4
Virando a cabeça com uma despreocupação fingida e calculada, Lauren olhou ao redor para ver se estava sendo vigiada. Syre teria encontrado a filha primeiro e estava rastreando seus passos.
- E o que seria?
- Não se faça de desentendida, Lauren. Não combina com você. Uma linda loira. Pequenina e delicada. E você vai devolvê-la para mim... sem nenhum arranhão. - Lauren relaxou.
- Se você está se referindo à vadia raivosa que me atacou hoje cedo espumando pela boca, saiba que eu parti o coração dela. Esmaguei com as minhas próprias mãos, para ser mais exata. - Houve um longo e tenebroso período de silêncio.
- Nikki era a mais doce das criaturas entre nós.
- Se essa é a sua definição de doçura, acho que fui até boazinha demais. Mais uma gracinha dessas - ela avisou, sem se alterar - e eu acabo com vocês todos.
- Você não tem autoridade nem permissão para isso. Tome cuidado com essa sua vontade de querer ser Deus, Lauren, ou vai acabar como eu. - Dando as costas para o olhar vigilante de Camila, Lauren respirou fundo para tentar se acalmar. Ela era um serafim, um Sentinela. Não devia se deixar levar por esse tipo de sentimento humano. Deixar transparecer isso, pelo tom de voz ou por suas ações, significava transmitir uma vulnerabilidade inconcebível. O que estava feito não podia mais ser desfeito. Seu amor mortal a rebaixou ao nível terreno, era impossível para ela manter a serenidade celestial.
- Você não tem ideia do que eu possuo autorização para fazer - ela disse, tentando manter o controle. - Ela me atacou em plena luz do dia, o que prova que ingeriu o sangue de um dos seus Caídos, talvez até o seu, há menos de quarenta e oito horas. Isso abre uma brecha para que eu ou qualquer um dos meus Sentinelas possamos nos defender da maneira que quisermos. Pense duas vezes antes de mandar outra lacaia suicida cruzar o meu caminho. Eu não sou como Nathaniel. Você sabe muito bem que não tem como me vencer. - O que era verdade... mas não exatamente.
Syre não tinha o mesmo treinamento formal para o combate que os Sentinelas, mas havia aprimorado suas táticas de guerrilha ao longo dos séculos. Além disso, estava mais velho, seus erros o tinham tornado mais sábio e, assim como os licanos, parecia cada vez mais inquieto. Seus vampiros o seguiriam até o Inferno se fosse preciso. Tudo isso o tornava um oponente perigosíssimo. Lauren se sentia capaz de derrotar Syre de novo, mas sabia que essa tarefa seria mais difícil do que nunca. E ainda havia o risco de Camila Cabello ser pega no fogo cruzado.
- Talvez meu objetivo não seja vencer - provocou Syre.
Lançando um olhar possessivo em direção a Camila, Lauren imaginou o sofrimento que em breve imporia à vida dela. Mas não podia voltar atrás. Entre ela e Syre, a vida com os Sentinelas era o menor dos males.
- Se você está querendo morrer - Lauren falou, e um trovão retumbou no céu, - venha me fazer uma visita. Ficarei feliz em ajudar.
Camila franziu a testa por algum motivo, e Lauren olhou para o que tinha chamado a atenção dela. A mulher com as crianças barulhentas ainda estava repreendendo o menino mais velho. E ele começou a gritar, atraindo os olhares de todos ao redor. O líder dos vampiros deu risada.
- Só quando eu tiver certeza de que a minha filha está livre de você.
- Isso a sua morte pode resolver. - Lauren nunca iria deixar de condenar a fraqueza que a obrigou a recorrer a Syre quando Karla foi mortalmente ferida.
Ela erroneamente acreditou que o amor do líder dos Caídos pela filha o faria agir de acordo com os interesses dela, mas a sede de vingança de Syre era tão implacável quanto a sede de sangue. Ele faria de tudo para impedir que a filha trouxesse alguma felicidade para o Sentinela que o havia punido. Syre preferiu tentar transformá-la numa vampira como ele, uma sanguessuga desalmada que passaria toda a eternidade nas trevas, a permitir que ela entregasse sua alma mortal ao amor por Lauren. Quando Lauren se deu conta das intenções de Syre, ela interrompeu a Transformação, produzindo consequências inesperadas, o corpo dela morreu, mas sua alma de nefil tinha sido imortalizada.
Graças à Transformação apenas parcial, Karla foi condenada a voltar e voltar e voltar num ciclo infindável de reencarnações. Sua alma era imortal, mas ela não era dotada de asas. A alma de um mortal morria com a Transformação, e a de um anjo, com a perda das asas, mas nenhuma das duas coisas se aplicava aos nefilins. Quando o corpo de Karla foi impedido de se Transformar, a alma dela sobreviveu e continuou vinculada ao indivíduo que a iniciou no vampirismo. A morte do pai a libertaria do poder que ele detinha sobre sua alma. Apenas o vampiro que tinha começado a Transformação era capaz de concluí-la. O tempo, porém, não colaborava com os propósitos de Lauren. Ela só podia agir durante o período de tempo em que Camila estivesse viva, algo terrivelmente diminuto para um imortal.
- Sua egoísta desgraçada - sibilou o vampiro. - Você prefere que Karla morra em vez de viver para sempre.
- E você quer que ela pague pelo seu pecado, apesar de não merecer. Foi você que desrespeitou a lei, não ela.
- Tem certeza, Lauren? Ela não fez o mesmo com você?
- Essa decisão quem tomou fui eu. Portanto, a culpa é toda minha.
- E mesmo assim você não sofre o que nós sofremos.
- Ah, não - Lauren rebateu sem se exaltar. - Como é que você sabe o que eu sofro ou deixo de sofrer, Syre? - Ela olhou para Camila mais uma vez.
Ela a observava com seus olhos escuros e parecia compreender tudo. Aqueles olhos tinham sabedoria demais para uma pessoa da idade dela.
Camila ergueu as sobrancelhas, como se a questionasse. Lauren respondeu com um sorriso fingido. Ela estava em sintonia com Lauren, da mesma forma como ela se sentia ligada a Camila, mas não se lembrava da história que havia entre as duas, o motivo daquela afinidade.
A serafim precisaria tomar cuidado para não deixá-la preocupada ou abalada demais. Tamanho nível de ansiedade era uma prova do quanto ela havia decaído. Uma prova de como aquele amor a tinha tornado parecida com um humano. E os céus lamentavam sua fraqueza através do clima, chovia quando ela se entristecia, trovejava quando ela ficava furiosa, a temperatura oscilava de acordo com sua disposição.
- Você quer a alma dela. - Murmurou Syre. - Porque é a única coisa que a prende a você.
- E a você.
- E mesmo assim você não quer que eu a desperte. E por quê, Lauren? Do que você tem medo? Que ela torne você vulnerável de novo?
Perto dela, o menino rebelde deu um chute na canela da mãe. Ela gritou. O bebê se agitou no colo dela e se jogou para trás. Sem equilíbrio e seriamente abalada, a jovem deixou o pequeno escorregar de seus braços. Lauren saiu correndo, esforçando-se para não exceder a velocidade de um humano normal... Mas Camila foi mais rápida e pegou o bebê primeiro. Um feito impressionante. Tão impressionante que nem pareceu que aquela criança tinha corrido o perigo de se espatifar no chão. A jovem mãe piscou os olhos, confusa e boquiaberta, ao ver que Camila estava de pé ao lado dela, e não mais sentada a alguns metros de distância.
- Não se esqueça - continuou Syre - que essa alma que você tanto ama fica a cada encarnação mais próxima de descobrir a verdade, com ou sem a minha ajuda. Você vai conseguir me pegar antes que a minha filha recobre a consciência. O que você acha que Karla vai pensar quando se lembrar do sofrimento que você causou para ela em tantas existências diferentes? Acha que ela ainda vai amá-la depois disso?
- Eu nunca me esqueço de nada. E não vou me esquecer de que você é o culpado pelas perdas que sofri hoje. - Lauren desligou o celular e passou a se concentrar exclusivamente na tremenda complicação que significava aquela capacidade de se mover numa velocidade sobrenatural.
Os poderes de Karla, uma nefil, manifestavam-se de maneira mais forte em Camila, sugerindo uma afinidade maior com o próprio corpo do que em suas encarnações anteriores. O tempo estava contra Lauren. As almas ficavam mais poderosas com o tempo e a experiência. Era inevitável que um dia Karla tivesse força suficiente para transcender o corpo que ocupava. Nenhuma das duas estava preparada para aquilo. Lauren enfiou o telefone no bolso e foi até ela.
***
Lauren Jauregui tinha pés perfeitos. Acomodada em seu absurdamente confortável assento de primeira classe, Camila observava as extremidades das longas pernas de Lauren, e se deu conta de que nunca tinha reparado nos pés de uma pessoa antes. Em geral, ela os achava feios a pele cheia de calos, os dedos tortos, as unhas mal cortadas e amareladas. Mas os de Lauren não eram nada disso. Eram impecáveis. Na verdade, tudo nela parecia ser simétrico e bem-acabado. A perfeição dela era arrebatadora. Camila olhou para cima, percebeu que ela a encarava e sorriu. Ela nem se preocupou em explicar por que estava observando os pés de Lauren, que pareciam bem acomodados no chinelo. Parecia algo desnecessário, considerando a maneira como ela a olhava. A atração sexual era nítida. Era excitante e palpável, e provocava uma reação forte dentro dela, mas aquele olhar tinha algo de terno também. Afetuoso, quase íntimo. E ela correspondia com satisfação. Uma parte dela parecia vibrar com o pensamento: Ela é minha.
- Você não está comendo os pretzels. - Lauren comentou com sua voz rouca e sonora, que fazia com que ela não quisesse sair mais de lá.
Ela parecia tão contida, tão controlada. Mesmo quando Camila sentia que havia alguma agitação dentro dela, sua aparência não denunciava nenhum sinal disso. A voz era sempre suave e tranquila, e a postura, relaxada e confiante. Mesmo quando estava em movimento, ela jamais parecia tensa. Aquela combinação de boas maneiras e desejo sexual intenso causava um efeito poderoso sobre Camila. Era algo inerente a sua natureza causar agitação e deixar as coisas de pernas para o ar, e era isso o que faria com Lauren. Ela iria escavar aquela superfície de tranquilidade, porque tinha certeza de que dentro dela encontraria águas bem mais turbulentas.
- Você quer? - Ela ofereceu. - Não queria estragar meu apetite.
Os olhos verdes brilharam, e Camila se deu conta de que Lauren ainda não havia revelado todo seu sorriso para ela. De amargo já bastava a vida, ela gostava de pessoas bem-humoradas e divertidas. O fato de a seriedade dela não ter diminuído seu interesse era mais uma prova do quanto Lauren a atraía.
- O que você vai querer jantar?
- Qualquer coisa. Eu topo tudo. - Ela se arrependeu dessas palavras logo depois de proferi-las. - Não foi bem isso o que eu quis dizer.
- Não se preocupe com o que vai dizer para mim, desde que seja sincera.
- A sinceridade é a minha marca, mas às vezes me mete em encrenca.
- Um pouco de encrenca não faz mal a ninguém. - Ela se ajeitou no assento, ficando com o corpo virado para Lauren.
- Em que tipo de encrenca você costuma se meter?
- Do tipo épico. - Ela respondeu num tom sarcástico. Um toque de humor, era o que faltava para envolvê-la de vez.
- Fiquei curiosa. Conta mais.
- Isso é conversa para um terceiro encontro. Você vai ter que insistir um pouco mais. - Como seria namorar uma mulher como Lauren?
- Isso é chantagem. - Lauren parecia impassível.
- Eu não costumo voltar atrás no que falo, o que me remete à pergunta do que fazer para o jantar. Do que você mais gosta?
- Você vai cozinhar para mim?
- A não ser que você não queira. - Camila abriu um sorriso. Lauren claramente estava acostumada a fazer as coisas do jeito dela.
- Eu sei que preciso dizer não em algum momento, para pôr você no seu devido lugar. - O olhar de Lauren parecia faiscar.
- E que lugar seria esse onde você quer me pôr?
- Num lugar onde quem determina o ritmo das coisas sou eu.
- Eu gostei disso.
- Ótimo. - Camila balançou a cabeça num sinal afirmativo. Lauren baixava mais a guarda a cada minuto. E se tornava mais real. - Quanto a jantar na sua casa, estou de acordo. Mas quem define o cardápio é você. Me surpreenda.
- Você tem alguma restrição? Alguma coisa que não suporte?
- Não gosto de fígado, nem de insetos, nem de carne sangrando. - Ela franziu o nariz. - Fora isso, você tem carta branca. - A serafim abriu um sorriso de verdade pela primeira vez ao ouvir aquilo.
- Eu também não gosto de sangue. - A curvatura sensual dos lábios de Lauren provocou um calor dentro dela, se espalhando do ventre para os membros como uma droga potente. Ela estava nitidamente abalada. Ao que tudo indicava, Lauren era capaz de mexer com ela como ninguém, e tinha qualidades que iam muito além da aparência... Como se só a aparência não bastasse...
***
- Por que você precisa de guarda-costas? - Lauren encolheu os ombros sem tirar os olhos de Camila, o que vinha fazendo desde que elas entraram na mercearia de produtos orgânicos.
Ela era baixa, bonita e atlética. Seu corpo era uma dádiva do Criador, e ela sabia como mantê-lo em forma. A maneira como ela distribuía o peso sobre os pés era notável e graciosa. Apesar de parecer relaxada, Lauren sentiu que estava mexendo com ela, mas ela seguia em frente mesmo assim, demonstrando uma dose admirável de autocontrole. Estava conseguindo se controlar bem melhor que ela. O retorno de Karla havia abalado suas estruturas. Comprar ingredientes para o jantar parecia algo absurdo, levando em consideração o desejo violento que comprimia cada músculo de seu corpo. Enfim ela estava frente a frente com a mulher insubstituível de quem tanto precisava. A mulher que a fazia lembrar dolorosamente de cada segundo de seus duzentos anos de celibato... e ela não podia tê-la. Pelo menos não por enquanto.
- A fama traz uma notoriedade indesejada. - Ela explicou com uma calma fingida. Era por isso que ela evitava aparecer em público quando não estava com Karla. Mas fazia aquilo por mais de um motivo, para manter seu objetivo de parecer inabalada pelo ataque daquela manhã, para estabelecer uma intimidade e uma relação de normalidade com Camila e para dar a ela a oportunidade de escolher seus ingredientes preferidos.
Camila olhou para os licanos, posicionados dos dois lados da seção de produtos frescos.
- E essa notoriedade é perigosa? Esses seus seguranças são bem grandinhos.
- Às vezes. Mas não se preocupe. Você está segura.
- Se eu fosse do tipo que se assusta com qualquer coisa - Camila comentou enquanto punha uma batata-doce num saco plástico, - não teria saído do aeroporto com uma desconhecida estando tão longe de casa. - Mas ela a conhecia, apesar de não saber como nem por quê.
Era óbvio que estava se valendo mais de seus instintos do que do raciocínio, e que sua intuição agia a favor de Lauren. Ela a olhou e com isso deixou tudo bem claro. Sem hesitações. Só um olhar direto e reto, um 'eu estou na sua', que fez com que não restassem dúvidas sobre o próximo passo a tomar. Camila apontou para a sacola cheia que Lauren estava carregando.
- Quero ver como é que você vai usar tudo isso, e também ver se me ensina a fazer tempura, que é um dos meus pratos favoritos.
- Você cozinha? - Ela deu risada.
- Só o básico. Nada muito complicado. Fui criada pelo meu pai, e sempre gostei muito de estudar, então quase nunca comia em casa.
- Nós podemos mudar isso. - Ela pegou uma cebola e propositalmente deixou que escapasse de sua mão. Camila a apanhou no ar quase com a mesma velocidade que Lauren tinha usado para pegar os óculos escuros de Jason horas antes.
- Aqui está. - Camila jogou a cebola para ela e virou as costas como se nada de mais tivesse acontecido. Lauren fechou a mão, e a cebola se esfacelou como um ovo cru. Quando o fluido malcheiroso escorreu por seus dedos, ela soltou um palavrão e despejou tudo numa lixeira a um canto, praguejando mentalmente. Ao ouvi-la, Camila se virou de maneira tão fluida que sua bolsa de lona não se desgrudou de seu corpo nem por um minuto durante o giro. Ela a tinha retirado da mala assim que a pegou da esteira de bagagem do aeroporto. Esse gesto despertou a curiosidade da serafim. Por que não carregar a bolsa também no avião, já que era algo tão essencial?
Lauren a observou. Aquela economia de movimentos era notável. E preocupante também.
- Você tem ótimos reflexos. - Camila olhou para o chão.
- Obrigada.
- Você poderia ser uma atleta profissional.
- Eu até pensei nisso. - Ela respondeu enquanto punha um saco com cenouras na cesta de compras. - Mas não tenho muita resistência.
Lauren sabia por quê. O corpo mortal de Camila não tinha sido projetado para lidar com as capacidades de nefil de Karla. O que ela não sabia era se a velocidade era o único dos talentos dela. Lauren se viu envolvida por uma forte sensação de urgência. Ela precisava acabar com Syre o quanto antes. Apesar de saber que a morte do líder dos vampiros poderia trazer consequências drásticas, senão catastróficas, Lauren estava decidida. Karla era mais importante que qualquer outra coisa. Ela havia cometido o erro de se preocupar primeiramente consigo mesmo na noite em que tentou evitar a morte dela, mas não se deixaria levar pelo egoísmo de novo. Mesmo sabendo que o preço a pagar seria alto. Sua missão era conter e controlar os Caídos, não exterminá-los.
Quando pusesse um fim à vida de Syre, ela seria expurgada da terra por descumprir suas ordens, deixando os Sentinelas sem a capitã que os comandava desde que foram criados. As duas facções, os vampiros e os anjos, ficariam sem liderança por um certo período, e o mundo mergulharia no caos. Mas a alma de Karla estaria enfim desvinculada da alma do pai, e a hipocrisia de Lauren seria exposta. O erro que ela cometeu tanto tempo antes enfim seria corrigido. Em certo sentido, essa atitude ajudaria a restabelecer o equilíbrio das coisas. Tanto ela como Syre se mostraram indignos de exercer sua liderança. Tanto os Caídos como os Sentinelas tinham líderes de conduta reprovável, que não deveriam servir de exemplo para ninguém.
O celular de Lauren tocou, e ela viu que quem ligava era Jason. Pediu desculpas e licença para atender, mas Camila pareceu não se importar e continuou a fazer as compras sem ela.
- Jauregui. - Ela atendeu.
- O avião do Shawn já vai decolar. Ele chega em umas duas horas. - Lauren sabia que todos estavam fazendo o possível, mas isso não diminuía sua impaciência.
A morte de Nathaniel exigia uma retaliação imediata, mas ela precisava de mais informações antes de começar a empreender sua caçada. Shawn foi o primeiro Sentinela a chegar à cena do crime, e devia estar trazendo o licano sobrevivente consigo. Eles seriam seu ponto de partida.
- Eu estou com Karla. - Uma pausa. Depois um assobio.
- O momento não podia ser melhor. Permite uma margem de manobra para nós, caso Syre enfim decida partir para o confronto.
- Pois é. - As costas de Lauren se contraíram de tensão. Por mais detestável que fosse usar Camila como uma isca para chegar até Syre, não havia como negar que atingir sua filha era a melhor maneira de conduzir o vampiro a uma situação de vulnerabilidade. - Estamos em público ainda.
- Digo para Shawn ir ao seu escritório amanhã de manhã.
- Quero falar com ele assim que chegar. É nossa prioridade até descobrirmos o responsável.
- Certo.
- E o piloto? Já temos alguma notícia sobre o que aconteceu por lá?
- Ele foi jogado de cima do prédio enquanto subíamos pela escada. Hoje em Phoenix ninguém fala de outra coisa.
- Merda. - Lauren corrigiu a postura dos ombros. - Diga para o RH me mandar a ficha dele. Quero que a família receba todo o apoio. E mande a assessoria de imprensa frear o apetite da mídia. Não quero que os parentes dele sejam importunados pelos jornalistas num momento como esse.
- Pode deixar, capitã. Daqui a pouco ligo de volta.
Ciente da necessidade de levar Camila até a Morada dos Anjos o quanto antes, Lauren voltou sua atenção para ela e percebeu que não estava mais por lá. Lauren foi falar com o segundo licano.
- Por que não foi atrás dela?
- Elijah está com ela.
- Vá buscar o carro e fique esperando lá fora. - O licano acenou com a cabeça e saiu. Lauren se dirigiu à parte da frente da loja, olhando em cada corredor em busca de cabelos escuros e uma figura esbelta. Encontrou Elijah encostado numa parede, uma visão interessante com seu corpo largo e braços cruzados. Camila não estava com ele. Chegando até o licano em um piscar de olhos, Lauren perguntou:
- Onde ela está?
- No banheiro. E Trent?
Lauren mais uma vez ficou impressionada com a confiança e o autocontrole com que o licano se comportava, o tipo de atitude capaz de fazer alguém se jogar de um helicóptero em queda apesar de morrer de medo de altura. Por outro lado, isso tudo também atraía uma atenção negativa para Elijah, como um potencial alfa nas fileiras dos licanos. Para testá-lo, Lauren respondeu de maneira vaga e provocativa.
- Obedecendo ordens. - Elijah limitou-se a um aceno de cabeça, escondendo qualquer eventual contrariedade por não ter obtido uma resposta.
- Tem um demônio na loja. Um dos atendentes do turno da noite.
- Isso não é problema nosso.
A América do Norte era o território de Raguel Gadara. Era responsabilidade dos sete arcanjos policiar os demônios. Lauren havia sido criada unicamente para caçar anjos renegados. A não ser por Sammael, ou Satanás, como ficou conhecido entre os mortais, a maioria dos demônios era pura perda de tempo para um Sentinela.
- Acho que esse pode criar problema para nós. Estava seguindo a mulher pela loja.
- Fique de olho nele. E leve Camila até mim assim que ela sair.
- Quer que eu fique de olho nela? Mas e você?
Lauren virou a cabeça e encarou o licano, ambos parados lado a lado. Ela sabia que, mais do que preocupado com seu bem-estar, Elijah estava era curioso a respeito de Camila.
- Eu consigo me virar sozinha por cinco minutos. - Ela foi em frente, parando um pouco na seção de comida asiática antes de contornar a prateleira. Estava no meio do corredor de artigos de forno e fogão quando Camila apareceu. Elijah estava em seu encalço.
- Já pegamos tudo de que precisamos. - Disse Lauren. - A não ser que você tenha algum pedido especial.
Camila parou de repente. Apesar de demonstrar uma aparente tranquilidade, Lauren sentiu um acúmulo de tensão dentro dela. Uma inexplicável brisa fez com que uma mecha de cabelo castanho lhe caísse sobre o rosto.
Lauren sentiu a presença do demônio atrás de si antes que Camila abrisse a boca. Os olhos castanhos dela ficaram escuros e implacáveis como ônix negro.
- Nem pense em chegar perto dela, seu cretino. - Uma onda de energia subiu pela espinha de Lauren e se espalhou pela loja na forma de um pulso de eletricidade, desativando o circuito fechado de tv. Elijah trincou o maxilar e soltou um rosnado selvagem.
- Diga para o seu cão e a sua cadela se acalmarem, serafim. - Sibilou o demônio atrás dela. - Eu não estou querendo encrenca.
- Não o cacete. - Rebateu Camila. - Estou sentindo suas más intenções. - Lauren virou um pouco o corpo a fim de poder olhar ao mesmo tempo para Camila e para a criatura com quem ela havia implicado, um dragão com as mãos flexionadas na parte posterior das coxas, preparando-se para expelir uma quantidade nada desprezível de fogo, pelo que Lauren foi capaz de sentir. Para alguém com a idade e o poder de Lauren, aquele demônio não passava de um mero contratempo, mas a maneira como olhava para Camila e a falta de respeito com que se dirigiu a ela eram intoleráveis.
- Se você pedir desculpas para a moça pela falta de educação, - Lauren falou sem se alterar, - de repente pode escapar de ser eviscerado aqui e agora.
- Caralho. - O dragão levantou as mãos, com os olhos faiscando. - Me desculpa, moça. Diga para ela ficar tranquila, serafim, e eu sumo daqui agora mesmo. - A forma mortal do demônio era a de um adolescente de cabelos castanho-claros e rabo de cavalo, vestindo roupas largas e ostentando um crachá com o nome SAM, mas a frieza reptiliana de seu olhar denunciava o que se passava dentro dele. Os dragões eram um tipo bem desagradável de demônios, que gostavam de aterrorizar os mortais por pura maldade antes de devorá-los. Mas aquele sujeito era problema de Raguel. Lauren tinha uma presa mais importante para caçar. Ela o dispensou com um movimento de pulso, já aborrecida pela perda de tempo.
- Suma daqui.
- Ah, nada disso. - Rugiu Camila.
O vulto de um objeto prateado passou brevemente diante dos olhos de Lauren. Ela o seguiu com o olhar na mesma velocidade. O dragão cambaleou ao sentir a adaga arremessada romper sua testa, abriu a boca e manteve um olhar incrédulo no rosto. Logo depois, seu corpo se desintegrou em brasas, deixando uma pilha de cinzas de quase metade de sua altura. Sem ter mais o que a brecasse, a adaga atravessou os restos do demônio e caiu no chão em meio a um silêncio de perplexidade. Lauren agachou e apanhou a pequena lâmina, que na verdade não deveria ser capaz de aniquilar um dragão, aquela espécie tinha uma carapaça impenetrável. Caso Sam suspeitasse que seria atacado, teria mudado de forma para se proteger. Mas Camila tinha conseguido ser mais rápida que os olhos dele, e que os de Lauren também. Uma onda de desejo tomou conta de Lauren, seguida pela fúria de uma mulher que acabou de ver sua razão de viver se expor a um perigo incalculável.
Ela levantou e a encarou. Camila retribuiu a encarada com um sorriso amarelo.
- Acho que nós duas temos explicações a dar.
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