☠️ Capítulo XXI ☠️

Lee Feng

A caderneta foi enviada.
O plano está em andamento.

O bilhete do meu informante em minhas mãos me faz sentir um misto de emoções. Uma parte de mim se sente eufórica por anos de estratégia estarem tão perto de me dar resultados concretos, ao mesmo tempo que outra parte de mim se sente culpada pelas consequências que tudo isso causará.

Ainda falta uma hora para o raiar do sol, Thomas está dormindo agarrado a um travesseiro que lutei para pôr no meu lugar.

“O que me diz? Sou seu namorado?”

Um sorriso abobalhado desabrocha em meus lábios. Não sei dizer como meus sentimentos por esse homem surgiram, ele nem mesmo era cogitado ao meu tipo ideal, mas mesmo assim conseguiu cultivar lentamente cada pedacinho de afeto até criar um bonito jardim.

Eu não quero perdê-lo, já perdi pessoas demais e tenho plena convicção de que não existe ninguém como ele no mundo. Ele é amoroso de uma forma fofa, sabe ser protetor e me apoia até mesmo nas minhas atitudes que não o agradam. Todos os outros que já tive algum pequeno envolvimento, no máximo sabiam dizer que eu era bonita, Thomas me enxerga além dessa imagem externa, ele vê beleza até onde me acho um monstro.

Um breve ardor começa em meus olhos e me forço a ir de encontro com minha bagagem arranjar algo para me vestir. Não sobrou muito depois do ataque do desgraçado subalterno do Miller e não quero correr o risco de estragar as roupas que comprei caso precisemos de uma fuga rápida. Decido por uma calça preta enfiada dentro das minhas botas igualmente pretas e a camisa de Thomas que peguei para dormir. Gosto de como o tecido — que ainda tem o seu perfume e é duas vezes o meu tamanho — cobre meu corpo de uma forma confortável e desleixada.

Não é o meu melhor modelito para um roubo, mas não posso anunciar ao mundo que Lee Feng passou pelo Ninho do Mar. Delicadamente vou até o ruivo dorminhoco e passo a mão por seus braços. Ele nem mesmo se move e uso desses minutos para observá-lo.

O desgraçado é realmente bonito, até dormindo com as tranças bagunçadas ele parece charmoso, dá para entender por que aquela bruxa vagabunda fez dele seu alvo. Acho que vou ter que parar de fazer esses penteados nele, talvez raspar sua cabeça faça com que menos lambisgoias se atirem nele, deve ser a única forma segura para chegarmos ao nosso destino sem que eu precise matar mais alguém.

— Thomas… — Chamo devagar fazendo leves carícias em sua bochecha. Seus olhos se abrem lentamente ainda nublados de sono, a bochecha amassada pelo travesseiro. — Oi, bonitão. Bom dia.

— Bom dia. — Suas voz rouca e grave faz borboletas dançarem pelo meu estômago. Os músculos grandes se espreguiçando e voltando à consciência. Será que ele tem noção do quão deliciosa é a visão dele sem camisa? — Já está na hora?

— O sol ainda não raiou, mas precisa se arrumar logo.

Ele coça o olho fazendo um biquinho bonito. Acordar cedo não parece ser uma de suas virtudes. Ele estica cada cantinho do seu corpo e quando penso que ele vai se levantar, seus braços se fecham ao meu redor e nos faz rolar pela cama até sua cabeça e toda seu corpo está sobre mim.

— Thomas! Você é pesado!

— Shiiii. Me dê uns minutinhos assim. — Ele esfrega o nariz em meu pescoço me fazendo casquinhas. — Cheirosa.

— Precisamos levantar. Temos um barco para roubar. — Ele nem mesmo se move. — Saia de cima de mim. — O ruivo apenas balança a cabeça em negativa. Bebezão.

Não dou nenhum aviso, apenas pressionando os pontos em sua cintura que sei ser sensíveis. O grandalhão se contorce em gargalhadas profundas, mas meu plano sai pela culatra quando ele segura meus pulsos e os prende sobre minha cabeça.

— Deixa eu aproveitar um pouquinho  da minha primeira manhã com a minha namorada, sua chata. — Thomas leva uma das minhas mãos a sua cabeça e a outra até suas costas. — Faz carinho.

Os minutos se estendem e tenho vontade de nunca mais sair desse quarto ou de deixá-lo sair dos meus braços. Suas respiração é sincronizada com a minha e seu corpo relaxa cada vez mais sobre meu toque.

— Você é um bebezão. — Resmungo com um imenso sorriso nos lábios.

Ele levanta sua cabeça da curvatura do meu pescoço, um conjunto de olhos brilhantes e pequenas sardas no nariz, em uma expressão convencida.

— E você gosta. — Ele estala um beijo na minha boca e finalmente se levanta.

— Idiota.

O ruivo não responde, apenas me lança uma piscadela e vai em direção a sala de banho para um último banho em terra firme. Me ocupo em arrumar nossas bolsas, a minha bem maior do que a dele, mas algo na bolsa de couro que ele sempre carrega me chama atenção.

Um pequeno brilho vermelho.

Um colar com pingente de rubi.

Tampo a boca com as mãos incrédulas com o que vejo. Não posso tirar conclusões precipitadas, mas meu coração acelerou com a possibilidade desse colar ser para mim. Ele se lembra que minha cor favorita é vermelha apesar da minha marca ser azul. Alguém bate na porta do quarto e no susto jogo tudo para dentro da bolsa na mesma hora que a cabeça de Shang aparece pela fresta.

— Estão prontos? Achei um barco bacana para roubar, mas precisamos ser rápidos.

— Nos dê dois minutos. — Meu irmão acente e desaparece, ao mesmo tempo que Thomas sai da sala de banho.
Calça larga presa por um cinto de couro marrom, botas gastas, um dorso bonito demais para ser real e cabelos ruivos que caem até seus ombros molhados. Porra.

— Quem era? — Questiona enquanto seca as madeixas com uma toalha.

— Shang. Veio nos apresar. — Para minha tristeza ele coloca uma camisa larga azul que me tira a brilhante vista de segundos atrás. É difícil desviar o olhar decepcionado. — Nossas coisas já estão arrumadas.

Ele para no lugar, seus olhos deixam escapar um vislumbre de nervosismo, mas logo some.

— Mexeu na minha bolsa?

— Não. — Ele fica aliviado com a minha mentira. — Ela já estava bem arrumada, só a coloquei perto das outras para ficar mais fácil.

— Ah. Deixa que eu carrego.

O ruivo faz a sua demonstração de homem forte pegando com facilidade minhas duas bolsas grandes e sua bolsa de couro. Suprimo o sorriso que ameaça aparecer, enquanto deixamos para trás o quarto da estalagem. Do lado de fora. Shang e Jimmy esperam segurando várias bolsas, enquanto Odélia está sentada em um banquinho com um Angelo semi adormecido em seu colo.

— Finalmente, os pombinhos apareceram. — Jimmy resmunga. — Pensei que teríamos que deixar vocês dois para trás.

— Cala a boca, idiota. — Thomas retruca.

— Qual o barco você encontrou, Shang?

— Aquele.

Ele aponta para um jabeque¹ espanhol com a polpa pintada de vermelho e nomeado “O fugitivo”.

— O nome lhe cai bem. — Todos riem do gosto peculiar de Shang.

— Não é isso, andei observando ele desde que atracou no cair da noite. O dono disse pertencer aos navios espanhóis de 1779, um clássico e rápido, suas velas são de produção nobre. Com essa belezinha vamos chegar à Terra da Deriva sem problemas.

— Qual o seu plano para roubá-lo?

— O dono é cargueiro e estava se gabando da última viagem que lhe rendeu uma fortuna. Aquele velhote vai torrar tudo na taberna e no prostíbulo mais famoso daqui. — Ele dá de ombros com um sorriso zombeteiro. — Vamos apenas carregar e zarpar.

— E se alguém questionar? — Thomas pergunta.

— Somos apenas funcionários do velhote. — Shang dá de ombros.

— O plano me convenceu. Vamos logo para evitar comentários e aproveitar que o sol não nasceu.

Minha família sorri sem vergonha nenhuma e corremos em direção ao nosso roubo silencioso. Agora sim o meu rumo está acertado.

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Foi incrivelmente simples carregar o navio e zarpar sem que ninguém interferisse, quando as velas foram soltas e o mar aberto nos recebeu, os poucos guardas que deveriam estar fazendo rondas estavam na verdade em um sono tão pesado que não acordaria nem se um terremoto assola-se o porto.

O jabeque tem um ótimo convés de armazenamento, sobrou até espaço entre os vários barris de mantimentos, nas bombordos além de três canhões em cada lado também contam com redes e botes largos de pescadores, o que realça a ideia de que somos um cargueiro de pescadores. Tudo nesse navio parece perfeito, Shang com seus olhos de primeiro imediato foi bastante preciso em todos os quesitos.
O sol brilha forte sobre nós acompanhado de ventos fortes que nos ajudam a manter o passo largo para nosso destino. Jimmy e Angelo estão cuidando da limpeza pós almoço, Thomas sumiu no convés inferior para arrumar sei lá o que e eu fiquei no comando do leme a algumas horas sendo agraciada com a imagem bonita de Shang e Odélia deitados em redes que encontraram na cabine deles rindo feitos bobos apaixonados. A barriga da morena já dá bons sinais da vida que cresce em seu interior, seu rosto está iluminado à medida que meu irmão passa a mão para sentir o bebê.

Fico feliz que minha amiga querida e meu irmão tenham um ao outro, que estejam imersos nesse amor arrebatador e que em breve terão uma criança para formar uma família só deles. O mesmo sentimento de tristeza que senti de manhã voltou a dar uma pontada em meu peito, dessa vez mais cruel e dolorosa.

Não tem como voltar atrás. É necessário.
As palavras ecoam em meus pensamentos, um lembrete do que preciso fazer e do que está em jogo caso eu não prossiga com o planejado. Antes que eu possa me deixar ser pressionada pelo peso dos meus próprios sentimentos, uma espada é colocada diante dos meus olhos, seguido por um Thomas com um sorriso imenso como de uma criança empolgada com um brinquedo novo.

— Aqui. A espada que comprei.

— É essa a belezinha incendiária que você comentou? — Ele concorda empolgado e entrega a lâmina em minhas mãos para que eu avalie. O cabo é mais grosso que o normal, mas tem detalhes delicados em dourado, a lâmina parece ser nobre e fina, perfeita para movimentos rápidos e ataques precisos. — Uau. Muito bem feita.

— E então? Vai me ensinar a usá-la?

— Agora?

— Estamos em alto mar, os ventos estão ao nosso favor. Não tem nada que nos impeça. — Seu sorriso se alarga. — Estou ansioso para aprender com a melhor.

Bajulador fofo desgraçado.

— Tudo bem, me mostre o que sabe. — O ruivo pega sua espada com certa insegurança e se posiciona de forma desleixada. — Não. Você está curvado demais, o peso não está bem distribuído em seus pés, a espada não está firme, seus cotovelos estão fora da posição ideal que lhe permita tanto atacar como estar preparado para se defender.

— Eu só segurei a espada, como pode ter achado todos esses defeitos?

— Eu sou a melhor, meu amor, Simples assim. — Dou de ombros e ele solta uma risada anasalada. — Observe e depois replique. O princípio de tudo vem da posição de guarda, é o ponto de partida para seu ataque ou para sua defesa. Mantenha os pés afastados e joelhos flexionados, isso vai te dar uma base de equilíbrio, mantenha o pé direito de frente e o esquerdo apontado para a lateral para formar um ângulo de 90°. Sua espada sempre em direção ao adversário da mesma forma que seus olhos, você deve estar atento para conseguir antecipar seus golpes.

Thomas me imita segurando de modo quase perfeito. Ele é um ótimo aluno.

— Ótimo. Agora vamos para o movimento base, marchar e romper. — Me coloco ao seu lado em posição com uma espada imaginária para que ele possa observar como fazer os movimentos. — A marcha é seu ataque, basicamente é você fazer sua lâmina ir de encontro com seu adversário. A perna direita vai dar a partida e a esquerda vai segui-la para manter a posição de guarda para o caso de uma retirada brusca. O romper é o contrário. — Ele segue minhas instruções de modo que parece dominar bem a coordenação dos pés com a força delimitada nos braços. — Isso. Está indo muito bem. Como é sua primeira aula, vamos trabalhar com o princípio de postura com as posições básicas.

— Não vai me ensinar a usar ela em chamas?

— Por enquanto não, piromaníaco. Até que tenha um bom controle da lâmina normal é bom deixar o fogo de lado, não queremos que você coloque fogo em si mesmo ou no barco. — Ele faz um beicinho desgostoso. — Vamos lá, em guarda!

Meu doce pupilo segue os passos de guarda, marchar e romper de forma perfeita ao som do meu comando. A cada fração de cinco minutos mude a forma do comando para que ele varie os movimentos como uma dança bonita e ampla, seus passos têm a leveza e elegância que demorei meses para dominar quando aprendia com Jin Zhao. Tenho certeza que só tem essa habilidade por ter aprendido a base como corsário, mas a Marinha Real é desleixada com seus combatentes, foram poucos os que observei que tinham algum tipo de talento. O mais próximo do meu nível que encontrei naquele trupe de oportunistas cruéis foi justamente a pessoa que matei com maior prazer.

Capitão Barnett Black, o pai de Thomas.

Aquele capitão asqueroso, era insano no combate por espadas e devo admitir que era um bom estrategista de batalhas navais, mas era imprudente e sem planos extras que não fossem o ataque forte e brutal. Olhando para Thomas treinando suas passadas, os olhos castanhos focados e disciplinados em executar tudo com precisão, me lembram muito de seu pai no dia em que o matei.

Naquele dia o mar estava rebelde e chovia furiosamente, aquele idiota me pegou no olho da tempestade, o pior momento para um ataque, mas mesmo assim o capitão da marinha lançou seu navio em direção ao meu. Canhões apontados para várias direções diferentes determinados a me naufragar, mas o Princesa do Mar era muito mais veloz que seu galeão. Barnett ficou para trás com seus canhões tentando desesperadamente nos causar algum estrago. Quando uma das suas bolas atingiu um dos vitrais da minha cabine na popa do navio, confesso ter me deixado levar pela raiva, era o vitral que tinha acabado de mandar fazer em homenagem à primeira rainha do mar, filha da deusa Mazu.

Não me lembro ao certo do que estava pensando ou dos principais detalhes da batalha, tudo que me lembro é do ódio descomunal que me cegou completamente. Aquele homem tinha matado o único pai que tive, eu queria ver a minha espada cortar sua garganta, queria entregar suas vísceras aos tubarões, queria ouvir seus gritos de horror e sofrimento. Então para o desespero de Shang tomei o comando do leme e virei o navio a bombordo, gritei ordem aos canhões para acertar nas velas e só virei por completo meu navio quando o galeão de Black ameaçava nos partir ao meio. Foi nesse momento que começou a minha caçada por vingança.

Minha tripulação invadiu a carcaça do navio, homens lutando no meio dos destroços e da chuva, chacoalhando à medida que o mar furioso berrava a irritação de Poseidon. Barnett estava com o supercílio cortado devido a um pedaço quebrado do mastro, seus olhos tinham fúria gélida, mas seus lábios apenas esboçaram um sorriso sínico e desafiador.

“ — Era disso que todos tinham medo? O poderoso Lee Feng, o terror dourado, é na verdade uma menininha? Vou te matar com prazer, vadiazinha.”

Foram as suas últimas palavras antes que meu sangue fervesse por completo. Foi um duelo fervoroso, antes de morrer Jin Zhao fez questão que eu o superasse em todas as artes de batalhas e estratégias, mas ainda assim Barnett conseguia barrar boa parte dos meus golpes o que só piorava meu ódio. Minha melhor arma foi atingir onde ele não imaginava que eu pudesse chegar. Seu ego.

“ — Você luta tão mal, capitão. Olha só, ainda estou viva. Se estivesse na sua pele questionaria o meu valor. Um homem que é superado por uma garota de quinze anos. Que vergonha.”

Ele ficou vermelho de raiva e fez a única coisa que eu precisava para acabar com sua vida de uma vez por todas. O capitão correu em minha direção armado com o golpe de flecha² determinado a fazer sua lâmina atravessar meu peito, mas desviei rápido demais para o velhote compreender a jogada e quando ele percebeu já estava desarmado enquanto a minha espada perfurou seu ombro. Eu ia terminar aquilo ali mesmo, queria eu mesma arrancar sua cabeça fora, mas sua tripulação estava quase toda morta e o Princesa do Mar não estava em condições de esperar. Shang me agarrou e me levou embora apesar do meu protesto violento para matar o assassino do meu pai. Soube apenas de sua morte algumas semanas depois por complicação do ferimento que lhe causei.

— Escutou o que eu disse? — Thomas questiona acenando na minha frente.

— O que?

— Estava perguntando quanto tempo mais vamos ficar só nisso? — Minha mente retorna definitivamente para realidade me dando conta de que o sol já está se pondo. Céus, como o dia passou tão rápido?

— Vamos parar por hoje, amanhã vou te ensinar sobre os movimentos da lâmina para os golpes.

— Gostei muito da nossa primeira aula. — Ele suspira com um sorriso orgulhoso.

— Eu também gostei, meu pupilo. Você é um ótimo aprendiz. — Ele dá de ombros, subitamente tímido com o elogio. — Vá se refrescar para jantarmos .

— Sim, senhora capitã! — O ruivo sai caminhando tão feliz que só falta saltitar, a visão me faz abrir um singelo sorriso enquanto o sigo.

É um bebezão mesmo.

Nossa cabine não é tão grande ou bem decorada quanto a minha no Princesa do Mar, mas está nos servindo bem. Tudo que tem é uma cama grande sob um vitral mediano, alguns baús para nossas coisas, uma mesinha redonda com duas cadeiras e uma sala de banho minúscula. O cansaço começa a pesar em meus ombros, a cama me abraça com carinho quando me deito com os barulhos do banho de cuia de Thomas.

Seria ruim se eu invadisse seu banho?

— Quanto tempo você demorou para aprender a manusear uma espada? — A voz abafada de Thomas não deixa que meus pensamentos finalizem sua linha de raciocínio de imagens indecentes.

— Acho que um ano e meio.

— Sério?

— Eu treinava todos os dias sem descanso, então ficou fácil aprender tão rápido.

— Acha que posso ficar minimamente bom até chegarmos na Terra da Deriva?

— Você está aprendendo com a melhor dos melhores, óbvio que vai ficar bom nas próximas três semanas. — Minha fala convencida o faz gargalhar. O ruivo sai da saleta vestido em uma calça que foi cortada nos joelhos e uma camisa vermelha larga prendendo os cabelos em um rabo de cavalo alto com uma bandana da mesma cor. — Aliás, eu tenho duas curiosidades.

— Quais? — Ele se deita na cama e aproveito para me aninhar em seu braço e receber um cafuné de seus dedos delicados.

— Primeiramente. Você tem noção do quão bonito é? — Ele gargalha. — Estou falando sério!

— Não tenho. Não sou uma pessoa vaidosa, algumas pessoas já me elogiaram, mas nunca acreditei realmente que fosse bonito desse jeito como você fala.

— Aposto que todas eram mulheres assanhadas. — Sinto um pequeno gostinho amargo de ciúmes, mas ele logo se dissipa quando o ruivo beija minha testa.

— Só me importo com os seus elogios e se você diz que eu sou bonito, então acredito. Qual é a outra curiosidade?

— Você tem algum sonho de vida? Algo que quer muito realizar? — Seus olhos ficam distantes e brilhantes, como se pudesse se visualizar dentro do seu sonho.

— Eu quero explorar o mundo.

— Explorar?

— Sim, quero viajar para todos os cantos dos sete mares e mapear cada detalhe desse mundo. Quero descobrir novos lugares, escrever diários de viagens que ficaram marcados para sempre na história e desenhar muitos mapas, tudo isso com a mulher que amo ao meu lado e quem sabe com nossos muitos filhos.

— Consigo imaginá-lo realizando esse sonho facilmente.

— E você?

— O que tem eu?

— Qual o sonho de vida da grande capitã Lee Feng?

Qual o meu sonho de vida? É uma pergunta que não me faço com frequência e não tenho uma visão clara disso, mas quando penso no futuro só me vem à mente uma coisa.

— É um pouco parecido com o seu, quero navegar pelos sete mares e ver tudo que esse mundo tem a oferecer. Porém, quero também ter um lar para onde voltar, mesmo que por pequenas temporadas.

— É um lindo sonho. — Seus lábios tocam delicadamente minha têmpora, meus olhos se tornam mais pesados à medida que ele alisa meus cabelos. — Você parece cansada. Está tudo bem?

— Eu só estou tendo um pouco de dificuldade para dormir ultimamente, sonhos estranhos sempre vem me encontrar.

— Minha mãe tinha uma receita de chá ótimo para dormir, se quiser posso fazer um para você.

— Eu adoraria.

— Certo. — Ele se levanta em um instante deixando meus braços frios com a falta de sua pele próxima. — Vou aproveitar e trazer nosso jantar.

O ruivo some pela porta sem querer eu precise responder. Simplesmente amo quando ele é proativo. Com um sorriso bovo nos lábios me deixou ficar estirada na cama, porém um zumbido agudo toca em meus ouvidos me causando uma dor terrível, minha cabeça começa a girar e um embrulho toma conta do meu estômago. imagens se embaralham em minha mente à medida que o mal estar se torna mais forte, minhas mãos apertam a minha cabeça em uma tentativa de fazer a dor parar.

Eu vejo grades de uma cela úmida e escura, dois homens com chicotes e uma mulher largada no chão, suas costas estão em carne viva, os cabelos cinzentos manchados de sangue seco. Ela chora e grita. Sinto a dor dela em minha própria carne e uma voz ecoa.

— Wǒ chuándì wǒ de lìliàng... Wǒ jiāng wángguàn... Jiāo gěi cóng shuǐ zhòng chūxiàn de rén...³

A voz. Aquela voz. A voz da minha mãe.

— Mamãe… — Tento chamá-la, mas tudo aparenta ser apenas uma lembrança.

Mais uma chicotada estala nas costas da minha mãe. Mais uma linha fina de sangue deixa sua carne quando seu corpo cai exausto. Um dos homens se vira e tenho vontade de rasgar seu rosto quando o identifico.

O marido da minha guardiã.

O homem que tentou abusar de mim.

Ele gargalha do sofrimento da minha mãe.
Grito e tento impedir que sua mão se levante mais uma vez, mas sou como um fantasma. Não posso fazer nada.

Meus olhos se abrem novamente, estou suada, o corpo enrolado nos lençóis de tanto me mexer.  Os passos do lado de fora me deixam em alerta. Thomas está retornando, não posso deixar que ele me veja nesse estado, não por agora.

Quando o ruivo entra falando algo que não consigo acompanhar estou sentada como antes e ele continua alheio a tormenta dos meus pensamentos. Ele fala palavra atrás de palavra, mas tudo que consigo pensar é: O que foi isso?

Notas finais:

1. Para vocês terem uma ideia visual. 👇

(Obs: Toda a informação descrita pelo Shang é real)

2. Trata-se de um ataque rápido em que o esgrimista literalmente corre em direção ao adversário com a arma esticada e apontada.

3. Tradução: Eu passo meu poder... entrego a coroa... aquela que surgirar das águas...

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