimin estava se esquivando de uma tradição com todos os amigos e do aniversário dele.
– Claro que sim, mas não sei se...
– É uma boa ideia, hyung. – o interrompeu com um sorriso esforçado.
Taehyung sabia que não era, mas também conhecia Jungkook o suficiente para saber que o mais novo se sujeitaria àquilo só para o ver feliz. Sabia que Jungkook suportaria o que quer que fosse por ele, por qualquer um dos amigos, porque isso era o que ele fazia e, às vezes, Taehyung não tinha a certeza se gostava.
Ele se foi embora depois, deixando que Jungkook regressasse a casa.
Em frente das escadas para o piso de cima, Jungkook soltou um grande suspiro antes de se pôr a caminho do quarto da irmã. Pediria desculpas e seria um irmão melhor.
Quando chegou ao piso de cima, batucou os dedos na porta da irmã, logo do lado da sua. Não se lembrava de a ouvir no piso debaixo, então quando a irmã não respondeu ou abriu a porta, Jungkook se perguntou se ela poderia estar mesmo chateada consigo.
– Yang? – chamou, abrindo a porta devagar e vendo a irmã no chão, deitada do lado dos brinquedos e de olhos fechados – Está fingindo que está dormindo?
Ele entrou, deixando a porta aberta e parando no meio do quarto, enfiando as mãos nos bolsos.
– Vamos lá, eu vim pedir desculpa. – ele disse, se aproximando mais – Vou agora mesmo comprar mais leite... Yang?
Ele se baixou, fazendo pequenas cócegas na barriga da irmã, sabendo que isso faria com que ela parasse de fingir. Seus olhos se arregalaram quando a irmã não reagiu e, desesperado, começou a chamar pela mãe, puxando a irmã para o colo e tentando acordá-la. Seus lábios estavam repetindo o nome dela, mas sua cabeça estava dando voltas e voltas sem parar, se perguntando se aquilo estava mesmo acontecendo com ele.
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O BICHINHO NÃO PARA DE SOFRER, MEU DEUS
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