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NOTA DE FALECIMENTO
É com grande pesar que comunicamos o falecimento de Jace Lauper ocorrido na madrugada da última sexta-feira (04). Jace foi um músico inestimável que contribuiu muito para toda comunidade de San Diego. Seus 78 anos de vida foram dedicados à música, estudos científicos e o surf. Ele deixa para trás um filho, dois netos e um imenso legado material e imaterial para a cidade e o estado da Califórnia. A família convida toda a comunidade para o velório aberto ao público, que será realizado dia 05 a partir das 8 horas da manhã. Que Deus conforte o coração dos familiares e amigos.
Abro e fecho os olhos. Não posso acreditar no que acabo de ler.
Eu não sou uma pessoa que entra no Facebook. Sério mesmo, minha conta serve apenas como uma fonte usada de tempos em tempos para stalkear pessoas que não tinham outras redes sociais, como o Instagram. Então lá estava eu, na manhã de um sábado ensolarado, entrando no Facebook para stalkear Kira Rosemary (descobri o sobrenome dela no site do Foutman). Tá, tabóm, confesso era meio bizarro stalkear a ex namorada no meu namorado. Mas não era nada tão tenebroso assim se formos adicionar o fato que eu amei o trabalho dela como maquiadora e queria saber um pouco mais da sua vida e do seu cabelo, que era lindo. Porém, me decepciono quando entro no seu perfil. Sua última postagem tinha sido feita há um ano atrás, o que significava que ela também repudiava aquela rede social tanto quanto eu. Sua linha do tempo está abarrotada de marcações de outros perfis e pela página do Foutman Institute. Suspirei em frustração. Era como se eu acabasse de ter levado um balde de água fria.
Vou para meu feed e passo os olhos nas postagens com nenhum pingo de interesse. A maioria trata-se de conhecidos nos quais eu não vejo há séculos. A única publicação interessante advinha da minha tia por parte de pai, Dahlia Reed Sevilla, que morava na Cidade do México e era a única tia que eu gostava de verdade. Era uma foto dela em frente ao Museu Frida Kahlo. Tia Dahlia era casada há mais de 10 anos com um empresário mexicano, Pepe Sevilla. Foi ela quem me ensinou espanhol e um pouquinho de francês. Minha tia era pessoa mais descolada que eu conhecia. Ela estava na casa dos 30 anos, mas parecia uma garota que tinha acabado de completar os seus 20. Minha tia adorava usar roupas de cores vibrantes e ela tinha cachos como eu, porém, muito mais longos e tingidos de vermelho, o mesmo tom que Ariana Grande costumava usar na época de Sam & Cat. Costumava passar grande parte do seu tempo ensinando inglês e francês para jovens mexicanos em um colégio católico. Ela era rata de biblioteca e simplesmente obcecada por música mariachi e francesa. Não tinha filhos e adorava paparicar Mia e eu com presentes e convites incessantes para visitar o rancho enorme que morava com o marido, nos limites da Cidade do México.
Curto a foto dela e deixo um comentário, elogiando sua roupa (um vestido vermelho vibrante que contrastava bem com a fachada da entrada, que era de um azul marinho vivo). Rolo um pouco mais a página, até me deparar com uma publicação da página de Jace Lauper (na qual nem me lembrava que seguia). A publicação é uma nota de falecimento.
Meu primeiro instinto é fechar o laptop da maneira mais caricata possível e me levantar da cama. É um sábado ensolarado e abafado, um sábado incomum para o outono. Da minha janela consigo enxergar a rua e toda a vizinhança. Crianças andam de bike e adultos limpam seus quintas ou lavam seus automóveis na frente de suas casas. Meu pai está trabalhando e Mia provavelmente tinha dormido na casa de Pearl. Observo o movimento da rua pela janela, ainda em choque pela notícia que acabei de ler. Tínhamos visitado aquele senhor há poucas semanas atrás. Eu nem de perto tinha gostado dele, mas caramba, ele teve decência de explicar o que sabia sobre o lance das faixas para Mark e eu. E agora... Ele estava morto.
Pego o celular e ligo para meu namorado.
"Bom dia, amor", a voz meio rouca de Mark ocupa a linha. "Dormiu bem?"
"Dormi sim. E você?", respondo, não conseguindo evitar um pequeno sorriso.
"Dormi meio mal. Passei metade da noite imaginando como seria dormir ao seu lado", diz ele, num tom baixo, sensual. "É ótimo imaginar, mas não quero ficar só no mundo das ideias."
"Eu também odeio ficar longe de você. Te queria aqui na minha caminha todas as noites."
"Não vejo a hora de sermos maiores de idade e termos a tal da estabilidade financeira para não nos desgrudarmos nunca", ele solta um suspiro. "Enquanto isso não acontece, já fico feliz só em te entregar em casa e te dar um beijo de boa noite, como ontem."
"Se você estivesse aqui te daria outro beijo."
"Isso não é um problema. Posso entrar no meu carro agora e dirigir até aí pra ganhar esse beijo", seu desespero me fez gargalhar.
"Você está ocupado? Queria mesmo que viesse aqui. Ou eu vou a sua casa, tanto faz."
"Não. Você não se mexe, que eu chego daqui a pouco. Só preciso me trocar."
A chamada é encerrada e eu jogo o celular na cama, indo ao banheiro para lavar o rosto e escovar os dentes, a famigerada higiene matinal de todo o santo dia. Troco meu pijama por uma calça legging e uma blusa flanelada, ajeitando meus cachos na frente do espelho de moldura dourada que fica atrás da porta do meu quarto. Quando estou na cozinha, procurando alguma coisa para beber na geladeira, a campainha toca. Corro para abrir a porta.
"Trouxe croissant fresquinho." É a primera coisa que Mark diz, esticando uma sacola para mim.
"Você é melhor namorado do mundo." Aperto de leve sua bochecha direita como se ele fosse um bebê.
"Eu sei. Agora o meu beijo." Ele repousa suas mãos na minha cintura e me puxa para mais perto. Absorvo com satisfação o aroma fresco que seu corpo emana. Seu cabelo está com aparência de úmido. Inclino um pouco a cabeça para fitá-lo e enlaço os braços ao redor do seu pescoço, forçando-o a se inclinar um pouco para mim. Mark me observa passar a língua no meu lábio inferior. "Você está me matando, Ashe Reed."
"É recíproco." Inclino e pressiono seus lábios nos meus, me sentindo mais viva do que nunca. É como se todos os beijos bons nos quais troquei no passado não passassem de amostras, coisas relativamente pequenas e irrevelantes que não valem a pena serem relembradas. Beijar um cara na qual eu aprendi a amar é algo completamente diferente e esse diferente poderia ser sinônimo de único.
Um caminhão de mudanças passa cantando os pneus pela rua, fazendo com que as crianças que antes estavam dando pequenas voltas na rua com suas bicicletas, disparassem para as calçadas e seus pais esbravejem em direção ao caminhão, que provavelmente está virando outra rua. Me separo a contragosto de Mark e dou espaço para ele entrar na minha casa.
"Tenho certeza que você não me chamou só pra ganhar um beijo." Mark me segue até a cozinha, que está uma bagunça só. Preciso dar um tapa nela mais tarde, pelo menos se eu quiser assar o brownie que eu planejo fazer ainda naquele dia. Meu namorado se senta em um dos banquinhos da bancada e eu repouso a sacola com os croissants a sua frente. "Te conheço, Ashe. Você está com um olhar esquisito. Não me diga que andou assistindo aqueles documentários e podcasts de true crime. Se você tem medo, por que se atreve a continuar assistindo esse tipo de coisa?"
"Jace Lauper morreu."
"O que?"
"Você não ouviu errado. Ele está morto", tiro os croissants da sacola e os coloco em um prato raso branco. "Tem uma nota de falecimento na página do Facebook do cara. Ele morreu ontem. Entra lá na página e leia a postagem por si só."
Mark me encara por alguns segundos. Depois tira o celular do bolso do seu agasalho cinza, digitando algo e deslizando o polegar sob a tela touchscreen do aparelho. Dou as costas, indo mexer na cafeteira.
"Merda", ouço ele murmurar, ainda de olhos fixos no celular. "Droga."
"Você não acha estranho que ele tenha morrido assim, tão de repente?", encosto na bancada fria me sentindo muito estranha por estar falando sobre morte em voz alta. Era bizarro falar sobre isso de modo tão casual, natural. Mark apaga a tela do celular e o coloca em cima da bancada.
"Será que a nossa visita fez mal a ele, de algum modo?"
"Claro que não Ashe. Ele era um senhor e a probabilidade de-", a frase morre na metade e ele respira fundo. "Não temos nada a ver com isso. Nada. Quanto tempo faz que fomos pra San Diego? Um mês? Não faz sentido algum."
"Será mesmo? Estávamos eufóricos naquele dia. Provável de termos dito ou feito alguma coisa que deixou o velho mal."
"Não temos nenhuma ligação com a morte dele, Ashe", ele solta uma risadinha anasalada, balançando a cabeça. Acho um pouco insensível da parte dele. "Uma pena ele ter falecido, mas não temos nada a ver com a morte daquele senhor."
"É, acho que estou meio paranóica. Efeito de assistir tantos documentários de true crime mesmo." Desencosto da bancada e caminho até Mark que estende os braços e que me fez sentar no seu colo. "Vou tentar manerar. Mas e aí, como anda a cerimônia de casamento do seu pai?"
"Está caminhando a passos de bebê", ele beija o meu pescoço, me fazendo fechar os olhos por um segundo. "Gillian e eu não estamos mais aguentando. Meu pai e minha futura madrasta estão surtando com a lista de convidados, com as madrinhas e padrinhos e a locação do espaço para a festa. É muita coisa e eles não param de falar por um só segundo sobre tudo isso."
"Imagino os dois lados. Deve ser desesperador ter que dar conta de todas essas coisas e meio chato ter que ficar no meio de tudo isso", me levanto para pegar o café que está pronto. "Será que eles já cogitaram contratar uma cerimonialista para ajudar?"
"Acho que isso nem passou pela cabeça deles", entrego uma xícara fumegante de café preto para ele. Ele dá um gole sem nem olhar para o conteúdo da xícara. "É bizarro demais para mim pensar no meu pai oficialmente casado. Ainda temos fotos do casamento dele com minha mãe espalhadas pela casa. Gosto da Diana, ela é incrível, mas minha mãe... Não dá para substituir, sabe?"
"Nem é pra substituir, seu bobo. Mães são mães e ponto", me sento do seu lado e parto um croissant. Ele imita meu gesto. "E sua mãe? Você... ainda está falando com ela?"
"De vez em quando sim", diz ele em um tom seco, claro indício que o assunto tinha que se encerrar logo. Assinto com a cabeça, não me arriscando a fazer mais perguntas.
"Estou pensando em fazer brownie", sou rápida em mudar de assunto. "Para assistir Love Island UK. Droga, não acredito que falei isso em voz alta. É tipo, meu guilty pleasure, então isso fica entre a gente."
"Love Island UK?" Ele enrruga a testa. "Por que não assiste a versão daqui?"
"Porque gosto das versões dos outros países. As edições daqui são horríveis", mal consigo esconder a expressão de escárnio.
"Você pode ficar e assistir comigo se quiser. Com uma condição."
"Que tipo de condição?", ele me joga um olhar travesso. Me levanto novamente com um sorriso e pego uma vassoura. Quando ele presta atenção no que eu seguro, me olha com confusão. "Ah. Uma condição que envolve uma vassoura."
"Envolve vassoura, produtos de limpeza e tal. Se você me dar uma mãozinha na limpeza da cozinha, podemos assistir Love Island UK na companhia de brownies fresquinhos."
"Não vou negar que é bem tentador." Ele termina seu croissant e se levanta, pegando a vassoura da minha mão. "Eu fico com a limpeza então. Você fica com o brownie. Em poucos minutos tudo vai estar terminando e vou poder assistir com a minha namorada em paz."
"E brownies."
"Isso, e os brownies."
Pego os ingredientes para preparar o tal brownie e Mark começa a limpar o chão da cozinha, como se fizesse aquilo todo santo dia. É, tecnicamente é verdade, porque é ele quem limpa sua casa de vez em quando. E o quarto dele é impecável em termos de limpeza e organização. O estereótipo de que todos garotos são bagunceiros caiu por água abaixo quando comecei a frequentar a casa do meu namorado.
Pouco tempo depois, o brownie está assado e o aroma agradável de chocolate passeia por todo o ambiente. A cozinha se encontra impecável graças à limpeza de Mark. Trocamos olhares cúmplices antes de corrermos em disparada para a sala. Love Island UK espera por nós.
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