[11] A teoria da confissão
Eu não abri a boca por uns bons minutos.
Saímos com mais pressa daquele café do que quando saímos do colégio. Parecíamos dois assaltantes que tinham acabado de sair de um assalto a mão armada. Voltamos ao colégio – ou sendo mais específica para o estacionamento dele – e Mark destrancou o seu conversível com uma rapidez que me deixava cada vez mais assustada. Qual era o problema daquele maluco? Não era normal surtar no meio de um café, assim, do nada. Um término definitivo de namoro não devia causar tantos efeitos colaterais.
"Entra." Ele indicou a porta ao lado do banco de motorista e eu entrei no carro. Mark deu a partida e em questão de poucos segundos estávamos fora da área escolar, em uma estrada de mão dupla que dava para o centro da cidade.
"Ok." Não consegui me segurar. Eu queria respostas. "O que foi aquela cena no café? Você estava com o olhar preenchido de pânico. Nem parecia o Mark confiante que todo mundo conhece. Parecia alguém... com medo. É! Com medo. Você parecia um gato arisco."
"Um gato? Você me acha um gato?" Ele me olhou por um milésimo de segundo e pude perceber que sua expressão alarmante estava dando espaço para a sua típica, brincalhona.
"Não tenta mudar de assunto. E você parecia um gato no sentido pejorativo da palavra. Todo nervoso e tal. Você sabe que pode confiar em mim para me contar o que está acontecendo. Não sou fofoqueira, isso só vai ficar entre a gente e ponto final. Te dou a minha palavra de escoteiro." Fiz o gesto de juramento dos escoteiros com os dedos.
Mark passou algum tempo sem fazer nada. Parecia estar com uma grande questão interna e era óbvio que perguntava a si mesmo se abrir a boca para me contar era a melhor opção. Bom, deixei para lá. Se ele não quisesse falar nada, tudo bem. Encostei o braço na porta do carro e comecei a observar o movimento da cidade. O dia estava mais uma vez nublado, no entanto abafado o bastante para as pessoas vestirem roupas de manga curta e tomarem sorvetes de casquinha.
Entramos em uma rua tranquila e Mark estacionou o carro de frente a uma área verde que muitas pessoas aproveitavam para caminhar, passear com os cães ou fazer pequeniques. Tentei disfarçar a minha confusão e olhei para ele, que estava com os olhos vidrados no volante.
"Tá. Talvez você não me entenda, me ache um maluco, doido de pedra ou qualquer coisa assim, mas..." Ele virou a cabeça para me virar. "Mas eu preciso te contar. Alguma coisa dentro de mim diz que você é confiável. Só espero que me deixe contar o lance completo e depois você fica livre me chamar de louco."
"Ok louco." Disse mais para descontrair, porém notei que ele estava mesmo nervoso. Engoli em seco e balancei a cabeça. "Tudo bem, me desculpa. Pode começar."
"Começou faz um tempo." Suspirou. "Na verdade começou no ensino fundamental, quando eu ainda achava que as garotas engravidavam com um beijo e eu tinha receio de beijar qualquer uma." Tentei manter a expressão neutra. "Bom. Era um dia qualquer. Férias de julho. Eu acordei tarde e fui para cozinha tomar café. Depois resolvi andar um pouco de bicicleta por aí. Peguei meu Ipod, botei meus fones de ouvido e lá fui eu."
"Na época eu ouvia quase tudo o que os meus pais ouviam. E eles gostavam muito de Oasis. Ainda gostam. Esse gosto foi passado para mim. Meu álbum favorito deles é o Be Here Now, de 97. Eu ouvia o dia inteiro, sei tocar algumas músicas dele no violão. Mas enfim. Como de costume botei esse álbum pra tocar e ouvi alegremente as primeiras três músicas seguidas. Mas resolvi deixar repetindo a Magic Pie. Na época, eu estava viciado nessa música, ela me fazia sentir coisas que eu nunca havia experimentado, pensamentos complexos que ainda não tinham passado pela minha cabeça. Mal eu sabia que aquele dia ia mudar muitas coisas no meu estilo de vida.
Magic Pie fala basicamente sobre viver intensamente, chegar em um dia e partir em outro. Eu pedalei em direção a casa do meu primo Jonas que morava há 2 quilômetros da minha casa, totalmente imerso na emoção da música. Eu não gostava muito de Jonas. Na verdade eu meio que o criticava internamente, porque ele vivia conversando com sua tartaruga Chaplin e usava gravatas borboletas em todas as ocasiões que podia. Era tudo muito atípico para mim. Mas ele era o único garoto que eu tinha para brincar e pode apostar, passar o dia com aquele menino era bem melhor do que ficar em casa e ter que aguentar meus pais brigando a todo momento por coisas idiotas. Os meninos do colégio eram tapados demais, normais demais para o meu gosto. Pelo menos Jonas fugia dos estereótipos, mesmo eu não indo muito com o seu estilo. Cheguei na casa dos meus tios, joguei a bike no gramado e entrei na casa sem muita cerimônia, à procura de Jonas. A minha tia disse que ele não estava ali, que havia acabado de sair com meu tio para comprar algumas latas de tinta. Resolvi esperar. Esperei por 3 horas. A loja de materiais de construção ficava há 15 minutos da casa dele, a demora começou a me parecer estranha. E foi aí que eu e minha tia Meggie recebemos a notícia: um louco embriagado bateu no carro deles e os dois foram levados para a emergência."
"Nós corremos para o hospital. Consolei minha tia da forma que pude, mas eu estava tão nervoso quanto ela. Meus pais chegaram logo em seguida. Um médico apareceu cerca de 2 horas depois, com uma notícia terrível nas mãos. Meu tio havia sofrido lesões graves, mas passava bem. Jonas havia falecido por causa de uma hemorragia interna."
Mark pausou um pouco para respirar. Notei que seus olhos estavam marejados e que era difícil para ele contar tudo aquilo. Por impulso peguei sua mão direita e apertei contra as minhas, como uma forma de apoio.
"Se quiser, pode parar por aqui. Você não precisa contar necessariamente tudo só porque começou."
"Não, eu vou até o fim." Ele piscou os olhos para espantar as lágrimas e ajeitou a postura." Bom. Jonas foi enterrado no dia seguinte e eu tentei não ligar para a voz que ficou me atormentando nos dias seguintes. Ela dizia que aquela música fez Jonas morrer. Que eu era o culpado. Desde então eu nunca mais a escutei."
"Então você meio que pegou um trauma da música? Isso não é sua culpa, Mark. Não foi você que bateu no carro do seu tio. Você não foi a causa, não cumpra um papel que nunca foi seu."
"Só me deixe contar o resto da história." Ele balançou a cabeça com uma expressão perplexa. "Duas semanas depois após a morte de Jonas, eu ouvi Another One Bites the Dust do Queen e quase fui morto também, só que por um pessoal da barra pesada que me confundiu com um outro garoto que tinha algumas dívidas com eles. Você sabe sobre que a música fala? Sobre alguém que vai ser pego por alguém e também fala sobre metralhadoras e balas. E ah! Curiosamente é uma música 3. Faixa três. Qual é a conclusão de tudo isso?"
Não consegui fechar a boca. Meus olhos estavam regalados ao extremo. Não, não, não. Não. Mark Elliot não podia, ele não...
"Bom, uma coisa estranha sempre acontece sempre que eu ouço uma faixa três. Eu vivo a música, literalmente." Ele notou que eu estava em choque e deu de ombros. "É isso. Pode me chamar de louco o quanto quiser. Pelo menos sei que estou falando a verdade. Se quiser, pode sair do carro agora mesmo e fingir que nunca me conheceu. Eu vou superar isso. Sei que vou."
"Mark." Minha voz era apenas um sussurro. Minha visão começou a embaçar. "Mark, você não é louco. Não. você não é louco, nem um pouquinho louco."
"Ah..." Ele estreitou os olhos. "Obrigado? Você está gozando de mim?"
"Não. Porque eu tenho a mesma coisa que você. Eu também sou afetada por toda a faixa três que eu escuto."
Em geral confessar algo, significa trazer a tona elementos ou acontecimentos passados. Confessar pode te libertar ou te prender. Uma confissão pode vir para trazer surpresa, ódio ou apenas uma confirmação do óbvio. Bom, não importa o tema nem a época em que uma verdade incoveniente vier a tona. O importante mesmo é saber que quando uma pessoa te dizer que precisa te confesar algo ou querer te contar uma história, é bom você estar armado com uma garrafa de água, lencinhos e algo para comer. Sempre procurem estar com uma almofada para não caírem, astronautas. Fica aí a dica em metáfora.
Texto pensado e redigido por: Ashlyn (Ashe) Reed.
Nenhuma parte deste material poderá ser copiada sem autorização da mesma, correndo o risco de sofrer terríveis consequências.
Atenção: algumas pessoas, lugares e eventos mencionados no decorrer dos capítulos, poderão ter seus nomes modificados a fim de preservar respectivas privacidades.
Ps: isso não é um diário. Te mato se eu souber que você acha que meus registros e experiências altamente profissionais não passam de puro clichê adolescente.
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