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A personificação de um sonho erótico estava circulando pelo Aeroporto Internacional de Phoenix.
Camila Cabello a viu no portão de embarque, ao dar uma olhada rápida ao redor. Aturdida por sua sensualidade crua e escancarada, ela se deteve e soltou um suspiro baixinho de admiração. Talvez sua sorte enfim estivesse mudando. Ela bem que precisava de alguma coisa para alegrar seu dia. A decolagem em Raleigh havia atrasado quase uma hora, e ela perdeu a conexão. Pelo número de passageiros se preparando para embarcar, uns minutinhos a mais e ela não teria conseguido uma passagem para o voo seguinte.
Depois de examinar a multidão ao redor, Camila voltou sua atenção para a mulher mais indecente que já havia visto na vida. Ela zanzava de um lado para outro num canto mais afastado da área de espera, com uma passada precisa e controlada, demarcada pelas longas pernas vestidas num jeans claro. Os cabelos grossos e escuros compridos, emoldurando seu rosto. Uma camiseta creme com gola em V escondia seus ombros fortes, um sinal de que as partes que as roupas ocultavam faziam jus às que deixavam expostas.
Camila afastou da testa uma mecha dos cabelos molhados para apreciar melhor os detalhes. Sex appeal da cabeça aos pés, era o que aquele mulher tinha. Do tipo que é impossível de fingir ou imitar, do tipo que transformava a beleza física num simples bônus. Ela se movia por entre a multidão sem nem levantar os olhos, e mesmo assim foi capaz de se desviar de um homem que cruzou seu caminho. Sua atenção estava toda concentrada num BlackBerry, demonstrando tamanha habilidade na digitação que o ventre de Camila se contraiu.
Uma gota da água da chuva desceu por sua nuca. O contato suave com água fria fez com que a experiência de observá-la se tornasse fisicamente mais intensa. Atrás dela, os vidros transparentes revelavam o céu cinzento do fim da tarde. A chuva escorria pelas janelas do terminal. Aquele mau tempo era inesperado, e não apenas porque o relatório meteorológico não previa chuva. Ela sempre tinha sido capaz de sentir a proximidade das chuvas com uma precisão incomum, mas essa tempestade lhe havia passado despercebida. Fazia sol quando ela aterrissou, e pouco depois o céu desabou.
Ela adorava chuva, e em outra ocasião qualquer não se importaria de sair no meio do aguaceiro para pegar o ônibus que a levaria até o avião. Naquele dia, porém, o mau tempo parecia carregar consigo um mau agouro. Uma sensação de melancolia, ou de luto. E ela havia se deixado levar por isso. Desde que era capaz de se lembrar, Camila sentia que o vento se comunicava com ela. Fosse gritando em meio a uma tempestade ou sussurrando através de uma brisa, ela sempre conseguia decifrar a mensagem. Não por meio de palavras, mas de sensações. Seu pai chamava isso de sexto sentido e fez de tudo para demonstrar que era uma coisa exótica e interessante, e não alguma espécie de aberração grotesca. Esse radar interior era o que direcionava seu olhar para aquela mulher no portão de embarque, mais ainda que a beleza dela.
Em sua aparência, havia algo de melancólico que a fazia lembrar a tempestade que tomava força atrás da janela. Era aquela qualidade que a atraía... além da ausência de uma aliança no dedo dela. Camila se virou, ficou de frente para a mulher e desejou que ela a olhasse. Ela ergueu a cabeça. Seus olhares se encontraram. Foi como se Camila tivesse recebido uma rajada de vento no rosto, fazendo com que seus cabeços se arrepiassem. Mas a sensação não era de frieza, e sim de um calor úmido e sedutor. Camila manteve os olhos fixos nela por um instante que pareceu infinito, hipnotizada por seus olhos verdes cintilantes, que demonstravam sintonia com a fúria ancestral da tempestade lá fora. Ela respirou fundo e tomou o caminho de uma lojinha de pretzels ali ao lado, dando a ela a oportunidade de retribuir o óbvio interesse manifestado por si... ou não.
Meio que por instinto, ela sabia que a mulher não era o tipo que corria atrás. Camila foi até o balcão e olhou o cardápio. O cheiro da massa quentinha e macia e da manteiga derretida era de dar água na boca. A última coisa de que ela precisava antes de ficar sentada por mais uma hora num avião era uma bomba calórica como um pretzel gigante. Por outro lado, talvez uma boa dose de serotonina fosse capaz de acalmar seus nervos exaltados pela sensação de estar espremida numa multidão.
- Palitinhos de pretzel, por favor. Com molho marinara e um refrigerante diet. - A moça do caixa informou o valor. Ela remexeu na bolsa em busca da carteira.
- Pode deixar. - Minha nossa... essa voz. Sedutoramente sonora. Camila tinha certeza de que era ela.
A mulher se inclinou em sua direção, e ela sentiu o perfume exótico dela. Não era colônia. Era um cheiro diferente. Natural. Puro e límpido, como o ar depois de uma tempestade. Ela fez a nota de vinte dólares deslizar pelo balcão. Camila sorriu e
deixou que ela pagasse. Era uma pena que estivesse vestida com um jeans velho, uma camiseta larga e coturnos. Nada poderia ser mais confortável, mas para aquela mulher ela preferia estar bonita e arrumada.
Ela evidentemente pertencia a um outro mundo, o que ficava claro pela beleza de estrela de cinema e pelo relógio Vacheron Constantin que ostentava no pulso. Camila se virou e estendeu a mão para ela.
- Obrigada, senhora...?
- Lauren Jauregui. - Ela aceitou o cumprimento e aproveitou para acariciar seus dedos com os polegares. Camila sentiu uma reação visceral ao toque dela. Ficou quase sem fôlego, e seu coração disparou. Visto de perto, ela era irresistível. Ferozmente e terrivelmente linda. Impecável.
- Olá, Lauren Jauregui. - Ela se agachou e pegou a etiqueta da mala de Camila com seus dedos longos.
- Prazer em conhecê-la, Camila Cabello... de Raleigh? Ou está voltando de viagem?
- Estou indo para o mesmo lugar que você. No mesmo avião. - Os olhos de Lauren tinham um tom de verde muito pouco habitual. Combinados com a pele branca e emoldurados pelos cílios compridos, eram simplesmente deslumbrantes. E estavam concentrados nela como se não houvesse mais nada no mundo para se ver. Ela a observou da cabeça aos pés com um olhar intenso. Camila se sentiu exposta e envergonhada, como se ela a tivesse despido em pensamento. Seu corpo reagiu à provocação. Os seios incharam, a tensão nos músculos foi se dissipando. Qualquer mulher teria amolecido toda diante dela, porque não havia nada naquele corpo que denunciasse um sinal qualquer de insegurança. Dos ombros e os braços até as feições milimetricamente esculpidas do rosto, cada ângulo do corpo dela parecia afiado e preciso. Ela se inclinou sobre Camila para pegar o troco, movimentando-se de maneira ágil e naturalmente elegante.
Aposto que ela deve ser feroz na cama. - Excitada pelo próprio pensamento, Camila apanhou a mala pela alça.
- Então você mora no Orange County? Ou está viajando a negócios?
- Estou indo para casa. Para Anaheim. E você? - Ela foi até o outro balcão, para pegar seu pedido. Lauren a seguiu com uma passada mais comedida, mas que não escondia a determinação de ir atrás dela. Essa característica um tanto predatória fez com que Camila ficasse ansiosa. Sua sorte enfim havia mudado, seu destino final também era Anaheim.
- O Orange County é o meu futuro lar. Estou me mudando para lá, a trabalho. - Preferiu não entrar em detalhes, como a cidade em que ia morar. Sabia bem como se proteger quando era necessário, mas não estava disposta a arrumar mais problemas além dos que já tinha.
- É uma grande mudança. Para o outro lado do país.
- Estava na hora de mudar. - Lauren abriu um leve sorriso.
- Vamos jantar juntas? - O tom aveludado da voz dela fez o interesse de Camila crescer ainda mais. Ela era carismática e tinha uma personalidade magnética, duas qualidades capazes de produzir relacionamentos memoráveis, ainda que de curta duração.
Camila pegou o saquinho de papel e o refrigerante que a atendente entregou.
- Você vai direto ao ponto. Eu gosto disso. - A chamada para o voo fez com que sua atenção se voltasse para o portão de embarque. Na verdade era o anúncio de um pequeno atraso, o que deixou os passageiros um tanto inquietos. Lauren não tirava os olhos dela, apontontando para uma fileira de assentos logo adiante.
- Ainda temos tempo para nos conhecer melhor. - Camila a acompanhou até lá. Deu outra espiada ao redor, e viu que não eram poucas as mulheres e homens com os olhos vidrados em Lauren. A sensação de que ela era como uma tempestade em pleno curso não parecia mais tão intensa, e a chuva lá fora se tornou pouco mais que uma garoa forte. A correlação entre os dois eventos era intrigante. A reação feroz que sentiu ao ver Lauren Jauregui e aquela capacidade sem igual de despertar seu radar meteorológico interior foram determinantes para a decisão de deixá-la se aproximar. As anomalias de sua vida sempre mereciam uma maior investigação.
Lauren esperou que ela se sentasse antes de perguntar:
- Algum amigo vai buscar você no aeroporto? Ou algum parente?. - Não havia ninguém à espera dela, apenas uma van reservada para levá-la ao hotel onde se hospedaria até encontrar um apartamento.
- Não é aconselhável fornecer esse tipo de informação a uma estranha.
- Então vamos amenizar os riscos. - Lauren se inclinou com um gesto fluido, levando a mão ao banco de trás para pegar a carteira. Tirou um cartão de visita e entregou para ela. - Ligue para quem estiver à sua espera e diga quem eu sou e como entrar em contato comigo.
- Você é bastante determinada. - E claramente está acostumada a dar ordens. Ela não se importou. Camila tinha a personalidade forte e, se não encontrasse resistência, acabava ela mesma assumindo o comando. Pessoas dóceis e gentis eram desejáveis em certas situações, mas não em sua vida pessoal.
- Sou mesmo - ela concordou, sem hesitação. Camila apanhou o cartão. Seus dedos se tocaram, e a eletricidade subiu pelo braço dela. Lauren respirou fundo, pegou a mão dela e acariciou a palma com os dedos. Parecia que estava mexendo entre suas pernas, porque o nível de excitação foi o mesmo. Ela a olhava com um desejo sexual quase palpável, intenso e implacável. Como se soubesse exatamente o que fazer para deixá-la toda entregue... ou estivesse prestes a descobrir.
- Você está me parecendo encrenca certa - Camila murmurou, fechando a mão para que Lauren não tirasse os dedos.
- Vamos jantar. E conversar. Prometo que vou me comportar. - Sem largá-la nem por um minuto, ela pegou o cartão de visita com a outra mão. O sangue pulsava com força em suas veias por causa daquela excitação tão imediata e imprevista.
- Jauregui Aeronáutica - ela leu. - E você está viajando num voo regular.
- Eu tinha outros planos. - O tom de voz dela ficou sério. - Mas meu piloto me deixou na mão. - O piloto dela. Camila abriu um sorrisinho.
- Você não odeia quando isso acontece?
- Geralmente, sim... Mas aí apareceu você. - Ela sacou o BlackBerry do bolso. - Use o meu telefone, assim quem atender já vai ter o número. - Não sem alguma relutância, Camila o soltou e pegou o celular, apesar de poder muito bem usar o seu. Deixou o refrigerante no chão acarpetado e levantou. Lauren fez o mesmo. Ela era rica, elegante, educada, solícita e linda de morrer. Apesar de parecer civilizada, havia um quê de perigo pairando sobre ela, algo que apelava para os instintos mais elementares de uma mulher. Talvez o aeroporto lotado tivesse aguçado seus sentidos. Ou talvez fosse o indicativo de uma química sexual volátil entre as duas. Fosse o que fosse, ela não estava achando nada ruim.
Deixando o saquinho com os pretzels no assento, ela se afastou um pouco e digitou o número da oficina mecânica de seu pai. Enquanto isso, Lauren foi até o balcão do portão de embarque.
- Filha. Você já chegou? - Ela ficou surpresa com o modo como ele atendeu.
- Como você sabia que era eu?
- Eu vi o número que estava ligando. O código é da Califórnia.
- Ainda estou em Phoenix, na conexão. Estou ligando de um celular emprestado.
- O que aconteceu com o seu? E por que ainda está em Phoenix? - Alejandro Cabello criou sozinho a filha durante vinte anos, e era um pai superprotetor, o que não era de se estranhar ao levar em conta as circunstâncias terríveis da morte de Sinuhe Cabello.
- Não aconteceu nada com o meu, e eu perdi a conexão. É que conheci uma pessoa. - Camila explicou quem era Lauren e passou as informações contidas no cartão de visita. - Não estou com medo. É que ela é o tipo de pessoa que parece estar precisando de um freio. Acho que não está acostumada a ouvir a palavra 'não' com muita frequência.
- Acho que não mesmo. Jauregui é uma espécie de Howard Hughes. - Ela levantou as sobrancelhas.
- É mesmo? Dinheiro, filmes, estrelas de cinema? Ela está metida com tudo isso? - Camila observou Lauren por trás, aproveitando a chance de estudá-la melhor enquanto estava distraída. Era tão atraente como de frente, tinha as costas largas e um traseiro apetitoso.
- Se você conseguisse se concentrar em alguma coisa por mais de cinco minutos, saberia disso - respondeu seu pai.
De fato, ela não era capaz de se lembrar da última vez que tinha lido uma revista, e havia desistido de assinar a tv a cabo fazia muitos anos. Alugava filmes e temporadas inteiras de seriados, porque não queria perder tempo com os intervalos.
- Não estou conseguindo dar conta nem da minha vida, pai. Onde é que vou arrumar tempo para cuidar da vida dos outros?
- Da minha você está sempre cuidando - ele provocou.
- Você eu conheço. E amo. Mas celebridades? Não é a minha praia.
- Ela não é uma celebridade. Na verdade sabe proteger muito bem sua privacidade. Vive numa propriedade enorme no Orange County. Eu vi na tv uma vez. É tipo uma maravilha da arquitetura. Jauregui parece o Hughes porque é uma zilionária reclusa que adora aviões. A mídia fica em cima dela porque o pessoal adora aviadores. Isso sempre foi assim. E dizem que ela é bonita também. - E ela havia a distinguido no meio de uma multidão.
- Obrigada pela informação. Eu ligo quando chegar.
- Eu sei que você pode muito bem se cuidar sozinha, mas juízo.
- Claro. E você, nada de porcaria no jantar. Faça uma comida de verdade. Ou melhor, arrume uma gata para cozinhar para você.
- Camila...- ele começou, fingindo irritação. Aos risos, ela encerrou a ligação, depois acessou o histórico de chamadas do celular e apagou o número. Lauren apareceu com um resto de sorriso ainda nos lábios. Seus movimentos eram tão fluidos, demonstravam de tal forma sua força e sua confiança, que ela os considerava ainda mais atraentes que sua aparência.
- Tudo certo?
- Certíssimo. - Ela estava segurando um cartão de embarque. Camila viu seu nome nele e franziu a testa.
- Eu tomei a liberdade - Lauren explicou, - de pegar assentos vizinhos para nós. - Ela pegou a passagem. Primeira classe. Assento número dois, mais de vinte fileiras à frente do que ela tinha reservado.
- Eu não tenho como pagar por isso.
- Você não precisa pagar por uma passagem que foi mudada por iniciativa minha.
- Não dá para mudar a passagem de alguém sem ter um documento com foto.
- É, mas eu mexi uns pauzinhos. - Ela pegou de volta o celular que Camila entregou com a mão estendida. - Tudo bem para você? - Ela acenou com a cabeça, mas seus sinais de alerta estavam todos acionados.
Com as normas de segurança em aeroportos mais rígidas do que nunca, seria preciso um ato divino para alterar a passagem sem sua permissão. Talvez a atendente da companhia aérea tenha sucumbido ao charme de Lauren, mas Camila não tinha o costume de ignorar seus sinais de alerta. Ela teria que repensar sua atitude com relação a ela, e reavaliar as expectativas de um caso breve e ardente, algo passageiro e sem maiores consequências. Na verdade, uma mulher como Lauren nem precisava se esforçar tanto para levar alguém para a cama. Todas as mulheres do aeroporto estavam vidradas nela, lançando olhares que diziam: - Se você quiser, eu sou sua.
Ela conseguia manter um clima de sedução com tamanha maestria que Camila sabia que já devia ser considerada presa fácil para ela. Lauren estava distraída, com o olhar perdido e um ar de indiferença que parecia funcionar como um escudo.
Camila a havia encarado diretamente, em um convite sexual explícito, mas não acreditava que ela tinha mordido a isca. Estava molhada de chuva e malvestida. A confiança era um fator que atrai as pessoas, claro, e isso Camila tinha de sobra, mas ainda não era uma explicação plausível para o fato de estar se sentindo cortejada.
- Só para deixar tudo bem claro - ela começou. - Fui criada para querer que abram a porta para mim, puxem a cadeira e paguem a conta. Em troca, eu fico bonita e tento ser agradável. É assim que funcionam as coisas. O dinheiro para mim não compra o sexo. Tudo bem para você? - Lauren curvou os lábios em um sorriso leve que já estava se tornando familiar para ela.
- Tudo perfeito. Vamos ter uma hora para conversar no avião. Se você ainda estiver incomodada com alguma coisa quando chegarmos, eu me contento só em pegar seu telefone. Caso contrário, nós podemos ir embora juntas do aeroporto no meu carro.
- Combinado. - Ela a olhou com o que parecia ser uma pontinha de satisfação. Camila retribuiu com um olhar parecido. Quaisquer que fossem seus motivos, Lauren Jauregui era um mistério que valia a pena desvendar.
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