[19] A teoria de uma proposta


"O tempo acabou."

A professora passou recolhendo nossas folhas e eu suspirei em alívio por ter respondido todas as questões. Olhei de rabo de olho para Gillian e ela entregou a folha a nossa professora com uma expressão desgostosa.

"Não se preocupem, na próxima aula devolverei a avaliação corrigida." Ela colocou o volume de folhas em uma pasta. "Espero que todos tenham tirado uma boa nota."

O sinal tocou, fazendo todos juntarem suas coisas e partirem para sua próxima aula. Coloquei minha mochila amarela nas costas e virei a cabeça em busca de Gillian. A sua carteira já estava vazia. Dei de ombros e saí da sala toda serelepe, pegando uma barrinha de chocolate com amendoim que estava no bolsinho lateral da minha mochila e mordendo um pedaço generoso, enquanto andava no corredor apinhado de estudantes saindo e entrando em salas de aula. Quando eu estava subindo os degraus que davam para um outro corredor de salas, senti um puxão no braço e quase caí. Astrid Berg me encarou com as sombrancelhas arqueadas e um sorriso estranho, no qual estranhei de primeira.

"Olá, Ashlyn. Como vão as coisas?"

"Estou bem, Astrid. Olha, eu agradeceria muito se você não ficasse puxando o meu braço toda vez que a gente se encontrasse. Parece que agora todo mundo quer ficar me puxando para lá e para cá, como se eu fosse um cachorrinho preso a uma guia. Eu não sou um cachorrinho, apesar de achar que os Buldogues Franceses refletem muito a minha personalidade. Mas sério, se quiser falar comigo, pode só chamar meu nome que eu escuto ou me manda uma mensagem ou coisa parecida, ok? Não vou ficar brava se eu pegar o celular e você tiver me enviado umas 500 mensagens."

"Não quero saber se você gosta dos meus puxões ou não." Ela ajeitou seu óculos e sorriu sem mostrar os dentes. "A questão aqui é que você vai me ajudar na matéria do jornal."

"Dispenso essa. Obrigada pelo convite." Comecei a subir os degraus e ela me puxou novamente. "Ai! Qual é o seu problema?"

"Não estou te dando opções, Ashlyn Reed. É uma ordem."

"Desde quando você me dá ordens?" Eu provavelmente estava fazendo uma careta. Desde quando aquela maluca achava que podia mandar em mim?

"Desde que eu descobri o seu segredo." Respondeu casualmente. "Confesso que demorou um bocado,  semanas que perdi te seguindo por todos os lugares e tal. Aposto que você nunca me viu atrás de você! Modéstia a parte, sou uma excelente espiã."

Confesso que no mesmo segundo em que ela terminou sua primeira frase, eu fiquei estática. Não, aquilo tudo era uma mentira. Era óbvio que ela não sabia sobre as faixas três e estava inventando essas coisas apenas para me fazer aceitar sua ordem. Astrid Berg não passava de uma grande caluniadora.

"Espera aí. Não estou entendendo nada.  Sobre o que você está falando?" Balancei a cabeça. "Não, quer saber? Você é uma maluca. Nem vou pensar em ficar aqui ouvindo suas maluquices."

Subi os degraus o mais rápido que pude, impedindo aquela garota de me puxar novamente. Infelizmente ela conseguiu me alcançar e bloqueou minha passagem.

"Você não vai escapar dessa vez, garota. Sei que você e Mark estavam juntos mesmo quando ele namorava a Pearl. Eu fraguei os dois aqui no Foutman Institute no período noturno exatamente no mesmo dia em que eu também havia fragado Pearl e seu affair do rock n roll, o senhor Theo Becker se agarrando descaradamente atrás da lanchonete. Com uma pesquisa minuciosa, acabei descobrindo que você e Theo eram bem próximos, não é? Bom, nem tente desmentir os fatos. Se bobear, vou correndo contar tudinho para Pearl e eu tenho certeza que esse momento de revelação vai se resumir a briga no corredor e muita puxada de cabelo."

Tentei não rir com a extrema confiança dela. Graças ao bom Deus, eu tinha razão! Não era nada sobre as Faixas Três. Astrid Berg havia juntado cenas isoladas e criado uma história na sua cabeça que não era exatamente uma realidade. Tentei expressar choque e medo.

"Me diga no que exatamente você quer que eu te ajude." Cruzei os braços. "Digo de antemão que se eu não gostar, me desligo do serviço, mesmo que isso signifique que eu perca um pouco do meu cabelo. É isso."

"Bom, parte dessa conversa me agrada." Ela me deu as costas e caminhou em direção a uma das nossas salas de estudo. Eu a segui com cautela.

"Sempre estou de olho em algumas pessoas." Astrid se sentou em uma mesa equipada com um laptop e bateu no assento ao seu lado. Me sentei um pouco hesitante e ela começou a digitar algo na barra de endereço da página. "Nunca se sabe quando você vai descobrir algo relevante contra a reputação de uma pessoa. Ao contrário do que muitos pensam, eu não fico atrás do meu alvo 24 horas por dia. Permanecer apenas 2 horas vigiando alguém já é o bastante para conseguir algo bom. Existem exceções, claro. Você foi uma delas. Alimento um ódio genuíno por pessoas secretivas. Elas geralmente falam com pouca gente e não se expõem com facilidade. Daí eu preciso recorrer a práticas nada agradáveis que não vou compartilhar com você, mas que me deixam de mal humor por conta das horas em que tenho que me empenhar para atingir o meu objetivo. Mas enfim. Não é segredo para mim que Mark Elliot e você estão andando para lá e pra cá juntos."

Ela entrou no Instagram de Mark Elliot e um feed cheio de fotos em campo e selfies desajeitadas, mas carismáticas de alguma forma, preencheram cada pixel da tela do laptop.

"Não é segredo também que ele tem uma legião de garotinhas que o seguem por aqui. Abra um comentário de uma foto e você deparará com centenas de comentários, elogios, coraçõezinhos para lá e para cá."  Ela revirou os olhos. "Isso me cansa. Será que só eu me canso com perfis de pessoas populares? Eles claramente são pessoas inseguras e precisam de aprovação extrema. Não sabem fazer nada sozinhas e quando são ajudadas, acham que de alguma maneira estão ajudando as pessoas que lhe ajudaram. Eles não fazem merda nenhuma. "

"Gente popular também tem insegurança ok, entendi. Mas onde você quer chegar?" Me encostei na cadeira e apontei para a tela. "Seu discurso está meio confuso para mim."

"Quero que você traga para mim um segredo sobre Mark Elliot." Ela fez uma pausa dramática. "Não uma coisa boba como dizer que ele tem chulé ou mistura alimentos que não deveriam ser misturados. Tem que ser uma coisa séria, que o faça se contorcer de medo, caso uma pessoa como eu saiba. Para você vai ser fácil descobrir alguma coisa, agora vocês estão sempre juntinhos. Se puder gravar, vai ser ainda melhor. Não pretendo postar isso no jornal. Quero postar no Sweet Scream."

Pisquei atônita. Sweet Scream era um blog bem popular na cidade entre os adolescentes, cheio de fofocas sobre alunos dentro e fora do nosso colégio. Ele tinha vários de colaboradores anônimos eu sempre havia desconfiado que Astrid era uma, dada à sua natureza bisbilhotera e intrometida. Bom, voilà! Suspeitas confirmadas.

"Eu aceito." Não me pergunte porque eu disse aquilo. Pensei que poderia me aproveitar um pouco de Astrid sem ela saber. Só não sabia exatamente como. Pelo menos eu tinha uma carta na manga que era a sua lógica equivocada. Era até bom que ela pensasse que Mark e eu éramos de alguma forma um casal. Pelo menos ela não tinha noção sobre o nosso maior segredo. E isso me deixava de alguma forma, confiante.

***

No horário de intervalo, corri em direção a mesa onde Mark e todo o time de futebol costumava se sentar. Alguns jogadores me olharam como se eu fosse uma coisa totalmente nova no seu campo visão, apesar de eu ter estudado com a metade deles.

"Ashe!" Mark abriu um sorriso surpreso quando me notou. Ele estava sentado ao lado de um colega de time e os dois bebiam café gelado. "Que surpresa ver você por aqui. Tudo bem?"

"Posso falar com você?" Indaguei em meu tom mais baixo e contido. "Por alguns minutinhos?"

"Ah sim, claro." Ele se levantou e pegou a sua mochila. "Eu já volto pessoal."

Caminhei ao lado de Mark para o gramado do colégio. Sabia que nem Pearl, nem Mia e muito menos Astrid estariam lá. Muitos alunos não frequentavam o gramado pela presença de drogados e encrencreiros que  curtiam passar o intervalo ali. Eu particularmente adorava o fato de que pouca gente não gostava de ficar no meio de todo aquele verde, porque assim eu poderia passar pelo menos os 15 minutos do meu intervalo em paz. E felizmente nunca fui incomodada por nenhum aluno chapado. Pensando bem, talvez as pessoas pensem que uso drogas. É, pode ser isso! Talvez seja por isso que quase ninguém se aproxima de mim, muito menos fala comigo. Talvez seja uma combinação do possível consumo de drogas e minhas roupas. Aposto que algumas pessoas pensam nisso. Por que nunca pensei nessa teoria antes? Não que eu fosse deixar de frequentar o gramado e vestir minhas roupinhas por possíveis boatos.

Mas voltemos a narração. Atravessamos o gramado e eu me sentei debaixo da árvore na qual estou acostumada a sentar. Mark se sentou do meu lado e me ofereceu um muffin embalado que tirou da mochila.

"Ah obrigada, mas não quero."

"Ok, tem coisa estranha acontecendo. Aposto que você não negaria um muffin se tudo estivesse bem."  Ele franziu a testa. "É por isso que quer conversar?"

"Sim. Eu queria ter te mandado uma mensagem ontem, mas me esqueci. Você tem treino hoje?"

"Não."

"Perfeito. Temos que ir a um lugar. Mas antes de tudo preciso te contar uma coisa que aconteceu depois que sai do teste de literatura? Ah! Eu não te vi na sala na hora do teste. O que aconteceu?"

"Hmm... Eu preciso mesmo te contar?" Ele levantou a cabeça e olhou para o céu azul. "É meio que particular."

"Ok, não me conte então." Repliquei, não conseguindo esconder o tom irritado. Era claro que ele não precisava me contar nada que não quisesse. Pensei que como éramos amigos, íamos contar tudo um ao outro. Eu tinha visto coisas assim nos filmes e acreditado que no dia em que tivesse amigos a coisa ia funcionar assim. Ou tudo era só questão de tempo. Bom, eu não sabia.

"Você não está irritada com isso, está?"

"Eu, irritada? Claro que não."

"Mas parece. Bom, vou arrumar um jeito de tentar fazer essa prova depois, mas agora não adianta muito chorar pelo leite derramado."

"Fico feliz que você vai pelo menos tentar fazer a prova. Seria meio que lamentável você ficar com zero por culpa de algo que estava fazendo e não quer me contar. Está bem claro que você não confia em mim.""

"Viu?" Ele sorriu triunfante. "Você está nitidamente irritada, Ashe Reed. Dá notar, porque seu nariz começa a se mexer a cada palavra que sai da sua boca. É como se você estivesse segurando um espirro, sei lá. E tem também a sua testa que está com três calombos, além dos seus olhos estreitos."

Revirei os olhos. Senhor, eu estava agindo como uma namoradinha ciumenta, que queria saber de cada passo do namorado. Agora eu enxergava mais ou menos porque Astrid achava que nós éramos um casal. Estávamos conversando como um típico casal adolescente. Fiquei ainda mais irritada, mas comigo mesma. Por que eu me atrevia a querer saber o que Mark Elliot fazia ou deixava de fazer? Aposto que ele estava agarrando alguma garota no banheiro, algo mais importante para ele do que se sair bem em uma prova.

"Estou mesmo irritada. Mas esse realmente não é o ponto que não nos trouxe aqui. Quero falar sobre Astrid Berg. Ela está teimando comigo já fazem alguns dias. E tem certeza absoluta que sabe sobre o meu segredo."

"Seu segredo?" Ele arregalou os olhos. "Tipo, ela sabe? É sério isso?"

"Ela acredita que meu segredo é que você e eu temos alguma coisa. Ela também acha que você de alguma forma estava traindo a Pearl comigo, o que é muito drama mexicano para pouco espaço, não concorda? Acho que Astrid seria uma ótima roteirista."

Mark começou a rir como se eu tivesse acabado de contar uma piada. Ele tinha uma risada tão escandalosa e engraçada que eu comecei a rir também.

"Isso foi ótimo! Essa garota é uma completa maluca, mas hoje ela conseguiu ter umas  alucinações boas. Será que ela não está fumando baseado por aqui na hora do intervalo?"

"Não brinca com isso." Fiz uma careta. "Mas ela é uma psicopata legítima. Não precisa de entorpecentes para ser uma paranóica. Mas vamos falar sobre você me levar a um lugar hoje. " O sinal bateu, fazendo Mark olhar para mim com certa pressa. "Ah sim, o sinal. Bom, te conto tudo mais tarde, não se preocupe. Acho que posso tentar resumir o nosso passeio como uma coisa bizarra. Tão bizarra quanto as faixas três."

"Não acredito. Acho que para nós não existe coisa mais bizarra que ouvir uma faixa três." Ele pegou o muffin novamente e colocou na minha mão. "Fique com ele. Aposto que você não comeu nada agora no intervalo. Prometo que mais tarde te pago um lanche no caminho ao nosso destino bizzaro. Até lá."

Observei Mark se levantar e caminhar de volta ao prédio, me sentindo um tanto esperançosa. Eu particularmente adoro quando ganho comida grátis e ainda mais de surpresa. É quase como ganhar um sorriso de um desconhecido ou achar dinheiro jogado por aí. Acontecimentos engraçadinhos que geram a dopamina necessária para se viver mais um dia.

Assim como a teoria da reconciliação, a teoria de uma proposta tem que partir das duas partes. Uma proposta boa é aquela que irá beneficiar ambos. Ninguém deve sair prejudicado. Uma proposta pode implicar um negócio (não importa seu tipo), a criação ou finalização de algo. Ela pode estar presente na sua vida agora tanto quanto ela estava para mim neste dia. A questão é chegar a uma conclusão que possa te deixar com a sensação de estar trilhando o caminho certo.

**Texto pensado e redigido por: Ashlyn (Ashe) Reed.

Nenhuma parte deste material poderá ser copiada sem autorização da mesma, correndo o risco de sofrer terríveis consequências.

Atenção: algumas pessoas, lugares e eventos mencionados no decorrer dos capítulos, poderão ter seus nomes modificados a fim de preservar respectivas privacidades.

Ps: isso não é um diário. Te mato se eu souber que você acha que meus registros e experiências altamente profissionais não passam de puro clichê adolescente.

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