☠️ Capítulo VII ☠️

Thomas Black

— É melhor correr, ruivinho. Corra enquanto ainda pode.

Seu rosto está  coberto por uma máscara, mas seus olhos são ameaçadores. Eu não sei exatamente distinguir se é raiva, diversão ou loucura que se passa em sua cabeça, mas na minha tudo que vem são as lembranças das coisas faladas a seu respeito.

“Lee Feng é o ser mais insano e impiedoso que já ouvi falar.”

“Dizem que um homem que foi insubordinado teve que comer uma sopa feita com os próprios dedos do pé.”

“Ele é um tirano da pirataria, persegue e mata aquele que se mete em seu caminho.”

“Terror Dourado? Terror é eufemismo para o que aquela criatura das trevas realmente é.”

Assim como ela disse e tomado pelo pavor, me levanto aos tropeços e corro o mais rápido que posso. Quanto mais corro, mais sinto o fôlego me escapar e quando olho para trás me sinto uma ovelha sendo perseguida por um lobo.

Ela não corre, nem mesmo se esforça. Caminha lentamente como se estivesse pensando nas milhares de formas de me matar.

Não, eu não vou morrer. Não posso morrer. Preciso…

Antes que eu conclua meu pensamento, meus pés interrompem a corrida. Por um triz não despenque de um precipício. Estou encurralado. Ela abaixa a máscara do rosto e apenas por um segundo posso observá-la melhor. Se não tivesse correndo risco de vida e ela não estivesse com um sorriso maníaco nos lábios, ousaria dizer que ela está deslumbrante.

— Parece que você não pode mais correr. — meus olhos espiam o fundo do abismo. Não há pedras, talvez eu possa sobreviver se pular. — Eu fui gentil com você, te dei um posto invejado em meu navio e então você me desafia, para depois tentar fugir como um covarde?

— Mary…

— É CAPITÃ LEE FENG PARA VOCÊ! — ela grita com uma raiva que jamais vi. — Eu deveria lhe amarrar no pé do mastro e esfolar sua carne. É tão difícil assim seguir a droga de uma ordem?

— Eu… Eu não podia fazer aquilo.

— ISSO NÃO É DESCULPA.

— eu simplesmente…

— VOCÊ É UM COVARDE! — Ela continua a berrar e a pressão me faz explodir.

— EU NÃO PODIA ATACAR UMA COLÔNIA DESSA FORMA.

— POR QUE?

— PORQUE FOI ASSIM QUE MINHA MÃE MORREU! — Assim que as minhas palavras saem, ela se cala por um minuto, talvez surpresa ou só calculando a melhor forma de me matar. —  EU NÃO PODIA FAZER PARTE DO MESMO TIPO DE COISA QUE TIROU A VIDA DA MULHER QUE MAIS AMEI. NEM MESMO ESSE PAPO DE CÓDIGO IRIA ME FAZER AGIR COMO UM PIRATA NOJENTO!

Ouço o som do disparo e então a dor dilacerante na minha coxa me faz cair ajoelhado no chão. Lee aproxima-se sorrateira, sua mão agarrando meus cabelos e forçando minha cabeça para trás. Seus olhos são impiedosos.

"Vou te mostrar por que me conhece pela minha crueldade.”

— Eu não me comovo por historinhas tristes.

Rapidamente ela acerta o cabo da pistola na minha têmpora e o mundo ao meu redor se apaga.

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— Bom dia, donzela adormecida. — sua voz melodiosa é mais identificável que seu rosto na penumbra. Não consigo enxergar nada, mas sinto meu corpo preso a parede por grilhões pesados. — Olha só o que me fez fazer com você.

Lembranças dos acontecimentos me vem à mente. Ela me prendendo por insubordinação, eu conseguindo roubar a chave e fugir no meio do bombardeio, ela aparecendo mascarada e impedindo minha fuga. Quanto tempo será que passei apagado?

— Enquanto você só estava sendo desobediente comigo seu castigo era algo brando, mas você resolveu fugir em meio a batalha, quebrou o acordo que assinou quando resolveu entrar em meu navio. — ela dita casa palavra com uma raiva velada. — Sabe qual a punição para sua infração?

Ela acende um lampião. Seus olhos queimam em fúria sentada em um banco da sua forma característica desleixada, ainda está com a roupa do furto e agarra uma garrafa de rum vazia com força.

— Eu te fiz uma pergunta, homem. SABE QUAL A DROGA DA PUNIÇÃO? — por poucos centímetros o vidro não se estilhaça na minha cabeça.

Ela está bêbada e furiosa, e meu corpo está travado com o medo do que ela pode fazer. Abro e fecho a boca, mas não consigo proferir uma única palavra.

Meu silêncio aparece a enfurecer mais, com brutalidade ela destranca a cela, as grades batendo umas nas outras causando um barulho ensurdecedor. Suas mãos se fecham em torno do meu pescoço bloqueando o ar para meus pulmões e só agora me dou conta de que meus tornozelos também estão presos. Me debater é inútil.

Ela vai me matar.

— Capitã! CAPITÃ! — Jimmy entra rapidamente puxando seu corpo para longe do meu. Entorpecida pela raiva, ela se debate violentamente, mas ele consegue segurá-la com dificuldade. — Não pode matá-lo, vai precisar dele.

— Eu vou matar esse desgraçado! Ninguém ousa fugir assim de mim!

— Você bebeu demais e está cansada do assalto. — ele segura seu rosto entre as mãos, a forçando a encará-lo. — Vamos voltar para a taverna, esfriar a cabeça. Amanhã a senhora pode lidar com isso.

Aos poucos ela parece se acalmar e absorver por completo seu conselho. Juntos os dois saem silenciosamente e eu me permito respirar profundamente sentindo todo meu corpo entrar em frenesi.

O que estou fazendo? Eu tenho uma missão e parece que estou fazendo tudo errado desde o primeiro dia.
Primeiro me deixando levar pelas atrações por Lee Feng, agora meu ataque de fúria com o assalto à ilha-colônia.

Eu sou um idiota. Um grande idiota.

A grande verdade é que eu nunca deveria ter aceitado vir para cá, eu sabia que coisas assim iriam acontecer, que eu teria que participar de ataques e dessa vez não como vítima, mas como pirata agressor.
Minha cabeça dói e por hora deixo que minha mente me arraste para inconsciência. Preciso de um minuto de tranquilidade antes que Lee Feng retorne e dê cabo da minha vida.

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As explosões me deixam desorientado, o sangue que escorre da ferida em minha testa não ajuda muito. Os piratas estão por todos os lados, matando sem piedade quem aparece pela frente.

Minha mãe está em casa sozinha. Preciso protegê-la.

Entre socos e tropeços, cambaleante e desesperado, consigo chegar à porta da nossa casa. Está aberta. Arrombada. Não posso ter chegado tarde demais. Não posso.

— Mãe?

Seu corpo está estirado no chão da sala, uma imensa poça de sangue lhe rodeando a cabeça e cacos de vidro espalhados. Na parede próxima a marca de um pirata oriental, um dragão dourado, delimita seu assassino. Meu coração se aperta e acelera tão rápido que corre o risco de parar de bater. Meu corpo cai ao lado do seu, sacudindo-a na esperança de que abra seus olhos e me diga que é apenas mais um ensaio para uma de suas peças.

O mundo se torna letárgico, meus olhos se focam uma última vez em seu rosto singelo melado de carmesim.

Enquanto tudo escurece, alguém chama meu nome, porém não quero sair daqui. Quero ficar aqui com ela.

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Sinto o balançar das ondas e mãos me chacoalhar.

— Thomas. — Jimmy aparece em meu campo de visão desfocado. — Thomas? Graças aos céus, ele está vivo.

— Melhor ser rápido, ela não está nos melhores dos humores. — Uma outra voz diz algo, mas logo some subindo as escadas.

— O que? Eu não tô morto ainda?

— Graças a um milagre, sim. — meu amigo ajusta os óculos e abre os grilhões em meus pulsos. — Vem, Lee convocou um tribunal de honra para julgá-lo.

— Tribunal de honra? — ele abre os grilhões em meu tornozelo e imediatamente sinto a dor na coxa.

Eu imaginava que ela ia socar a minha cara, mas me dá um tiro? Eu realmente a subestimei. O loiro me ajuda a levantar.

— Segundo as regras do navio, já era para você está morto, mas eu supliquei a capitã e por algum milagre Shang apoiou meu pedido, até  Ângelo entrou em sua defesa. — ele explica me ajudando a subir as escadas, do pequeno umbral posso ver a grande concentração de homens ao redor de uma poltrona alta muito semelhante a um trono onde Mary já está sentada com o semblante frio e calculista. — Então você recebeu a dádiva de ser sujeito a um tribunal de honra, onde será exposto sua infração e Lee juntamente dos seus homens de mais confiança iram julgar se devemos te matar de uma vez, abandonar em uma ilha remota ou castigar fisicamente.

— Ela já me deu um tiro, não duvido que dê outro no primeiro momento que eu estiver diante dela.

— É uma possibilidade. — ele dá de ombros.

À medida que caminhamos lentamente pelo corredor que se formou, posso ver melhor a organização. A direita de Mary está Shang e uma mulher de pele negra que não conheço. À esquerda está o pequeno  Ângelo e uma cadeira vazia. O resto da tripulação observa minha caminhada medíocre em completo silêncio, meu amigo me coloca sentado em um pequeno banco de modo que não machuque o ferimento. Mary me encara como se quisesse me matar — não duvido que isso se passe em sua cabeça agora —, seus olhos são duros, sem nenhum resquício daquelas lindas orbes que brilhavam e me fascinavam.

— Tenho certeza que sabiam onde estava embarcando quando escolheram se juntar a tripulação. — Mary é a primeira a se pronunciar, seus olhos vagando na multidão. — Quando resolveram assinar seus nomes naquela lista, não estavam apenas assinando um mero papel, estavam firmando um contrato comigo. Um pacto onde eu ofereceria a chance de fazerem suas pilhagens e terem suas aventuras, em troca vocês me ofereceram lealdade e obediência. Porém, esse homem parece zombar desse pacto, desafiando minha autoridade e abandonando seu posto como um traidor covarde. — seus olhos se prendem aos meus. — Primeiro imediato, me diga, o que o código nos manda fazer com traidores covardes?

— Artigo 7 do código pirata de Kallimur: Qualquer um que desertar do navio em meio a uma batalha será punido com a morte. — Shang diz metódico, tão frio quanto sua capitã.

— Morte. — ela pronuncia a palavra como se saboreasse seu sabor. — Eu poderia te matar nesse mesmo instante. Decepar seus dedos um a um e entregar ao mar ou apenas enfiar uma bala na sua cabeça, mas eu gostaria de demonstrar um pouco de misericórdia em nome do breve trabalho que me prestou como navegador. — Ela puxa uma garrafa do pé do seu trono, dando um longo gole no conteúdo. — Diga seu nome e o que tem em sua defesa.

— Thomas Black. — minha voz sai rouca e me lembro que faz muito tempo que não bebo água. — Eu não tenho uma defesa concreta, eu só estava apavorado. Invadir e saquear uma ilha remoto me fez lembrar do pior momento da minha vida, eu apenas fui cegado pela minha mente e… fugi. — Jimmy aperta o nariz, um pouco abaixo dos óculos, como se me xingasse mentalmente. Esse não é o melhor discurso de defesa, eu sei. — No entanto, se a capitã me der uma segunda chance, posso ser útil e obediente.

— Segunda chance? — ela pondera. Shang se aproxima dela junto com Jimmy e ambos sussurram coisas em seus ouvidos. Por fim, ela assente aos dois. — Você terá sua segunda chance, Thomas Black, porém não será de forma gratuita. Eu te sujeito ao pacto de sangue e sal.

Expressões de espanto surgem em todos os rostos, até mesmo no de Shang e Jimmy. Eu já tinha ouvido falar dessa coisa, mas não acreditava ser real. Pelo que escutei o pacto de sangue e sal é um antigo ritual oriental de magia negra, onde ambas as pessoas unem suas mãos banhadas em seu próprio sangue sob uma promessa  feita por um ou ambos e por fim mergulham as mãos dadas em um balde de sal. Ao fim do ritual, as duas vidas estão unidas em uma linha paralela, caso algum deles quebre o laço — descumpra a sua promessa — a pessoa será instantaneamente dominada por dores dilacerantes e morrerá. O juramento só pode ser anulado se os envolvidos forem banhados nas águas sagradas do templo de Mazu.

Ela está me prendendo a ela.

Mary se levanta, tirando uma adaga de sua bota. Um de seus homens traz um balde com água do mar, colocando entre nós dois.

— E então, marujo? Fará o pacto ou posso te dar o verdadeiro destino de um traidor?

Ela pode pedir que eu faz qualquer tipo de promessa e serei obrigado a isso se não quiser morrer. A depender do que seja, pode me atrapalhar em minha missão, pode nunca mais me deixar voltar para casa, para o cargo que sempre sonhei na academia. Estou perdido. Completamente perdido.

— O que tenho que jurar?

— Ser meu. Apenas meu. — ela diz, não com raiva ou crueldade, mas com algo que não sei nomear. Não  posso evitar que o choque transpareça em meu rosto, mas ela continua impassível. O que significa ser dela? Em que sentido? Como vai ficar a missão agora? — A escolha é sua, faça o pacto ou te enviarei a morte.

Sinto o suor frio escorrer pelas minhas costas. O que vou fazer agora? Ser dela me parece uma coisa muito vaga.

— O que quer dizer com “ser seu”?

— Apenas aceitar aquilo que já disse a você mais de uma vez. — seu rosto é completamente indecifrável.

“Sua vida pertence a mim.”

Ela quer que eu seja seu capacho particular e agora que estou em uma linha tênue de atravessar a morte vai se aproveitar ainda mais disso. Tudo bem, eu posso fazer isso. Só preciso arriscar meu pescoço mais uma vez. Jimmy foi enviado para me ajudar, então talvez possamos trocar de lugar. Ele anota tudo, enquanto eu me preocupo em arranjar um jeito de não morrer e conseguir ir até o templo de Mazu para desfazer o juramento.

— Tudo bem.

Ela abre um corte na palma da mão e em seguida faz o mesmo na minha. Nossas mãos se unem em meio ao sangue, sinto um arrepio percorrer minha espinha, como se algum tipo de energia corresse entre nós através da ferida.

Xuè hái xuè, mìng hái mìng. Jīngshén yīn xuèmài ér jiéhé. Xiànzài suǒ shuō de, zhǐyǒu sǐwáng huò yán cáinéng chèxiāo — Suas palavras não soam em sua voz normal, uma espécie de poder inigualável se apossa de seu corpo e posso sentir isso correndo pelas minhas veias.

Estou ficando louco ou seus olhos se tornaram dourados? Ela guia nossas mãos até o balde e o contato da laceração com a água me faz ranger os dentes. Alguma coisa faz meu peito se encher de uma lufada de poder, uma sensação estranha irradia do centro para todo o meu corpo e em um minuto tudo se apaga quando suas mãos deixam as minhas.

Seus olhos ainda estão grudados nos meus, o brilho dourado desapareceu, mas existe algo em suas orbes que ainda se perpetua. Ela rompe nosso contato visual, levando a atenção a multidão.

— O tribunal está encerrado. Levem ele para o médico verificar seu curativo. — ela anuncia. — Retornem aos seus afazeres.

Meu coração está agitado, não sei se pelo fato de ter escapado da morte mais uma vez ou pelo pacto místico ou por ainda escutar minha cabeça reviver o momento em que ela deu sua condição ao pacto.

Seja meu. Apenas meu.

Uma parte da minha mente monta planos furiosamente enquanto sou amparado por Jimmy que parece falar alguma coisa que não entendo e a outra apenas pensa: “talvez não seja tão ruim pertencer a ela”. Ela vai me enlouquecer.

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Não posso evitar cruzar o olhar com Jimmy a cada minuto e o idiota apenas ri da minha incredulidade. O médico do navio, não parece em nada um médico. O homem é alto e inúmeros desenhos cobrem sua pele inteira, três argolas furam sua orelha esquerda e tenho quase certeza que sua língua é bifurcada.

— A ferida está respondendo bem à mistura de ervas. — diz o médico. — Apenas evite sair correndo por aí e troque as ataduras todas as noites.

— Tudo bem. Obrigado. — O homem apenas dá de ombros, deixando a pequena sala. — Temos que mudar o plano da missão.

— Como assim?

— Eu não sei exatamente o que Mary quis dizer ao me fazer jurar ser apenas dela, mas me parece que captar informações e entregar tudo à marinha real é uma violação muito grave que vai me fazer agonizar até a morte. — pressiono as minhas têmporas em busca de um alívio para dor. — Acredito que eu ainda possa coletar informações, mas vou deixar tudo em suas mãos caso eu não consiga desfazer esse juramento a tempo.

— Dá para desfazer? — ele questiona exasperado.

— Nós dois precisamos mergulhar em uma fonte sagrada no templo da deusa Mazu. — explico. — Se ela ainda me colocar como navegador, tenho uma chance, mas não é nada garantido. Então se nada sair como planejado, você precisa levar a caderneta ao almirante, entendeu?

— Sim, senhor! — ele faz uma falsa continência. No mesmo instante Shang entra com uma bola de ferro em mãos e sem uma única palavra a prende em minha perna boa.

— O que é isso?

— Lee mandou prender isso em você, só para o caso de impedir uma possível nova fuga ou que você desista da vida ao ponto de se jogar no mar. Um alarme… rústico. — ele dá de ombros, indiferente aos meus punhos fechados.  — Ah, ela mandou que a encontrasse no convés.

O chinês sai da sala, frio e indiferente. Ela me força a um pacto místico e agora quer me prender a uma bola de ferro? Inacreditável. A raiva me consome e por impulso atiro o balde com as antigas ataduras sujas de sangue para o outro lado da sala assustando Jimmy.

— Ela é louca! Insana! Ela quer tirar toda a minha vida de mim!

— Tecnicamente, ela é a dona de sua vida… literalmente.

— Eu a odeio! — Ele ergue as mãos em rendição ao meu olhar assassino.

— Calma, cara. É melhor ir logo.

Com dificuldade consigo mancar com uma perna enquanto  me apoio em Jimmy e arrastar a bola de ferro com a outra. O barulho que essa coisa faz na madeira é horrendo, sinto a irritação agitar meu sangue por completo. Como pude cogitar me envolver romanticamente com essa pirata lunática? Eu deveria saber. Ela é uma pirata, eu sou da marinha real e…

Mary está treinando no convés superior. As calças arregaçadas até os joelhos, apenas faixas de tecido cobrindo seu busto e os cabelos soltos ao vento. Cada movimento com seus leques é deslumbrante como uma dança letal que me hipnotiza de uma forma sem igual.

— Ei, para de babar. Você odeia ela, lembra? — Jimmy me puxa de volta à realidade.

Ela rodopia, das pontas de seus leques lâminas afiadas são disparadas acertando com precisão o centro de cinco alvos colocados em fileira. Meu pai tinha muitos livros sobre as artes de luta orientais, uma obsessão sua depois que mamãe foi morta por Jin Zhao, me lembro de ler um pouco sobre essa prática de luta. A combinação perfeita entre beleza e morte.

Quando ela termina sua sequência de movimentos, está serena, sólida como uma rocha. Os leques cobrem parte de seu rosto deixando apenas seus olhos que se abrem repentinamente e se focam em mim. Ficamos nos encarando por alguns segundos, minha mente incrivelmente muda diante de sua presença.

— Mandou me chamar, capitã? — A pergunta sai doce, proativa, e sinto minhas bochechas queimarem por isso. O que está havendo comigo?

Em um primeiro momento ela não me responde, ao invés disso, vai até um balde de água tomando um copo generoso, logo pegando um lenço para secar o suor do rosto, pescoço e ombros. Maldita seja a deusa que abençoou essa maluca com tamanha beleza.

— Precisamos acertar algumas coisas sobre nosso curso e algumas informações que preciso. — Ela se vira para mim amarrando o cabelo em um coque alto com auxílio de um adereço parecido com um palito.
Nós seguimos para sua cabine, ou melhor dizendo sua bagunça pessoal. O lugar está em uma completa zona. A cama mal feita, livros jogados próximo a uma poltrona, inúmeros papéis largados sobre sua mesa e mais peças de roupa no chão do que nos baús. Como se estivesse bem mais relaxada do que algumas horas atrás, ela tira algumas roupas de cima de uma cadeira para se sentar, seu olhar recaindo para o grilhão em meu tornozelo e ela abre um pequeno sorriso.

— Que gracinha de acessório. — Aí está. Todo o meu pequeno momento de loucura admirativa por sua pessoa morre, dando lugar a irritação.

— Não sei qual a necessidade disso.

— Da última vez que te deixei sozinho sem algum tipo de contenção você fugiu de mim.

— Isso não teria acontecido se você tivesse ameaçado me matar.

— Isso não teria acontecido se você não fosse um fracote.

— Fracote? — Ela não se manifesta diante da minha irritação, pelo contrário, ela abre um sorriso divertido. Respiro fundo para controlar os nervos, ela está  brincando comigo. — A questão  é que isso não é necessário. Eu fiz juramento, sou todo seu. Mande que tirem isso de mim.

— Sim, você é todo meu. — Seus lábios parecem saborear o que diz, seus olhar é semelhante ao de um predador. Borboletas inadequadas dançam em meu estômago. — Porém, ainda não confio em você.

— Que seja. — bufo impaciente, conseguindo me arrastar miseravelmente até uma cadeira na mesa dela. — Eu deveria ter ouvido todas as histórias que te envolvem.

— O que elas dizem?

— Que você é cruel, letal e horrenda.

— Eu? Eu não sou horrenda! — ela rebate ofendida me fazendo abrir um sorriso.

— É só essa parte que tem para negar?

— Sim. Eu sou uma das piratas mais bonitas dos sete mares. — seu rosto convencido me faz gargalhar alto, mas paro quando quase não consigo desviar de um livro mirado na minha testa.

— Qual o seu problema? — grito, já sem autocontrole para tentar manter a sensatez. — Dá para parar de tentar me matar a cada fração de segundo? Sua maluca!

— Está insinuando que eu sou feia?

— Não. Você é a mulher mais bonita que já vi, sua pirata lunática! — Depois de proferir é que me dou conta do que acabei de dizer. Suas bochechas estão coradas. Sinto as minhas seguir o mesmo caminho e desvio o olhar. — O que quer de mim?

— Quero que me ajude a encontrar isso. — Ela estende uma folha com um desenho. Um pergaminho contando a lenda das sete peças sagradas. — Agora que você se mostrou um bom navegador e que me pertence por completo, quero que me ajude a encontrar o mapa para essas belezinhas aqui.

Sinto o ar em meus pulmões se esvair e o nervoso ameaçar me dominar. Não posso ajudá-la a encontrar isso, porque a levaria direto para o quartel da marinha real e a descoberta da minha real identidade.

Estou completamente perdido.

Notas finais:

1. Sangue por sangue, vida por vida. Os espíritos unificam por sangue. O que agora foi dito, apenas morte ou sal podem revogar.

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