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Park Jimin.

Desde que se lembrava, Jimin sempre se considerou a outra metade do melhor amigo. Ás vezes partilhavam coisas iguais e noutras vezes divergiam, mas Jimin ainda via isso como uma coisa boa, porque se completavam.

Quando era mais novo, tinha um pensamento que corria a sua cabeça várias vezes quando olhava para Jungkook. Embora ambos se preocupassem bastante com os outros ao seu redor, Jimin sentia que um era mais metade do que o outro. Jungkook importava-se muito com os outros, mas muitas vezes suas decisões eram levadas pelo medo de se magoar a si mesmo (claro que isso não era feito de uma forma egoísta). Mas Jimin já era o contrário. Embora também tivesse medo e se importasse consigo mesmo, ele era regido pelas consequências que seus atos iriam ter nas pessoas, principalmente no futuro.

Fora graças a essa parte da sua personalidade que, nos dias que correm, pensa ter cometido um grande erro.

– Eles chegam amanhã, não é? – Jimin perguntou, sentado no sofá da casa de Taehyung, a coluna quase debruçada sobre o próprio corpo enquanto com uma unha arranhava as cutículas de outra.

– Sim! Jungkook ligou hoje e chegam de manhã! – Taehyung disse da cozinha, demasiado alto para uma casa tão pequena.

O loiro nem subiu o olhar, demasiado distraído com o terror que fazia nas próprias mãos.

– Jungkook ligou? – ele murmurou, sem perceber que o amigo já tinha voltado para a sua frente, pousando um copo de água cheio na mesinha de centro.

– Huhum. – Taehyung murmurou, encolhendo-se no canto do sofá e ligando a televisão.

Estavam ambos à espera do jantar. Jimin podia simplesmente ter pegado no carro e ido buscar a comida, mas o Kim insistiu que não tinha necessidade de fazer tal coisa pois ele tinha uma entrega gratuita.

Apesar de tudo, Kim Taehyung era um bom amigo. Um bom amigo em geral. Foi rápido a perceber que tinha algo de errado em Jimin.

Às vezes, quando não tinham nada que conversar, simplesmente ficavam ao lado um do outro e não era estranho. Daquela vez em especial, era estranho. Jimin não estava olhando para nada, Jimin não estava descontraído, estava tenso.

– Ei, Ji...

– Tenho de acabar com Ravi.

A primeiro, Taehyung não teve reação. Sabia, no fundo, por conhecer Jimin tão bem, que eventualmente seria uma coisa que aconteceria, mas não esperava que fosse em breve. Em segundo, não soube dizer nada.

– Tenho de fazer isso, não tenho? – perguntou o loiro – Já passou tanto tempo e não mudou nada.

– Você tentou? Tipo... tentou mesmo? – Taehyung engoliu em seco.

Era tão bom amigo que guardava aqueles segredos todos até que doessem em si, como naquele momento.

– O que estive fazendo este tempo todo? – murmurou, perdido em pensamentos, em memórias e juras do passado – Me afastei, não foi nada ruim para nós e por mais que tenha me esforçado com Ravi... não deu. E agora já passou demasiado tempo.

– E isso prova que não funciona? – em silêncio, Taehyung estalava os dedos das mãos.

Estava nervoso. Temia que qualquer dia fosse se esquivar com algum segredo, que lhe escapasse, que não conseguisse ser imparcial.

– Acho que prova. – confirmou, olhando então o amigo – Meu olhar sobre Jungkook continua igual.

Taehyung conteve um sorriso, substituindo-o rapidamente por um encolher de lábios. Pensou por algum tempo se podia insistir em mais alguma coisa, se podia fazer algo mais pelo amigo que seguisse o que o mesmo tinha achado mais correto meses atrás, mas não tinha nada. Restou-lhe apenas dizer:

– Vai correr bem.

O peito do mais velho subiu com meia risada.

– Não vai nada. – assegurou.

– Pois não. – admitiu o Kim – Mas você vai ficar bem.

Jimin agradeceu com um sorriso e, logo depois, puderam voltar a um dos seus silêncios comuns, mas não estranhos. Alguns minutos depois, já a comida batia à porta, para bem dos seus estômagos prestes a roncar em descontentamento.

Talvez por saber o que tinha de fazer, Jimin demorou-se com o jantar. Demorou-se a ir embora da casa do amigo. Não é como se já não soubesse, como se de qualquer das maneiras já não tivesse planeado ir a casa do namorado, mas embora andasse pensando naquilo fazia alguns dias, só naquela tarde tinha decidido.

O que lhe custava mais é que Ravi não merecia. Eles eram bons um para o outro. Desde o início que sabiam tudo. Ravi sabia perfeitamente que o coração de Jimin era de outra pessoa. Prometeu lutar por ele, prometeu ajudá-lo a perder a paixão que tinha por uma pessoa que não queria ter. E embora ele se tenha esforçado muito, embora ele tenha feito com que Jimin gostasse dele, ele não tinha sucedido no resto.

Às vezes, até parecia que tinha conseguido, que se o distraísse por muito tempo com os seus encantos, o resultado iria ser permanente, mas até então nada disso tinha acontecido.

Enquanto conduzia para o outro lado do campus, para a casa de Ravi, Jimin se lembrou de toda a relutância que tivera com eles. Quando conheceu Ravi no primeiro ano de faculdade, soube que seriam bons amigos. Quando o mesmo o convidou para uma coisa menos amizade e mais romântica, Jimin aceitou. No entanto, depois de dois ou três inocentes encontros, Jimin temeu pela amizade que tinham. Temeu por Ravi e o tipo de pessoa que faria de si mesmo ao continuar com aquilo, sabendo do que sabia.

Jimin não pensava, ao contrário de Jungkook, muito frequentemente sobre os sentimentos que nutria pelo melhor amigo. Desde que era mais novo, que tinha aprendido a ignorar tal coisa. Era uma coisa natural, que só batia na sua cabeça que era apaixonado pelo melhor amigo quando outra pessoa se declarava a si e ele chegava à conclusão de que quem quer que fosse não tinha sequer uma chance.

Com Ravi, pensou que as coisas podiam ser diferentes. Não se dava conta de que ainda gostava do melhor amigo muitas vezes. Normalmente, acontecia como uma pancada na cabeça quando sentia alguns ciúmes, mas não era muito pressionado por isso porque Jungkook não era uma pessoa de dar bola a muita gente. Ravi o lembrou vivamente que, embora tenham passados anos, ainda... ainda era apaixonado por Jungkook.

Mas, diferente de outros, Ravi parecia ter potencial, parecia querer insistir e, acima de tudo, parecia certo de que sucederia. Não era, no entanto, uma coisa tóxica. Ravi estava ciente de tudo, estava ciente de que era ele quem queria aquilo, que não estava sendo usado para nada e, acima de tudo, que o seu amor nunca chegaria para compensar o que o Jimin não estava preparado para lhe dar. Então ele esperava. Esperava que um dia conseguisse e, quando começaram, jurou a Jimin que saberiam admitir quando não desse, que saberiam ver quando a tentativa não tivesse hipótese de ser sucedida.

Naquela noite, apenas um deles soube realmente aceitar isso.

Jimin já tinha estacionado o carro. Estava, naquele momento, de costas para a porta do apartamento do namorado. Tinha subido até ali, por isso sabia que teria a coragem, que aquela era a coisa certa. Estava de costas porque o seu celular vibrava na sua mão, o nome de Jungkook era lido em letras brilhantes e Jimin só pensava em como aquele era um mau momento. Não o atender lhe deu a certeza de que fazia aquilo por si mesmo, por uma vez na vida.

Seus dedos quase trêmulos batucaram contra a porta e Ravi, que já o esperava, apareceu às pressas, baixando uma camisa pelo tronco nu e sorrindo. Jimin sorriu de volta, no fundo da sua mente se perguntando como pôde estar fazendo aquilo sem que o outro sequer o preveja.

Ravi acha que aquela vai ser uma noite normal com o namorado, que ele vai lá ficar, que eles vão se divertir, mas Jimin só está ali para lhe dizer que a sua tentativa é oficialmente falha.

– Ei, teve problema estacionando? – Ravi perguntou enquanto trancava a porta – Eu deixei o meu na garagem para que pudesse usar a minha vaga lá fora.

– Eu usei, obrigado. – por um segundo, ficou de pé, assistindo Ravi se sentar no sofá, de frente para si.

– O que foi? – Ravi soltou uma risada pelo nariz, esticando o braço para que Jimin segurasse a sua mão e ele o pudesse puxar.

– Precisamos de conversar... – o loiro disse, enfiando a mão no bolso da frente e sentindo-se um idiota.

Não queria começar aquela conversa de uma forma assustadora, mas já tinha falhado. Tentando remendar o erro, sentou-se ao lado do mais velho e levou a mão para as próprias coxas.

Aquilo foi suficiente para que Ravi ajustasse a postura para uma forma mais rígida, mais atenta e mais preocupada. Os lábios de Jimin já lamentavam e isso foi, para Ravi, tudo o que precisava de saber.

– Não. – ele negou rapidamente, sua cabeça abanando e seu corpo se sentando mais perto do menor, segurando ambas as suas mãos – Ji, ainda não... Ainda não foi o bastante. Cinco meses não dá para nada. Cinco meses são só...

– Ravi. – ele quase quis rir de forma sádica enquanto levava uma das mãos a limpar um dos olhos, já pronto para chorar ali.

Gostava muito de Ravi, gostava mesmo, mas não gostava dele daquela forma. Não gostava dele como gostava de Jungkook... desde sempre. Se sentia mal, porque não havia nenhuma competição. Sentia-se estúpido por achar que Ravi teria o poder de apagar uma coisa daquelas.

– Eu sei o que você está sentindo. – Ravi declarou, compreensivo, se movendo para ele mesmo limpar as lágrimas do namorado – Ele está entrando novamente e isso... Eu entendo. – dizia ele, apressado – Vocês têm passado algum tempo juntos, vocês se aproximaram de novo e... eu entendo. Eu entendo tudo, amor, mas isso não é motivo para desistir de nós.

– Ravi, eu lamento. – dizia, insistente em limpar as bochechas que de certeza estavam vermelhas – Eu queria, mas eu não...

– Ji. – o chamou daquele modo carinhoso – Eu ainda me lembro de tudo o que me disse. Não pense que eu esqueci, hum? – ele chegou a sorrir – Todas aquelas coisas de... não ser sua culpa ser apaixonado por ele, de... de não querer. Você se lembra?

Jimin acenou. Ele lamentava por aquilo, mas não retirava nada. Ser apaixonado por Jungkook nunca tinha sido nada de difícil, nada excrucialmente dorido. Ao início, com menos uns anos nas costas, tinha sido complicado quando se começara a aperceber que olhava para o mais novo com outros olhos. Quando se tornou maior de idade e, naturalmente, o melhor amigo não, conseguiu desviar-se do sentimento graças à razão, mas o mesmo nunca desaparecera. O que fora difícil tinha sido a rejeição, coisa que sabia que aconteceria, e estava preparado para isso, mas que não soubera lidar por algum tempo.

No último ano do colégio, na sua formatura, lembrava-se de estar numa sala sozinho com o moreno, lembrava-se de ter querido contar ali, lembrava-se bem dos desejos que tivera e da imaginação fértil típica da idade. E, nesse dia, quando voltou para casa, percebeu que nunca teria coragem, que a rejeição não vinha de Jungkook, mas de si mesmo. Nunca seria capaz. Gostava muito de Jungkook, provavelmente sentia algo bem maior do que isso, mas nada se sobrepunha ao medo que sentia das consequências de obter resultados para os quais não estava preparado.

Antes do Natal, quase perdeu para si mesmo. Quase que estragou tudo.

– Lembro. – ele respondeu, subindo o olhar para o maior.

– Não desista ainda. – Ravi subiu a mão para o maxilar do loiro, moldando-se a ele e juntando os seus narizes – Não desista já. Ainda não, por favor.

Jimin fechou os olhos, pousou a mão sobre Ravi e esperou que o seu coração soubesse dizer. Devia afastá-lo ou devia prendê-lo ali?

Respirando fundo e embora sem resposta, ele acenou, engolindo em seco. Ravi o puxou para si, deixando o corpo cair para trás no sofá e levando o do namorado consigo. A sua mão deslizou pelos cabelos, acariciando o mais novo e abraçando-o com o outro braço. Jimin o rodeou também, sem coragem para admitir que aquilo era um erro ainda maior.

Ele poderia tentar um pouco mais. Ele não era um desistente.

– Quer ver filme? – Ravi perguntou, deixando-lhe um beijo na testa e já esticando o braço para alcançar o controle.

Jimin, sem palavras, voltou a acenar, mas não viu filme nenhum. Via as imagens na televisão, mas não fixava nenhuma, não guardava nenhuma. Ficou ali, quieto e imóvel até adormecer, ignorando a parte diabólica da sua mente que estava imaginando o abraço de Jungkook ao seu redor, e não o de Ravi.

No dia seguinte, demasiadas coisas estranhas aconteceram consigo. Poderia fazer uma lista delas.

Foi realmente estranho quando viu Seokjin na estação do comboio, quando viu o melhor amigo o abraçando. Não conhecia Seokjin muito bem, mas sabia pelo que ele era conhecido. Também sabia que ele tinha um namorado. As coisas que sabia eram poucas, mas sabia que Ravi o conhecia de antes e, confiando no namorado, acreditava que o loiro não era mesmo alguém com quem ele pudesse, remotamente no futuro, construir uma amizade. O que o irritava mais é que não sabia bem o que atraía Jungkook até ele. Não conseguia entender.

As coisas estranhas não ficaram, obviamente, por aí. Quando viu Ravi, quis mostrar-lhe que estava realmente disposto a tentar. Foi visitá-lo ao clube de robótica, agiu como um bom namorado, mas tudo desmoronou quando o melhor amigo teve a excelente ideia de querer passar tempo com ele. Embora, por um lado, Jimin achasse que isso passaria alguma confiança ao namorado, também podia ver as coisas indo por outro lado e causar exatamente o contrário. A insistência de Jungkook sobre o assunto, no entanto, tornou-se difícil de suportar e ignorar.

O mais estranho para si, no entanto, sucedeu-se ao fim do dia.

– Jimin! – Taehyung o chamou enquanto ele estava no banheiro – Seu celular está tocando!

A primeiro, pensou que pudesse ser Jungkook pedindo uma carona, mas ele tinha saído há pouco tempo e o caminho até a casa de Seokjin era pequeno, segundo o que o mais novo lhe tinha dito. Tinham combinado que ele regressaria até a casa de Taehyung, se ainda fosse cedo, ou que talvez Seokjin o pudesse deixar na casa do Park se fosse tarde.

– Quem é? – ele perguntou enquanto saía da casa de banho, as mãos ainda húmidas.

– Não sei, não tem nome. – Taehyung lhe entregou o aparelho de forma rápida e, no mesmo ritmo, o loiro atendeu a ligação.

– Quem fala? – ele se afastou um pouco dos amigos, tentando evitar não ouvir por causa do barulho.

O palhaço do seu namorado está aqui.

Embora tivesse ouvido a voz de Seokjin poucas vezes, soube reconhecê-la, talvez por a ter ouvido à relativamente pouco tempo.

– Seokjin? – quis saber na mesma.

Pois é. – ele confirmou – Por favor, venha buscá-lo.

– O quê? – ele estava confuso – Você está falando de Ravi?

Oh porra! – o mais velho guinchou do outro lado, parecia assustado – Jimin, o cara está bêbado na sala de minha casa, ele deu um soco no Jungkook e...

– O quê? – seu corpo se moveu rapidamente, agarrando na chave do carro e deixando a casa do amigo às pressas.

– O que foi? – Taehyung perguntou-lhe, mas não obteve resposta, porque Jimin já tinha saído.

– Onde estão?

As coisas estão saindo do controle... – disse Seokjin baixinho – Só venha até o próximo quarteirão e me verá. Estou cá fora.

Jimin encerrou a ligação, certo de que aquilo resultaria. Nem teve tempo para pensar o que faria Ravi na casa de Seokjin ou o que o levara a bater em Jungkook, pois duvidava altamente que o melhor amigo tivesse feito algo que provocasse a situação. Por outro lado, também sabia que Ravi não era nada agressivo.

No quarteirão seguinte, rapidamente avistou Seokjin, que estava no pequeno relvado em frente da casa, prestes a entrar em casa. De forma desleixada, deixou o carro encostado na berma e saiu com pressa. No entanto, o cenário que esperava encontrar não correspondia à realidade.

Ravi estava sentado no sofá da sala de Seokjin, que se via através da porta aberta e Jungkook estava do seu lado, tão confuso.

– Ravi. – ele chamou, quieto na entrada. Jungkook o olhou rapidamente, depois Namjoon. Engolindo em seco, disse – Vamos embora?

Envergonhado, o mais velho de todos limpou as lágrimas, arrastou-as para o lado e ficou de pé de forma zonza.

– Me desculpe... – ele disse virado para Jungkook, que apenas acenou com a cabeça.

Jimin esticou-lhe o braço e rapidamente o maior lhe segurou a mão, indo até ele. Com a outra mão, antes de ir embora, puxou a chave de casa do bolso e atirou-a para Jungkook enquanto ele olhava para si.

– Até já. – disse-lhe antes de virar costas e sair com o namorado – Desculpe por isso. – ainda disse ao dono da casa.

Não sabia bem se suas ações eram erradas ou certas. Sabia que queria ter ficado, que Jungkook tinha um saco de gelo na mão e que devia ter, pelo menos, perguntado se ele estava bem. Também sabia que Ravi estava para lá de bêbado, que todas as suas ações estavam sendo regidas por algo diferente da realidade.

– Pare de chorar, por favor... – pediu-lhe enquanto abria a porta do pendura e fazia com que o maior se sentasse no banco – Está bem? Está tudo bem... – continuou baixinho, passando o cinto de segurança por ele e o olhando.

– Você já o beijou? – Ravi perguntou, o lábio tremendo e as lágrimas esperando pela resposta para poderem descer – Ele tem uma boca tão bonita...

Jimin espreitou por cima do ombro, depois de fechar os olhos e tentar não imaginar as coisas que Ravi dizia, tentando perceber se a porta da casa ainda estava aberta, mas não estava.

– Não o beijei... – declarou, fechando a porta depois e correndo para o lado do condutor.

Assim que girou a chave, querendo levar o namorado para casa dele o mais depressa possível, Ravi disse:

– Você quis... daquela vez.

Jimin sempre fora muito honesto com Ravi. Antes do Natal, na noite em que quase beijara Jungkook (e fingiu que a culpa era da bebida e nunca mais falou sobre isso), correra no dia seguinte para a casa de Ravi. Tinha realmente medo, sabia que guiar-se por isso era uma coisa má para si, mas às vezes não conseguia evitar. Em sua cabeça, cenários foram formados, cenários em que realmente se tinham beijado e todos eles tinham um final miserável.

– Não há nada que eu te possa dizer que... – Jimin engoliu em seco, dirigindo com calma – Por favor, não faça isso.

Embora Ravi sempre tenha dito que tinha noção do quão difícil era a relação deles, às vezes Jimin sabia que, para conseguir se manter nela, Ravi guardava demasiadas coisas para si. Lembrava-se perfeitamente de ter negado o pedido de namoro do garoto várias vezes, lembrava-se até de terem dito que não eram realmente namorados, que seriam quando Ravi sucedesse a 100%. No entanto, com o andar da coisa, começaram a se chamar de namorados porque era uma história demasiado longa para contar a cada pessoa que os via juntos e perguntava.

– Eu não quis... Eu não quis bater nele. – Ravi mudou de assunto, a testa pousada contra a janela – Foi sem querer, não sei como...

– O que estava fazendo na casa de Seokjin? – foi direto ao assunto, como se não conseguisse mais viver com aquela dúvida.

E, embora estivesse bêbado e drogado, Ravi soube mentir.

– Eu vi Jungkook entrando...

Só lhe restou acreditar, porque Jimin não tinha, até então, nenhum motivo para desconfiar de Ravi. Eles foram em silêncio até o outro lado do campus, onde subiram para o apartamento do mais velho e onde, consequentemente, Ravi caiu estendido no sofá.

Ravi e Jimin já tinham ficado bêbados juntos várias vezes e isso fazia com que Jimin soubesse o que fazer naquele momento. Da cozinha trouxe um copo de água e um comprimido, pousando-o na mesa em frente do sofá e pedindo ao mais velho que tomasse.

– Depois vamos tomar um banho, ok?

E em seguida se afastou para o corredor dos quartos, puxando o telemóvel do bolso e discando o número do melhor amigo. Embora Jungkook tenha atendido rápido, ele não disse nada por algum tempo. Então, com um grande suspiro escapando, Jimin disse:

– Ei...

Ei.

Jimin nem sabia por onde começar, o que dizer.

– Você está bem? Ravi te machucou muito?

Não, está tudo bem. – Jungkook respondeu, embora naquele momento estivesse passando a mão pelo maxilar dorido – Vim para casa.

– Isso estragou o seu jantar, não foi? – Jimin suspeitou, arrependido – Me desculpe...

A culpa não é sua, honestamente. – ele parecia cansado, o tom cansado.

– Porque... Porque você não me ligou? – e Jimin parecia triste – Porque preferiu dar o meu número a Seokjin para ele ligar?

Jungkook deu uma risada amarga do outro lado, como quem tomava Jimin por um burro, mas o loiro nem percebeu que, naquele momento, ele talvez estivesse agindo como um bastante ingénuo.

Eu não precisava que você viesse me tirar de uma briga como se eu fosse uma donzela em perigo, Jimin.

– Eu não... não entendi. – e não entendera mesmo.

Não dei o seu número a Seokjin. – declarou por fim – E as coisas aconteceram rápido demais. Em um segundo estou jantando e no outro estou levando um soco na cara.

– O quê?

Não o culpe por isso. – acrescentou rapidamente, afinal não estava tentando fazer o papel de coitadinho – Não sei o que vai entre vocês, hyung... Não sei porque terminaram, mas...

– O que ele te disse? – alarmado quase gritou – Quer dizer...

Lhe explique as coisas como elas são, hyung. – pediu então – Somos só amigos, mas acho que ele não pensa isso...

– Sim, somos só amigos... – Jimin ficou naquele tópico por alguns segundos antes de se recompor e arranhar a garganta – Você disse que estava jantando e ele simplesmente... apareceu?

Foi.

– O que ele foi lá fazer?

Jungkook ficou calado por alguns segundos, porque sabia a resposta, no entanto, preferiu omitir.

Não cabe a mim dizer.

– O quê? Jun... – ele murmurou, ainda mais confuso – Vou para casa daqui a pouco e...

– Ji. – a voz quebrada veio de trás de si e o loiro rapidamente se virou, terminando a ligação e olhando o namorado – Você vai para casa?

O loiro engoliu em seco, porque realmente tinha essas intenções. Na sua mente, no entanto, não pensava em nada disso. Nada da dor que Ravi sentiria ao saber que ele não só estava indo para casa, mas para Jungkook (porque ele pensaria desse jeito). Nada disso, só as peças se juntando como um puzzle que está demorando demasiado tempo para uma imagem tão óbvia.

– Banho agora, ok? – rapidamente mudou de assunto, aproximando-se do moreno e deixando que o mesmo se pendurasse em si.

Mas, mesmo quando tudo parecia ganhar sentido dentro da sua cabeça, Jimin não teve coragem de fazer nada. Sua mente calculava o número de mentiras que tinha sido contado e o quanto tinha confiado nelas, o quanto tinha acreditado, sem uma mísera desconfiança à espreita.

Ravi ainda dizia coisas bobas, ainda soltava as inseguranças ao ar, mas Jimin estava tão perdido em si mesmo que não soube responder a todas, ás vezes limitando-se a deixá-lo sem resposta ou respondendo com um breve "huhum". Achava que podia esperar que o moreno adormecesse e ele pudesse ir embora, mas o que achava mesmo é que podia esperar até que ele ficasse sóbrio para dizer o que tinha a dizer.

Ravi estava na ponta do sofá comprido, com o corpo esticado em cima do mesmo, e Jimin estava na outra ponta, sentado com uma perna dobrada e um joelho contra o peito, de forma aborrecida olhando o televisor e com sono. No entanto, seus olhos nem pensavam em fechar-se e ceder.

Estavam calados há algum tempo e Jimin, normalmente, não tinha muita coragem. Mas, daquela vez, havia alguma coisa que o impedia de permanecer daquele modo, calado e ignorante.

Sem sequer desviar o olhar da TV, perguntou em voz alta:

– Há quanto tempo está consumindo?

Ravi pareceu ficar quieto por alguns segundos antes de se sentar mais direito e finalmente dizer:

– Você me conhece... eu não sou uma pessoa que bebe muito muitas vezes.

– E você me conhece o suficiente para saber que se não for honesto agora, não vou te perdoar. – o seu tom foi mais duro do que pretendia, porque uma coisa era ter sido tomado como burro até agora, outra coisa era exigir a verdade que notavelmente já estava largada ao ar e ainda assim receber mentiras.

– Ji, não estou...

– Me perguntei o que te faria bater alguém, bater em Jungkook. – ele disse, se virando para o moreno de uma vez – Me questionei o que poderia te tornar em algo que você não é... Porque já te vi bêbado, Ravi, bem pior do que hoje e nunca... Então... quanto tempo?

– Foi a primeira vez. – respondeu rápido, temendo que o namorado fosse embora – Por isso é que não soube lidar.

Jimin virou-lhe o rosto, gargalhando baixinho e ficando em pé.

– Por isso é que foi a casa de Seokjin, não é? – abanou com a cabeça, sem acreditar – Por isso é que ele tinha o meu número e... – andou pela casa, agarrando as suas coisas e sem perceber que Ravi se tinha levantando até que o mesmo o parasse, o segurando pelos braços.

– O que você quer que eu te diga? – ele perguntou de forma retórica – Que sou um fraco? Sou mesmo um fraco. Me viciei nessa merda e... E Seokjin sabe disso. Ele é um bom amigo. Ele... Ele tem o seu número porque ele tem medo. Tem medo de que um dia eu vá longe demais e você... Você é a única pessoa que eu tenho, Ji.

– Você já está indo longe demais. – lentamente se largou do aperto, afastando os cabelos para trás e tentando racionar – Como chegamos até aqui?

– Ji... – um suspiro saiu de sua boca, voltando a se aproximar do loiro e o virando para si – Está tudo bem. Nós vamos passar por isso.

– Vamos mesmo? – perguntou de forma irónica – Porque isto nunca foi o que queríamos. Olhe para você agora... Eu não queria... Eu não queria isto para você. Juramos que não íamos cair num mau lugar, mas estamos fazendo isso...

– Não estamos nada. – Ravi insistia – Vamos passar por isso, baby. Estamos sendo honestos agora...

– Eu sempre estive sendo honesto. – declarou, negando com a cabeça uma vez – Mas pelos vistos estive fazendo isso sozinho.

– Jimin. – ele chamou, quase desesperando enquanto via o menor caminhar para a porta, calçar os sapatos – Jimin, por favor. Não vá embora. Estamos conversando.

– Quero ir para casa. – ele disse – Se não for embora agora te direi coisas que você não quer ouvir.

– Porque está desistindo? – ele se apressou até a porta, segurando o braço do loiro, que rapidamente se largou dele – Está desistindo de nós. Ainda ontem dissemos que...

– Talvez devêssemos mesmo ter ficado por ontem, Ravi. – respondeu ele, abrindo a porta e engolindo em seco antes de dizer: – Não saia por aí fazendo besteiras.

Seu coração e seu corpo estavam tão acelerados, que nem se deu conta de quando escolheu trocar o elevador pelas escadas, descendo com tanta pressa que quem o visse diria que estava a fugir de alguém. Só no seu carro parou para respirar, dentro dele, com os nós dos dedos se tornando brancos pela força que fazia em volta do volante.

Não estava com raiva, mas queria muito chorar. Nunca quis fazer de Ravi alguém quebrado e agora sentia-se culpado porque parecia ter feito exatamente isso. Começou a questionar-se como poderia alguma vez ter pensado que aquilo daria certo, que nunca ninguém sairia magoado. E, no topo de tudo isso, a sua mente tentava separar as mentiras das verdades que Ravi tinha contado.

Era tarde, já passava da meia-noite. Esse foi, provavelmente, o motivo pela qual o loiro não teve nenhum acidente com o carro, já que conduzia de forma tão desleixada.

Esperava que Jungkook já tivesse adormecido, por isso ao invés de bater à porta, apanhou a chave reserva que guardava no porta-luvas e foi para casa.

Os seus passos eram silenciosos, medroso que tivesse de encarar o melhor amigo e, confuso e magoado como estava, acabasse lhe dizendo algo que não queria. A sala, que se via logo da entrada, estava escura, mas não totalmente. A televisão tinha sido esquecida ligada e Jungkook estava no sofá, deitado de barriga para baixo, um braço pendendo para fora e o cobertor tapando apenas metade do corpo.

Por um segundo, Jimin desejou que pudesse acordá-lo, que pudesse olhar para ele apenas como um amigo e contar-lhe tudo sem filtros. Queria que ele soubesse que estava doendo, mas não queria dizer o porquê.

Seu subconsciente o levou para a frente do moreno, onde o corpo caiu sentado e encostado contra a mesa de centro, o mantendo ali, na linha do rosto do mais novo. Jungkook tinha a bochecha espalmada contra o sofá, fazendo com que o seu nariz parecesse torto.

Isso fez com que Jimin fungasse enquanto puxava uma perna para si e apoiava o queixo contra o joelho, procurando por apoio enquanto encarava o maior, dormindo. Seu braço rodeou a própria perna e, antes de notasse, estava chorando em silêncio.

Foi com a visão turba e embaçada pelas lágrimas que percebeu Jungkook abrindo os olhos de forma lenta. E, exatamente como precisava, Jimin viu o mais novo apenas levantar o cobertor como um chamado e deixando que o melhor amigo se deitasse consigo e o abraçasse até adormecer.

Mas, mesmo antes disso, mesmo antes de Jimin se acomodar contra o seu peito, Jungkook segurou-o pelas bochechas, encarando as suas lágrimas e deixando que os seus polegares as levassem para longe. Com o olhar atento e iluminado pela luz da televisão, Jimin notou a parte do maxilar de Jungkook que ainda parecia inchada, subindo a sua mão - enquanto fungava - para lá e cobrindo o lugar. 

Jungkook sorriu-lhe curto enquanto lhe dizia: 

– Eu faria exatamente igual se pensasse que alguém está te levando de mim. 

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