7

- Você vai ensiná-la a caçar seus próprios familiares? Seus amigos? - Questionou Jason enquanto seguia Lauren até o escritório.

- Ela já está fazendo isso. - Lauren contornou sua mesa. - E vai continuar com ou sem a nossa ajuda. Só estou dando a ela uma chance de sobreviver. - Jason deixou escapar um assobio.

- Apesar de tudo, você continua sendo um anjo.

- E por que não seria?

- Não sei. Mas segundo alguns, a presença da filha de Syre torna você mais... humana. - Não a pessoa de Karla, mas seu amor por ela. O amor dos mortais não tinha sido feito para os anjos, cuja objetividade devia ser absoluta.

- Os que têm dúvidas a esse respeito deveriam levá-las ao conhecimento do Criador. Preciso poder confiar em todos que fazem parte de nossa unidade. Se eu perder o comando sobre vocês, perco também minha utilidade.

- Você é uma comandante muito querida, capitã. Não sei de nenhum Sentinela que não consideraria uma honra morrer por você. - Lauren sentou-se em sua cadeira.

- E eu considero uma honra comandar vocês. É uma responsabilidade que levo muito a sério.

- Mas a inquietação é algo inevitável. - Jason passou uma das mãos pelos cabelos loiros. - Nossa tarefa é ficar pajeando os Caídos por toda a eternidade. 'Eles jamais encontrarão a paz ou a remissão dos pecados. Hão de implorar para sempre, mas jamais obterão misericórdia.' Às vezes parece que estamos cumprindo essa pena junto com eles.

- Que seja. Temos ordens a cumprir.

- E é só isso que importa para você.

- E para você também deveria ser assim. Afinal, não somos Sentinelas? - Jason hesitou por um momento, depois abriu um sorriso amarelo. - Muito bem. - Lauren fez com que a conversa retomasse o rumo desejado. - Quero que Camila comece a ser treinada o quanto antes.

- Como? Ela é frágil como uma casca de ovo. Ela pode dar conta dos outros mortais... talvez até de um vampiro ou licano se o fator surpresa estiver a seu lado... mas um combate corpo a corpo com um Sentinela? Pouquíssimas criaturas são capazes de sobreviver a isso.

- Nós já sabemos a força que temos. Vai ser bom para todos nós tomar um pouco mais de cuidado na hora de usá-la.

- E qual o benefício disso?

- Ela vai ser uma arma importante. - Lauren girou a cadeira distraidamente e notou que o céu estava clareando, uma indicação de que a alvorada estava próxima. - Ninguém presta atenção nela. Essa capacidade de passar despercebida pode ser útil de muitas formas.

- Ela vai ser usada como isca?

- Como uma distração.

- Isso ela definitivamente sabe ser. - Lauren notou o tom ligeiramente sarcástico de seu tenente.

- Você tem alguma objeção quanto às ordens? - O sorriso desapareceu do rosto de Jason.

- Não, capitã.

- Nas últimas quarenta e oito horas, os dois quadros mais altos dos Sentinelas foram atacados. Você viu aquela lacaia no helicóptero... estava enlouquecida... e Shawn mencionou uma possível doença no caso do ataque a Nathaniel. Pedi relatórios atualizados dos Sentinelas em campanha. Quero que você os estude quando chegarem e veja se encontra relatos similares.

- O que você acha?

- Um ou mais dos Caídos pode estar dando seu sangue para que esses lacaios venham atrás de nós em plena luz do dia. Syre me ligou para falar sobre a pilota, o que quer dizer que sabia onde ela estava, mas pareceu surpreso diante da minha afirmação de que fui atacado sem aviso e sem motivo. Ele insinuou que um ato como esse era estranho à natureza dela.

- Você sabe que não pode confiar nele. Ele a entorpeceu com alguma droga e depois ligou para saber como tinha se safado da armadilha. Caso contrário, como ele iria saber que ela estava com você?

- Sim. Foi assim que eu pensei a princípio... que ele estava dando uma de inocente para não ter que assumir a culpa. Nós dois sabemos que ele não me ligaria por causa de um vampiro qualquer, então seu interesse por si só já diz tudo. Mas, quando mencionei o ataque a Nathaniel, ele não disse nada. Eu não esperava que ele assumisse a responsabilidade pelo assassinato, mas não se manifestar a respeito...? Nenhuma negativa, nenhuma tentativa de fingir que não sabia, nada? Achei isso estranho pra caralho. Nós não confiamos nem um pouco um no outro, então ele jamais diria que está começando a perder o controle sobre os Caídos. Ele pode estar só se fingindo de inocente, mas, caso não saiba mesmo de nada, talvez um agrupamento de vampiros, ou até uma facção, esteja fazendo essas barbaridades por aí para forçar uma guerra entre nós. Eles não são capazes de derrotar Syre, mas sabem que eu sou, se as coisas saírem de controle, o que deixaria o campo aberto para a ascensão de um novo líder. - Jason ergueu as sobrancelhas.

- Espero que você esteja mantendo a forma. Puta que pariu, que demais. Seria uma tremenda justiça poética se nossa missão chegasse ao fim por causa de uma revolta entre os vampiros. - Lauren já havia parado de pensar nas coisas em termos de justiça e injustiça muito tempo antes.

- Preciso saber se Syre está ou não por trás desses ataques. E, seja ele culpado ou inocente, podemos usar essa informação para enfraquecer sua influência sobre os Caídos. Ou ele está arriscando tudo pelo sonho de redenção dos vampiros ou está querendo que desistam disso de vez. Mas nenhuma das duas coisas vai ajudar a causa deles.

- A causa perdida deles, aliás. Você quer que os Caídos se voltem contra Syre?

- Por que não? Como você mesmo disse, uma revolta seria benéfica para nós. Principalmente se ele facilitar a tarefa de incitação.

- Pode contar comigo. - Jason saiu. Lauren decidiu que precisava de uma sessão de exercícios para dissipar sua inquietação. Camila logo acordaria. Ela precisa estar com a mente serena para solidificar seus planos com relação a Camila antes disso.

Camila abandonou seus sonhos antes que estivesse preparada. Parte de sua mente queria adormecer de novo, ansiando por outro toque daquelas mãos perversamente habilidosas, outro sussurro daqueles lábios firmes junto a sua garganta, outro roçar daquelas asas sedosas, brancas e com um toque de vermelho... Ela abriu os olhos quase sem fôlego, com o coração disparado e o calor à flor da pele. Estava dolorosamente excitada, com os pensamentos voltados para aqueles olhos verdes faiscantes e as palavras sensuais ditas por uma voz que era um convite ao pecado. Esfregando a mão no rosto, ela se livrou das cobertas com os pés e ficou olhando para as vigas de madeira que pairavam sobre sua cabeça. Seu futuro havia dado uma guinada radical a partir do momento em que Lauren Jauregui pôs os olhos nela. Antes, sua vida parecia ter transcorrido em preto e branco, acordar, ir para o trabalho, voltar para casa e matar qualquer coisa que despertasse sua desconfiança enquanto isso. A partir daquele momento, porém, tudo adquiriu um caráter muito mais complexo.

Camila desceu da cama e atravessou o cômodo enorme para ir até um banheiro que era do tamanho de seu antigo apartamento inteiro. Havia uma lareira perto da banheira, decorada com um mosaico deslumbrante, e um chuveiro com seis saídas de água diferentes. Ela nunca tinha ficado em um local tão luxuoso, mas mesmo assim se sentia em casa. Apesar da opulência, era um lugar acolhedor. A paleta em amarelo-claro e azul mantinha o cômodo iluminado e arejado, algo que a agradava, pois sua vida às vezes se tornava sombria. Depois de lavar o rosto e escovar os dentes, ela voltou para o quarto e seus olhos foram atraídos pela parede com janelas voltadas para o oeste. A vista se resumia a um morro rochoso coberto por arbustos nativos ressecados, e transmitia uma sensação de distância e isolamento, mas ela sabia que a cidade não estava muito distante. Ela vestiu um par de calças de ioga e uma camiseta justa.

- Não vá se acostumando com isso. - Disse a si mesma enquanto caminhava até a janela. Quando se aproximou, um dos enormes painéis envidraçados deslizou suavemente para o lado, permitindo que ela saísse para a varanda. O ar da manhã era fresco e puro, e a atraiu para fora. Agarrando com força o beiral de madeira, ela respirou fundo e tentou absorver a enorme mudança de contexto a que havia se submetido. Às suas costas, o sol estava nascendo, e uma brisa suave a acariciava pela frente. Logo abaixo, os outros dois andares da casa se erguiam sobre um precipício, mas seu medo de altura só permitiu que ela desse uma olhada rápida. Uma onda de ansiedade a invadiu. Não porque estivesse ansiosa, mas justamente por não ter sentido nada do tipo até então. Durante toda a vida, ela foi uma pessoa tensa e agitada. Essa sensação se amplificava na presença das criaturas horrendas que enfrentava, mas pulsava dentro dela mesmo quando não havia perigo por perto. A expectativa de que algo poderia acontecer a qualquer momento fazia parte de sua essência. E no entanto havia sumido, deixando para trás uma pouco costumeira mas muito bem-vinda tranquilidade. No futuro qualquer coisa poderia acontecer, mas naquele momento ela estava centrada e serena. E, para melhorar ainda mais a situação, estava gostando de se sentir assim.

Quando se afastou da beirada da varanda, uma sombra enorme passou por suas costas e cruzou os ares diante da casa. Respirando fundo, Camila se virou para ver. O céu estava repleto de anjos. Contra o pano de fundo do céu rosado da manhã, eles mergulhavam e giravam em um balé peculiar e hipnotizante. Havia pelo menos uma dúzia deles, talvez mais, deslizando uns sobre os outros com graça e elegância. A envergadura de suas asas era imensa, e seus corpos eram esguios e demonstravam um equilíbrio perfeito. Eram todos fortes e atléticos... perigosos demais para despertarem um sentimento de fervor religioso, mas sem dúvida mereciam ser reverenciados. Ela contornou um dos cantos da casa, e percebeu que a varanda era mais larga na parte dos fundos, proporcionando uma espécie de área de pouso. Abismada e um tanto amedrontada, ela se lembrava de respirar apenas quando sentia uma queimação nos pulmões. Ela estava encantada com Lauren mesmo quando pensava que ela era um simples mortal. Depois daquilo então... Mesmo entre os outros anjos ela se destacava. Suas asas peroladas brilhavam sob o sol da manhã, e suas manchas vermelhas reluziam no horizonte quando ela pegava mais velocidade. Ela subia como um foguete, depois mergulhava e girava nos ares, transformando-se num vulto branco e vermelho.

- Acho que ela está tentando impressionar você. - Camila desviou os olhos de Lauren. Encontrou Shawn logo atrás de si, com as mãos na cintura e a atenção voltada para as acrobacias aéreas que se desenrolavam acima deles.

Ele era maravilhoso: corpo esguio e bem definido, cabelos castanhos bem curtos e olhos também castanhos. Mas, ao contrário da chefe, transmitia uma sensação de quietude, como um oceano de águas calmas. Suas asas estavam à mostra, o que ela imaginou ser uma tática de intimidação. Eram cinzentas com manchas brancas, e a faziam lembrar do céu em dia de tempestade. Em contraste com sua pele branca, criavam o efeito de uma estátua de mármore em estilo clássico que ganhou vida.

- Está dando certo. - ela confessou. - Eu estou mesmo impressionada. Mas não conte isso para ela. - Um súbito golpe de ar e um ruidoso ruflar de asas precederam a aterrissagem de Lauren bem diante dela. Seus pés tocaram o chão quase silenciosamente, o que ela quase nem notou, porque ela estava descalça. Puta merda.

Coberta por calça preta bem folgada e um top também preto, ostentando aquelas lindas asas, seu corpo era tentador. A pele branca e firme revestia com perfeição sua estrutura musculosa. As mãos dela ansiavam para tocar aquele corpo lindamente bem definido... ela ficou com água na boca ao pensar em passar a língua pelo seu abdome. Por mais verdadeiro que o sonho dela tenha parecido, a realidade era ainda mais impressionante. Lauren havia sido esculpida com maestria, e aperfeiçoada pelas batalhas. Camila não conseguia parar de pensar em traduzir todo aquele corpo em fantasias sexuais apimentadas. Só de olhar para ela, Camila perdia o fôlego e o equilíbrio das pernas.

- Bom dia. - Lauren cumprimentou com sua voz rouca, que a deixava arrepiada. - Dormiu bem? - Camila atribuiu o déjà-vu que experimentou ao presenciar aquela cena à falta de cafeína combinada com as reminiscências de seus sonhos com altos teores de erotismo.

- Muito bem, obrigada.

- Pensei que você fosse querer dormir até um pouco mais tarde.

- Lá de onde eu vim, já são nove horas. Isso para mim é dormir até tarde.

- Está com fome? - O fato de ela não sentir fome conferia um significado todo especial àquela pergunta.

- Eu aceitaria um café, se você tiver. E uns minutinhos do seu tempo.

- Claro. - Lauren lançou um olhar para um dos seguranças postados ali, um dos fortões. O sujeito acenou com a cabeça antes de desaparecer dentro da casa. - Você quer entrar?

- E perder esse espetáculo? De jeito nenhum. - Lauren abriu um leve sorriso ao ouvir isso. Camila estava determinada a arrancar dela um outro tipo de sorriso, bem mais íntimo, do mesmo tipo que ela viu em seus sonhos.

A serafim apontou para uma mesa de madeira ali perto, e suas asas se dissiparam como uma nuvem de vapor.

- Shawn. - O outro anjo os seguiu, e suas asas desapareceram da mesma maneira. Lauren puxou uma cadeira para ela, deu a volta na mesa e sentouse ao lado de Shawn.

Camila ficou virada para o leste, tendo a visão daqueles dois anjos absurdamente lindos emoldurada pelo nascer do sol. Ela respirou fundo, sabendo que estava entre a cruz e a espada.

- Eu tive que fazer uma grande e repentina mudança de planos ontem à noite para poder vir para cá com você. Vim morar na Califórnia por causa de um emprego. Tinha outros planos, inclusive uma reserva num hotel que não cancelei e vou precisar pagar. Eu...

- Pode deixar que eu resolvo isso.

- Não quero que você resolva nada para mim. Só quero que me escute. - Ela começou a batucar com os dedos nos apoios de braços da cadeira. - Eu agradeço a sua proposta de me treinar, e vou aceitar. Seria uma idiotice não aceitar, já que sou autodidata e aparentemente não sei de nada. Consigo sentir a presença de coisas não humanas, mas a partir daí não sei mais definir o que preciso, e quero caçar. Mas, com exceção dessa parte, quero ser autossuficiente. Quero ter minha própria casa, me sustentar sozinha, poder entrar e sair sem dar satisfação para ninguém.

- Eu não posso permitir que você se coloque em uma situação de perigo.

- Não pode permitir? - Camila sentiu vontade de rir, mas o assunto era bem sério. Ela tinha plena consciência de que Lauren não era uma criatura terrena, e sim uma mulher riquíssima em seu disfarce como mortal e ainda mais poderosa em sua verdadeira identidade de anjo. Mas ela não iria se dobrar diante de ninguém. Principalmente Lauren. Ela precisava deixar tudo bem claro, antes que fosse tarde demais.

O segurança voltou trazendo uma bandeja com um bule, uma caneca, creme e açúcar. Ele pôs tudo diante de Camila e depois voltou a assumir seu posto ali perto. Camila se perguntou por que os anjos precisariam de proteção, e ainda por cima a proteção de indivíduos que pareciam ser menos poderosos. Pelo visto havia algum tipo de estrutura organizacional naquele submundo sobrenatural ao qual ela tinha sido tão brutalmente apresentada quando criança. Ela se deu conta de que não sabia quase nada sobre as criaturas que caçava, o que tornava a matança muito mais fácil. Dali em diante as coisas ganhariam um contexto, uma história com que ela poderia até se identificar, e mesmo assim seria preciso continuar matando. Mais uma vez, Camila desejou ser capaz de voltar no tempo. Se ela não tivesse implorado para sua mãe levá-la àquele maldito piquenique, Sinuhe Cabello ainda estaria viva.

- Estou sentada aqui com você. - Ela continuou. - Para discutirmos a situação de maneira racional, para trocarmos ideias sobre como eu posso vencer os desafios que vêm pela frente mantendo a minha liberdade. Mas, se você vai adotar essa postura de 'é isso ou nada', não tenho nada a dizer além de adeus. Não quero parecer ingrata nem nada do tipo, mas, sinceramente, prefiro me arriscar sozinha e manter minha independência a perder minha autonomia. - Shawn deu uma olhada de rabo de olho para Lauren, que por sua vez estava vidrada em Camila.

Lauren curvou um dos lados da boca, como se estivesse tentando sorrir.

- Tudo bem.

- Certo. Alguma sugestão? - A Sentinela se recostou na cadeira e afastou as pernas de maneira elegante e graciosa.

Sua atração por Lauren era outro sério obstáculo a ser superado. Ela não estava disposta a explorar as possibilidades físicas daquele relacionamento antes de saber exatamente o que Lauren era. E depois disso...? Aí sim as coisas ficariam complicadas. Ela nunca havia tido um romance de longa duração, mal tinha tempo para si mesma, e jamais pensaria em namorar um colega de trabalho, para evitar o clima pesado depois de um eventual rompimento. Se ela ainda continuasse morando com Lauren após terminar com ela, teria que presenciar seus novos namoros. Ela nunca tinha vivido com um ex-namorado antes, muito menos uma ex-namorada com uma vida sexual ativa. Só de pensar em Lauren olhando para outra mulher da maneira como a olhava, já sentia um ciúme absurdo, principalmente levando em conta quão pouco se conheciam.

Ela pôs o café na caneca e acrescentou açúcar, pois precisava que seus neurônios despertassem depressa e partissem para a briga.

- Você já se deu conta - Começou Lauren. - De que não vai poder continuar tendo uma vida dupla? Se quer levar uma vida normal, eu posso ajudá-la. Raguel Gadara cuida muito bem da segurança de seus funcionários, e eu coloco você em um dos empreendimentos residenciais dele. Se você se contentar em ir de casa para o trabalho e desistir de caçar, não vai ter problema nenhum.

- Eu não posso desistir. Não sem encontrar quem estou procurando. Talvez nem depois disso. Não vou conseguir seguir vivendo enquanto essas criaturas estiverem aterrorizando as pessoas por aí. Preciso fazer alguma coisa a respeito. - Os olhos verdes brilharam. Ao pressentir seu triunfo, talvez.

- A outra opção é você ficar aqui, treinar bastante e se dedicar somente à caça.

- Você não acha que está sendo muito radical? Por que eu não posso morar onde quiser, treinar nos fins de semana e pedir reforços quando sentir a presença de alguma coisa estranha?

- Mesmo que eu pudesse reservar um dos meus soldados só para ajudar você com as classificações, o fato é que não caçamos indiscriminadamente. Nós policiamos os vampiros, mas não os matamos. - Camila sentiu seu sangue gelar.

- Por que não?

- O castigo deles é conviver eternamente com o que são.

- E nós humanos, somos o quê? O efeito colateral? Nós somos obrigados a conviver com o que eles são, inclusive somos mortos por causa do que eles são. - Os demais anjos começaram a pousar. Ela os observou com uma mistura de admiração e raiva. Aquela lindas criaturas pareciam tão transcendentes e poderosas, mas ainda assim permitiam que parasitas como os vampiros continuassem vivos.

- Nós caçamos todos os dias. - Lauren explicou. - Nós matamos todos os dias. O que há de errado em nos concentrar apenas nos que causam mais problemas? - Camila a encarou por sobre a beirada da caneca.

- É justo. Talvez eu possa me juntar a vocês nos meus dias de folga.

- Raguel contratou você por alguma razão. Qual foi o cargo que ele lhe ofereceu?

- Gerente-geral júnior.

- Um cargo dos mais importantes em um novo empreendimento. Tenho certeza de que você é qualificadíssima, mas imagino que seja um tremendo desafio para alguém da sua idade. - Camila lambeu o café do canto da boca.

- E o salário também é ótimo.

- Porque esse cargo exige uma pessoa ambiciosa, louca para mostrar serviço e disposta a trabalhar quantas horas forem necessárias para isso. - Camila confirmou com a cabeça, resignada. Aquele era o tipo de emprego que tomaria todo seu tempo. Isso inclusive era um dos motivos que o tornavam tão atraente, ela poderia se concentrar mais em si mesma, usando o trabalho como pretexto para se afastar das caçadas. Um álibi, certamente, mas ela estava convencida de que era a melhor opção para sua vida. Os anjos se reuniram ao redor de Lauren. Ela era o centro impassível de todas as atividades. Mas não que fosse o olho do furacão. Ela era o próprio furacão. Era como as nuvens escuras no horizonte, uma beleza de se ver de longe, mas capaz de atos de grande violência. Camila de repente percebeu que estava sentada entre os anjos, bebendo café e falando sobre seu novo emprego. De normal aquilo não tinha nada.

- Certo. - Ela bebeu mais um gole para criar coragem.

- Uau... tantos anos de estudo. E para quê?

- Não acredito que você vai abrir mão do seu sonho assim tão facilmente. - Disse Shawn, olhando bem para ela. - Os mortais costumam definhar quando desistem de seus sonhos.

- O ramo da hotelaria não era o sonho dela. - Explicou Lauren, parecendo absolutamente certa do que dizia. - O que ela queria era uma vida normal, ou que pelo menos parecesse normal.

- E tem algum problema nisso? - Camila perguntou. Ela queria ter um parceiro fixo, poder se apaixonar, sair com os amigos e ter um trabalho que não a deixasse coberta de cinzas depois de executado. Mas também se sentia culpada por desejar a bênção da ignorância. Que tipo de pessoa preferiria não saber do sofrimento dos outros só para não estragar a própria felicidade?

- Não tem problema nenhum. Longe disso. Mas você nunca se sentiu realmente em casa no mundo dos mortais, certo? É bonita e confiante demais para ser uma pessoa reclusa, mas mesmo assim nunca encontrou seu lugar. - Era como se Lauren fosse capaz de decifrá-la por inteiro com aqueles olhos cheios de sabedoria. - Não é vergonha nenhuma querer ser aceita pelo que você é e se sentir confortável no lugar onde vive.

- O meu lugar com certeza não é aqui. - Mas ela não podia negar que, no fundo, talvez fosse. E que a razão para isso era Lauren. Ela descobriu o que fazia e a aceitou sem pensar duas vezes. Era o tipo de sensação que nunca havia experimentado antes.

- Ah, não?

- Ainda não. - Mas ela achava que poderia ser. Puxa... Como seria trabalhar com outros que lutavam contra os mesmos inimigos, sem a sensação massacrante de estar sozinha naquele mundo perigoso e mortal no qual ela tinha mergulhado depois da morte de sua mãe? Camila esticou o braço e coçou a nuca. - É uma decisão bastante difícil para nós duas. Eu só vou atrapalhar vocês, e no fim posso pôr tudo a perder.

- Isso é verdade. - Concordou Shawn. Lauren levantou um dos ombros em um gesto elegante de discordância.

- Todo talento tem sua utilidade.

- Eu preciso ter uma fonte de renda. - Ela argumentou. - Seja qual for o estilo de vida que escolher, não quero ser dependente de ninguém.

- Ah, os mortais. - Resmungou Shawn. - Sempre tão obcecados pelos bens materiais. - Lauren curvou os lábios em um meio sorriso.

- Todos os dias, mando minhas equipes para diversos lugares do mundo. A tarefa de marcar todos esses voos e reservar quartos em hotéis recai sobre o infeliz indivíduo que estiver passando por perto no momento. Não dá para repassar essas atribuições para o pessoal da Jauregui Aeronáutica sem levantar suspeitas. Hoje, esse indivíduo vai ser você. A não ser em caso de incompetência congênita ou desgosto profundo, essa tarefa pode continuar sendo sua por um prazo indeterminado. Podemos negociar um salário e o pagamento de um aluguel. Eu ofereço celular, reembolso de despesas e transporte gratuito para todos os Sentinelas. Você pode até querer ficar com o seu telefone, mas nesse caso vai precisar manter dois aparelhos.

- Sentinelas?

- Todos esses anjos que você está vendo aqui. - Camila percorreu a varanda com os olhos.

- E quantos vocês são?

- Cento e sessenta e dois, desde ontem.

- No total? - Ela confirmou com a cabeça. Camila deixou escapar uma risadinha. - Não é à toa que vocês estão dispostos a me aceitar. Nessa situação qualquer ajuda é bem-vinda.

- Nós temos os licanos. - Disse Shawn, incomodado. Ela olhou para os seguranças espalhados pela varanda. A disparidade entre o físico deles e o dos anjos ajudava a identificá-los. Os anjos eram altos e esguios, provavelmente por questões aerodinâmicas, enquanto os licanos eram robustos e musculosos. Lauren se virou para Shawn.

- Quero investigar a área em que Nathaniel foi atacado, e acho que é uma boa hora para eu fazer uma nova visita à matilha do lago Navajo. - Shawn acenou com a cabeça e ficou de pé.

- Vou mandar uma equipe de reconhecimento para garantir a segurança da área.

- Não. Isso transmitiria uma impressão de medo e desconfiança, e não é esse tipo de mensagem que eu quero passar.

- Mande outro tipo de mensagem, então. - Sugeriu Camila. - Uma mensagem de verdade, avisando que você está indo para lá. - Os dois anjos a encararam. Ela acenou com a mão como se pedisse que não a levassem tão a sério. - Não sei o que está acontecendo aqui, então posso estar dizendo bobagem, mas ao que parece você está indo para um lugar que representa um risco, só que não quer que as pessoas de lá saibam que você as considera um risco. Sendo assim... avise que está indo. Faça um anúncio formal. Isso mostra que você não está com medo... que está oferecendo de mão beijada a oportunidade para eles fazerem o que estiverem a fim. Mas antes siga o conselho de Shawn e mande uma equipe de reconhecimento na surdina. Vasculhe a área sem que eles saibam. Infiltre um pessoal entre eles antes de avisar que está indo para lá. E depois avalie a reação deles. - Shawn estreitou os olhos.

- Os licanos têm um olfato muito aguçado. Eles vão saber se estiverem sendo vigiados.

- Então mande alguns licanos de confiança para fazer isso. - Ao notar o silêncio que sua proposta provocou, ela ergueu as sobrancelhas. - Vocês não confiam em nenhum licano? Então por que os usam como guarda-costas? Para manter os inimigos sempre por perto? - Lauren fez um gesto com o queixo para que Shawn as deixasse a sós. Camila ficou em silêncio enquanto o anjo saía. - Tudo bem, tudo bem. Já entendi que não posso dar opinião quando não sou solicitada. - Lauren levantou da cadeira.

- É um plano muito inteligente e eficaz. Pretendo usar essa ideia não só hoje como também no futuro.

Camila se perguntou aonde ela estava indo, e como deveria se comportar em sua ausência. Ela precisava ligar para o pai, e depois decidir o que ia fazer a respeito do emprego. Lauren contornou a mesa e foi até ela.

- Você pode vir comigo um momentinho?

- Sim. - Ela puxou a cadeira para Camila e pôs a mão sobre a base de sua coluna. O calor da mão dela a esquentou por sob a camiseta, fazendo com que sua pele se arrepiasse. Lauren a conduziu até o beiral da varanda, em um ponto mais afastado dos demais. Camila sentiu o ombro dela junto ao seu, e o cheiro dela, que era simplesmente delicioso. Se pudesse, grudaria o nariz no pescoço de Lauren e encheria os pulmões com vontade. O aroma de sua pele era viciante, intoxicante... Familiar.

- Você confia em mim? - Perguntou baixinho, soltando seu hálito quente sobre a orelha dela.

- Eu não conheço você. - Ela respondeu, sentindo um tremor de satisfação. Elas pararam no beiral da varanda.

- Muito bem, então. - Havia um certo tom de divertimento em sua voz rouca. - Você me daria pelo menos o direito da dúvida? - Camila a encarou. Lauren chegou mais perto, invadindo o espaço dela. Estavam a poucos centímetros uma da outra, e Camila precisou erguer a cabeça para conseguir olhar no rosto dela. As asas de Lauren se materializaram, protegendo-a dos olhares mais curiosos.

Ela percorreu o corpo de Lauren com os olhos, saboreando toda a extensão de seu corpo. Ao imaginar os músculos firmes de seu abdome por baixo daquela regata despertou nela um desejo profundo e lascivo de vê-los se contrair de prazer quando ela a penetrasse. O tesão aflorou em sua pele, fazendo com que se contraísse. Camila passou a língua pelos lábios ressecados, e a serafim acompanhou o movimento com os olhos.

Ela concordou com a cabeça.

- Ótimo. - Lauren a puxou para perto, abraçando seus ombros com um braço e posicionando o outro logo abaixo do traseiro. O corpo rígido de Lauren estava todo pressionado contra o dela. Camila sentiu o volume do pau dela sob as calças, o que incitou uma reação poderosa no meio de suas pernas. Ela lançou os braços sobre o pescoço de Lauren.

- Lauren...

- Agora não fale mais nada. - Murmurou. - Só segure firme. - Então saltou por sobre o beiral.

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