[36] A Teoria do confronto


O dia amanheceu rápido demais. Talvez tenha sido pelo fato de eu ter tido míseras 3 horas de sono. Eu estava ansiosa demais para dormir, apesar de no fundo estar morrendo de sono. E Mark simplesmente não me deixava voltar para meu quarto. Ele queria conversar, tocar músicas para mim, me beijar... e eu queria todas essas coisas também, de modo que quando chequei as horas e vi que passamos quase toda madrugada juntos, dei um pulo da cama e corri de volta para meu quarto.

As batidas na minha porta e o sol que inundava todo o quarto me obrigaram a dar um tchauzinho para meu sono que havia sido um tanto breve para meus padrões.

"Ashe, você já está pronta?" A voz do lado de fora me fez despertar na hora. E sorrir. "Temos que tomar café o mais cedo possível se quisermos encontrar o Lauper hoje."

"Eu já vou!" Gritei de volta, coçando meus olhos. Saí da cama e corri para o banheiro, parando de frente ao espelho. Eu estava com olheiras e com cara de cansada. Escovei os dentes, tomei uma ducha rápida e me enfiei em um hobbie do hotel. Saí do banheiro com o cabelo pingando. "Ei, Mark. Você ainda está aí?"

Não ouve resposta. Dei de ombros e abri a mala em busca de um look para sair no sol que naquele momento ainda estava brilhante e suportável o bastante para caminhar por aí sem se queimar. A primeira peça escolhida foi minha blusinha de abotoar de tecido chiffon verde abacate com estampa de flores. O short jeans de cintura alta e o cinto me deram um ar de anos 90. Ajeitei o cabelo com creme modelador e botei uma tiara simples, preta. Completei o visual com uma maquiagem leve que pelo menos apagou minha cara de cansada como uma boa borracha. Não exagerei na cor do batom nem dos acessórios; algo me dizia que eu não ia gostar de passar o dia sentindo o peso deles.

Quando me senti pronta peguei minha bolsa e abri a porta do quarto. Tomei um susto ao me deparar com Mark sentado na soleira, digitando no celular.

"Você estava aqui todo esse tempo?"

"Aham." Ele se levantou e abriu um sorriso para mim. "Bom dia. Você está linda."

"Obrigada. Você também está lindo." Apontei para sua camisa de abotoar com listras na posição vertical. Ele estava usando bermuda de sarja e mocassins. - Você está usando mocassins!

"Sim! Você achou exagerado? Não sou nem de perto uma pessoa que sabe harmonizar peças, mas eu meio que tentei."

"Está perfeito." Enlacei meus braços envolta do seu pescoço. Ele estava cheirando bem. Absurdamente bem. "Você é perfeito."

"Você que é perfeita." Ele segurou minha cintura e me beijou. "A garota mais perfeita do universo."

Ri do seu exagero, mas peguei aquela frase para mim e guardei no coração. E falando em coração... o meu batia como se fosse um tambor africano cada vez em que me aproximava de Mark. Era algo involuntário como respirar.

Saímos do hotel e caminhamos por um tempo até encontramos um café pequeno, mas super aconchegante. Estávamos morrendo de fome, em parte porque não havíamos contatamos o serviço do hotel desde o momento em que chegamos. E convenhamos que tomar café fora do hotel parecia algo muito mais animador e convidativo, já que poderíamos observar de perto o movimento de verdade da cidade. Entramos no café, nos sentamos em uma das poucas mesas vazias e eu li o menu antes de escolher um prato. Quando a garçonete se aproximou, pedi chá gelado e omelete com queijo e torradas. Mark pediu café e panquecas. A moça anotou tudo e nos pediu alguns minutos para trazer a comida.

"Estamos na Califórnia e estamos tomando café da manhã juntos. Ah e agora estamos namorando." Eu disse, realmente sentindo cada palavra. "Você não acha tudo isso muito louco?"

"Não é nada louco. Só a parte de estarmos nesse estado em busca de um cara que só vimos por fotos." Ele esticou os braços e pegou minhas mãos. "Porque a parte de  gostar de você eu não acho nada insana Na verdade eu acho a coisa mais fantástica que já me aconteceu."

"Caramba, você fica melhor sob a luz do dia. Mais gato, mais romântico, mais apaixonante."

"São seus olhos." Ele riu sem jeito. "Droga, queria que essa visita breve fosse apenas uma visita. Sabe, nós dois passeando por aí sem preocupações, só desfrutando do calor e das praias."

"Também queria." Fiz carinho na palma da mão dele. "Mas também está bom do jeito que está. Estou vivenciando coisas que há semanas atrás eu achava inimagináveis."

O nossos pedidos chegaram e desfrutamos da primeira refeição do dia com bastante calma, pausa para conversas e risadas. Clientes entravam e saíam do estabelecimento, a maioria com expressões serenas. Eu estava começando a acreditar  que a Califórnia funcionava como um calmante natural. Apesar de não ter conseguido falar com Mia, estar enganando meu pai, ter faltado no colégio e ter que falar com um cara que eu nem conhecia, eu não estava ansiosa pela primeira vez em muito tempo. Acho que a tática era aceitar esses problemas e só viver. Viver sabendo que eles existiam, mas acima de tudo pensar no lado bom da história e se concentrar nela.

Depois de pagarmos a conta, saímos do café e Mark chamou um Uber, botando o endereço da loja de pranchas como destino. Ficamos esperando o veículo na calçada que estava movimentada de turistas e os locais. O carro chegou em poucos minutos e lá fomos nós para a missão que provavelmente não seria nada agradável.

O trajeto até a loja de pranchas de Jace Lauper durou exatos 20 minutos. Não fiquei surpresa quando conseguimos ver o mar das janelas do carro. O motorista parou o carro no estacionamento que ficava de frente para a praia e que estava atolado de carros.

"É um praia linda." O motorista disse antes de sairmos do carro. "Ótima para pegar uma onda. Vocês vão gostar bastante."

Me segurei para não rir e chorar ao mesmo tempo. A praia não seria o foco da nossa ida àquele lugar.

Quando o carro foi embora, olhei para Mark, que tentava amarrar o cabelo. Estava ventando muito e meu cabelo se movia em todas as direções possíveis.

"Você passou protetor solar, né?"

"Claro. Já tive experiências terríveis com queimaduras de sol e não estou a fim de repetir essa merda. " Ele pescou o óculos de sol que estava preso na camisa. - Bom. Acho que loja é aquela ali. Vamos lá?"

Olhei para o outro lado da rua. Uma loja de pranchas nos saudava com um letreiro pendurado e escrito sob uma prancha. Cali Surf. Atravessamos a avenida e admiramos a fachada pintada de azul claro e as bordas da vitrine de amarelo. Mark e eu trocamos um olhar antes de nos aproximarmos da porta e ela abrir automaticamente. O interior era amadeirado e prateleiras gigantes abrigavam fileiras e mais fileiras de pranchas de variados tons de cores e tamanhos. Havia vasos com plantas em alguns cantos, instrumentos de corda pendurados nas paredes como se fossem quadros e araras com roupas comuns e de lycra, próprias para o surf. Uma moça estava atrás de um balcão de madeira, passando um cartão na sua máquina móvel. Um casal adulto, alto e provavelmente californiano, dado o bronzeado de ambos estava na frente do balcão, possivelmente esperando a transição da venda. Nos aproximamos devagar.

De repente ouvimos um barulho vindo do fundo da loja e um cara apareceu, segurando uma prancha enorme e colorida  Ele era o filho do Jace Lauper. Joshua Lauper. Disso pelo menos eu tinha certeza, pois tinha dado uma stalkeada básica no perfil dele do Facebook. Ele era musculoso e tinha cabelo cacheado, batendo na orelha. A atendente destacou e entregou um comprovante para a moça loira bronzeada enquanto o companheiro dela  se virou e pegou a prancha do filho do Jace Lauper e eles engataram uma conversa. Ajeitei minha bolsa e caminhei em direção ao balcão.

"Olá, bom dia." Eu sorri sem mostrar os dentes. "O senhor Jace Lauper está?"

"Infelizmente não. Ele não está disponível nesse momento." Ela disse, voltando a mexer na máquina de cartão de crédito. Mark deu um passo a minha frente.

"Tem certeza que ele não está disponível? Nós queríamos falar com ele. Ele não está aqui? Sabe onde ele mora?"

"Ele não está aqui e não está disponível." A moça repetiu com mais ênfase.

"Ok. A senhorita poderia passar o número pessoal dele, então? Precisamos muito falar com ele e..."

"Falar com quem?"

Viramos nossas cabeças. Joshua Lauper estava nos fitando com curiosidade. O casal bronzeado saiu da loja.

"Jace Lauper." Eu digo. "Poderia por favor nos dizer onde ele está? Precisamos conversar com ele."

Ele cruza os braços, o que lhe deixa mais inatingível com todos aqueles músculos.

"Ele deve estar por aí. Sempre está na praia, sua morada eterna. Ele nunca para quieto. Vocês vieram pelas aulas?"

"Uhm, é sim." Eu disse, tentando disfarçar meu cenho franzido.

"Ele deve estar dando uma de surf introdutório neste horário. Se vocês correrem vão conseguir pegar um pouco, eu acho. Por acaso vocês estão interessados em olhar alguma prancha? Roupas de mergulho? Posso apresentar a vocês uma variedade de roupas de mergulho."

"Uma nova coleção de roupas chegou ontem." A atendente se intrometeu na conversa oportuna. "São modelos fantásticos para todas as idades e tamanhos!" Ela olhou para nossos corpos como se estivesse tirando medidas.

"Não estamos interessados por enquanto, muito obrigado." Mark disse. "Agradeço pela informação senhor. Vamos a praia então."

"Ok! Boa sorte."

Saímos da loja com pressa. Botei meus óculos de sol enquanto tirávamos os sapatos para pisar na areia. Droga, eu nem havia pensado em levar chinelos ou algo assim. Eu estava usando oxfords, um calçado que não combinava nem um pouco  com areia. Fiquei tentada a voltar a loja dos Lauper e comprar um chinelo, mas eu não queria voltar lá mais uma vez.

Pisamos na areia que estava morna, mas eu sabia que dentro de pouco tempo ela ficaria quente como brasa. Paramos em um ponto da praia que já estava cheia, observando o movimento e tentando identificar Jace Lauper no meio de tantos corpos de diferentes estaturas, cores e energias. Ele estava mais ao longe, montado em cima de uma prancha que estava na areia. Ele era alto e corpulento, usava um chapéu e tinha uma barba longa e grisalha semelhante ao Santa Claus. Na frente dele, algumas crianças tentavam se equilibrar em cima de suas próprias pranchas e ao mesmo tempo imitar a postura do seu instrutor. Aquela era a hora. Nos aproximamos e eu observei aquele cara falar de forma calma e confiante para aquelas crianças que não deviam utrapassar dos 12 anos de idade. Limpei a garganta para chamar a  atenção.

"Senhor Lauper? - Ele virou a cabeça para o lado e olhou para mim. Ele tinha olhos verdes como esmeraldas e seu rosto cheio de marcas de expressão e manchas solares  denunciava sua idade. "Hum olá, tudo bem? Posso falar com o senhor por favor?"

"Não." Ele respondeu tão rápido que eu mal senti a rispidez do seu não. "Estou no meio de uma aula caso não tenha prestado atenção. Se quiser se juntar, ótimo, se não quiser vou estar disponível apenas quando a aula terminar, tudo bem?"

"Ah... sim, claro. Entendido." Eu disse, mas ele não estava mais prestando atenção. Peguei a mão de Mark e tentei puxa-lo para longe. Ele não se moveu. "Ei Mark, vamos."

"Esse cara é um imbecil. Quem ele pensa que é para falar com você assim?" Mark disse alto o suficiente para que ele virasse a cabeça da nossa direção. O puxei com mais força e ele me seguiu.

Ficamos sentados no único quiosque da praia que nos dava visão privilegiada da aula de Jace Lauper. Comprei uma água de coco e Mark um açaí. Limpamos nossos pés da melhor maneira possível e calçamos nossos sapatos.

"Eu nem conversei com aquele cara e já peguei ranço dele." Mark colocou uma colherada de sorvete na boca.

"Não se precipite quando estiver perto dele." Eu me ajeitei no banquinho do balcão. "Pela nossa breve interação, senti que ele posse ser aquele tipo de pessoa cheia de personalidade sabe? Ele só estava agindo do jeitinho dele. E além disso, eu que fui a errada de querer conversar com ele no meio da sua aula."

"Cheio de personalidade. Esse cara é um babaca. Aposto que aquele Paco Hernández era a mesma coisa... por isso os dois eram amigos."

Preferi não contrariar, terminando de beber minha água de coco. Convenci Mark de me dar algumas colheradas de açaí. Quando Jace Lauper anunciou as crianças que a aula estava encerrada, eu me levantei a contragosto. Queria ficar ali, sentada observando o mar e recebendo colheradas de açaí do meu namorado.

Namorado. Mark Elliot. Meu Deus ainda é muito louco acreditar que isso realmente é verdade.

"Vamos?" Peguei a sua mão e caminhamos em direção a Jace Lauper que estava saindo da areia, carregando a prancha na qual ele estava em cima durante suas aulas.  Conseguimos sair da areia primeiro que ele e o interceptamos no estacionamento atolado de de carros e palmeiras. Ele não se mostrou surpreso ao nos ver.

"Digam logo o que querem. Estou louco para tomar uma cerveja bem gelada."

"Não dá para dizer ao senhor o que queremos em pouco tempo, então acho que vamos ter que nos sentar." Mark disse em um tom contido, o que me surpreendeu. Jace simplesmente nos deu as costas e atravessou a rua, em direção a sua loja de pranchas. Não dava para saber se aquilo era uma recusa ou um sim, então na dúvida fomos atrás dele.

O interior da loja era um paraíso para o calor lá de fora que estava começando a me incomodar. A moça que estava atrás do balcão ignorou a presença de Lauper, mexendo no computador à sua frente. Ele caminhou até o fundo da loja e deixou sua prancha encostada em uma parede. Depois tirou o chapéu branco que usava, revelando uma calvíce no meio do cabelo. Ele abriu um lado da porta dupla no fundo da loja e finalmente se virou, olhando diretamente para nós.

"Vocês vem ou nao?"

A teoria do confronto vai muito além de um simples encontro cara a cara. Confrontar para mim não passa de mais uma arte, a arte de fingir. Você tem que se preparar para confrontar alguém ou algo, claro. Mas você nunca estará cem por cento pronto para nada, então é melhor disfarçar as inseguranças e só ir. Se prepare da melhor maneira possível, se levante desse sofá e vai encarar o que te atormenta com a máscara do fingimento. Fingir até conseguir, não é o que muitos dizem? Poker Face aqui meu teórico. Dá uma de Lady Gaga e os impeça de decifrar seu real rosto, suas inseguranças. Vista a máscara que melhor te apetece e encare o que está por vir. Tenho certeza que tudo vai terminar bem.

Texto pensado e redigido por: Ashlyn (Ashe) Reed.

Nenhuma parte deste material poderá ser copiada sem autorização da mesma, correndo o risco de sofrer terríveis consequências.

Atenção: algumas pessoas, lugares e eventos mencionados no decorrer dos capítulos, poderão ter seus nomes modificados a fim de preservar respectivas privacidades.

Ps: isso não é um diário. Te mato se eu souber que você acha que meus registros e experiências altamente profissionais não passam de puro clichê adolescente.

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