A Turma Da Mônica e o Bebê Marciano


Conto especialmente elaborado para o concurso: Viva lá Escrita 4.

A manhã estava dourada, e o sol brilhava entre as folhas dos pés de laranja, iluminando a trilha de terra batida no sítio de Chico Bento. O ar era puro, carregado do cheiro fresco de terra úmida e do capim recém-cortado, enquanto o som distante de um riacho criava uma melodia tranquila.

Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali caminhavam lado a lado, conversando animados sobre as férias no campo. O clima era de descontração, mas uma estranha sensação de expectativa pairava no ar.

- Hum... Sintam esse ar puro! - Mônica disse, fechando os olhos e enchendo os pulmões, como se quisesse capturar a essência do lugar.

- Agola eu não posso, estou tlaçando válias lotas de fuga... Vou plecisar pla quando eu jolgar o Sanção no chiqueilo dos polcos! - Cebolinha disse soltando uma gargalhada e esfregando as mãos com um olhar travesso, como um vilão clássico.

Mônica parou abruptamente, olhando para ele com os olhos semicerrados.

- Nem tente, ou quem vai parar na lama vai ser você, Cebolinha!

Cascão, percebendo o início de mais uma discussão, interveio, tentando desviar o foco:

- Pessoal, vamos dar um tempo com as confusões, vamos aproveitar nossa estadia aqui... podemos galopar nos cavalos, pescar, pegar vagalumes e rãs à noite...

- E comer frutas, pamonha, bolo de fubá... Ai, que fome! - completou Magali, acariciando a barriga.

Cebolinha não perdeu a chance de provocar:

- E tolmar banho de cachueila... Hein, Cascão?

Cascão cruzou os braços, irritado.

- Assim você estraga nosso passeio, Cebolinha!

O clima leve mudou de repente quando Mônica apontou para a frente.

- Olhem! É o Chico! Ele tá vindo correndo para nos recepicionar.

Chico Bento vinha em disparada pela trilha, segurando o chapéu com uma mão e acenando freneticamente com a outra. Seu rosto estava vermelho de esforço, e sua expressão não era nada tranquilizadora.

- Cebo nas canela, se oh cêis num quer virar papá de onça! - gritou ele, ofegante.

Os quatro pararam no mesmo instante.

- ONÇA?! - gritaram em uníssono.

Cebolinha, em puro pânico, pulou nos braços de Cascão.

- Vamos pelas minhas lotas! Eu não quelo ser devolado! - ele berrou.

Antes que pudessem reagir, a onça pintada surgiu. Enorme, com músculos que se moviam como cordas sob a pele dourada manchada, ela exalava poder e selvageria.

- Cole mais lápido Cascão, deixa de ser leldo! - Cebolinha falou ao perceber que o animal se aproximava.

O chapéu do chico voou de sua cabeça e caiu sobre os olhos da onça atrapalhando a sua visão.

- Prá moita, agora! - Chico gritou, mergulhando em um arbusto espesso.

Os outros não hesitaram e o seguiram. A onça passou direto, deixando apenas o som de sua respiração pesada e o rastro de folhas remexidas, mas não antes de Chico esticar o braço e apanhar o seu chapéu.

- Ufa... Escapamos por pouco! - Mônica disse, tentando recuperar o fôlego.

Cebolinha olhava ao redor, franzindo o cenho.

- Essa moita é esquisita... Palece feita de aleia velmelha com umas clatelas gigantescas!

- Não sabia que o interior de uma moita era assim... - Cascão comentou olhando a vastidão ao redor.

Mônica apontou para trás deles, onde um círculo brilhante lentamente desaparecia no ar.

- Atravesamos um portal mágico! E agora, ele se fechou!

- Não dá mais pra voltar?! - Magali perguntou, com os olhos arregalados.

Chico Bento ajeitou o chapéu, coçou a cabeça e suspirou, com um tom que misturava espanto e resignação:

- Êita, sô... Agora lascô de veiz! Vamo tê que discascá esse bacaxi com a faca cega!

- E onde a gente tá? - Cascão perguntou, olhando ao redor com o cenho franzido.

Cebolinha apontou para longe, tentando soar confiante:

- No planeta Malte, hola bolas! - Cebolinha anunciou com empolgação, e seus olhos brilharam como se tivesse acabado de descobrir o segredo do universo.

- MARTE!? - Os outros quatro repetiram em uníssono, o eco de suas vozes se perdeu no vazio daquele lugar estranho.

- Sim. O planeta Velmelho! - Cebolinha afirmou, cruzando os braços e sorrindo, satisfeito com sua própria conclusão.

Mônica lançou um olhar preocupado ao redor, e o seu coração disparou. Tudo parecia tão vasto e inóspito...

- Se o portal se fechou, estamos presos aquí! - ela exclamou, com sua voz carregada de urgência.

Chico, que até então observava tudo com sua típica calma roceira, soltou um comentário despreocupado:

- Agora a vaca foi pro brejo!

Cebolinha, sempre literal, riu.

- Não foi... em Malte não existe blejos... nem água, por aqui não chove...

Cascão, antes ansioso, se animou.

- Pensando por outro lado, não deve ser tão ruim viver por aquí... sem água, sem banhos...

- Se não tem água, quem dirá comida! - Magali lamentou, abraçando o próprio corpo como se aquilo fosse protegê-la da fome iminente. - Eu quero voltar! Precisamos achar uma forma de sair desse lugar!

Mônica tentou manter a compostura, mas o peso da responsabilidade estava claro em seu rosto.

- Calma, Magali. Vamos achar uma saída. Só não sei como...

Cascão olhou para cima, franzindo a testa.

- E como estamos conseguindo respirar?

Cebolinha não perdeu a chance de provocar, com um olhar de falsa preocupação.

- Deve ser polque aquela onça devolou a gente... e estamos todos moltos agola!

Mônica não deixou barato. Sem hesitar, aproximou-se e deu um beliscão no braço dele.

- Aiii! Mônica, sua golduxa! Pol que fez isso?! - Cebolinha protestou, esfregando o local com cara de dor.

- Só estava averiguando, já viu algum morto sentir dor? - Mônica retrucou, com um sorriso satisfeito no rosto.

Cebolinha piscou, ponderando, e depois cedeu.

- É... faz sentido... mas podelia aveliguar com menos folça! - Falou francindo o senho para ela.

Enquanto todos riam, Chico, com sua calma habitual, se recostou em uma pedra, tapando o rosto com o chapéu.

- Não vamo isquenta a pioenta, vamo sentar e isperar... minha vozinha sempre dizia:

"Quem tem paciênça, sempre colhe os fruto mar doce. E às veiz, é mio deixá o vento levá as foia do que brigá com o ventavar." Logo, logo, essa portera véia abre traveiz!

Era um conselho simples, mas carregado de uma filosofia de vida que Chico parecia carregar no coração. Ele sempre dava um jeito de encontrar calma nas situações mais desesperadoras, confiando que o tempo traria as respostas.

Cebolinha revirou os olhos, sempre impaciente.

- Já que estamos aqui, é melhor explola o teleno.

Magali assentiu rapidamente.

- Eu concordo. Não podemos ficar parados!

Chico, percebendo a inquietação no grupo, levantou-se com um movimento firme, espanando a poeira vermelha das calças. Ele ajeitou o chapéu na cabeça e olhou para a turma com um olhar sério, mas ainda carregando aquele jeito simples e confiante de sempre.

- Tá bão, tá bão! Se ocêis num quer ficar parado, entonce vamo proseá com as perna!

- Então sigam o astlonauta aquí, já calculei uma lota segula! - Cebolinha se vangloriou, tomando a dianteira como se já soubesse exatamente o que fazer. Mas a areia abaixo de seus pés cedeu, e ele começou a afundar. - Tulma, socolo! Estou afundando! Me tilem daqui!

Cascão, mesmo hesitante com o toque, segurou na mão dele. Com a ajuda dos outros, conseguiram puxá-lo para fora.

- Obligado, pessoal! - Cebolinha suspirou, ainda assustado.

- Melhor eu ir na frente, Cebolinha. Sou mais atenta que você. - Mônica declarou, assumindo a liderança.

O grupo a seguiu em filheira.

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Cascão andava nas nuvens, literalmente radiante. O sorriso ia de orelha a orelha enquanto ele cantarolava, sem se preocupar com a melodia:

- Vamos explorar, vamos explorar, em Marte não chove, não posso molhar, lá lá lá...

Cebolinha parou abruptamente e cruzou os braços, olhando para o amigo com desdém.

- Que cantolia mais besta, Cascão! Num dá pla levar você a sélio, né? - disse, balançando a cabeça.

Antes que Cascão pudesse responder, um som grave e prolongado cortou o silêncio, ecoando no terreno árido. Magali, com as mãos no estômago, olhou ao redor com olhos arregalados.

- Que barulho foi esse?! - Cascão perguntou, interrompendo sua cantoria e recuando um passo, com os olhos procurando a origem do som.

Cebolinha aproveitou o momento para encenar, levantando o rosto para o céu avermelhado e falando com um tom sombrio, sem desviar o olhar.

- Foi apenas um tlovão... palece que vai cholver...

- Chover?! - Cascão gritou, com o pânico começando a tomar conta. - Como assim, Cebolinha?! Ocê mesmo disse que por aqui não chove!

- Eu menti, Cascão... - Cebolinha respondeu soltando uma gargalhada seca e divertida no final.

Antes que a tensão pudesse aumentar, Magali deu uma risada leve, segurando o ombro de Cascão com um toque tranquilizador.

- Calma, Cascão. Não é trovão, não. - Ela sorriu, um pouco sem graça, e apontou para o próprio estômago. - Foi só a minha barriga roncando... Mas tomara que a gente ache algo pra comer logo, porque eu tô faminta!

Chico, observando o solo seco e rachado, chutou uma pedrinha avermelhada que levantou poeira fina e suspirou.

- Ê, lugar mar disgramado... - Ele balançou a cabeça, quase como se conversasse com a terra. - Nessa terra seca, num nasce nem mato... Tá fartando fé no povo desse praneta, isso sim!

Mônica, até então quieta, colocou as mãos na cintura e olhou para o horizonte árido, onde uma fumaça subia de leve.

- Fé é bom, Chico, mas o que a gente tá precisando mesmo é de um plano... Aquele lugar ali na frente pode ser uma vila, ou sei lá... mas onde há fumaça tem fogo e onde tem fogo... - Magali interrompeu completando de olhos brilhando e passando a língua sobre os lábios: - Tem comida, muita comida! Hum... - Todos riram dela.

- Então Vamos! - Ela apontou para a fumaça misteriosa, despertando a curiosidade de todos.

Sem mais hesitar, o grupo começou a caminhar.

Eles avançaram com cautela, mas um som estranho, como um rosnado grave, fez todos congelarem. A areia sibilava sob os pés deles, e um arbusto seco começou a se mexer à frente, emitindo ruídos baixos.

- O que será isso?! - Cascão sussurrou, tremendo.

Chico, com os punhos cerrados, tomou a frente, encarando o arbusto com determinação.

- Deve ser a mardita onça que fez nois entrar nessa imbucaiada! Mar dessa veis não vô correr, vô arrancar o coro dessa bicha, sô!

Ele avançou a passos firmes, mas parou subitamente quando algo emergiu do arbusto. Não era a onça. Era...

- Um bebê marciano?! - exclamaram todos, com os olhos arregalados e suas vozes em perfeita sincronia.

O pequeno ser engatinhava lentamente, com olhos enormes e brilhantes como duas estrelas. Sua pele era de um azul opalescente que refletia a luz avermelhada ao redor. Ele parou, encarando-os com curiosidade.

Os cinco amigos permaneciam imóveis, fitando o bebê marciano que, com sua pele azulada e olhos grandes como luas, engatinhava pela terra seca. Ele parecia alheio ao estranhamento dos humanos, balbuciando sons incompreensíveis, como pequenas bolhas estourando ao vento.

Mônica, com sua expressão de ternura inconfundível, deu um passo à frente e inclinou-se para observá-lo melhor.
- Que gracinha! - ela disse, com os olhos brilhando.

Magali não resistiu à fofura e se ajoelhou perto do bebê, estendendo a mão com delicadeza.
- Oi, bebê... qual é o seu nome, hein, coisinha fofa? - perguntou com a voz doce, mas o bebê apenas piscou, inclinando a cabeça de lado.

Cascão, com os braços cruzados e a testa franzida, observava a cena com desconfiança.
- E agora, o que a gente faz? - perguntou, sem saber como proceder diante de uma criatura tão estranha quanto indefesa.

Cebolinha, que havia se afastado um pouco, olhou para o grupo com impaciência.
- A gente continua, hola bolas! Isso não é ploblema nosso! - declarou, começando a caminhar.

Mônica rapidamente o confrontou com as mãos firmes na cintura e o olhar decidido.
- Nada disso, Cebolinha! Não podemos deixá-lo. Temos que cuidar dele. Deve estar perdido!

Cebolinha parou e se virou devagar, apontando para o bebê como quem apresentava uma prova irrefutável.
- Como vamos cuidar dessa cliança, se estamos mais peldidos que ela? - retrucou, levantando uma sobrancelha.

Mônica cruzou os braços, teimosa.
- A gente dá um jeito, mas não podemos deixá-la à própria sorte.

Cebolinha bufou, balançando a cabeça.
- Os pais dela vão achar que somos seguestladoles de clianças. Depois, não diga que eu não avisei, em! - afirmou com um tom que pretendia alarmar o grupo, mas só recebeu olhares céticos em resposta.

Enquanto os outros discutiam, Chico, com seu jeito simples e carismático, começou a se aproximar do bebê, fazendo caretas exageradas e soltando um "bilu, bilu" enquanto passava o dedo levemente nos lábios da criaturinha. O bebê, no entanto, surpreendeu-o ao abocanhar seu dedo com força.

- Ai, o disgramado mordeu o meu dedo! - Chico pulou para trás, segurando a mão e fazendo uma careta de dor. - Parece que tem dente de serrote! Ai, como dói!

A cena fez todos rirem, inclusive Mônica, que tentou conter a gargalhada enquanto ajudava Chico.
- Deixa comigo, Chico. Você não leva jeito com crianças.

Cascão se aproximou, confiante, e começou a fazer caretas para o bebê, que o encarava com uma expressão indecifrável.
Cebolinha, observando a cena, riu alto e não perdeu a oportunidade de soltar sua provocação.
- Nem plecisava de esfolço, você já tem a caleta plonta, Cascão! - disse, gargalhando.

O bebê, contudo, começou a chorar alto, um som agudo que ecoou pelo deserto marciano como o grito de uma criatura mítica. Cascão recuou, sem saber o que fazer, enquanto Cebolinha continuava rindo.

- Minha nossa sinhora, esse minino chora igual vitrola quebrada! - Chico comentou levando as mãos aos ouvidos.

- Deve ter sentido seu fedor, Cascão! Ou talvez se assustou com o dentão da Mônica! - Cebolinha provocou novamente, dobrando-se de tanto rir.

Mônica cerrou os dentes, pegou seu coelhinho Sansão e, com um movimento ágil, o arremessou direto na cabeça dele, acertando-o em cheio.
- Ai! Sua golduxa! - ele reclamou, massageando a testa enquanto o coelhinho caía no chão.

O bebê, que até então chorava, começou a gargalhar, batendo as mãozinhas azuladas no chão, achando graça da situação.

Magali pegou o bebê no colo, balançando-o suavemente.
- Olha, Cebolinha, parece que achamos uma forma de acalmar ele... que tal fazermos de novo? - sugeriu, piscando de forma provocativa para Mônica.

Cebolinha deu dois passos para trás, cruzando os braços.
- Tá maluca?! Pol mim, que ele chole até anoltecer! - disse, tentando parecer indiferente, mas com o olhar atento ao bebê, que agora olhava fixamente para ele com um brilho curioso nos olhos.

O grupo sabia que a jornada só estava começando, e o bebê marciano, com seu mistério, seria apenas mais um desafio no vasto deserto vermelho.

Magali abraçou o bebê com mais força, sentindo que, de alguma forma, ele estava ligado a eles.

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O deserto de Marte parecia engolir o grupo, imenso e implacável. Cada passo, cada movimento, parecia carregar o peso do mundo.

O bebê, sobre o pescoço de Chico Bento, não parava de chorar. Seu grito estridente cortava o ar quente, como uma lâmina afiada, provocando uma dor surda nos ouvidos dos outros.

- Não sei o que me matalá plimeilo, a fome, a sede ou o cholo desse bebê malciano! -- resmungou Cebolinha, tapando os ouvidos com os dedos, tentando se concentrar no que mais importava: a sobrevivência. Seus olhos, ardiam de cansaço enquanto encaravam o horizonte sem esperança, como se ele não quisesse mais ver.

Mônica, por outro lado, não conseguia ignorar o bebê. Sua preocupação crescia a cada segundo que passava.

- Deve estar com fome, tadinho... precisa de algum alimento... - Ela olhou para os outros, mas as mãos estavam atadas. Não havia nada a fazer, exceto seguir em frente, rezando para que algum milagre acontecesse.

Cebolinha, com um sorriso maroto, enfiou a mão no bolso e puxou um pedaço de chocolate, mordido.

- Pode dar esse pedaço pla ele, pla ver se ele pala, não aguento mais esse chololô! - Ele entregou a comida com um gesto apressado.

Os outros estreitaram os olhos para ele, chocados.

- Escondendo comida da gente, Cebolinha?! Eu não acredito! - Magali, furiosa, exclamou, com seus olhos brilhando de indignação. A fome fazia as palavras saírem mais afiadas, como lâminas de faca.

- Desculpa, Maga! - Cebolinha respondeu com um sorriso tímido, tentando esconder sua vergonha. - É que eu estou com tanta fome que lesolví colmer sozinho...

- Deixa ele, Magali... - Cascão disse com uma risada nervosa. - Quando a gente achar comida, ele não vai ganhar nem uma isquinha! - Seus olhos estavam pesados, como se o peso da caminhada fosse mais do que seus corpos pudessem aguentar.

O bebê devorou o chocolate com uma rapidez assustadora, mas, ao terminar, começou a chorar ainda mais alto. O som cortava o ar e fazia o grupo tapar os ouvidos, como se quisessem escapar do tormento.

- Água... água... água... - Chico Bento clamava, com seus olhos semicerrados, olhando para o céu como se esperasse uma resposta do universo. Mas nada acontecia. Apenas o deserto, impassível, respondia com seu silêncio ensurdecedor.

- Não aguento mais caminhar, vamos descansar ou morrerei de exaustão!

Mônica falou, com seu corpo caindo pesadamente ao chão, seguida pelos outros. Eles caíram um a um, como se a terra sob eles fosse a única coisa que ainda tinha algum tipo de apoio.

O bebê, no entanto, não parecia se importar com o que acontecia ao seu redor. Ele voltou a chorar.

- O que eu fiz pra merecer isso?! Eu não aguento mais o choro desse bebê! - Cascão gritou, tapando os ouvidos, enquanto sua expressão era um misto de frustração e desespero.

- Vamos morrer sem água e sem comida! - Magali exclamou, com os olhos marejados de lágrimas, com a dor da fome e do medo misturadas em sua voz.

E, no meio do desespero, uma sombra apareceu. Uma silhueta escura se projetou contra o céu vermelho de Marte captando a atênção de todos.

- Quem será? - Mônica perguntou cheia de esperança.

- Um heroi! - Magali falou com os olhos brilhando.

A figura misteriosa deu o primeiro passo, mas, como num mal-entendido do destino, tropeçou numa pedra e rolou montanha abaixo. Quando finalmente parou, caiu nos pés do grupo, com sua presença inconfundível.

- Num é nium heroi não sô, é o meu primo! - Chico falou intrigado.

- ZÉ LELÉ?! - O grupo pronunciou em uníssono.

- Ará... mar, o que ocê fais aquí, Zé?! - Chico perguntou, espantado.

- Eu é que pregunto, Chico! - Zé Lelé respondeu com um sorriso travesso. Sua mochila balançava nas costas enquanto ele a tirava, e logo, de dentro dela, apareceu uma vasilha amarrada com um pano de prato.

- Sua mãe me pediu pra trazer um lanche pro cê distribuir com esse povo da cidade... segui seu rastro e vim parar nesse fim de mundo véio aquí...

Chico avançou e, num gesto apressado, arrancou o pano, mas logo ficou sem palavras.

- Carma, Chico... não tem mar nada aí não, sô, é só o farelo!

- Uai, sô! Cê comeu a merenda cá mãe mandou pra nóis Zé!? - Chico perguntou, com a indignação estampada no rosto.

- Não, Chico, não comi... eu vim jogano pedacin pelo camin pra modo de eu não perder a tria de vorta. - Zé Lelé respondeu, rindo enquanto se afastava um pouco.

- Mas é um biluta mesmo! - Cebolinha comentou com a raiva misturada com uma risada nervosa.

- É isso mermo, Zé! Agora cê vai vê com quantos pal se fais uma canoa - Chico falou, começando a arregaçar as mangas.

Deu um soco, mais Zé abaixou e acertou o Cascão que tonteou na hora. Cebolinha começou a rir sem controle, quando Zé desviou de outro golpe de Chico o acertando também em cheio. Agora quem ría era o cascão.

- Calma, pessoal, sem violência, tá bom?! Vamos guardar nossas energias para a sobrevivência! - Magali tentou acalmar os ânimos.

- Pera lá, Chico... - Zé Lelé disse, afastando-se um pouco. - Passei por uma goiabera mais carregada que as do Nhô Lau! - apontou com o polegar para trás, e seus olhos brilharam com um toque de mistério.

- Tá querendo enganar quem, Zé?! - Chico falou, cético.

- É vredade, sô! Se não acredita, vem ver com seus próprio zoio! - Zé Lelé respondeu, caminhando com confiança.

- Vamos acleditar nesse lezado? Cebolinha questionou, se levantando com dúvida no tom.

- Fazer o quê? A gente não tem escolha. - Magali respondeu, resignada.

- Intonse vamo. Se ele tiver mintino, eu quebru a cara dele! - Chico falou, cerrando os punhos.

- Vamos logo, pessoal! Se o Zé chegou até aqui, é porque o portal se abriu novamente, temos que ser rápidos antes que ele se feche de novo! - Mônica falou, pegando o bebê no colo e indo na frente. O bebê, no entanto, não parava de chorar, sua agonia parecia refletir a dos próprios viajantes.

O que viria a seguir era um mistério. Mas uma coisa era certa, os sinais mostravam que as coisas estavam melhorando.

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O vento seco e cortante do deserto marciano carregava partículas de poeira avermelhada, grudando nas roupas e nos rostos da turma. O céu de um laranja profundo começava a ceder espaço a um roxo escuro, anunciando a chegada de uma noite que prometia ser ainda mais cruel do que o dia abrasador.

- Espero co cê esteja dizeno a verdade, Zé, porque se não, eu vô rebentar o cê! - Chico rosnou, com a voz grave e rouca de desconfiança, enquanto seu olhar se prendia nas costas do amigo à frente. Sua confiança em Zé Lelé estava por um fio, e a exaustão não ajudava a acalmar seu temperamento.

Zé Lelé, no entanto, parecia imune à tensão que dominava o grupo. Com um sorriso que desafiava a lógica da situação, ele respondeu com a despreocupação de quem acredita que tudo, de algum jeito, iria dar certo. - Eu falo a vredade, Chico, o cê vai vê, sô! - Sua voz tinha aquele sotaque arrastado, que normalmente arrancaria risos da turma, mas naquele momento, só aumentava a frustração geral.

- Calma, Chico - interveio Mônica, tentando ser a voz da razão. - Afinal, a direção que o Zé está nos levando é justamente a mesma daquela fumaça. Olhe... - Ela apontou para o horizonte onde uma coluna fina de fumaça negra serpenteava contra o céu púrpura. A fumaça parecia dançar, zombando deles com a promessa de algo misterioso. Esperança ou perigo? Ninguém sabia ao certo.

- Craro! Já tamo chegano, é logo ali! - Zé Lelé exclamou, cheio de uma energia que parecia deslocada para alguém que havia caminhado o dia inteiro pelo deserto.

- Pala de ficar falando toda hola que é logo ali... polque nunca chega! - Cebolinha reclamou, arrastando os pés com um cansaço que não conseguia mais disfarçar. Sua voz, normalmente cheia de planos e truques, agora era apenas um murmúrio irritado.

O grupo caminhava em silêncio, cada um lutando contra seus próprios pensamentos. Magali, sempre atenta, virou-se para olhar para o bebê que Cascão carregava com tanto cuidado, como se fosse o maior tesouro do mundo.

- Cascão, o bebê dormiu? - perguntou ela, com sua preocupação evidente. A fome que ela sentia parecia insignificante em comparação à responsabilidade que o grupo carregava.

Cascão olhou para o pequeno embrulho em seus braços. - Dormiu, sim. Acho que tá cansado igual a gente. - Sua voz estava baixa, mas carregava um tom protetor que ninguém esperava de alguém tão conhecido por suas trapalhadas.

- Glaças a Deus! - Cebolinha exclamou, levantando os braços e os deixando cair levemente. - Vamos ter um descanso desse Bebê Malciano.

- Cebolinha, agora é a sua vez de csrregar o guri! - Cascão informou franzindo o cenho.

- Nem vem, Cascão... não levo jeito pala clianças! - Cebolinha falou cruzando os braços e fechando os olhos em recusa.

- Pessoal - Magali começou, encarando Mônica, como se buscasse sua aprovação. - já que o bebê dormiu, acho que devemos parar pra descansar e achar um lugar pra passarmos a noite. Tá escurecendo, e não dá pra caminhar no breu.

- E tem esse "logo ali" do Zé biluta que nunca chega! - reforçou Cebolinha, arrancando um sorriso cansado dos outros.

- A fumaça ainda tá bem longe... Vamos descansar e, quando clarear, a gente continua. Todos estão de acordo? - Mônica perguntou, olhando nos olhos de cada um. Todos assentiram, aliviados por finalmente parar.

Não demorou muito para encontrarem uma pequena gruta encravada entre pedras de formatos irregulares. As paredes da gruta eram ásperas, com uma textura que lembrava lixa, e o chão era duro como concreto. Mesmo assim, era melhor do que passar a noite ao relento, sob um céu desconhecido e ameaçador.

Acomodaram-se da melhor forma que puderam, cada um lutando contra a exaustão e o desconforto. Magali foi a primeira a quebrar o silêncio.

- Não sei o que é mais doloroso, dormir nesse chão duro ou dormir de barriga vazia. - Sua voz era um misto de desespero e resignação, enquanto sua mão apertava o estômago que roncava alto, como um grito de protesto.

- Acho que o mais dololoso é dolmir com o Chico e o Zé biluta roncando na minha olelha. - Cebolinha sussurrou, apontando para os dois, que já estavam em sono profundo, roncando como motores desregulados.

- Bem que dizem que o povo da roça dorme cedo. - Mônica brincou, com um sorriso discreto surgindo em seus lábios, tentando aliviar o clima.

Magali ajeitou-se no chão, abraçando os próprios joelhos. - Boa noite, turma. - Sua voz era baixa, mas carregava um calor que parecia envolver todos na gruta.

- Boa noite, Magali. - Responderam em uníssono, com vozes abafadas pelo cansaço.

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O céu avermelhado de Marte começava a se iluminar com o nascer do sol. A poeira vermelha, ainda flutuando no ar após uma tempestade de areia, parecia sussurrar histórias antigas daquele planeta desolado. Os membros do grupo despertavam em meio ao cheiro metálico e seco que impregnava tudo ao redor.

Mônica se espreguiçou, mas sua expressão era de desconforto.

- Minhas costas estão acabadas... - murmurou, massageando a região com dedos trêmulos.

Ela não era de reclamar, mas aquela missão os estava empurrando ao limite. Ainda assim, forçou um sorriso:

- Bom dia, turma! - Sua voz era firme, tentando esconder a exaustão. Todos responderam de forma dispersa, alguns apenas levantando a mão.

Ela passou os olhos pela equipe. As feições cansadas e as roupas cobertas de poeira contavam uma história de luta, adaptação e cansaço acumulado.

O som abafado de passos atraiu sua atenção. Cascão e Cebolinha estavam a alguns metros de distância, em meio a uma missão desesperadora. Cebolinha segurava um galho seco como se fosse uma varinha mágica, apontando para o chão com teatralidade.

- É aqui, Cascão! Pode cavar exatamente aqui! - Sua voz era embalada por aquele eterno 'r' trocado, mas a determinação em seus olhos era inegável.

Cascão, porém, bufou, segurando uma lasca de madeira improvisada como ferramenta.

- Por que só eu tenho que cavar, hein?! - Sua voz carregava um misto de irritação e resignação, com os ombros já envergados pelo peso da tarefa.

- Cada um tem que fazer sua palte, seu mole! Tlabalho em equipe! - Cebolinha justificou, mas o sorriso de canto denunciava o quanto estava se aproveitando da situação.

Chico, de chapéu gasto e um sorriso fácil, aproximou-se, tirando a poeira do rosto.

- Ara, tão procurando água? Achei que só tava brincano de caça ao tisouro...

Cebolinha respondeu sem hesitar:

- Não, estamos ploculando, já encontlamos! Só falta o Cascão fazer o selviço dele! - Seu tom era triunfante, mas o olhar de Cascão revelava que a paciência estava no limite.

Foi quando Mônica, ainda distraída pelos resmungos de dor nas costas, notou algo estranho. O instinto a alertou antes mesmo de seus olhos confirmarem. O bebê. Algo estava errado.

- Pessoal, cadê o bebê?! - Sua voz cortou o ar como um raio, roubando a atenção de todos. O coração dela disparou, e seu olhar ansioso varreu o acampamento improvisado. O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor.

- Plovavelmente está dolmindo nos blaços da Maga, clalo - Cebolinha respondeu, surpreso com a pergunta. Ele indicou com o queixo a figura adormecida de Magali, encolhida no chão.

- Não! Ele não está! - O tom de Mônica era alarmante. Ela correu até Magali e começou a balançá-la com urgência.

- Magali, acorda! O bebê sumiu!

Magali abriu os olhos devagar, com a sua expressão confusa.

- Que bebê? O que tem pra café da manhã, hein? - Sua voz soava sonolenta, como se não houvesse entendido a gravidade da situação.

- Magali, ainda estamos em Marte! O bebê marciano sumiu! - Mônica praticamente gritou. O impacto das palavras finalmente acordou Magali, que se levantou de um salto, com os olhos varrendo o ambiente com desespero.

- Mas... mas ele estava aqui comigo! Juro! - Sua voz era um misto de culpa e incredulidade.

- Ê trem danado, parece que até o sol resorveu nascer quadrado hoje! - Chico exclamou, alarmado.

- Os pai dele deve ter passado por aqui e levado o menino de vorta... - Zé Lelé interveio, com seu habitual sorriso tranquilo. - Um casal verde da cara simpática. Perguntaram de leve onti, se eu tinha avistado o muleque.

- Você sabia disso e não disse nada?! Mônica avançou em sua direção, os olhos faiscando.

- Ara... cêis não preguntaro! - Zé respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Ele coçou a nuca, sem se abalar pelo olhar furioso que recebia.

- Ô cê é mar lerdo que uma tartaruga, sô! Tenho inté fregonha de dizer que sou seu primo! - Chico esbravejou, cerrando os punhos. A tensão no grupo estava evidente, como se aquele evento fosse a faísca que eles precisavam para liberar semanas de frustrações acumuladas.

- Mas... e se não forem os pais? E se ele tiver saído sozinho? - Magali especulou, com a voz trêmula.

- Chega! - Mônica gritou, erguendo a mão para silenciar o grupo. Ela olhou ao redor, com os olhos ferozes, mas a mente calculista. - Vamos nos separar. Cada um faz uma busca na área. Nos encontramos de volta aqui em uma hora.

Todos assentiram, embora Cebolinha balançasse a cabeça com desgosto.

- Podem ir plocular o bebê cholão. Eu fico aqui ploculando água. Afinal, alguém tem que tlabalhar de veldade.

Mônica o encarou, com sua paciência prestes a se esgotar, mas não tinha tempo para mais discussões. O grupo se dispersou rapidamente, cada um desaparecendo na vastidão rubra.

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Cebolinha, então ficou por ali cavando com o pedaço de madeira.

- Quando eu encontlar água, vou me tolnar o leal e indiscutível Rei de Malte! - declarou Cebolinha, com um brilho de ambição nos olhos. - Todos vão ter que me obedecer se quiselem bebê nem que seja uma gotinha! - Ele soltou uma risada maliciosa, como se já pudesse sentir o poder correndo por suas mãos.

Ele continuava o trabalho, quando afastou uma camada de areia, dois olhos grandes e brilhantes o encararam. Era como ser pego de surpresa por um espelho que refletisse algo que ele não queria ver: responsabilidade. Ele gritou, recuando de um salto desajeitado, caindo sobre o chão frio e áspero. A criatura, pequena e frágil, saiu do buraco engatinhando. Seus movimentos eram hesitantes, mas curiosos, enquanto observava Cebolinha com um interesse inocente.

- Então você estava aqui esse tempo todo, seu cholão! - Cebolinha falou, tentando soar firme, mas havia um tremor em sua voz, talvez de nervosismo, talvez de fome. - Pol que não avisou? Todo mundo tá te ploculando! Sabia?

O bebê marciano respondeu com um gesto simples: tocou os joelhos de Cebolinha com suas mãos pequenas, murmurando algo incompreensível. "Gugu, dada..."

as palavras pareciam balbuciar esperança e desamparo ao mesmo tempo.

- Não, nem vem com essa! - Cebolinha cruzou os braços, recuando um passo. - Não levo jeito com clianças, muito menos com clianças alienígenas! E não tenho mais chocolate... e mesmo se tivesse, não ilia te da!

Mas o bebê, como se tivesse entendido, abriu a boca e começou a chorar. O som era agudo, quase ensurdecedor, como se carregasse o lamento de Marte inteiro.

- Começou a choladela! - Falou franzindo o cenho nervoso. Tá, tá! Pala de cholar! - Cebolinha gesticulou nervosamente. - Espela aqui, vou chamar a Mônica!

Ele subiu em uma formação rochosa próxima para tentar localizar os outros. Quando seus olhos alcançaram o horizonte, o que viu fez seu coração disparar: uma caravana alienígena.

Havia carroças improvisadas feitas de materiais metálicos brilhantes, puxadas por criaturas que lembravam insetos gigantes com carapaças reluzentes e patas longas e finas.

Os marcianos que acompanhavam a caravana eram altos e magros, com peles que oscilavam entre o verde e o azul, dependendo da luz. Tinham olhos enormes, sem pupilas, e suas roupas eram feitas de um tecido que brilhava suavemente, como se respirasse.

Cebolinha desceu apressado, pegando o bebê no colo e tentando abafar o choro. - Cala a boca, tá ouvindo? Eles vão nos escultar!

A caravana passou perto o suficiente para que ele ouvisse conversas em uma língua indecifrável, cheia de estalos e sussurros. No final da fileira, um marciano mordia uma coxa de carne suculenta, e seu cantil de água brilhava como se fosse feito de cristal. O estômago de Cebolinha roncou alto, e ele sentiu um nó de fome e desespero.

Sem pensar, correu até eles. - Hei, vocês! Me ajudem! Estou peldido! Pleciso de comida e água!

A caravana parou. Um marciano alto e imponente, claramente o líder, desceu de sua carroça. Ele tinha uma postura rígida e um sorriso que parecia mais uma ameaça. Sua pele verde-escura brilhava, e suas mãos tinham dedos longos e afiados. Atrás dele, outros marcianos surgiram, observando com olhares calculistas.

- E o que você tem para nos dar em troca? - A voz do líder era profunda, quase melodiosa, mas carregada de uma frieza que fez os pelos de Cebolinha se arrepiarem.

Ele vasculhou os bolsos, encontrando apenas uma tampinha, um chiclete mascado e uma figurinha amassada. Estendeu o que tinha, com olhos suplicantes.

- Só isso?! - o líder perguntou, inclinando a cabeça como se analisasse o garoto.

- É tudo que eu tenho. - falou esperançoso.

- Chega de perder tempo? Vamos embora! - O líder falou irritado girando sobre os calcanhares quando uma velha marciana se aproximou.

Sua pele era de um azul acinzentado, marcada por rugas profundas. Seus olhos brilhavam com uma sabedoria sombria, e ela apoiava-se em um cajado feito de ossos. Ela apontou para o bebê.

- E a criança? Isso pode ser valioso.

Cebolinha apertou o bebê contra o peito. - Não posso dar o bebê. Ele está peudido. Tenho que devolvê-lo aos pais.

O líder sorriu de canto. Com um gesto, uma grande caixa foi trazida. Quando a abriram, o cheiro de carne assada e especiarias exóticas preencheu o ar. Frutas estranhas, pães dourados, e água cristalina brilhavam como joias. Cebolinha engoliu em seco, sentindo a boca salivar.

- Tudo isso, em troca da criança - o líder disse, com os olhos fixos nele como um predador observando sua presa.

Cebolinha olhou para o banquete, depois para o bebê em seus braços. Os olhos inocentes da criaturinha pareciam implorar silenciosamente. Cebolinha hesitou, com sua mente sendo uma tempestade de fome, culpa e desespero.

- Tudo bem... podem ficar com a cliança.

O bebê foi levado pela velha, que o embalou como se fosse dela. Mas quando estava sendo levado, olhou para Cebolinha com um olhar que parecia perfurar sua alma. - Ce... Ce... Ceboinha...

O som de seu nome, dito daquela forma, foi como um golpe. Ficou por um tempo refletindo sobre o que havia feito e pareceu ter se arrependido. Ele correu atrás da caravana, gritando.

- Espela! Espela! Me devolvam a cliança!

Mas tropeçou, caindo de rosto na areia. Quando ergueu a cabeça, a caravana já estava desaparecendo na poeira do horizonte. O gosto amargo de arrependimento encheu sua boca enquanto ele murmurava para si mesmo: - O que foi que eu fiz?


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Cebolinha estava sentado na entrada da gruta, sobre o baú, com o corpo cansado e o rosto apoiado nas mãos. O baú de madeira exalava um cheiro irresistível de especiarias e carne assada, mas ele mal conseguia sentir o aroma. Seus olhos, geralmente brilhantes de astúcia, agora tinham um peso sombrio. Quando a turma apareceu ao longe, os passos pesados e lentos, ele engoliu em seco, tentando preparar-se para encarar as perguntas que sabia que viriam.

- Olhamos por toda parte... - Mônica começou, com a voz rouca de cansaço, e os ombros desabados. - E nada do bebê.

Chico jogou o chapéu no chão com frustração, deixando a poeira subir no ar. - Ara, achar esse muleque nesse mundo véio é como procurar uma aguia no paiero!

Magali, que normalmente tinha um sorriso mesmo nos piores momentos, deixou-se cair no chão, com os olhos marejados. - Eu não consigo mais... A falta de energia... Precisamos comer alguma coisa, urgente. Buaaa!

- E aí, Cebola? - Cascão se aproximou, tentando disfarçar a exaustão com bravura, mas sua voz o traiu. - Cadê a nossa água? E... de onde saiu esse baú?

Cebolinha levantou-se devagar, com o coração martelando no peito. Forçou um sorriso, que mais parecia um espasmo nervoso, e abriu o baú com um gesto quase cerimonial.

O cheiro invadiu a gruta de uma só vez: carne temperada com ervas alienígenas, pão fresco, frutas de cores impossíveis e líquidos dourados em garrafas translúcidas. Os olhos de todos brilharam como se uma miragem tivesse ganhado vida.

- Uau! Um banquete! - Magali exclamou, lambendo os lábios com olhos famintos.

- Será que num tô é sonhano? - Chico perguntou, beliscando o próprio braço.

- Tomara que tenha taioba e bolenta! - Zé Lelé murmurou, quase hipnotizado pelo brilho dourado de um líquido numa jarra.

- Tá pegando o boi, e ainda quer escolher, meu chapa? - Cascão brincou, tentando aliviar o peso do momento.

Mônica se virou para Cebolinha, com o sorriso começando a voltar aos poucos. - Como você conseguiu tanta comida, Cebolinha?!

Ele deu de ombros, fingindo desinteresse. - Contei nossa situação plecalia a um malciano geneloso... ele teve pena da gente.

Magali correu até ele e, antes que ele pudesse reagir, deu-lhe um beijo rápido no rosto. - Você é o nosso herói, sabia?

Cascão tirou do bolso uma bolinha de gude com uma coloração estranha, que parecia mudar de cor sob a luz fraca. A superfície era lisa, mas dentro dela havia redemoinhos que lembravam uma tempestade em miniatura. Ele jogou a bolinha para Cebolinha.

- Pode ficar. Sei que você sempre quis essa bolinha especial.

Chico tirou o chapéu surrado da cabeça e colocou na do amigo. - Óia... Pode usar pra se proteger do sor, já que ocê ta arrasano sô!

Zé Lelé retirou um estilingue do bolso e lhe entregou ao Cebolinha.

- Foi um presente que ganhei do meu Avô: Zé Leocádio Eleutério, mas pode ficar, ocê merece! - Zé Lelê falou sorridente e logo se voltando para o baú.

Por fim, Mônica, com alguma hesitação, entregou-lhe Sansão, seu coelho de pelúcia. - Só por um tempo... sei que assim não tem graça, mas você merece.

Cebolinha olhou para os presentes com o coração apertado. - Obligado, tulma. Mas num plecisa me dar nada... foi pela sobrevivência. - Ele colocou tudo no chão e afastou-se, sentando-se numa pedra afastada, como se o peso da culpa o tivesse empurrado para longe.

Sem questionar, a turma atacou o baú. Magali devorava um pedaço de pão como se fosse a melhor coisa que já comera, com os olhos fechados em êxtase. Cascão pegou um cantil de água e bebeu longos goles, gemendo de alívio. Chico encheu as mãos com frutas de formatos estranhos e experimentou cada uma, fazendo caretas engraçadas. Zé Lelé mordia uma coxa de carne temperada, e os sucos escorriam pelo queixo. Até Mônica, que sempre mantinha a compostura, riu ao engasgar com um gole de uma bebida doce e gaseificada.

Cebolinha, observando tudo de longe, sentiu o peso de sua decisão crescer. A alegria dos amigos parecia intensificar o vazio dentro dele. Ele deu um gole em seu cantil, mas a água parecia amarga. Era o gosto da culpa.

- Não vai comer com a gente, Cebolinha? - Mônica perguntou, aproximando-se.

Ele balançou a cabeça. - Podem comer tudo... acho que já comi demais e não me fez bem.

Era uma mentira descarada, mas ele sabia que ninguém perceberia. Não havia fome que pudesse superar o remorso que o corroía.

Enquanto os amigos riam e se satisfaziam, o olhar de Cebolinha foi atraído para a entrada da gruta. O vazio lá fora parecia refletir o que sentia. E no fundo, ele sabia: o preço daquele banquete era alto demais. A imagem do bebê sendo levado pela caravana lhe assombrou novamente, e ele apertou o cantil até os dedos doerem.

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Depois de revigorados a turma voltava a missão de seguir a fumaça misteriosa no horizonte. Mas logo como se não tivessem comido ou bebido nada, estavam exaustos, os corpos pesados pela fadiga, as bocas secas e os corações cheios de uma mistura de desespero e esperança.

Eles estavam prestes a ceder, quando o vento, que antes parecia uma rajada imperturbável, começou a carregar um aroma distinto, algo que não podiam ignorar. Um cheiro fresco. Como se a própria terra tivesse guardado um segredo.

No horizonte, a fumaça fina subia lentamente para o céu, como se estivesse chamando-os. E o mais estranho: a fumaça não parecia do tipo comum. Era mais suave, mais acolhedora, uma promessa de algo inesperado.

A turma se arrastava, mas agora com mais pressa, como se o terreno abaixo deles tivesse se transformado em um caminho de esperança. Cada passo mais rápido, cada suspiro mais profundo, até que, finalmente, o oásis se revelou à sua frente.

O sol iluminava uma pequena tribo, rodeada por árvores que desafiavam as regras do deserto. Dali, firam a sombra de um pé de goiaba carregado, Zé Lelé, com seu sorriso irrepressível, não resistiu:

- Oía lá, Chico... a goiabera que falei!

Chico, com uma expressão de completo espanto, olhou para o pé de goiaba, e um peso de culpa se dissolveu de sua expressão. Ele engoliu em seco, olhando para Zé Lelé como se estivesse vendo um milagre:

- Intonse ocê tava falando a vredade! - A voz de Chico estava repleta de remorso.

Zé Lelé sorriu, sacudindo a cabeça em um gesto de vitória, com os olhos brilhando com orgulho:

- Fala que eu tô mintino agora, panguá!

- Discurpa ter duvidado do cê, Zé... - Chico falou, meio sem graça.

Mas antes que pudessem digerir a visão do oásis à sua frente, um casal de marcianos saltou na frente do grupo, com lanças reluzindo sob o sol abrasador, prontíssimos para atacar. Seus olhos brilhavam com uma desconfiança ardente, como se cada movimento fosse uma ameaça.

Zé Lelé, sempre o mais audaz, deu um passo à frente, como se fosse o único entre eles a não temer aqueles seres de outro mundo:

- Carma, sô! Esses são tudo meus zamigo!

O casal de marcianos, após um momento de tensão, abaixou as lanças lentamente. A mulher, com pele de um tom prateado cintilante, os olhos profundos como o abismo, observava atentamente o grupo. O homem, alto e imponente, tinha uma expressão feroz, mas seus músculos relaxaram ao ouvir as palavras de Zé Lelé. Ele falou com uma voz grave, que parecia vinda de um lugar distante:

- Desculpa se assustamos vocês, mas temos que ser precavidos com forasteiros. Este lugar é perigoso... meu nome é Gorlak, e essa é minha esposa, Vaera.

- Eis são os pai da criança! - Zé lelê informou sorridente.

A mensão á criança chamou a atênção do casal.

- Prazer em conhecê-los... - Mônica começou simpática se apresentando. - Eu me chamo Mônica, essa é a Maga... Maga... tentou continuar, mas a dor na barriga fez sua voz falhar. Ela levou as mãos ao estômago, um mal-estar que todos sentiram de repente. Um cólico profundo e inesperado.

Antes que alguém pudesse reagir, todos começaram a se contorcer, com a dor tomando conta de seus corpos. Só Cebolinha parecia não sentir o mesmo efeito. Ele correu para ajudar Mônica, pálido e preocupado.

- Mônica... o que você tem? Ou melhor... o que vocês têm?! - Cebolinha exclamou, com sua voz aflita.

Mônica, entre gemidos, balbuciou:

- Não sei... uma dor terrível no estômago de repente...

Todos caíram no chão, contorcendo-se, com a sensação de algo estranho em seus corpos. O chão, antes quente e abrasivo, parecia agora gelado, e o ar se tornava denso.

O marciano Gorlak se aproximou, examinando os rostos desesperados do grupo. Vaera, sua esposa, também estava alerta, seus olhos brilhavam com uma preocupação que contradizia sua natureza guerreira.

- O que vocês andaram comendo? - Gorlak perguntou, olhando diretamente para Cebolinha.

Mônica, com esforço, apontou para ele.

- Um banquete que o Cebolinha arranjou pra gente... - ela conseguiu dizer, olhando para o amigo, que imediatamente arregalou os olhos.

Gorlak pegou a fruta que Cebolinha retirou do bolso, uma das que ele havia pego no baú para a viagem. Ele mordeu-a com cautela, mas, antes que pudesse engolir, a fruta se desintegrou em suas mãos, transformando-se em uma areia fina que escorreu por seus dedos. Ele cuspiu a areia com um gesto de desagrado e olhou para Cebolinha, preocupado.

- Foi isso que vocês comeram... apenas areia... - ele disse, com um fio de preocupação percorrendo sua voz.

Vaera, que até então se mantinha em silêncio, falou com um tom grave:

- Certamente vocês foram enganados por Malvolar, o Bruxo da Caravana. Ele é o único capaz de transformar comida em areia... Ele deve ter dado essa falsa dádiva em troca de algo. - O que ele pediu em troca? - a voz da esposa era tensa. Ela olhou para o grupo, com um olhar que os fez todos se voltarem para Cebolinha, com seus olhares carregados de surpresa e indignação.

Cebolinha, agora sem saber o que fazer, soluçou:

- Buuaaa! Eu troquei o filho de vocês pela comida! - ele não conseguia controlar o choro, com a culpa consumindo-o.

- O quê?! - Todos disseram em uníssono, incrédulos.

- Tulma... vocês sabem... a fome às vezes é negla... e eu não suportei... buaaa! - Cebolinha estava em prantos, com a voz embargada. Ele tentava justificar, mas as palavras saíam como se ele estivesse afogado na culpa.

Vaera, a esposa, começou a chorar, com os olhos marejados, e a dor estampada em seu rosto. Ela foi abraçada por Gorlak que a consolava. Logo ele, com um gesto abrupto, se soltou da esposa e caminhou até Cebolinha.

Gorlak agarrou o colarinho da camisa do Cebolinha com uma força imensa, com raiva estampada em seus olhos.

- Tem noção do que você fez, menino?! - Gorlak gritou, com sua voz como um trovão que fazia o chão tremer.

Cebolinha, com o olhar desesperado, gaguejou:

- Eu... eu... acho que tenho sim... - ele engoliu em seco, com o seu medo evidente. - Não, não tem! Eles usam crianças como sacrifício ao seus deuses...

Vaera interveio com uma voz suave, mas firme, olhando para seu marido com um olhar de quem pedia compreensão:

- Querido, por favor... ele é apenas uma criança...

Gorlak hesitou por um momento, ainda com o olhar de raiva, mas a voz de sua esposa parecia ter algum efeito sobre ele. Ele finalmente o soltou, empurrando Cebolinha para o chão com um gesto brusco. O marciano olhou para os outros e então falou, mais calmo:

- Conseguem caminhar? Venham... vamos cuidar de vocês... vocês vão ficar bem... temos comida, água e abrigo...

O grupo, ainda fraco e dolorido, levantou-se, com os pés trêmulos. Eles começaram a caminhar em direção à casa, mas Gorlak parou Cebolinha com um movimento abrupto de sua lança, impedindo-o de passar.

- Você não! - ele falou, com sua expressão fria e severa.

Cebolinha, com o coração apertado, sabia que o preço de sua escolha havia sido alto demais. Seus amigos o olhavam com uma pena que ele não conseguia suportar.

- Tudo bem... é justo... depois de tudo, eu meleço... - Cebolinha falou, com sua voz quebrada pela culpa. - Por favor, salve os meus amigos!

O portão se fechou com um estrondo atrás deles, e Cebolinha ficou ali, parado, assistindo ao último olhar de Mônica, cheio de tristeza e piedade.

E foi ali, na solidão, que ele sentiu o peso de suas escolhas.


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O sol marciano começava a se esconder atrás das dunas rubras, tingindo o céu com tons de púrpura e dourado. A tribo alienígena, envolta por suas estruturas feitas de cristais brilhantes e fibras naturais, parecia em ebulição. O som de tambores ecoava, misturando-se ao zumbido elétrico de armas sendo preparadas. A tensão estava no ar, palpável como a poeira fina que dançava em torno do grupo de terráqueos.

Na cabana principal, iluminada por tochas que emitiam um cheiro amadeirado e reconfortante, Mônica, Cascão e Magali estavam sentados em uma mesa rústica. Pratos de um banquete exótico; frutas brilhantes, carnes rosadas e líquidos espessos, exalavam aromas desconhecidos, mas irresistíveis.

- Saúde restaurada, barriga cheia e banho tomado! Ai, ai... que sensação boa... - Magali comentou, recostando-se na cadeira, com os olhos brilhando de contentamento.

Cascão fez uma careta, de braços cruzados, enquanto Mônica riu.

- Esse planeta faz milagres. Até o Cascão tomou banho! - comentou com um sorriso provocador.

- Isso foi covardia! Aproveitaram que eu estava desmaiado pra me darem banho! - retrucou ele, cerrando os olhos em indignação, mas sem conseguir segurar um meio sorriso no final.

As gargalhadas encheram a cabana, ecoando entre os cristais. Era um momento raro de alívio, como um respiro antes de uma tempestade.

De repente, Mônica percebeu o burburinho do lado de fora. Guerreiros da tribo marchavam em sincronia, armados com lanças que brilhavam em tons de verde e azul sob a luz difusa. Um grupo de mulheres alienígenas pintava símbolos místicos nos rostos dos combatentes.

Mônica se levantou, franzindo o cenho.
- O que está acontecendo lá fora? - perguntou, já sentindo o peso de algo maior se aproximando.

Gorlak, o marciano entrou na cabana. Seus olhos brilhavam como duas luas cheias, refletindo sabedoria e cansaço. A textura da pele, semelhante a quartzo fosco, reluzia em tons prateados. Ele suspirou profundamente antes de responder.

- Estamos nos preparando para a guerra.

A palavra caiu como um trovão. Magali deixou escapar um soluço surpreso, enquanto Cascão murmurava algo inaudível.

- Guerra? - perguntaram em uníssono, o medo e a incredulidade entrelaçados em suas vozes.

O marciano assentiu lentamente.
- Vamos resgatar nosso filho das mãos de Malvolar o Feiticeiro... isso não for tarde de mais.

O ar na cabana parecia mais denso. O silêncio era quebrado apenas pelo som distante dos tambores e do vento que chicoteava a lona das cabanas.

- Se tiver alguma coisa que possamos fazer para ajudar, é só dizer. - Mônica falou com determinação, e com o olhar firme como se já estivesse traçando planos.

- Sim! Pra pagar nossa estadia aqui. - Magali completou, com os olhos ainda fixos nos guerreiros lá fora.

Gorlak ergueu a mão, num gesto que era ao mesmo tempo agradecimento e recusa.
- Vocês ajudariam mais ficando fora disso. Guerra não é para crianças.

Cascão abriu a boca para protestar, mas foi interrompido.
- Há um último portal aberto para o mundo de vocês. Não é longe daqui. Devem ir antes que ele se feche e vocês fiquem presos para sempre.

Magali sorriu de alívio e pegou nas mãos dos amigos, girando animadamente em volta do marciano, que apenas suspirou, sem saber como reagir.

- E o Chico e o Zé? - Cascão perguntou, olhando ao redor.

O marciano inclinou a cabeça em direção à saída da cabana.
- Acho que sei onde eles estão...

Todos o seguiram até uma árvore alta e frondosa com frutos dourados que pareciam brilhar no crepúsculo. No alto da copa, duas figuras estavam agarradas aos galhos, devorando os frutos com avidez.

- Eles de novo! - o marciano murmurou, já pegando seu arco e flecha.

Com movimentos ágeis, lançou duas flechas de pontas arredondadas somente para o efeito de assustar. Elas acertaram em cheio os alvos. Os dois gritaram e caíram, aterrissando com um baque surdo no chão.
- Saiam da minha goiabeira! Já disse que é um fruto sagrado para o nosso povo!

Os dois saíram correndo, com o marciano atrás, enquanto o restante do grupo ria alto. Mas a diversão durou pouco. O peso da despedida logo os alcançou.

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Mônica observou a energia do portal dançar como chamas líquidas. A despedida trazia um gosto amargo, como um nó na garganta que não se desfez desde que começaram a caminhar.

- Enfim, poderemos voltar pra casa. - comentou ela, tentando sorrir, mas a melancolia transparecia em sua voz.

- Não vejo a hora de comer uma boa fatia de melancia... - disse Magali, forçando uma animação que não convencia nem a si mesma.

Chico suspirou, com o seu olhar perdido no horizonte rubro.
- Tô morreno de sardade da Rosinha... Será que ela tá pensano in eu?

Cascão deu um sorriso triste, passando o braço pelo ombro de Zé Lelé e exclamou:
- E nós das duas Marías... Acho que não vou nem dormir, só pra compensar o tempo que passei longe.

A menção de amigos e amores deixados para trás trouxe um peso ainda maior. Mônica quebrou o silêncio, sua voz carregada de preocupação.

- E o Cebolinha? Será que ele está bem?

- Ele mandou muito mal... mas, mesmo assim, é nosso amigo. - completou Cascão, com sua voz embargada. Ele limpou os olhos rapidamente, mas o gesto não passou despercebido.

- Buáááá! Eu não posso ir embora sabendo que o meu melhor amigo tá ficando pra trás! - gritou Cascão, e as lágrimas começaram a escorrer livremente.

O grupo inteiro ficou em silêncio, até que passos leves os fizeram virar. A marciana se aproximava, e ao seu lado, de cabeça baixa e mãos inquietas, estava Cebolinha.

- Estão falando deste garotinho aqui? - disse a marciana com um leve sorriso.

Ao vê-lo, a turma correu para abraçá-lo, rindo e pulando ao mesmo tempo. Era um alívio misturado à culpa, mas também uma nova fagulha de esperança.

- Ele não fez por mal. - explicou Vaera a marciana. - Estava apenas com fome, e mesmo assim não conseguiu tocar na comida. A culpa e o arrependimento foram mais fortes. Nós o perdoamos.

A felicidade do reencontro, no entanto, foi rapidamente interrompida por um choque ainda maior.

- Cebolinha, vamos logo. O portal não vai esperar. - disse Mônica, puxando-o pela mão.

Mas ele resistiu. Firmou os pés na terra, e sua expressão séria, e rara, congelou todos ao redor.
- Eu não vou pala casa.

O impacto de suas palavras caiu como uma pedra no silêncio. Magali, Chico e Cascão trocaram olhares, confusos. Até Vaera parecia surpresa.

- Como assim, não vai pra casa? - perguntou Cascão, com a voz já quebrada.

Cebolinha levantou o queixo, com os olhos carregados de algo novo, determinação.
- Eu não posso voltar sabendo que deixei as coisas como estão. Eu vou ajuldar a lesgatar o filho deles. Não posso iembola sem conseltar o elo que cometi.

O marciano, que até então observava em silêncio, soltou uma risada descrente.
- Não diga bobagens, garoto. Você é pequeno, frágil. A guerra não é lugar pra você.

Cebolinha o encarou, firme como nunca antes.
- Não me subestime! Pode até me acha pequeno, mas o que falta em folça, eu tenho em colagem. Eu plometo que vou tlazer seu filho de volta.

O marciano avançou com um passo, e a mão estendida para segurá-lo. Mas Cebolinha deu um passo para trás, esquivando-se.
- Não toque em mim. Eu já decidi.

- Esse garoto... - o marciano murmurou, girando para ir atrás dele.

Mas antes que pudesse dar outro passo, sua esposa segurou seu braço.
- Não, querido. Não o impeça.

Ele olhou para ela, confuso e indignado.
- Você quer que eu deixe esse menino ir para o campo de batalha?

Ela assentiu, com os olhos brilhando com algo que parecia um misto de fé e sabedoria.
- Às vezes, o que nos falta não é força, mas coração. E talvez ele tenha o suficiente para fazer o que nós, com toda a nossa experiência, não conseguimos.

O marciano relutou, com seu olhar alternando entre a esposa e o garoto que já se afastava em direção à tribo. Finalmente, suspirou e assentiu.

Cebolinha não olhou para trás. Cada passo na direção do desconhecido parecia mais pesado, mas ele não hesitou. A determinação em seus olhos era como uma chama, iluminando seu caminho.

O grupo observava em silêncio, a despedida pairando como uma sombra sobre o coração de todos.

- Esse menino... tem mais coragem do que muita gente grande. - Vaera murmurou, quase para si mesma.


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Cebolinha seguia os rastros quase apagados deixados pela caravana de Malvolar, o temido bruxo. Suas pernas mal respondiam enquanto arrastava os pés pela areia escaldante do deserto marciano. A sombra de uma ave gigantesca o acompanhava há algum tempo, com um marciano montado em seu dorso.

De repente, o peso do cansaço e da sede o venceu. Cebolinha caiu de joelhos, ofegante, antes de tombar completamente sobre a areia.

A ave gigante desceu em um mergulho impressionante, suas asas gigantescas levantando uma nuvem de poeira. O marciano no dorso observava com olhos impassíveis, antes que o pássaro agarrasse o garoto com suas enormes garras e o erguesse para o céu.

Enquanto isso, no campo de batalha...

O som metálico das lâminas e os gritos de guerra ecoavam. A tribo do marciano Gorlak lutava ferozmente contra o bando de Malvolar, tentando impedir que o bebê marciano fosse sacrificado sobre o altar de madeira e palha, já envolto em chamas crescentes.

A batalha parecia pender a favor de Gorlak quando o próprio Malvolar surgiu, acompanhado por seus guerreiros. Ele avançou pela confusão com um sorriso cruel, seus olhos fixos em um grupo inusitado: Mônica, Magali, Cascão, Zé Lelé e Chico Bento, que haviam sido capturados e agora estavam sob a mira de lanças afiadas.

- Recuem, Gorlak, ou seus novos "amigos" serão os próximos a arder naquele altar! - Malvolar rugiu, com uma risada sombria.

Os olhos de Gorlak e sua companheira, Vaera, se arregalaram em desespero.

- Vocês ainda estão aqui?! - Gorlak gritou, franzindo o cenho com raiva.

- Não podíamos ir embora sem o Cebolinha... - Mônica respondeu, um tanto envergonhada. - Só queríamos ajudar a salvar o seu filho... desculpa, Gorlak! - completou, com pesar.

O altar crepitava ao longe, com as chamas subindo perigosamente.

- Que se dane vocês! - Gorlak gritou, virando-se para Vaera. - Precisamos salvar nosso filho antes que seja tarde demais!

Foi então que algo inesperado aconteceu. Um som alto e rítmico preencheu o céu. Todos olharam para cima, espantados, e avistaram Cebolinha montado na ave gigante.

- Tulma! - ele gritou, acenando freneticamente.

- É o Cebolinha! - Mônica exclamou, com os olhos brilhando de surpresa.

Cebolinha inclinou o corpo para frente, conduzindo a ave em um voo rasante em direção ao altar. Flechas e lanças cortavam o ar, tentando derrubá-lo, mas ele desviava habilmente. Num movimento ágil, a ave agarrou o bebê marciano com suas garras e o levou até os braços de Gorlak.

Vaera soltou um grito de alívio e desabou ao lado do marido, enquanto ele apertava o bebê contra o peito.

- Nosso herói! - Magali disse, emocionada, com as mãos sobre o coração.

Mas Cebolinha não havia terminado. Ele fez a ave dar uma volta no campo de batalha e retornou, trazendo outro bebê nas garras.

- Deixem os meus amigos ilem em paz, ou eu soltalei o bebê malciano de vocês! - Cebolinha ameaçou, franzindo o cenho e apontando um dedo acusador para Malvolar.

O silêncio caiu sobre o campo de batalha. Era o filho perdido de Malvolar, desaparecido há um ano.

- Recuem! Deixem-nos ir! - Malvolar ordenou, com a voz tremendo de fúria e derrota.

A batalha chegou ao fim, e a tribo de Gorlak pôde se retirar em segurança com seu filho.

De volta ao portal...

A turma se reuniu perto do portal brilhante, que já dava sinais de enfraquecimento. Estavam prontos para partir quando Cebolinha pousou com a ave. Ele desceu com elegância (ou o máximo de elegância que conseguiu) e foi imediatamente cercado pelos amigos.

- Onde ocê arranjou esse bicho aí, Cebola?! - Cascão perguntou, boquiaberto.

- Ah, é uma longa histolia... - respondeu ele, com um sorriso cansado, mas satisfeito.

- O que importa é que tudo acabou bem! - Gorlak disse, abraçando o bebê ao lado de Vaera. - Obrigado, menino, por ter salvado o nosso filho. Eu estava errado sobre você.

Cebolinha deu de ombros, tentando disfarçar o orgulho.

- Foi o mínimo que eu podia fazelzer, depois de tudo... - respondeu.

- O portal! Tá sumindo! - Mônica alertou, apontando com urgência.

- Então, vamo logo antes que ele se feche, uai! - Chico Bento exclamou, coçando a cabeça nervosamente.

Eles se despediram apressadamente, atravessando o portal antes que ele desaparecesse. A ave de Cebolinha soltou um grito forte antes de alçar voo e desaparecer no horizonte marciano.

Do outro lado, todos respiraram aliviados.

- Ah, em fim de volta à Terra! - Magali suspirou, enquanto apreciava o cheiro fresco do campo.

- Isso é que é praneta bão, sô! - Chico Bento comentou, rindo enquanto uma borboleta pousava em seu nariz.

- Cê devia ter trazido aquela ave pra cá, Cebola. A gente ia ficar famoso e rico! - Cascão sugeriu, sonhando alto.

Cebolinha balançou a cabeça.

- Ela peltence ao planeta Malte. Já estamos livres do bebê cholão, e isso já é uma dadiva.

- Confesso que já tava me acostumando com ele... - Mônica disse, com um sorriso melancólico.

- Minha nossa sinhora! Aquela vitrola quebrada não cala a boca não, sô! - Chico Bento exclamou, arrancando risadas de todos.

De repente, um choro estridente preencheu o ar, e todos se viraram para Zé Lelé, que abria sua mochila com dificuldade.

Dentro dela, estava...

- O BEBÊ MARCIANO?! - gritaram todos, em uníssono.

Zé Lelé deu de ombros, sorrindo despreocupadamente.

- Uai, aquele Gurlak negou as goiaba pra eu e o Chico... bem feito! Agora fico sem fio traveiz! - disse, como se tivesse cometido um grande feito.

Os olhos dos amigos brilharam de fúria, e em segundos Zé Lelé já estava correndo enquanto todos o perseguiam.

- Vorta aqui, Zé Lelé! - Chico gritou, apertando o passo.

- Espera só até eu por minhas mãos em você! - Cascão berrou, levantando o punho.

Mônica e Magali os seguiram a passos lentos.

- Ai, ai... lavamos nós de novo cuidar do Gorlakinho! - Mônica comentou sorrindo, de olhos semi-cerrados.

- Pelos menos agora, estamos na terra. - Magali respondeu suspirando.

FIM

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