[32] A teoria de um plano realizado às pressas
Minha viagem para a Califórnia era dali um dia. Quando cheguei em casa após o expediente, tratei de começar a botar algumas roupas em uma mochila, fiz uma reserva de quarto em um hotel lá em Santa Bárbara e enquanto eu realizava todas essas pendências (que deviam ter sido resolvidas desde a compra das passagens), não consegui evitar em pensar no modo no qual eu chegaria a Jace Lauper. Como eu falaria com ele sem parecer que eu era uma lunática? Eu deveria ser direta? Ou aparecer lá na sua loja como uma cliente talvez, soltar umas indiretas e esperar que ele estivesse pegando todas elas com uma rede imaginária? Eu não fazia ideia de como eu deveria aborda-lo.
Meu celular vibrou quando eu estava tentando decidir se botaria na mochila um par de sapatilhas ou um oxford azul marinho. Infelizmente não dava para levar os dois calçados, pois o espaço livre era mínimo. Peguei o celular aliviada por ter que adiar aquela decisão horrenda. Era uma mensagem de Gillian. Se tratava uma foto, acompanhada de uma legenda.
Gillian: Olha isso. Esse vestido tem sua cara Ashe!
Abri a foto. O vestido era de tulle e comprido. Ele era amarelo manteiga com decote reto, mangas transparentes e bufantes e alguns detalhes delicados lindos na cintura. Fiquei admirando aquele vestido por bastante tempo. Tinha minha cara mesmo. Entrei no site e consegui compra-lo (não sem antes pesquisar por um cupom de desconto). Fiquei me imaginado em um cenário fantasioso demais para a realidade: eu, com meu vestido amarelo e um penteado delicado e sofisticado descendo um lance de escadas como Mia Thermopolis em Um Diário de uma Princesa. No último degrau, um elegante e charmoso cavaleiro pegaria minha mão e plantaria ali um suave beijo no seu dorso. Então caminharíamos ao centro do salão e começaríamos a dançar uma valsa tão linda que eu me seguraria para não chorar.
Balancei a cabeça, em parte porque eu estava imaginando o tal cavaleiro como Mark. E tudo bem, ele era gato e tal, mas botar ele nas minhas fantasias de princesa já era demais. Eu sempre pensava no Leonardo di Caprio jovem quando me imaginava dançando com alguém.
Mas Leonardo di Caprio não falou que estava com vontade de me beijar. De verdade, na vida real. Mark Elliot fez isso. Apesar de possivelmente ele estar bêbado quando veio com essa conversa. Será que ele estava bêbado mesmo? Bom, ele não tinha mencionado nada no dia seguinte, um forte sinal que ele estava sob o efeito do álcool.
Bom... E se ele não estivesse? Seria certo quebrar essa barreira que existia entre nós?
Desci para a cozinha, sedenta por um grande copo d' água. Mia estava sentada em um dos banquinhos da cozinha. Com Pearl. Elas abriram sorrisos animados quando me notaram.
"Garota, ouvi dizer que você é a nossa nova figurinista!" Pearl cantarolou e eu ri. "Não existe ninguém melhor para esse cargo no Foutman. Parabéns!"
"Muito obrigada por ter me indicado. Você é demais!"
"Confesso que apesar de ter uns looks muito estranhos, você tem o dom de combinar peças." Mia diz e eu joguei o cabelo para trás encenando soberba. "Você merece isso e muito mais irmã. Posso te enxergar facilmente no futuro como dona de uma linha de roupas."
"Eu devia ter gravado isso. Mia Reed elogiando meu senso de moda? Isso é inédito na história da humanidade." Ela revirou os olhos. "Obrigada pelo apoio."
Abri a geladeira e peguei uma garrafinha d' água, me virando para as duas melhores amigas que pareciam concentradas em seus próprios laptops pousados na nossa bancada.
"Não vi papai. Onde ele está?"
"No mercado." Ela disse, começando a digitar algo. "Tem um monte de coisa faltando na despensa."
Praguejei mentalmente por não ter mandado uma mensagem pedindo para ele esperar por mim. Eu queria ter ido com ele para comprar os itens necessários para nosso jantar em família, que aconteceria após minha viagem à Califórnia. Claro, se meu pai não me matasse, caso notasse que eu sumi por uns dois dias, o que era bem improvável. Mas eu tinha um plano para isso. Tudo ia dar certo, eu tinha quase certeza absoluta disso.
"E você o Mark?" Pearl disse de repente, me pegando de surpresa.
"O que tem?"
"Vocês não estão juntos?" Ela me olhou de modo sugestivo. "Desde que nós terminamos, vocês vivem andando pra lá e para cá."
"Não estamos juntos." Fui rápida em dizer. "Nós só estamos metidos em um trabalho e... um trabalho que exige de nós muito foco e esforço. Nós queremos tirar a nota máxima."
"Ah sim." Pelo seu tom de voz, presumi que ela sabia que eu estava blefando. Girei a tampinha da garrafa e engoli um pouco de água para disfarçar o desconforto. "Mas o que tem de errado? Digo, se vocês estivessem juntos? Eu acho que vocês combinam."
Não sabia se Pearl estava sendo sincera ou estava apenas brincado com minha cara. Fiquei sem saber como agir.
"Acho... acho que não tem nada de errado em ficarmos juntos se quiséssemos. Mas não queremos. Não estamos e nem queremos ficar juntos. É isso. Ponto final."
"Para de atormentar ela, Pearl." Mia me salvou daquela conversa constrangedora. Quase suspirei em alívio. Ela parou de digitar e alongou os dedos das mãos. "Se lembra de quando você ficou semanas falando que Peter Wilson e eu éramos um casal perfeito? Ele me traiu no campeonato estadual do ano passado com uma líder de torcida."
"Mas Peter era um idiota." Ela revirou os olhos. "E mesmo antes de eu falar isso, você já estava com ele."
"A questão não é essa, você sabe como..."
Deixei as duas debatendo sobre Peter Wilson e voltei para meu quarto. Terminei de ajeitar as coisas e sorri satisfeita quando tudo estava pronto. A partir dali, eu só precisava fazer as coisas acontecerem. E pedir por meio de preces que tudo ocorresse bem.
***
No dia seguinte, esperei por Gillian por uma eternidade no estacionamento quando a última aula acabou. Pelo menos eu achei que todo esse tempo era uma eternidade, pois eu estava super ansiosa e eufórica com tantas coisas acontecendo de uma vez só que não conseguia ficar paradinha.
Algum tempo depois, Gillian apareceu em uma pequena torrente de pessoas que também andavam em direção do bicicletário. Aquele era o local certeiro no qual você poderia encontrar Gillian. Ela sempre ia para o colégio com sua bike. Quando ela me notou, arqueou as sombrancelhas.
"Você por aqui? Pensei que já tinha ido à lanchonete." Ela abaixou o olhar para seu relógio de pulso. "Caramba, estamos atrasadas!"
"Então você demorou mesmo." Eu disse, enquanto ela pegava sua bicicleta. "O que estava fazendo?"
"Fui conversar. Com a professora Lilian." Nos começamos a caminhar para fora da área do colégio, Gillian empurrando sua bicicleta.
"O quê? Você ficou louca?"
"Só fui dar os parabéns pelo noivado. E..." Ela parou de repente, olhando para mim. "Ela agradeceu de uma maneira... não sei. Ela agradeceu como se eu fosse apenas uma aluna comum. Parecia que ela tinha se esquecido de mim, sei lá. O que é muito estranho, porque nós ficávamos um tempão conversando depois das aulas, antes de ela ir para a Itália."
"Talvez ela esteja tentando seguir em frente Gillian. Sabe, te tratando como ela trataria qualquer aluna que ela acabou de conhecer. Talvez ela tenha sentido que você estava nutrindo... certos sentimentos em relação à ela."
"Pode ser. Bom, deixa para lá. Vamos logo trabalhar ou então, vamos levar sermão do Sam."
Passei meu expediente com a cabeça em outro lugar. Quando faltavam uns 15 minutos para eu ir embora, troquei o uniforme pelas minhas roupas comuns e bati na porta do escritório do Sam. Ele abriu, me olhando com certa surpresa.
"Precisa de alguma coisa, Ashe?"
"Posso conversar com o senhor?"
"Sim sim, claro." Ele deu espaço para que eu entrasse. Ele indicou a mesma cadeira na qual eu tinha sentado uns dias atrás, mas eu balancei a cabeça. Ele arqueou as sombrancelhas cruzou os braços.
"O que aconteceu Ashe? Você não costuma me chamar para conversas. Estou um pouco surpreso."
"Bom." Respirei fundo. "Eu quero pedir minha demissão."
"O quê?"
"É isso mesmo o que o senhor ouviu. Eu sinto que já cumpri meu papel aqui. Tem outras coisas me chamando, sabe? Amei todo o tempo que passei nessa lanchonete. Ela sempre vai estar marcada na minha história."
"Ah..." Ele estava boquiaberto. "Mas você é uma funcionária execelente! Adoro seu humor, agilidade e entusiasmo, Ashe. Tem certeza mesmo disso? Foi algo que eu disse? Alguém disse algo para você?"
"Não, ninguém me disse nada. Eu só sinto que minha missão aqui foi concluída. E o senhor é o melhor patrão que alguém poderia ter, Sam." Senti meus olhos ficando levemente embaçados. Droga, se eu não me apressasse, acabaria chorando bem na frente dele. "Enfim. Estou agradecida por todo o aprendizado. Posso assinar minha carta de demissão, por favor?"
Meio atônito, ele começou a mexer em alguns papéis na sua própria mesa, me entregando um papel e uma caneta. Finalmente me sentei e li todo o texto antes de preenche-lo e assina-lo. Entreguei o papel para Sam com as mãos tremendo e me segurando para não chorar.
"Todos os seus direitos serão assegurados." Ele disse por final, esticando a mão. "Foi maravilhoso ter você como funcionária, Ashlyn Reed. Nossas portas estarão sempre abertas para você."
Apertei sua mão e ele me puxou para um abraço. Não consegui me conter e as lágrimas escaparam e desceram pelo meu rosto como se fossem quedas d'água. Eu estava meio triste, meio feliz. Aquela lanchonete havia me ensinado várias coisas, mas agora eu tinha um cargo no colégio e estava prestes a aprender um pouco mais do mundo.
Saí do escritório com o rosto todo molhado. A lanchonete estava vazia, a não ser pelos funcionários. Gillian me abordou com olhar preocupado.
"O que aconteceu? Você foi demitida?"
"Ao contrário. Eu me demiti. Ganhei um cargo no colégio ontem, lembra? Não vai dar pra conciliar duas coisas que acontecem no mesmo horário."
"Meu Deus Ashe. Isso é fantástico!" Rupert saiu do balcão e veio me abraçar. Mais algumas lágrimas rebeldes escaparam. "Que bom que você está agarrando novas oportunidades!"
"Uau." Gillian também me abraçou. - Parabéns pela decisão amiga. Vou me sentir super solitária trabalhando sem você por aqui. Mas se você acha certo mudar o cenário saiba que vou te apoiar. Sempre."
"Obrigada. E não exagera sobre essa solidão. Todos que trabalham aqui são super legais."
"Eu sou a pessoa mais legal desse lugar." Rupert se vangloriou. "Ela nem vai sentir sua falta, Ashe. Vou testar tanto a paciência dessa garota que ela não vai ter tempo para pensar na sua ausência."
"Já estou imaginando." Ela colocou a mão na testa e suspirou. "Nem Jó suportaria isso. Você é chato pra caramba."
"Você que é chata. Todos me acham um amorzinho de pessoa." Ele disse e ela revirou os olhos.
***
Quando Gillian e eu caminhávamos de volta para nossas casas, eu tomei coragem para botar umas das primeiras etapas do meu plano em prática.
"Se eu te pedir um favor, promete que não vai recusa-lo e nem questiona-lo?"
"Você matou alguém?"
"Ah? Claro que não!"
"Então não vejo motivos para não questiona-lo." Ela parou de andar de repente. "Espera aí, você está com um corpo dentro de casa? Ou está usando drogas?"
"De onde você tirou essas coisas?"
"A culpa é sua. Ao meu ver, uma pessoa só pediria um favor do jeito que você pediu, se ela tivesse metida em um problemão."
"Bom, mais ou menos. A questão é que eu não posso te contar. Pelo menos não agora."
"Se eu disser que sim, esse problemão vai sobrar para mim?" Ela coçou o topo da cabeça. "Sem ofensa, mas estou farta de problemões."
"Não se você seguir as minhas instruções."
Ela não falou nada de imediato, parecendo pensar no caso. Comecei a ficar ansiosa.
"Ok." Quase a sufoquei em um abraço. Ela se desvencilhou de mim. "Ei, não me agarra assim!"
"Desculpa. Muito, muito obrigada Gillian. Você não sabe como está me ajudando. Não sabe mesmo!"
"Mas uma hora eu vou ter que saber." Ela replicou. "E me conte logo o que exatamente eu devo fazer para te cobrir ou eu vou desistir dessa loucura agorinha mesmo."
Eu disse o que ela deveria fazer. Era o mais velho truque para enganar os pais da face da Terra para falar bem a verdade. Em síntese, eu mentiria para meu pai, falando que dormiria na casa da Gillian por dois dias e lhe entregaria o número do telefone fixo da casa dela. Se ele ligasse, ela deveria dizer que eu estava na casa dela, só que usando o banheiro. Não era nem de perto uma coisa brilhante, mas eu não tinha muito tempo para arquitetar e executar ações brilhantes.
"Posso saber pelo menos ter uma luz? Sabe, você poderia dizer pelo menos para onde vai."
"Califórnia."
"Califórnia? Eu vou ficar aqui indo pro colégio e trabalhando e você vai ir para a Califórnia? Tipo, não posso ir junto também?"
"Infelizmente não. E essa viagem não tem nada de muito empolgante, pode crer nisso."
"Você vai com Mark?"
"Você já está fazendo muitas perguntas." Eu disse, parando na frente da sua casa. "Destino final para você. Te mando mensagem durante todo o meu trajeto, tá? Não se preocupe comigo."
"Vai ser impossível não se preocupar. Você é minha melhor amiga, caramba!" Ela jogou a bicicleta no chão e se jogou para cima de mim em um abraço. "Independente do motivo dessa viagem espero que tudo ocorra bem."
"Vai dar tudo certo." Ela me soltou e ficou me encarando como se estivesse tentando captar alguma coisa apenas pela minha expressão. Eu comecei a rir. "Boa noite Gillian. Nos vemos em dois dias."
"Dois dias..." Ela pegou sua bicicleta e começou a se afastar, em direção a sua casa. "Por que tenho a impressão que serão dias super longos?"
"Porque você é dramática. Vou ir num pé e voltar no outro." Joguei beijos no ar para ela. "Beijo, beijo, beijo. E fica de olho no seu celular. Vamos nos conversando por mensagem."
Segui a caminhada sozinha até minha casa. Guardei a bike na garagem e abri a porta do cômodo que dava acesso a parte interna da casa. Papai e Mia estavam na cozinha, sentados conversando e esperando por mim, que era a encarregada de preparar o jantar da noite. Larguei minha mochila em um canto e fui direto para a pia, lavar minhas mãos.
"Tudo bem querida?" Meu pai se levantou e me deu um beijo na bochecha. "O que vamos jantar hoje?"
"Vou pegar o caderninho de receitas." Eu disse, tomando coragem para começar a mentir para o meu pai. "Mas antes eu queria dizer que amanhã vou dormir na casa da Gillian. E depois também."
"Tudo bem filha." Ele balançou a cabeça em positivo. "Você vai fazer alguma massa? Estou morrendo de vontade de comer massa. Falando em comer, e o nosso jantar? Você parecia super empolgada quando propôs ele para nós."
"Põe empolgação nisso." Disse Mia com os olhos no celular.
Abri a boca e comecei a falar. Comecei a agir como se eu não tivesse acabado de mentir para o meu pai, tagarelando muito como sempre e fazendo piadinhas nas quais ele riu. Foi mais fácil do que eu tinha pensado. O lance de mentir, quero dizer. O problema era mesmo lidar com minha consciência que ficava cada vez mais pesada a medida que os minutos passavam.
Antes de dormir, mandei uma mensagem para mark.
Eu: Embarco amanhã antes das 7 horas. Você vai se arrepender de não ter ido quando eu descobrir TUDO.
Botei o celular do lado e aconcheguei minha cabeça no travesseiro. Não estava a fim de ouvir música antes de adormecer pela primeira vez em muito, muito tempo.
Minha teoria sobre um plano realizado às pressas é que ele tem grandes chances de ir para o ralo por motivos óbvios. Mas se você não teve muitas opções e está utilizando essa ideia de última hora como seu último recurso dos recursos é recomendável que você repasse tudo mais uma vez, só por garantia. Talvez seu plano corrido possa ser melhorado, nem que seja em um único detalhe.
Texto pensado e redigido por: Ashlyn (Ashe) Reed.
Nenhuma parte deste material poderá ser copiada sem autorização da mesma, correndo o risco de sofrer terríveis consequências.
Atenção: algumas pessoas, lugares e eventos mencionados no decorrer dos capítulos, poderão ter seus nomes modificados a fim de preservar respectivas privacidades.
Ps: isso não é um diário. Te mato se eu souber que você acha que meus registros e experiências altamente profissionais não passam de puro clichê adolescente.
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