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Parece que Kira Rosemary está em todo o lugar agora.
No momento em que boto o pé direito no primeiro degrau da escadaria que dá acesso a parte interna do Foutman, noto a garota lá no topo da escadaria, conversando de modo entusiasmado com uma garota e dois garotos. Conforme vou me aproximando do topo da escada, noto coisas que eu não deveria notar pelo bem da minha sanidade mental: seu cabelo cai com graça nas suas costas e ela se veste como se estivesse nos anos 90 - blusa branca, vestido de alcinha por cima, meia calça preta e coturnos. Seu rosto está livre de qualquer mancha ou espinha, graças a maquiagem aplicada de modo cirúrgico no seu rosto de formato delicado. Ela parece alguma modelo cheia de energia dos anos 90.
Na minha aula de educação física, em plena pista de corrida, a garota surge em toda a sua magnificência noventista para perguntar algo a professora (que também era treinadora) sobre o próximo treino de voleibol (acabo descobrindo que ela integra a equipe de voleibol feminino). Estou me alongando ao lado se Gillian e toda turma quando ela me nota e me dá um aceninho discreto com a mão.
"Você fala com a Kira agora?", Gillian pergunta, alongando os braços.
"Eu conheço ela do teatro. Ela fez a maquiagem de toda a equipe", desvio o olhar para longe. "Acabei descobrindo que ela é a ex do Mark."
"Espera aí, você não sabia disso?", ela me encara com a testa franzida. "Eu não fazia aulas com vocês no fundamental, mas pelo amor de Deus, Mark Elliot é popular desde sempre. Sempre via os dois no intervalos e tal."
"Aparentemente eu estava em um outro universo porque não me lembro de nada disso." Digo, concluindo em mente algo que não havia passado na minha cabeça até então. Eu era completamente antisocial no fundamental. Passei anos entrando e saindo da biblioteca do Foutman. A Senhora Alice era minha melhor amiga dali. Eu interagia com o resto dos alunos apenas quando necessário. Eu era praticamente invisível.
"É por isso que gosto de você. Você não liga para essas trivialidades do mundo escolar", minha amiga comenta, enquanto refaz seu rabo de cavalo.
No intervalo de aulas, quando caminho em direção a fila extensa do refeitório apenas para comprar um suco, Kira está lá. Ela é a última da fila e sorri quando trocamos olhares. Me esforço para sorrir também. Estou sozinha ali. Só tinha visto Mark uma vez no dia até então - fizemos uma aula juntos. Provavelmente ele está em algum lugar da cafeteria lotada, com os caras do futebol ou com seus novos amigos, integrantes da banda do colégio. Meu colégio tem uma banda e eu não tinha noção disso - não até Mark me contar no dia anterior.
"Oi! Tudo bem?", Kira indaga com expressão gentil e toda a sua glória de garota alta que poderia estar desfilando em uma passarela. Meu Deus, ela é mais linda de perto. De longe não dá para notar, mas ela tem algumas sardinhas salpicadas na maçã do rosto e próximo a ponta do nariz. As sardas contribuem para sua aura de garota angelical.
"Tudo sim e você?", rebato, tentando apagar alguns pensamentos intrusos que atormentam minha mente.
"Estou ótima. Adorei seus sapatos!", ela olha com admiração para meus mocassins chunky brancos, adquiridos graças uma oferta relâmpago de uma loja virtual no ano anterior. "São lindos."
"Obrigada. Eu adorei sua maquiagem. Ela é tão natural."
"Obrigada, linda. Menos é mais, pelo menos no dia a dia", ela sorri mostrando os dentes.
A fila diminui um pouco e nós avançamos. Da fila consigo enxergar Mark sentado com alguns integrantes da banda do colégio: uma garota loira que usa jaqueta de couro e dois caras, com seus instrumentos em cases posicionados de modo cuidadoso ao lado da mesa circular.
"Ei, aquele não é o Marky?"
"Marky?", repito o nome em um tom de voz ascoso.
Ela assente com um sorriso animado.
"É ele mesmo! Acho que ele está olhando para cá agora", quando ela diz isso, volto a olhar para a mesa da banda. Isso mesmo, Mark está olhando para nós duas. Sua expressão é de surpresa, ele parece um pouco tenso em nos ver juntas. Mesmo assim ele assente com a cabeça e abre um sorriso antes de voltar a conversar com a banda.
Agradeço aos céus por conseguir comprar meu suco dois minutos depois e sair da fila maldita. Estou prestes a caminhar à mesa de Mark, mas me lembro que disse a Gillian que voltaria para ficar com ela, então mudo a rota e caminho para meu lugar no gramado, onde encontro minha melhor amiga fumando um cigarro.
"O que você está fazendo?", olho alarmada para o cigarro que ela segura entre os dedos da mão direita.
"Fumando um cigarro."
"Tá, isso eu entendi. Mas eu te deixei aqui 10 minutos atrás e você estava comendo uma maçã. O que rolou aqui?"
"Aquele gato ali", ela aponta com a cabeça para um cara que poderia ser algum modelo da Calvin Klein, se não fosse pelos olhos vermelhos e os círculos arroxeados em volta dos seus olhos, sentando em posição de índio fumando com alguns outros caras. "Me ofereceu um. É melhor do que maçã na minha opinião."
"Você enlouqueceu só pode", me sento ao seu lado e a observo a comprimir os lábios e inspirar as substâncias tóxicas do causador de câncer e depois expirar tudo pelo nariz sem tossir nem nada do tipo. "E pelo jeito que fuma, essa não é sua primeira vez."
Ela apenas dá de ombros dá mais uma tragada naquela porcaria.
"A vida está um caos, Ashe. Me dá um desconto. Nem que seja por alguns minutos. Minha vida gira em torno do casamento da minha mãe. Passo grande parte do dia fazendo coisas nas quais não gosto nem um pouco. Nem posso gostar de quem quero gostar em paz, cacete", ela apaga o cigarro com a ponta do tênis na grama e ergue a cabeça na direção do sol da manhã.
"Ok, você tem motivos plausíveis. Mas não acha que é melhor comer um lanche ou pedalar de bicicleta por aí do que ficar usando essa porcaria?", ela me fita de um modo entediado. "Tá, não vou ficar te dando sermão. Não sou sua mãe. Vamos ter uma conversa de amigas."
"É, acho melhor" Ela estica as pernas e me encara. "E acho que a primeira pauta da nossa conversa deve ser sobre o meu desejo de me inscrever para a próxima peça de teatro. Não, eu não desejo me inscrever. Eu preciso."
"Sério? Então o que está esperando? Se inscreve!", Abro meu suco e dou alguns goles. "Hum, não sabia que você se interessava pelo mundo da atuação."
"Para ser sincera, não me interesso tanto assim não", ela pega a minha garrafa de suco das minhas mãos e bebe, respirando fundo. "Na verdade acho que é a única tática possível pra me aproximar da Anne-Marie."
"Anne-Marie?"
"A garota que estou a fim", salientou ela casualmente. "Ela estava na última peça. Você provavelmente a conhece."
"Ah sim, acho que me lembro", tentei associar o nome às minhas memórias. "Ela interpretou a vassoura."
Anne-Marie era do nosso ano, mas de outra turma. Nunca fiz nenhuma matéria com ela, mas já tinha feito aulas com Jude Holt, sua melhor amiga. Ela sempre estava andando para cima e para baixo com a amiga, eram praticamente inseparáveis. Anne-Marie era alta e esguia. Adorava juntar peças de roupa que à primeira vista não combinavam, mas que caíam perfeitamente nela. Aparentemente suas roupas favoritas eram as de brechó (essa é das minhas!) e ela sempre estava usando uns óculos coloridos. Era o que eu sabia sobre ela.
"É foi esse o papel dela mesmo. Mas ela foi uma vassoura linda. Conversamos um pouco na festa do Garrison e acho que me apaixonei por ela."
"Se apaixonou em uma noite?"
"Sim, ué. Acredito piamente nessa coisa do amor à primeira vista", ela deu mais uns goles no meu suco, esvaziando a garrafa plástica transparente."Problema seu se não acredita, Ashe. Meu coração bateu mais forte quando me aproximei dela naquela noite. Só eu sei o que eu senti. Talvez ela também tenha sentido."
"Vai na cara, coragem e fé Gillian", pego a mão da minha amiga e aperto-a com gentileza. "Se você acha que vale a pena, só vai. Se ela não gostar de você, é ela quem está perdendo porque você é uma garota incrível. Ei, espera aí, você sabe se ela gosta de garotas? Porque saber da sexualidade dela mais tarde seria horrível."
"Ela retribuiu meus flertes durante a festa. Me deu carona de volta para casa e me deu o beijo mais sensual da minha vida até então. E este beijo em questão se limitou apenas a minha bochecha, quero frissar isso", ela me encara com o olhar carregado de confiança. "Amiga, acho que todos estes fatos são bem convincentes."
"Confesso que sim."
"Que bom", ela deixa escapar um pequeno sorriso. Dá para notar que ela está feliz por ter compartilhado um pouco do que acontece da sua vida comigo. "E você e o Mark? Como andam?"
"Andamos com as pernas", brinco e ela mostra a língua para mim. "Bem. Estamos bem."
"Nada convincente essa resposta. Está bem estampada nessa sua carinha bonita que você está sendo assombrada pela alma da Kira Rosemary."
"Ela não está morta para me assombrar. Ainda não pelo menos."
"Nossa, essa frase foi um bocado estranha. Está planejando matar e enterrar a menina em breve?"
"O que? Claro que não!"
"Não foi o que pareceu."
"Não quero matar a menina, tabóm? Só quero entender porque ela se interessou por Mark."
"E por que você quer saber isso? É meio mórbido." Ela deitou na grama. "Mais mórbido do que stalkear as redes sociais dela."
"Como você sabe que eu fiz isso?"
"Só deduzi. É óbvio que você faria isso. Pelo menos é o que eu faria", ela fecha os olhos e suspira. "Não se preocupe com isso, Ashe. Você está feliz com Mark, certo? Pra quê ficar remoendo e relembrando coisas do passado que não tem relação nenhuma com você e sua vida atual? É simplesmente uma perca de tempo."
"Talvez seja mesmo", me deito do seu lado e tento desfrutar dos últimos minutos do intervalo. Tento. Tentar até conseguir, certo? É o meu lema.
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