☠️ Capítulo X ☠️
Lee Feng
— O que te trás as águas de Atlas? — questiono saindo da banheira sem me importar da outra capitã estar deitada desleixada na minha cama com alguns aperitivos, enquanto Odélia tritura as minhas frutas curiosa sobre nossas convidadas.
O banho foi um pouco mais revigorante do que o normal agora que tudo não se passou de uma grande pegadinha da Serena. Depois que o alívio entrou nos pulmões dos homens, o navio de Serena foi içado ao nosso e ligados por pranchas de madeira, e rapidamente entramos em um consenso de festejar noite adentro.
Me olho no espelho e definitivamente gosto da visão. Minha silhueta é modelada por um vestido preto que vai até pouco acima das minha panturrilhas — um presente de Serena a algum tempo que quase nunca tiro do báu — sobreposto por um espartilho da mesma cor com bordados vermelho que faz meu busto ficar bem definido com as finas alças do vestido, as botas da mesma cor orna com a cor do vestido e decido por deixar meu cabelo solto sob o meu típico chapéu.
Não é sempre que consigo encontrar uma das minhas amigas mais queridas.
Quando a conheci ela já era uma capitã com muito renome dentro da fortaleza pirata, apesar de não ser tão conhecida mundo afora. Vivendo a meses apenas rodeada de homens, foi libertador tê-la ao meu lado para me guiar em assuntos bem mais femininos. Foi em uma festa em seu navio que beijei alguém pela primeira vez, foi ela que me deu umas dicas de melhores roupas que se adequaram ao meu corpo e me dariam uma visão feminina e imponente. Ela foi um bom exemplo de irmã mais velha.
— Fui presa. — a francesa diz simplista enquanto desfruta de seu amendoim.
— O que?
— Me deixei ser presa por uma das bases da marinha real e as minhas meninas deram o ataque final. — ela sorri orgulhosa. — Saqueamos dois terços da cidadela e ainda conseguimos levar aquela belezinha lá fora, vou reformá-la para adicioná-la à minha frota.
— Esse foi um plano ótimo. — parabenizo e ela apenas finge uma reverência orgulhosa.
— Não sabia que tinha outra mulher como capitã além da Lee. — Odélia se manifesta no meio de vários restos de maçã e cascas de laranja. — Como você se tornou capitã?
— É uma história meio longa, não gosto de me gabar. — Serena fala com uma falsa humildade me fazendo rir. Ridícula. — Mas já que quer tanto saber, vou contar.
— Convencida. — Odélia ri e volto a me arrumar.
— Acredite ou não, mas o sangue das milenares sereias das profundezas correm minhas veias e minha mãe era a princesa delas.
— Eu fui sequestrada junto da minha mãe por mercenários, fomos mantidas em cativeiro por nove anos com minha mãe suportando o possível e o impossível para me manter intocada por aqueles bárbaros. Arquitetura minha vingança durante esses nove anos de sofrimento e em uma noite, envenenei todos no navio e arranquei as tripas do líder, não demorou muito para seus homens se curvarem a mim e eu ter meu domínio estendido a uma frota de 10 navios. — ela me lança uma piscadela depois de deixar para tras o grandioso detalhe de sua vida que nunca revela as pessoas.
— Uou. — A morena exala surpresa e uma leve admiração. — Cada história pirata que escuto não sei se fico em choque com os traumas que vocês viveram ou se fico admirada por terem passado por tudo isso e se tornado tão fortes.
Nós duas damos de ombros para sua afirmação. Não é algo da qual pensamos muitos, sabemos que todos tem uma parte triste de sua história e ficar o tempo inteiro trazendo isso à tona é uma afirmação de que somos dignas de pena. Eu não quero que ninguém olhe para mim com aqueles olhos penosos apenas por dizer algo trágico do meu passado.
A morena por outro lado parece não interpretar dessa forma e estende os braços para nos abraçar.
— Espera, isso não explica a sua tripulação. — Odélia a encara. — São todas mulheres. Onde encontrou tanta mulher pirata assim?
—Essa parte é melhor mostrar do que falar. — Serena sorri diabólica já sabendo o que todo mundo irá pensar quando vir a sua “explicação”.
— Como assim? — Serena faz um sinal de guia para nós e a morena me encara enquanto tento segurar a gargalhada do que virá a seguir. — Você sabe de alguma coisa, não é?
— Eu? Nadinha.
— Mentirosa.
Os convés dos dois navios parecem uma única coisa, lamparinas foram espalhadas por todos os cantos dando uma bela luminosidade, os homens se dividiram nos instrumentos trazendo uma música alegre e as mulheres de Serena dançam felizes sob os olhares admirados de muitos. ngelo dança no meio delas de forma desajeitada ao lado de Jimmy, me fazendo gargalhar. Shang balança o corpo em um canto do local com uma taça na mão com Thomas ao seu lado. Nossos olhos se cruzam por breves momentos, mas o ruivo logo desvia o olhar.
— Garotas! — Serena bate palmas as chamando e imediatamente as damas se viram para ela aguardando ordens. Céus, quando terei uma tripulação assim? Que inveja. — Nossos anfitriões estão um pouco curiosos sobre a nossa natureza. O que acham de darmos um pequeno espetáculo?
As garotas riem revelando sorrisos com caninos salientes, todas se livram de suas botas e bijuterias se juntando as bordas do navio, a capitã também se une a elas e com sorrisos nos rostos todas se lançam ao mar causando um almoço nos homens.
— Damas ao mar!
— Pelos sete mares, elas vão se afogar!
— Botes! Lancem os botes! —
Thomas se mexe rapidamente para soltar um dos botes próximo a mim, mas impeço.
— O que está fazendo? Sua amiga se jogou no mar! — o ruivo berra em desespero.
— Você acha que ela faria isso se não fosse de seu costume? — questiono, mas ele ainda se mantém nervoso. Com minha espada chamo a atenção de todos. — Se acalmem, homens! Peguem seus lampiões e aproveitem o espetáculo no mar.
Os homens se aglomeram nas bordas do navios, apontando as luminárias para as águas, Thomas parece nervoso ao meu lado enquanto ngelo pula de agitação independente de que tenha visto isso mais de mil vezes. Um longo silêncio permanece até que uma voz melodiosa e encantadora começa a cantar, uma canção lenta e sem letra que embriaga os tímpanos dos homens sedentos de curiosidade procurando a dona de tal voz.
Mais adiante Serena e mais quatro garotas imergem com seus cabelos molhados, mas o que chama atenção dos homens são as orelhas alongadas e as guelras nos pescoços das jovens. De repente mais duas saltaram como um golfinho chocando a todas com as caldas deslumbrantes e seios apenas cobertos por finas faixas de tecidos. A canção alimenta o ritmo e os músicos as acompanham, em poucos minutos todos estão desacreditados e maravilhados com o que vem.
— Elas são sereias… — A voz de Thomas sai em um sussurro embasbacado, descrente ele esfrega os olhos. — Por tudo que é mais sagrado, elas são sereias!
— Surpresa… — dou risada de sua reação e não posso deixar me achar fofo sua nova empolgação com o espetáculo. O ruivo e ngelo disputam para ver quem vibra mais.
Muitos não acreditam mas o mundo magico, realmente existe e não apenas uma grande ilusão de lendas poderosa, mas uma realidade que se mantem oculta e que perdura por milenios. Muitas das coisas que os homens discutem se são reais, krakes, sereias, ninfas e espiritos, perambulam e se misturam a nossa sociedade com facilidade. A unica questão é que usam da burrice humana como camuflagem contra o preconceito e malicia com o qual podem ser vistos. Serena só foi feita de prisioneira juntamente de sua mãe por ambas serem sereias que apenas se tornaram alvos de obssessões mundanas. Nesse mundo os humanos são os verdadeiros vilões e as criaturas magica apenas se escondem em favor de suas proprias vidas.
Após mais alguns minutos, as moças encerram sua apresentação. Por alguns minutos elas ficam submersas, mas logo retornam devidamente vestidas — e com pernas — com ajuda nos nossos botes ao som dos aplausos e urros dos marujos.
— Agora que sabem nosso segredinho, espero que saibam o quão sortudos vocês são. — Serena diz com um ar orgulhoso, enquanto sua tripulação ri.
— Pode passar quantos anos forem e você não deixa de ser convencida, não é? — a capitã dá de ombros agarrando uma garrafa de rum. — Um brinde! As nossas convidadas de honra e a essa noite que vamos beber até cair!
Os homens brindam felizes, a música retorna e a noite se torna agradável. Fazia muito tempo que não parávamos para festejar. A vida corrida entre fugir da marinha real, saquear, manter nossos territórios e recrutar nossos homens para nosso lado corroeu grande parte dos meus últimos anos ao ponto que eu me esquecesse de como isso é bom. De como estar com a minha tripulação no meio do balanço do mar, rindo e bebendo, sem uma preocupação mortal me atormentando.
Uma brisa joga meus cabelos para trás e por um minuto sinto em meio peito o conforto das águas. Um abraço que sempre remete a minha amada mãe, uma espécie de lembrete do quanto ela me ama.
Angelo se aproxima saltitante e desengonçado na dança, com um sorriso imenso.
— Vem dançar! — O pequeno não me dá nem tempo de falar algo, ele me puxa forte e em alguns passos estamos os dois sacolejando o corpo para os lados e gargalhando, rodopiando em uma roda me fazendo completamente esquecer de tudo ao meu redor.
A música me inebria, uma felicidade inexplicável começa a dominar meu corpo quando uma das minhas canções favoritas começa a tocar e de repente Shang, Odélia, Jimmy e Serena começam a dançar ao meu lado. Eu não me lembro da última vez em que me senti tão leve.
Em um rodopio meu corpo se choca com o de alguém me fazendo perder o equilíbrio, mas mãos firmes me sustentam e mais uma vez aqueles olhos estão ali. Thomas parece muito mais tranquilo depois da nossa discussão pela manhã e por algum motivo estamos mais uma vez hipnotizados com os olhos dos outros. É como se constantemente estivéssemos em uma batalha silenciosa para tentar ler um ao outro, buscando desesperadamente entender nossos interiores e vislumbrar algo.
— Oi. — ele quebra nosso silêncio se afastando um pouco.
— Oi.
Tudo que antes eu tinha para continuar uma conversa decente evapora da minha cabeça num piscar de olhos e miseravelmente caímos de novo ao silêncio. Para meu horror começo a sentir minhas bochechas corarem e me amaldiçoou mentalmente por não estar com uma garrafa de rum na mão para me dar um pouco mais de desenvoltura.
— Achei que iria querer uma dessas. — O ruivo estende a garrafa que tanto ansiava me fazendo arregalar os olhos.
Ele lê mentes? É um bruxo?
— Obrigada. — agarro o recipiente ofertado. — O que está achando da festa?
— Agradável. Fazia tempos que não presenciava uma.
— Você era um homem de festas, senhor Black? — questiono risonha, mesmo já sabendo que ele realmente era, aproveitando para me escorar em uma das escadas do deck.
— Quer gastar a sua segunda pergunta, capitã Lee? — ele retruca me fazendo gargalhar. — Você está bonita…
— Obrigada. — O elogio repentino me faz sentir a vergonha queimar e desvio meu olhar para frente onde uma das mulheres de Serena olha desejosa para o ruivo. — Você também está bonito.
Nós voltamos ao silêncio — enquanto Thomas tenta suprimir um sorriso fofo pela retribuição do elogio —, mas dessa vez confortáveis, apenas observando as pessoas ao nosso redor. Alguns dançam e cantam, outros bebem e cortejam, e nós apenas apreciamos a companhia um do outros. Um lado meu ainda pesa com meu orgulho, mas uma parte pede que eu procure uma forma de voltamos a nos falar como nos dias em que eu era apenas a Mary. Apenas pelo bem de mantê-lo preso a mim, não por outras razões. Ah que se dane.
— Sinto muito por ter sido cruel. — minhas palavras repentinas o fazem olhar exasperado para mim.
— Quem é você? O que você fez com a capitã desse navio? — sem conseguir conter um pequeno sorriso dou um soco fraco em seu ombro, o fazendo rir um pouco. — Você foi muito babaca, mas eu também sabia onde tinha me metido e agi por impulso na maior parte das vezes.
— Então estamos bem?
— Eu ainda te detesto por ter sido uma babaca, atirado na minha perna e me amarrado a você contra a minha vontade por meio de um juramento mágico, mas sim estamos bem por ora. — ele brinda seu copo com a minha garrafa. — Tenho a minha segunda pergunta do jogo.
— Vá em frente, marujo.
— Qual é a sua história?
— Minha história?
— Isso. Qual é a sua história de vida?
— É meio deprimente, quer mesmo escutar? — ele não responde, mas se escora mais nos degraus esperando que eu continue. Não vou poder fugir disso, então apenas dou um bom gole da minha bebida a fim de reunir coragem para tocar no assunto que mais evito. — Eu nasci na Costa de Jade, dezenove anos atrás…
— Dezenove? Espera. Você tem 19 anos? — ele me interrompe embasbacado.
— Sim, quer dizer, atualmente eu tenho dezoito, mas completo dezenove em poucos meses, então já conto assim. Quantos anos achou que eu tinha?
— Sei lá, eu chutaria que tínhamos a mesma idade.
— Quantos anos você tem?
— Vinte e três.
— Tenho cara de velha?
— Não é isso, é que… — ele começa a se explicar, mas para abruptamente. — Espera, está me chamando de velho?
— Sim.
— Eu te odeio. — ele bufa fazendo uma carranca que me faz gargalhar, mas não demora muito até que ele ache graça da situação também. — Tudo bem, vou deixar sua ofensa passar por agora. Vamos, responda minha pergunta.
Respiro fundo, acredito que ele consiga ler em meu rosto o quanto falar abertamente me incomoda. De repente o ar começa a ganhar um peso de seriedade e inúmeras memórias vem até a minha mente.
— Como eu já disse, nasci na Costa de Jade, para ser mais específica em uma ilha que fica entre esse território e a Terra da Deriva. Era um lugar meio esquecido pelas autoridades, mas sempre que a temporada de fartura pesqueira começava virava um grande centro comercial. Minha mãe era artesã e uma pessoa incrível que me foi tirada aos cinco anos de idade, enquanto meu pai só o conheci quanto completei 12 anos e o detesto com todas as minhas forças.
“Quando eu tinha cinco anos, minha mãe precisou resolver algumas coisas em sua terra natal e me deixou aos cuidados de sua amiga mais querida, mas nunca mais a vi. Viver com sua amiga foi bom até os meus dez anos, ela cuidava de mim e era muito gentil, até se envolver com um homem da marinha real que havia sido designado a administrador da ilha. Ele era intragável e muito corrupto, desviou o dinheiro público para seu próprio prazer e deu a ela um bordel para que administrasse com o intuito de me fazer uma das prostitutas.
Aquele homem começou a fazer a cabeça da minha guardiã, alegando que eu era muito bonita e meu rostinho seria um bom atrativo diferente. Em uma noite ele invadiu meu quarto e tentou me violentar, ela apareceu depois de ouvir meus gritos. Quando pensei que iria me defender, ela começou a berrar louca dizendo que eu queria roubar seu marido.
Dali em diante, tive que começar a dormir em um casebre com as outras prostitutas que começaram a me proteger para que não fosse escolhida para ir para a cama com ninguém, isso durou por um ano e nesse período era a serviçal escrava dela. No ano seguinte, o marido dela voltou a me importunar, mas eu sempre conseguia me desvencilhar, mas as exigências para que eu fosse apresentada como prostituta começaram a aumentar, então cortei meu rosto para deixar uma cicatriz repugnante. Hoje ela está menor, mas antes era horrível de olhar.”
Seus olhos recaem sobre a cicatriz embaixo do olho, meio coberta pela tatuagem. Seu semblante empático e abatido pela minha narrativa.
— Levei uma surra por ter ferido meu rosto e foi naquela noite que decidi fugir. Aos doze anos, passei meses vivendo nas ruas e roubando comida para sobreviver, às vezes algumas pessoas eram bondosas comigo, mas nunca me permiti manter muito contato com medo de que tudo pudesse se repetir. Até que encontrei Jin Zhao, eu ia afanar seu saco de moedas, mas ele foi mais rápido. Pensei que ele iria me matar, mas ele me deu comida e escutou minha história trágica, depois disso ele decidiu que poderia ter dois filhos e passei a viver com ele em seu navio com Shang. Ele me ensinou tudo que eu sei, aquela história toda que falei antes de te bater.
“Eu finalmente achei que estava feliz ao lado de uma família que realmente me amava, achei que seria feliz para sempre, estava ainda mais radiante por finalmente ter encontrado o mapa que poderia me levar a minha mãe. Fiquei tão feliz quando, aos quinze anos, ele me passou seu chapéu e me disse com a voz mais carinhosa de todas: ‘capitã Lee Feng, minha filha do coração, vá e seja a verdadeira princesa do mar’. Mas então tudo desmoronou.
Eu estava na fortaleza pirata quando a notícia de que Jin Zhao, havia sido capturado por um capitão inglês e estava detido aguardando seu lugar na força. Fiquei desesperada, mas eu havia me tornado capitã a pouco tempo e não tinha uma tripulação formada nem sequer um navio, foi então que pedi que um dos lordes piratas me emprestasse seus homens e três navios. Eu precisava resgatar a única figura paterna que conheci em minha vida, não poderia deixar o homem que me protegeu por anos morrer daquela forma.
O lorde disse que me emprestaria se eu deixasse como garantia o que eu tivesse de mais precioso e eu o entreguei o mapa, zarpei na mesma noite e quando cheguei lá ataquei com tudo que tinha de forma errônea. Quando cheguei, Jin Zhao estava pendurado na corda, os olhos esbulhados e a frieza da morte cobrindo seu corpo, a batalha era injusta para mim e dos 300 homens que eu tinha, apenas 10 conseguiram fugir vivos ao meu lado.
Quando retornei a fortaleza, devastada pela perda, ainda precisei lidar com os homens inocentes que levei para a morte. O lorde ficou furioso com seu prejuízo e fiquei com uma dívida que estou pagando até hoje. E é isso.
Sou uma capitã pirata com dívida, que precisa fazer bom uso de sua fama e seus assaltos para pagar cinquenta mil moedas de ouro e doar um terço dos meus recrutas para o lorde pirata.”
— Sinto muito por você ter passado por tudo isso… — ele diz com uma voz empática e desvio o olhar para que não veja uma lágrima teimosa escorrer do meu olho. — Mas eu não me impressiono com historinhas tristes. — ele usa a minha frase me fazendo soltar um riso anasalado
— Você é insuportável, retiro o que eu disse sobre as desculpas. — ele gargalha e não fico muito atrás, quando finalmente posso olhar em seus olhos sem chorar, seu rosto é sereno e compreensível.
— Você passou por muita coisa, isso explica um pouco a sua personalidade intragável.
— Cala a boca, alguns dias atrás você estava doido para me beijar.
— Eu? — ele faz uma expressão exagerada. — Quer dizer no tempo em que você estava apenas sendo uma canalha manipuladora? É talvez.
O insulto me dá vontade de atirar novamente em sua perna, mas a confissão seguinte faz meu coração acelerar como um louco. Ergo a minha garrafa em sua direção e automaticamente ele ergue seu copo.
— Amanhã, eu vou te bater até você virar polpa por todos esses insultos, mas agora eu só quero beber e fingir que você é meu amigo.
— Tudo bem, eu gostei disso. — ele deu um longo gole, imperturbável ele vai até um dos barris e trás consigo mais quatro garrafas de rum. — Eu só te peço que não tente acompanhar meu ritmo, sou um bom bebedor e você pode ficar bêbada rápido demais.
— Isso é um desafio, Thomas Black.
— Sim. — ele diz convencido, voltando a se sentar ao meu lado, dessa vez um pouco mais próximo.
— Pois bem, seu desafio foi aceito. — seu olhar é confiante e desafiador.
— Posso fazer isso a noite inteira.
⛯⛯⛯
Ele não pode fazer isso a noite inteira.
A lua já está bem alta e as quatro garrafas de rum estão vazias aos nossos pés, sendo que três foram bebidas apenas por mim e Thomas já não está falando coisa com coisa enquanto luta para terminar a primeira.
— Admita, você é um péssimo bebedor. Pelos sete mares, como pode ficar bêbado com apenas uma garrafa?
— Eu? Eu não estou bebado. — ele diz embolando as palavras e rindo da sua própria voz. — Mary… Quer dizer Lee, capitã Lee… você tem uma história triste, bem mais triste que a minha…
— É mesmo? — questiono tentando impedir que ele tombe de cara no chão. — E qual é a sua história?
— Eu não nasci pobre. — ele diz dando mais um gole em sua bebida e abrindo um sorriso triste para o nada. — Meu pai era um capitão da marinha real, muito abastado e foi responsável pela caçada de vários piratas. Ele era perfeito aos olhos das outras pessoas, nunca me faltava nada, tirando o amor de um pai. Acho que ele me detestava, talvez por eu ser o fruto do seu casamento arranjado com minha mãe. Ele foi o responsável por matar Jin Zhao e como consequência você matou ele no ano seguinte. Que coisa hilária, não? A verdade é que eu nunca gostei muito do meu pai, ele era ruim. Temos isso em comum, o desprezo por nossos genitores.
— Foi por isso que se tornou marujo no meu navio. Para se tornar pirata e ir contra tudo que seu finado pai acreditava?
— Não. — ele se aproxima do meu ouvido. — Shiii. Não conte para ninguém, é um segredo que não posso contar para ninguém. — o ruivo bate no peito com uma cara engraçada. — Eu sou um espião da marinha, meu chefe me mandou me infiltrar aqui e descobrir toda informação possível.
— É mesmo?
— Uhum… Mas é segredo, promete não contar?
— Ah claro, sim prometo.
Com esforço consigo fazer com que ele se levante e em meio a muitos bêbados no navio, começamos a nos locomover cambaleantes até a sala de mapas. A maioria dos meus homens dormem agarrados a barris, outros ainda bebem e à medida que passo pelo corredor do convés inferior posso ouvir barulhos de prazer em alguns compartimentos indicando que a tripulação de Serena está fazendo um bom uso da minha tripulação.
No meio do caminho a capitã francesa caminha com o baton borrado e os botões da camisa abertos revelando partes de seus seios. A medida que se aproxima abre cada vez mais seu sorriso.
— Se atracando com um dos meus homens, capitã Poisson?
— Você até que escolheu uns bens bonitinhos dessa vez. — Ela lança uma piscadela e depois observa Thomas resmungando coisas estranhas.
— Você e o espanhol não estavam juntos?
— Brigamos e resolvemos dar um tempo. — ela diz curta e grossa, mas mudando o semblante para uma luxúria indomável. — O bonitão está disponível? Quero saber se o fogo está só nos cabelos ou em outros lugares.
— Sinto muito, mas nesse aqui nem você, nem ninguém encosta.
— Tudo bem, senhorita Feng. Entendi que esse é sua propriedade. — ela ergue os braços em rendição e no mesmo instante sons promíscuos se tornam mais altos na porta próxima. É isso que dá receber sereias em seu navio. — Vou dar mais uma hora para minha garotas terminarem seus negócios para zarpasmos.
— Graças aos mares, pensei que meu navio havia virado casa de prazes. — Thomas tenta dar dois passos, mas tropeça e sou obrigada a fazer um malabarismo para não cairmos. — Eu vou levar esse idiota para a cama, nos vemos no Círculo da morte?
— Não, vamos seguir viagem para Iaramanty, tenho uns negócios para acertar por lá. — ela não me deixa me despedir e sai rebolando pelo corredor arrumando os cabelos.
Não demora muito e consigo fazê-lo chegar ao seu destino, como um saco de batatas ele cai desmaiado no divã que mandei colocar no local para que ele pudesse dormir mais confortável. Chega a ser engraçado ter que embalar um homem alguns centímetros mais alto do que eu em cobertas e ter que lidar com as coisas desconexas que saem da sua boca. Após alguns minutos por fim seus rosto já está sereno e sua respiração contínua em um sono tranquilo, minhas mãos vão até seus cabelos, os tirando do seu rosto bonito. A sua confissão bêbada martela em minha cabeça e não posso impedir um sorriso presunçoso de surgir em meu rosto.
— Eu também tenho um segredo para te contar, Thomas. — ele nem se mexe. — Eu já sabia de tudo isso que você me contou. Meu informante é bem eficiente e foi bem preciso sendo um “delator” ao seu chefe para que te enviasse nessa missão, da mesma forma que me manteve informada da sua vida nos últimos anos. Em resumo, meu bem, eu sei de tudo. Vamos jogar esse joguinho e no final você saberá de toda verdade sobre a sua tão querida moralidade da marinha real.
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