[24] A teoria de um momento ansioso

Mark estacionou seu carro de frente a entrada de uma garagem e me encarou. Eu ainda estava com o celular em mãos e o segurava com tanta força, que a ponta dos meus dedos estavam arroxeadas pela pressão.

"Seja muito bem vinda à minha casa." Ele saiu do carro, deu a volta e abriu a porta para mim. Fiz uma careta na qual ele notou e riu. "Estou sendo cavalheiro! Não é esse tipo de coisa que os caras costumavam fazer antigamente?"

"Sim." Sai do carro. "Mas é estranho ser cavalheiro depois de tantas vezes nas quais eu abri e fechei essa porta sozinha Mark Elliot. Além disso, eu não preciso de ninguém para abrir portas para mim."

"Ui, essa doeu." Ele botou uma mão no peito e fingiu uma expressão de dor. Eu apenas revirei os olhos e lhe dei um empurrão que não foi nem de longe forte, mas que ele dramatizou, cambaleando como se estivesse bêbado. Foi impossível não rir.

"Você devia entrar para o clube de teatro. É dissimulado o bastante quando quer."

"Não sei se encaro isso como um elogio ou insulto."

"Interprete como quiser."

"Ok, senhorita afiada. Bom, essa é a minha casa." Ele apontou para a construção linda de dois andares que estava na nossa frente. Ela me passava um ar de aconchego e união familiar pelos tijolos vermelhos. "Vamos entrar?"

"Entrar? Tipo, nós dois entramos na sua casa?"

"Sim, foi o que eu disse."

Dividi o olhar entre Mark e a casa que estava totalmente apagada. Era óbvio que não havia ninguém lá dentro.

"Me desculpa a pergunta Mark, mas onde seu pai está?"

"Trabalhando." Ele coçou a nuca. "Ele costuma fazer isso até às 9 da noite. É um saco, porque ele nunca para em casa e eu tenho que fazer tudo por aqui."

"Eu não acho tão certo que eu entre apenas com você na sua casa. É estranho."

"O quê?" Agora foi a vez dele fazer uma careta. "Não seja boba, Ashe. É só uma droga de casa. Estávamos até agora juntos e sozinhos dentro do carro."

"É totalmente diferente."

"Não, não é não. Olha, não sei o que está passando por sua cabeça, mas se eu quisesse ter sido um babaca com você, não acha que eu teria tentando alguma coisa nas primeiras vezes que nos falamos? Não sou sou esse tipo de cara, Ashe. Não vou agir como um idiota."

"Mas você é um idiota." Eu disse, arrancando um sorriso dos seus lábios.  "Ainda bem que conheço seu tipo de idiotice, não é? Ok, vamos entrar."

Mark destrancou a porta da frente e acendeu o interruptor central, que ligou todas as luzes da casa. Ele me fez sinal para entrar e lá fomos nós. O interior da casa dele transmitia aconchego e modernidade ao mesmo tempo, graças aos móveis de última geração que nem pareciam ter sido usados. Eu coloquei minha mochila no sofá com certa lentidão e segui Mark para sua cozinha que parecia ter saído de um cenário hollywoodiano.

"Vamos fazer algo para comer, estou morrendo de fome. Você não está?"

"Eu sempre estou com fome." Ele riu com minha resposta. "Quais tipos de ingredientes você tem para fazermos algo rápido?"

"Uhm, deixe-me ver..." Ele abriu uma das suas duas geladeiras inox e averiguou o conteúdo dela. Me aproximei do fogão. "Temos leite, ovos, algumas bebidas, verduras, algumas frutas e muita besteira como pudim de chocolate."

"Pudim de chocolate é ótimo. Mas você já experimentou uma coisa chamada avocado toast? Te juro que é muito gostoso e fácil de fazer. Você só precisa de um avocado, um pão que permita um pouco de recheio em cima dele, tomate, sal, limão e queijo!"

"Acho que temos tudo isso!" Seu tom de voz estava preenchido de animação. "Você só vai me deixar triste se disser que o tempo de preparo é longo."

"Vinte minutos, no máximo. É uma coisa bem simples, já vou logo te dizendo. Aprendi com a minha mãe."

"Sua mãe? Mas tipo, ela não faleceu quando você ainda era muito pequena?" Ele disse e no mesmo segundo colocou uma mão na cabeça. "Por que eu disse isso? Ok, pode me bater. Sou um babaca."

"Não, não tem problema falar sobre a minha mãe." Balancei a cabeça placidamente. "E ela não me ensinou nenhuma receita quando estava viva, infelizmente. Mas ela nos deixou uma dádiva chamada caderno de receitas. Na verdade é uma agenda antiga que ela reaproveitou. Ela está abarrotada de receitas das mais simples como um simples lanche, até uns lances mais sofisticados para reuniões em família ou jantares de gala. Hmm, você pode me passar algumas fatias de queijo para eu derreter aqui?"

"Claro." Ele se virou e me entregou o queijo. "Nossa, essa agenda me parece valer muito. É o tipo de coisa que você sempre vai guardar, não é?"

"Para mim, ela é mais valiosa que qualquer jóia ou tesouro escondido em qualquer canto do mundo. Não vou me desfazer dela nunca."

"Bom, o que eu tenho da minha mãe por aqui na verdade não é valioso para mim." Disse ele, bem de repente. "Ela me deixou um par de saltos quando decidiu que ia nos deixar aqui para morar na Austrália com um empresário do ramo de construção. Ela esqueceu os saltos no fundo do closet. Engraçado, não?"

Não sabia se Mark estava sendo irônico ou não, então não respondi nada. Pedi para ele o resto dos ingredientes e quando eu comecei a rechear os pães, ele se levantou da cadeira da bancada e começou a sair da cozinha.

"Ei, pra onde você vai?"

"Vou ao meu quarto. Você pode me emprestar seu celular por alguns minutinhos? Queria digitalizar as folhas e imprimi-las. Odeio ler textos em telas."

"Hoje em dia não se pede o celular de alguém sem que a pessoa esteja presente." Cruzei os braços. "Você pode muito bem espelhar meu aparelho e acompanhar tudo o que eu uso ou até mesmo instalar um malware que vai hackear meu instagram e destruir meu feed bonitinho com fotos sem nexo. Sorte que eu não tenho números de cartão de crédito aqui, senão eu ia ficar bem encrencada. Mês passado assisti um documentário de umas pessoas vítimas de..."

"Vem comigo e eu te garanto que não vou instalar nada no seu celular." Ele me encarou fixamente. "Ok?"

Balancei a cabeça em positivo e subimos os degraus que davam acesso ao segundo andar. O quarto dele era mais espaçoso que o meu e as paredes tinham um papel de parede bem clean. Bom, o foco não era o quarto, até porque eu não estava em uma boa vibe para ficar reparando em tudo. Entreguei meu celular a Mark e fiquei atrás dele, quando ele se sentou na sua cadeira e ligou o computador. Ele conseguiu passar as fotos e digitaliza-las e eu me senti menos tensa quando ouvi o som da impressora cuspindo algumas páginas.

"Prontinho." Ele organizou as folhas e girou a cadeira na qual estava sentado para que pudesse me olhar. "Você quer ler agora?"

"Eu quero comer primeiro. Tenho a sensação de que vou perder totalmente o apetite se eu não comer agora."

"Vamos descer então."

Descemos e lanchamos. Mark adorou o lanche e me coagiu a preparar outro. Aceitei, em parte porque eu queria outro também. Os papéis impressos estavam em cima da pequena mesa circular da cozinha e em todo o momento eu direcionava meu olhar para o móvel, sentindo meu coração bater cada vez mais rápido.

"Me fala alguma coisa engraçada que aconteceu recentemente com você." Pedi, colocando tomate nos pães. Mark me olhou de um modo curioso, mas ajeitou a postura e falou:

"Fácil. Um dia desses eu estava no mercado e fiquei encarando uma mulher, mas tipo, eu não estava encarando ela de fato. Meus olhos estavam fixos nela, mas minha cabeça estava em outro lugar, sabe? Te juro que não estava secando ela real. Bom, isso foi quando eu aguardava para ser atendido no caixa. Depois de pagar tudo e pegar as minhas compras, a mulher veio atrás de mim e me encarou daquele jeito meio... Daquele jeito, sabe? Ela perguntou se eu estava disponível para gogo boy, porque ela precisava de um para a sua despedida de solteiro."

"Isso é sério?" Comecei a rir tanto que faltou ar. Ele assentiu timidamente e deu um gole no seu suco. "E o que você disse?"

"Eu disse que eu tinha apenas 16 anos, não podia ser Gogo boy. Ela arregalou um pouco os olhos e se desculpou com as bochechas vermelhas. Para ela, eu tinha uns 25 anos. Foi o que a moça me disse. Eu falei que não fazia strip, mas cantava música e tocava violão, caso ela quisesse ter uma festinha com vibe mais acústica. Ela apenas me olhou com uma careta e me deu as costas, praticamente correndo para fora do mercado. Foi hilário."

"Eu imagino a cara dela de pânico. Você devia ter enfiado um cartão com seu número na bolsa dela."

"Não, mas isso não foi a coisa mais louca. Ontem, eu me encontrei com ela novamente. Ela estava com um carro estacionado na entrada do Foutman Institute, a espera de alguém. Eu fiz questão de ficar na frente do carro dela de um jeito bem descarado mesmo, e quando ela me notou ficou pálida, como se tivesse acabado de ver um fantasma. De repente vejo um aluno se aproximando do automóvel. Ninguém mais, ninguém menos que Cameron Brown. "

"Cameron Brown, o cara que ganhou uma medalha no ano passado de melhor debate?" Ele assentiu. "Ele é tão certinho e culto. Eu vi a mãe dele no ano passado! Ela tinha cara de advogada ou arquiteta."

"Ela é advogada. Mas quer se divertir um pouquinho antes de se casar." Entreguei o lanche pronto a ele e ele não esperou para dar a primeira mordida. "E você? Alguma coisa engraçada que aconteceu nessa semana para compartilhar?"

"Só o fato que eu fiquei até as três da madrugada assistindo vídeos sobre sequestros acompanhada de várias comidinhas gordurosas. No meio do processo eu senti um desconforto abdominal enorme e..." Fiz uma careta. "Não vou te deixar a par dos detalhes mórbidos porque estamos comendo. Mas posso dizer que o processo foi horrível, em parte porque eu estava tão paranóica que podia jurar que alguém tinha invadido minha casa e estava do lado de fora, esperando eu sair para me sequestrar. Fiquei uma hora inteira no banheiro criando coragem para sair."

Quando terminamos o segundo round dos lanches e o papo furado não fazia mais sentido, nós dois olhamos para os papéis. Não dava para não olhar. Mark se levantou e eu também. Ele pegou a pequena pilha de papéis e me entregou.

"Chega. Vamos terminar logo com isso."

Quando a ansiedade chega é importante afirmar a si mesmo que ela está acontecendo, mas que em breve vai passar. Respire fundo e se possível, tente se distrair, assistir alguma coisa ou comer algo. Nada dura para sempre como você deve saber. E focar nela só vai te deixar muito mais tenso, por isso se distrair é importante. Por mais que seja difícil, se esforce para fugir do foco ansioso. Contar isso para alguém de confiança também pode fazer o processo ficar mais leve.
Tenho certeza que se você focar nessas dicas, seu momento ansioso vai se resumir apenas a isso. Um momento.

**Texto pensado e redigido por: Ashlyn (Ashe) Reed.

Nenhuma parte deste material poderá ser copiada sem autorização da mesma, correndo o risco de sofrer terríveis consequências.

Atenção: algumas pessoas, lugares e eventos mencionados no decorrer dos capítulos, poderão ter seus nomes modificados a fim de preservar respectivas privacidades.

Ps: isso não é um diário. Te mato se eu souber que você acha que meus registros e experiências altamente profissionais não passam de puro clichê adolescente.

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