[3] A teoria de uma cabeça leve


Meu primeiro pedido naquele dia fora uma porção de batatas fritas, para viagem.

E o primeiro obstáculo que encontrei em concluir o tal pedido, foi causado por uma típica distração da minha parte.

Aliás, outro tópico a acrescentar à Ashe Reed: distraída.

A garota aqui não anotou o número da mesa que fez o pedido, de modo que quando o pessoal do balcão me entregou as fritas, meu coração começou a acelerar um pouquinho com tal constatação.

E ele começou a acelerar ainda mais quando o Sam chegou sei lá de qual lugar e começou a supervisionar o nosso trabalho.

É meio tenso quando você comete um erro na frente do seu chefe. Eu me sentia uma participante do Hell's Kitchen.

Bom, já que eu não sabia de quem eram as fritas, comecei a ziguezaguear pelas mesas, à procura da pessoa que tinha feito o pedido.

Até que o saco de batatas fritas para viagem foi retirado das minhas mãos.

"Mesa cinco, Reed", ele sacudiu o saquinho com veemência e piscou na minha direção.  Estava de olho em você."

Ah, ele é garoto que aqui vou nomeá-lo por Theo Becker.

Olhei em sua direção. Aqueles olhos e o piercing próximo a uma de suas sobrancelhas sempre me dava vontade de agarra-lo, ali mesmo. Mas o amor que eu sentia pelo meu dinheirinho conseguia me controlar um pouquinho.

"Às vezes você parece um stalker e isso é bem esquisito."

"Se eu não ficar de olho em você, quem vai te salvar em situações como esta?"

Theo também trabalhava na lanchonete Foutman, mas não trabalhava só meio período como a maioria dos empregados mais novos por ali. Ele tinha terminado o ensino médio e desistiu do curso de engenharia civil para tentar a sorte como guitarrista de uma banda.

Uma banda que estava prestes a assinar contrato com uma gravadora indie local.

Olha, eu sei que músicos não são tão confiáveis assim para se manter uma relação, mas eu meio que nunca consegui me segurar em relação ao Theo. Até porque eu amo música e Theo é músico, então a coisa tinha tendência a piorar.

E ele era uma coisinha muito tentadora de se apreciar.

De vez em quando a gente dava uns amassos na parte de trás da lanchonete, mas era só.

"Ninguém. Assim eu paro de me sentir uma idiota."

"Você não é idiota, Ashe. Talvez um pouquinho distraída, mas só ", ele deu dois toquinhos leves no meu nariz com seu indicador. "Agora me diga: no que você estava pensando pra ficar com a cabeça em outro planeta?"

"Problemas com um amigo, não dá pra entrar em detalhes", olhei em volta e reparei que Sam parou de conversar com um cliente e voltou a supervisionar as mesas. "Vamos trabalhar. Sam está de olho em nós."

Ele assentiu com um sorrisinho.

"Tudo bem. A gente conversa melhor mais tarde. E ah!", sacudiu novamente o embrulho. "Eu levo isso."

Theo não era bad boy, ou qualquer outro estereótipo semelhante que geralmente circula na maioria dos livros ou filmes adolescentes. Ele era... bom, sei lá, um cara normal. Não fazia do tipo desejável por todas as garotas do universo e as ignorava com seu jeito arrogante de ser. Ele era apenas um cara atraente pra mim, que trabalhava numa lanchonete e era membro de uma banda. Só isso, sem complicações.

Aliás, meu relacionamento com ele não é ponto alto deste livro e nem vai ser tão mencionado por aqui.

O que deve estar em evidência é a minha experiência com a teoria da faixa três.

Que aliás começa dar seus maiores indícios em breve.

No momento em que me virei para atender outra mesa, eis que minha irmã surge de repente, atravessando o estabelecimento com Pearl Adams em passos duros e ao mesmo tempo – de uma maneira ridícula – delicados.

Até parecia uma cena produzida em câmera lenta, sério. Pearl jogou sua cabeleira castanha para trás na metade de um passo, enquanto Mia dava aceninhos preguiçosos para a mesa onde estavam os garotos do futebol americano.

Rupert que tinha acabado de anotar um pedido de umas garotas da equipe de corrida do Foutman, olhou para a dupla de abelhas rainhas e colocou discretamente o indicador na boca.

Praticamente todo o pessoal presente no ponto Foutman se deu ao trabalho de dar uma espiada nas duas pelo menos por um milésimo de segundo.

Realmente, eu não entendo qual é a graça disso. Quero dizer, ficar por aí desfilando e se sentindo melhor que os outros. Não que eu também seja um poço de humildade – gosto de ostentar um pouco dos meus outfits no Instagram –, mas fazer isso o tempo todo é ridículo.

Mia e Pearl estacionaram no balcão como duas pessoas preciosas demais para estarem em um lugar tão decadente como aquele.

Disposta a quebrar aquele remake estranho de Meninas Malvadas, corri em direção ao balcão e dei um tapão daqueles nas costas da minha adorável irmã.

O que posso fazer? Ela havia merecido pela minha correria matinal.

"Ai menina! Qual é o seu problema?" Indagou ela batendo os cílios sem parar. "Está vendo Pearl? Está vendo só com o que eu tenho que lidar? Tipo, todos os dias?"

Pearl balançou a cabeça como se dissesse tsc tsc tsc (ou qualquer outra coisa que demonstrasse reprovação) e se sentou graciosamente numa das cadeiras,  cruzando as pernas. Um cara barbudo próximo da gente soltou um assobio enquanto estudava seu corpo de uma maneira nada educada.

Pearl revirou os olhos com aquele seu jeitinho oh sou tão intocável e pediu um milk-shake de baunilha à Gillian que estava de tocaia no balcão. Mia me olhou de cara feia por mais alguns segundos para depois se sentar do mesmo jeitinho que a melhor amiga.

"Um copo de água mineral, por favor",  pediu ela desdenhosamente. Gillian assentiu. "Realmente o dia está um caos! Falas da peça pra decorar, um grêmio que tenho que comandar, sem falar na montanha de testes pra estudar!"

"Pelo menos você não tem um namorado insensível pra se preocupar", suspirou Pearl.

"Ele não respondeu suas mensagens? Desde ontem?"

"Nadinha. Nem o vi hoje."

"Ei, ele é do mesmo ano que a Ashe, certo?", ela olhou para mim. "Você viu o Mark em alguma aula hoje?"

Ah, o Mark na qual ela estava falando não era o Mark Zuckerberg, criador do Facebook. Rá, quem me dera ter alguém desse nível no meu ano! Na verdade este Mark tinha o sobrenome Elliot e era um pateta total. Típico padrão de atleta popular que sempre estava cercado por garotas e passava de ano pela misericórdia de Deus, que de alguma forma iluminava a sua cabecinha oca nas provas finais. Pearl e ele começaram a namorar bem no comecinho do ano letivo e eles eram um casal modelo. Era absurdo e assustador o tanto de gente que se inspirava neles ou queria ter uma meta de relacionamento parecida.

"Que eu me lembre não."

"Viu?", ela bufou. "Insensível, egoísta e galinha!"

Revirei os olhos. Por que alguém vai namorar alguém para chamar a pessoa dessas coisas? Estou fora disso. Mesmo.

Voltei a circular o salão no mesmo segundo em que dois garotos que não deviam passar dos 12 anos começaram a caminhar em direção à empoeirada Jurebox que ficava encostada em uma das paredes, bem próxima a entrada dos sanitários. Lugar estranho para uma Jurebox ficar, confesso. Mas a questão não era essa. Não mesmo!

Os garotinhos serelepes enfiaram uma nota e o aparelho começou a tocar Sheer Heart Attack do Queen, faixa 3 do álbum News Of World, álbum de 1977.

Meu primeiro instinto foi tapar os ouvidos. Uma coisa ridícula a se fazer, já que isso não ia salvar a minha pele. Os garotinhos começaram a pular, balançar suas cabeças cabeludas e simular uma guitarra imaginária que fez Theo revirar os olhos. Algumas pessoas começaram a balançar o corpo com a música. Outras torceram o nariz. Eu fiquei ali, imóvel como uma estátua ouvindo cada palavrinha da canção que eu decorei há muito tempo atrás, com propósito de identifica-la o mais rápido possível e assim fugir, que não era o que eu estava fazendo.

Olha, me dá um pequeno desconto. A garota aqui estava em choque e suas pernas eram membros que não obedeciam os comandos do meu cérebro. Não é como se eu pudesse fazer muita coisa, surpreendida dessa forma.

"Ashe. ASHE!!!"

Virei para trás. Gillian estava atrás do balcão me fitando com os olhos meio arregalados.

"Ei, tudo bem? Parece que você acabou de ver um espírito obsessivo passeando por aí ou algo do tipo"

"Ah sim. Quero dizer, eu não vi nenhum espírito. Na verdade é bem pior que isso. Mas estou bem. Sério."

"Então tá", seu olhar era confuso. "Você vai embora com a sua irmã e a amiguinha fresca dela?"

"Nem se eu quisesse. Meu turno termina daqui há uma hora e Mia nunca ia me esperar todo esse tempo pra me dar carona. Estou com a minha bicicleta."

"Ótimo!", ela fez um estalo comemorativo com a boca. "Me espere quando for sair. Tenho uma coisa para te contar."

Fiquei interessada na hora. Tanto, que me esqueci por alguns minutos da abençoada faixa três que tocou na minha ilustre presença. Mas daí eu lembrei e comecei a repassar a letra da música, convencendo a mim mesma de que ela não era tão ruim assim. Quero dizer, a canção fala sobre ter um ataque do coração, mas eu acreditava que não era algo literal. Torci para que não fosse literal, senão eu ia estar bem ferrada. Não podia ter um troço assim, ainda por cima bem no auge da minha adolescência de garota americana obcecada por roupas vintage. Não, não, não. Não mesmo.

Decidi para o bem da minha sanidade mental, focar no trabalho. Os garotinhos pararam de pular quando a música acabou, compraram milk-shakes e foram embora, como se não tivessem acabado de me enfiar em uma enrrascada, e das grandes. Mia e Pearl ainda debatiam como duas candidatas em época de eleição a despeito dos problemas que cercavam o relacionamento de Pearl com Mark e os motivos de ele não ter ligado para ela naquele dia. Senhor, as pessoas gostam de dramatizar as coisas né? Eu corria o risco de ter um ataque do coração até o final do dia e elas estavam preocupadas com uma ligação que nem sequer existiu! As pessoas deviam dar valor às coisas que realmente merecem atenção!

Enquanto eu jogava uma tonelada de embalagens vazias no lixo (infelizmente o plástico ainda está em todos os cantos) e limpava mesas, criei uma teoria a despeito do risco de sofrer ataques do coração ou ter alguns probleminhas internos e não saber como lidar com eles: o mundo vai continuar girando, independentemente dos seus dramas diários. Um pouco triste, porque eles realmente só são importantes para a sua pessoa, já que apenas dizem respeito a você. E é você que precisa tomar partido e começar a agir por conta própria. Me pegue como um exemplo. Eu não tinha muitas alternativas quando escutava uma faixa 3. Mas eu podia fingir que nada tinha acontecido e tocar com a minha vidinha. Os problemas sumiriam? É claro que não. Mas uma cabeça leve é uma cabeça sem pressões.

Texto pensado e redigido por: Ashlyn (Ashe) Reed.

Nenhuma parte deste material poderá ser copiada sem autorização da mesma, correndo o risco de sofrer terríveis consequências.

Atenção: algumas pessoas, lugares e eventos mencionados no decorrer dos capítulos, poderão ter seus nomes modificados a fim de preservar respectivas privacidades.

Ps: isso não é um diário. Te mato se eu souber que você acha que meus registros e experiências altamente profissionais não passam de puro clichê adolescente.

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