[9]
Domingo é o dia mais chato e tedioso do mundo para mim. Geralmente passo os domingos inventando alguma coisa na cozinha ou fico no quarto, assistindo ou lendo alguma coisa. Mas hoje o domingo parece não seguir o padrão monótono de sempre. Mark me mandou mensagem dois exatos minutos antes de aparecer na minha porta e apertar a campainha. Ele parece um atleta da cabeça aos pés, com a faixa engraçada que impedia de seu cabelo cair nos seus olhos, um conjunto de bermuda e blusa da nike e tênis de corrida verde fluorescente. Quando atendo a porta, ele está dando pulinhos sem sair do lugar.
Meu cabelo está uma bela bagunça, é a primeira coisa que penso quando abro a porta. Eu estou usando uma blusa branca com um furo na axila direita. Ela ostenta alguns pingos marrons na região da barriga, graças ao sorvete de chocolate que eu tinha tomado minutos atrás. Mesmo assim, me sinto linda pelo modo como Mark me fita. Ele me olha como se eu fosse algo deslumbrante. É engraçado e ao mesmo tempo a melhor coisa do mundo.
"Vamos dar uma volta por aí.", diz ele. Não escondo a careta. Não sou a maior fã de caminhadas. Tirando aquela vez que eu decidi que caminhar às 5 da manhã era uma ideia incrível, não sou a pessoa das caminhadas. Gosto muito mais de subir na minha bike e pedalar por aí, sem rumo. Isso eu faço com uma considerável frequência. "Ah vamos lá. Eu estou de bike."
"Hmm, agora você falou minha língua", sorrio e fico na ponta dos pés para lhe dar um beijo. São 9 e pouco da manhã, mas eu estou acordada desde às 6 horas, assistindo episódios de Love Island UK que eu precisava botar em dia."Entra."
"Bom dia, garoto Mark", meu pai cumprimenta meu namorado quando eu o deixo entrar. Meu pai está assistindo um programa que antecede a Fórmula 1, seu programa favorito do domingo.
"Bom dia, senhor Reed", ele retribuí o cumprimento, se sentando no sofá ao lado da poltrona onde está meu pai. É engraçado notar como ele se sente tão a vontade na minha casa. "Esperando a corrida começar?"
"Vou me trocar e volto daqui a pouco, tudo bem?", eu solto a pergunta sem esperar por uma resposta. Subo os degraus o mais rápido que posso e abro o meu closet, vasculhando meu pequeno acervo de roupas de ginástica com uma incrível velocidade. Mia que está passando pelo corredor, entra no meu quarto e fica observando minha agilidade desesperada.
"Vai sair?", ela se espreguiça, enquanto olha para minhas roupas jogadas no chão.
"Vou andar de bicicleta com meu namorado. Quer vir junto?"
"Hmm, que romântico. Nada mais fofo do que suar horrores e ficar ofegante com a pessoa amada", ela diz em um tom irônico e ri em seguida. Eu reviro os olhos. "Não, muito obrigada. Vou ficar sobrando no programinha de casal. Preciso tomar café reforçado e passar um tempo com papai. Vou tentar arrancar alguma informação sobre a pretendente secreta."
"Ah sim, isso é importante", comento, finalmente encontrando a roupa perfeita para pedalar em uma manhã de domingo: uma camiseta roxa e uma calça legging preta. Levanto as peças e olho para Mia, em busca de uma opinião. "Acha que essa roupa está boa?"
"Para mim está ok. Essa blusa tem cara de que não vai ficar muito grande no seu corpo e essa legging parece fazer maravilhas com as pernas, além de dar a impressão de que você é mais alta. Ele vai ter a oportunidade de dar mais de uma olhada nesse seu bumbum bonito", ela se ajoelha ao meu lado e pega um tênis preto de corrida, o único que eu tenho. "Pronto. Se troca e seja feliz."
Desço a escada instantes depois, vestida com minhas roupas de ginástica e o cabelo amarrado em um rabo de cavalo bem alto. Mark se levanta do sofá quando me nota.
"E aí, está pronta?"
"Só preciso de uma garrafa d' água", caminho à cozinha e pego uma garrafa da geladeira. Ele vem atrás de mim. "Pronto."
"Não volte muito depois do horário do almoço", meu pai grita enquanto estamos saindo pela porta da cozinha. "Estou pensando em dar uma passada lá na casa do tio Ronan. Ele quer que a gente conheça a filhinha dele recém nascida. Se nós não dermos uma passada lá hoje, provavelmente seremos excluídos da família."
"Tudo bem!", grito de volta, andando em direção a garagem, onde minha bicicleta e meu capacete estão guardados. Mark franze a testa.
"Tio Ronan... Quem é?"
"Ele não é um tio de sangue mas a gente tem costume de chamá-lo assim. É um velho amigo da minha mãe. Eles cresceram juntos e tal."
"Ah sim", eu empurro a portão que está entreaberto para cima e abro a garagem. Mark me olha fixamente, com a expressão deslumbrada no rosto.
"Como você consegue?"
"A garagem? Ah, ela já estava meio aberta. Meu pai saiu mais cedo e a deixou-", deixo a frase morrer quando me dou conta que Mark está olhando para meu corpo de um modo totalmente descarado. "Mark!"
"Ei, o que foi? Não dá pra prestar atenção. Não mesmo. Quero dizer, não dá para prestar atenção no que você está falando", ele lança um olhar as minhas pernas e abre um sorriso maroto. "Você deveria usar calça legging mais vezes."
"Você acha?", dou uma volta só de brincadeira e Mark não tira os olhos de mim por um único segundo. "Nossa. Você realmente está me achando bonita nessas roupas. Logo as esportivas."
"Eu não te acho bonita", ele se aproxima e sussurra no meu ouvido. "Você é."
Pronto. Minhas pernas ficam bambas como gelatina e eu preciso segurar ar para não desmoronar. Antes mesmo que eu pense em me mover para pegar minha bicicleta, Mark entra na garagem e a pega, empurrando-a para mim. Pego minha bike pelo guidom e monto nela, me sentindo meio sem ar, de um jeito bom. Mark pega a sua que está jogada na grama de frente à minha casa e nós começamos a pedalar.
O dia está nublado, mas não tão frio como os outros dias. Parece ser um dia perfeito para praticar algum exercício físico, porque o tempo é de certa maneira agradável e você não vai suar tanto quanto os dias ensolarados.
"Pra onde a gente vai?", grito para Mark. Ele está do meu lado, acompanhando minhas peladas. Ouço latidos ao longe e o som de pássaros que se emplumam nos galhos quase nus das árvores.
"Podemos dar uma volta no Great Signal",. Ele grita de volta. "Lá tem uma ciclovia."
Pedalo mais rápido em resposta e as casas da minha vizinhança vão dando lugar a parte central da cidade, com seus prédios, seu trânsito e o Great Signal, um das maiores áreas verdes da minha cidade. Enquanto o Castle Park é o ponto perfeito para comprar peças artesanais e assistir a shows de cantores independentes, o Great Signal é o lugar perfeito para fugir da barulheira, fazer caminhadas e admirar a bela cachoeira que sobrevive ao centro da cidade.
O lugar está um pouco cheio, com algumas pessoas estendendo suas toalhas sobre a grama que está começando a amarelar e muitos corredores, que em sua grande maioria caminham em duplas ou trios. Mark e eu pedalamos até a ciclovia e seguimos o caminho, observando o movimento do parque naquela manhã de outono. De repente me sinto meio ridícula por estar pedalando em uma bicicleta tão fofa como a minha com roupas de ginástica. Minha bike é vintage, com direito à pintura clássica e cestinha de vime, que me dá a falsa sensação de que estou vivendo no interior da França no século XIX.
"Acho melhor a gente parar um pouco", Mark diz depois de mais ou menos vinte minutos e eu concordo, quase suspirando em alívio.
Saímos da ciclovia e nos sentamos em um banco. Só percebo que estou suando quando passo a ponta dos dedos na testa. Mark pega a garrafa d'água da sua bicicleta e dá alguns goles.
"O clima é tão traiçoeiro", digo, também pegando minha garrafa. Mark olha para mim. " Quando eu acho que é impossível transpirar o-"
"Mark e Ashe, vocês por aqui?", levanto o olhar e tomo um susto. Pearl Adams está na nossa frente com Theo. Os dois trajam roupas de ginástica e nos fitam. De onde eles surgiram? "Uau, que surpresa! E aí, como estão?"
"Estamos ótimos e vocês?", eu me levanto rapidamente e me forço a abrir um sorriso. Mark me imita lançando um olhar cauteloso ao casal à nossa frente. Theo parece uma pessoa completamente diferente – usa um boné, agasalho cinza, bermuda e usa óculos escuros. Pearl parece uma daquelas modelos de vitrine de alguma loja online esportiva, com seu top verde pink e o short da mesma cor que cai perfeitamente no seu corpo. Ela retribuí meu sorriso.
"Também estamos não é Theo? O dia está ótimo para uma caminhada né?", ela olha para nossas bicicletas jogadas no gramado. "Ou umas pedaladas."
"Pois é", eu digo, não tendo ideia como prosseguir com aquela conversa. Não dá pra saber se Theo está olhando realmente para mim por conta dos óculos e isto está me deixando insegura e nervosa. E Mark... ele está do meu lado, de braços cruzados olhando para qualquer lugar menos para os dois. Toda a situação é estranha.
"Bom, vamos indo", anuncia ela após alguns minutos constrangedores. Ela pega a mão de Theo que está meio afastado dela. "Nos vemos por aí. Tenham um bom domingo vocês dois!"
"Igualmente!"
Os dois desaparecem em poucos segundos e eu deixo meu corpo cair no banco. Mark continua na mesma posição.
"Por que ele não falou nada?"
"O Theo?", ele assente. "Sei lá. Por que você não falou nada também? Por que deixou a situação tão desconfortável cruzando os braços e bancando o mudo?"
"O que você queria que eu fizesse?", ele se senta novamente, me encarando com uma expressão desgostosa. "Ele era o cara pelo qual você estava apaixonada."
"Eu não estava apaixonada por ele. Era só uma coisa... uma coisa boba. Ponto."
"Tá. Agora me diz, como eu posso reagir com a maior naturalidade na frente da garota que virou as costas pra mim do dia pra noite e foi beijar a primeira boca que encontrou? E essa primeira boca ser inclusive o cara pela qual minha namorada sentiu tesão no passado?"
"Não acredito no que você está dizendo Mark", escondo o rosto nas mãos e balanço a cabeça. Depois olho para ele. "Ai ai. Bom, meu querido Mark, existe uma opção super saudável pra você lidar com toda essa situação. Existe algo chamado maturidade, meu amor. A gente se adorna de maturidade quando aceitamos o passado e tudo o que vem com ele. Jogamos as mágoas, ciúmes e qualquer coisa ruim pra um canto escuro e assim conseguimos viver o presente sem ficar amarrado às teias ganaciosas do passado. A gente sabe que tem maturidade quando cumprimentamos alguém que já nos machucou por exemplo. É sobre ter uma dose extra de paciência quando o mundo nos faz querer gritar."
"Do jeito que você fala parece que é fácil", ele tira a faixa da cabeça e bagunça o cabelo com as mãos, deixando escapar um suspiro. "Eu sou um grande guardador de mágoas, Ashe. Me desculpe pelo modo como eu me portei, mas é difícil. Muito difícil fingir que nada aconteceu e conversar com os dois como se eles fossem meus melhores amigos."
"Você não precisa conversar com eles como se fossem super íntimos. É só ser cordial e pronto. Olha, vamos mudar de assunto", eu levanto a cabeça e fecho os olhos por alguns segundos. "Não é um assunto bom também, mas eu preciso te contar."
"Então a hora é agora", ele cruzou as pernas. "Estou pronto pra receber bombas eu acho."
"Ontem eu estava saindo da biblioteca e fui abordada pela Astrid", olho fixamente para uma menininha que está usando joelheiras e capacete e pedala na sua bicicleta rosa de rodinhas. "Bom o resumo da história é que ela ficou nos associando à morte do Lauper."
"Era só o que faltava... Por que ela foi te encher o saco? E por que raios ela acha que precisa ficar se metendo na sua vida? Essa garota é completamente maluca."
"Não sei Mark, mas o que ela disse parece ser bem convin-"
"Ah, vamos parar com esse papo", ele se levanta de supetão e pega sua bicicleta. "Precisamos parar, por favor. Não vamos deixar Astrid estragar nosso dia."
"Verdade. Vamos voltar a pedalar então", eu me levanto e seguro o pulso direito dele, focando no seu relógio. "Bom. Preciso estar em casa até meio dia ou então eu perco a carona à casa do tio Ronan e por consequência, uma parte da família. Acha que dá pra pedalar por aí durante uma hora e meia?"
"Dá pra fazer bastante coisa em uma hora e meia Ashe", Mark me dá uma piscadela e eu sinto o clima ficar mais leve. "Acredite em mim."
"Pois eu acredito", não perco tempo e monto na minha bicicleta começando a pedalar. "Acredito também que vou chegar no final da ciclovia antes de você!"
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top