[27] A teoria de uma vingança
"Um jantar. Precisamos de um jantar em família."
Meu pai me encarou de modo surpreso, como se eu tivesse revelado que nossa casa escondesse um tesouro milenar. Mia meio que deu de ombros e terminou seu café da manhã imersa em um outro lugar bem longe dali. Puxei uma cadeira e me sentei ao lado do meu pai.
"Qual é pessoal! Não curtimos um tempo juntos desde aquela feira de artesanato. E estou morrendo de vontade de passar um bom tempo testando as receitas da mamãe. Ouvi dizer que cozinhar tem um efeito calmante e eu estou precisando disso."
"Eu não concordo com essa última frase." Mia se levantou e colocou a louça suja na pia, se virando em seguida para me encarar de braços cruzados. "Quase morro de raiva quando tenho que passar algum tempo no fogão. Não quero e não nasci pra cozinhar, é isso."
"Como seria esse jantar, pequeno girassol?" Meu pai deu uma mordida no seu sanduíche.
"Um jantar digno de cena de filme. Teremos assados, grelhados tostadinhos, salada elaborada, bebidas e sobremesas de dar água na boca."
"Uma ação de graças adiantada?" Mia balançou a cabeça em negativo. "Não posso comer muita besteira antes do baile que vem aí. Meu vestido feito sob encomenda não suportaria uma ousadia dessa."
"Para de ser boba. Coma apenas o que você quiser! Vocês podem me ajudar a preparar as coisas também. Só o fato de estarmos juntos vai ser demais."
"Tabóm, eu aceito." Meu pai colocou uma mão em cima da minha. "Vou tirar os assados do forno para você."
Olhamos para Mia. Ela voltou a se sentar e começou a mexer no celular. Quando notou que olhávamos para ela com expectativa, revirou os olhos.
"Tabóm! Também vou participar. Mas não conte comigo para a cozinha."
Meu pai nos deu um abraço em conjunto. Encostei minha cabeça no seu peito feliz por estarmos juntos. Realmente, não existe coisa melhor do que uma família unida.
Minutos depois, quando meu pai teve que se levantar e ir trabalhar, Mia e eu trocamos olhares, pegamos nossas bolsas e fomos em direção ao seu conversível. Um misto de ansiedade e determinação corria dentro de mim. Acho que essa mistura meio que começou a ditar minha vida desde que Cornelia cruzou meu caminho, quando ela me deu esperança de que eu teria meu grande problema resolvido.
Mia estacionou o carro no meio fio e começou a buzinar no meio da vizinhança perfeita. Pearl saiu da sua casa de bonecas instantes depois, ostentando uma saia xadrez plisada que era igualzinha a uma que eu tinha e seu cabelo lindo e brilhante. Por instinto passei a mão no meu, que não chegava a ser tão brilhante como o dela, mas estava hidratado, macio e bem finalizado graças ao creme que eu tinha passado depois de sair do banho.
"O que ela está fazendo aqui?" Pearl notou que eu estava no banco de trás e não me olhou de um modo muito amoroso.
"É minha irmã, Pearl. E ela quer conversar com você."
"Não. Prefiro ir andando." Ela olhou para o horizonte e fez uma careta. "Não, eu vou chamar um Uber. Isso, vou chamar um carro."
"Você não vai de Uber se pode vir com a gente, Pearl." Mia saiu do carro e pegou o celular da mão dela. "É só uma conversa, não vai durar para sempre. Você só vai escutar uma vez. Ela quer esclarecer coisas que você merece saber. Dá uma chance para ela!"
Pearl cruzou os braços e dividiu o olhar entre Mia e eu. Bufou e deu a volta para entrar na parte de frente do carro.
"Ok, vou te ouvir. Mas quero beber um pouco de café antes disso."
Fomos até o café mais próximo e todas nós compramos cafés e donuts. Eu já tinha tomado café da manhã em casa, mas donuts eram sempre bem vindos. Comprei mais do que eu podia aguentar comer e andei com meu saquinho preenchido de paraíso fofo e doce até a mesa na qual as melhores amigas estavam sentadas.
"Bom." Pearl deu um gole na sua bebida e pousou o copo com delicadeza na mesa."Daqui há 25 minutos nossas aulas começam, então acho conveniente que você comece a falar."
"Ah." Olhei nervosa para minha irmã. Ela balançou a cabeça como se dissesse VÁ EM FRENTE! "Ok. Antes de tudo eu sei que deve ser horrível estar neste lado da mesa, da garota que..."
"Não enrola Ashlyn. Conta logo." Ela me fitava com um olhar no qual me senti ameaçada. Fiquei com medo de que ela jogasse o café dela em mim, então botei minha bolsa na frente, caso ela tentasse alguma coisa.
Contei exatamente tudo o que disse a minha irmã. Ela não me interrompeu em nenhum minuto, nem esboçou nenhuma emoção enquanto seus olhos estavam fixos nos meus. Acho que eu nunca tinha encarado uma pessoa por tanto tempo assim na minha vida, mas era preciso. Ela precisava entender que tudo o que eu estava dizendo era a mais pura verdade. De bônus, eu até mencionei às vezes em que Astrid deu uma de stalker por aí e no fraga que ela fez dela e de Theo. Quando terminei, dei uma mordida em um donut, me sentindo muito mais leve.
Eu tinha encarado a fera, pessoal.
"Astrid Berg é uma grande mentirosa Pearl, e todo mundo sabe disso." Mia complementou. "Ela manipula tudo. Lembra da vez em que ela espalhou pra todo o colégio que eu usei o dinheiro arrecadado nos eventos para comprar meu carro? O prazer dela é fazer os outros se ferrarem em cima das mentiras que ela conta, ou das provas fora de contexto que ela costuma espalhar por aí. Ela é uma fake news ambulante."
"Eu preciso de um chá gelado." Pearl passou a mão no meio do seu cabelo, dividindo seu olhar entre nós duas. "Bem caprichado, para jogar nas roupas cafonas de Astrid Berg. Não, precisamos de três. Vocês também vão me ajudar nessa. A vingança é doce, não é o que dizem? Vamos cobri-la de doçura. E um pouco de frieza também."
***
Foi surreal entrar no colégio naquela manhã. Nós três andávamos lado a lado, quase de modo sincronizado, como as meninas malvadas dos filmes de colegial costumam fazer. Cabeças viravam na nossa direção, surpresas pela união de duas pessoas que supostamente deviam estar brigando na cafeteria ou no estacionamento. Estávamos armadas dos copos de chá e não foi necessário caminhar muito para encontrar nosso alvo. Astrid estava na sala que o Grêmio dividia com o pessoal do jornal. Ela estava sentadinha em uma cadeira, mexendo no seu laptop imersa em seu mundinho de furos e persuasão. Pearl cutucou a garota nas costas e ela levantou a cabeça, notando as três.
"Bom dia Pearl, tudo bem?" Ela abriu um sorriso sem mostrar os dentes. "Precisa de algo?"
"Preciso que você pare de ser essa cínica que faz de tudo para sentir superior." A voz de Pearl era fria e direta. "Sei que você tem um ódio tremendo pelos populares, mas não pensei que ele era tão grande a ponto de você encarnar uma maldita psicopata stalker e inventar um monte de mentiras. Você superou minhas expectativas, viu."
"Pearl, que conversa é essa?" Ela se levantou e soltou um risinho nervoso. "Não estou entendendo nada. E o que elas estão fazendo aqui? Estão com cara de que querem me comer viva."
"Ah, a inocente Astrid que só quer entender a conversa da garota histérica que está desferindo palavras sem sentindo." Ela se aproximou da menina até que elas ficassem separadas por pouquíssimos centímetros. Astrid olhou para os lados. "Esse teatro não vai funcionar desta vez." Ela levantou o copo e abriu um sorriso doce. "Mas isso não importa. Te perdoo por ficar me perseguindo por aí, por fingir que se importava comigo e por inventar uma historinha maluca e posta-la naquele buraco de ratos que é o Sweet Scream. Sério, eu te perdôo por tudo isso. E espero de coração que me perdoe por fazer isso também."
Ela nem esperou que Astrid processasse suas palavras direito; logo tratou de tirar a tampa do copo e despejar com vontade toda a bebida na cabeça de Astrid Berg. Sons surpresos escaparam das bocas ali presentes e reparei que algumas pessoas tiraram seus celulares do bolso e começaram a gravar toda a cena. Astrid gritou como se estivesse sendo atacada por um serial killer e gritou mais alto ainda quando Mia e eu também esvaziamos nossos copos na menina. Ela tirou o excesso do chá com a beira da mão e olhou para nós com uma carinha nada boa.
"Vocês vão pagar caro por isso." Disse entredentes. "Agora mesmo vou a direção delatar esse ato de bullying que vocês acabaram de fazer comigo." E saiu da sala, deixando uma trilha de líquido melado pelo chão.
"Alguém gravou isso?" Pearl indagou da maneira mais calma possível. Metade dos celulares que eu vi, foram escondidos, mas umas duas pessoas levaram o braço, como se Pearl fosse uma professora e eles estivessem com medo de levar advertência. "Ótimo. É bom que vocês compartilhem isso com todo o colégio ou então vão provar um pouco de humilhação também." Ela olhou para Mia e eu. "Vamos embora meninas."
Saímos da sala do mesmo modo em que havíamos entrado, arrastando olhares chocados conosco. O sinal tocou um minuto depois, fazendo todos os alunos do corredor principal focarem em sua jornada matinal. Parei no meu armário e deixei que Mia e Pearl caminhassem sabe-se lá para onde. Bom, a manhã já tinha sido cenográfica demais.
E ela mal havia começado.
Francis Bacon dizia que a vingança é uma espécie de justiça selvagem. Eu Ashlyn Reed considero essa frase como melhor definição da palavra. Se vingar não é bonito, mas às vezes parece certo e necessário. A vingança não vai resolver as coisas em totalidade, mas o sabor dela é único e desejado, quase como essas coisas gourmet que custam o olho da cara e que você provavelmente vai comer/beber em poucos minutos, mas cada segundinho dessa experiência vai valer a pena. Talvez você se sinta incrível depois de se vingar de alguém. Talvez você se arrependa. Talvez você nunca tenha se vingado de ninguém. Enfim. Apenas posso dizer que uma ação selvagem de vez em quando não vai fazer tão mal aos envolvidos. Ah, e se prepare para o pior. Uma vingança pode gerar outro ato de vingança e esse ciclo pode ganhar vida até que se perca ela. Ui, essa última frase foi de arrepiar. Mas sério, leve bem a sério esse papo de se vingar. O melhor caminho é a conversa com certeza, e essa pode ser sua primeira opção. Se isso não deu certo, bom, talvez o melhor caminho para fazer algo correto é fazendo errado. É como Taylor Swift já cantava They say I did something bad, then why's it feel so good? Essa é a pergunta retórica que você precisa mentalizar quando estiver no meio de um ato de vingança. Vai por mim, essa música é uma ótima trilha de fundo.
*Texto pensado e redigido por: Ashlyn (Ashe) Reed.
Nenhuma parte deste material poderá ser copiada sem autorização da mesma, correndo o risco de sofrer terríveis consequências.
Atenção: algumas pessoas, lugares e eventos mencionados no decorrer dos capítulos, poderão ter seus nomes modificados a fim de preservar respectivas privacidades.
Ps: isso não é um diário. Te mato se eu souber que você acha que meus registros e experiências altamente profissionais não passam de puro clichê adolescente.
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