Capítulo 10

Elas andavam de um lado para o outro naquele imenso cômodo, ambas pensativas e confusas. Elas ainda não acreditavam no que haviam acabado de fazer, coisa essa que era uma espécie de quadro com fatos e hipóteses sobre o tal "herói misterioso", que salvou Lucy na noite anterior. Algumas hipóteses apontavam para o estranho criado Ferguson e enquanto os outros fatos, seguiam os relatos dos jornais sobre o tal serial killer que deixava as suas marcas com a letra K no pulso ou nas mãos das vítimas. Além disso, o tal herói alegava se chamar Kemal - nome esse que a moça havia dado a coruja que pousou na sua varanda -, mas não havia lógica e nem explicação dele ser a tal ave. Somente se o mesmo fosse um bruxo ou feiticeiro. Lucy não acreditava em tal coisa, mas Mabel sempre acreditou, talvez seja por conta de suas leituras com livros com enredos que envolvam magias e fantasias. Talvez não seja, porém, do mesmo jeito, ela ainda acreditava que Colin era um bruxo ou feiticeiro. Talvez poderia ser. Ou não.

- E se ele for um feiticeiro? - Mabel sugeriu andando de um lado para o outro. - E está aqui somente para completar a sua missão?

Lucy franziu o cenho e sentou-se em sua cama.

- Missão? - ela questionou. - Que tipo de missão? Só se for matar pessoas e deixar marcas nos cadáveres?

Mabel revirou os olhos em sinal de ódio.

- Lucy, eu tô sugerindo de que a missão dele seja uma suposta vingança! - ela respondeu agora parando em frente a moça. - E que ele esteja se vingando de um ente falecido dele...

A filha do Conde franziu levemente o cenho pensativa. Será que era isso?

- Pode ser. Mas não é nada concreto ainda, Mabel! - ela respondeu levantando-se da cama. - Precisamos ir mais a fundo. Precisamos investigar mais!

- Sim, mas como iremos fazer isso? - perguntou a Srta. Swire. - Nós não somos nenhum detetive!

- Óbvio que não, Mabel! - Lucy andou agora até a porta da varanda e observou o jardim. - Precisamos interrogar alguém muito veterano e que seja dessa cidade...

Mabel assentiu.

- Sim, mas quem...? - ela ficou pensativa e sorriu ao lembrar-se de alguém. - Pelo o que eu me recordo, na rua Mareville mora um antigo morador dessa cidade e é amigo de minha mãe há muito tempo.

Catherine assentiu.

- E quem é este? - perguntou a filha do Conde.- Porque, se caso não conseguirmos ir até ele, poderemos questionar o Sr. Townsend, pois ele é um dos mais antigos funcionários e eu duvido dele não ser de nada que ocorreu na família de meu pai por trás das cortinas.

Mabel assentiu.

- Bom, este amigo de minha mãe é o Sr. Sanders. Mora aqui desde os seus dois anos de idade.

- E quantos anos ele tem hoje?

- Oitenta e nove.

Lucy assentiu.

- Ou seja, ele mora desde a fundação de Bridgetown! - Catherine completou. - Nossa, ele é bem velho...

Swire assentiu.

- Mas, antes iremos interrogar o Sr. Townsend... - Lucy disse agora voltando a sua cama. - Pois, ele é o mais próximo e eu duvido dele não saber de nada sobre o Sr. Ferguson!

A prima da jovem Welland sorriu e assentiu mais uma vez.

- Muito bem, vamos.

Mabel ficou confusa.

- Mas agora?

- Sim, quanto mais cedo desvendarmos esse mistério... - Lucy respondeu. - Mais rápido teremos a resposta de tudo!

Mabel revirou os olhos e aceitou.

- Está bem... - ela disse em uma expressão de tédio. - Vamos logo!

Lucy sorriu e elas saíram do cômodo. Elas seguiram andando pelos corredores, onde vezes ou outras cochichavam e riam de alguma coisa que aparentemente era engraçada. Tudo estava ocorrendo bem, até que Edith apareceu na curva do corredor, onde estava encostada na parede e fumava um cigarro. Com a sua velha expressão fechada e tediosa, ela fumava e baforava a fumaça do cigarro igual à uma chaminé de uma locomotiva. Quando a mulher bateu os olhos nas duas moças, ela teve o prazer de abrir um sorriso malicioso no rosto, além de aproximar-se das jovens e com o mesmo intuito de sempre. Insultar.

- Do que as duas tontas estão rindo? - ela abriu agora um sorriso maldoso. - Vamos conte para mim...

Lucy fechou a sua expressão e a olhou dos pés a cabeça.

- Do que estamos rindo ou fazendo, não é da sua conta, sua ordinária! - Lucy respondeu para a mulher, que rapidamente mostrou a sua velha expressão maldosa. - Agora se nos der licença, eu e Mabel precisamos ir!

Mabel assentiu e ambas fizeram menção de irem andando, mas Edith segurou a mão de Catherine.

- Você se esqueceu que agora quem manda em você, sou eu? - Edith disse quando em sussurro. - Ou seja, deve me respeitar como eu mereço, está bem?

Lucy agora tremia, mas não era de medo e sim de raiva.

- Você merece ser é morta... - ela respondeu no mesmo tom que Edith. - Ou então devorada por um tubarão do Golfo de Biscaia*!

Edith agora estava surtando de ódio por dentro, ela sabia que Lucy poderia enfrentá-la sem medo algum, mas também sabia que ela poderia usar a sua ignorância para incriminá-la.

- Deixe o seu querido papai saber que você me insultando... - ela disse com um sorriso malicioso agora estampado no rosto. - E vamos ver quem merece morrer!

Lucy fez a mulher soltar o seu braço e por fim se afastou.

- Vamos ver em quem ele vai acreditar... - ela disse ainda explodindo de ódio por dentro. - Se é em sua filha ou em um demônio disfarçado de mulher!

Edith agora estava igual a um vulcão em erupção e que poderia inundar o corredor com uma lava super quente.

- Muito bem, se me der licença, eu preciso ir. -ela disse juntando-se a Mabel. - Vamos Mabel e ignoremos tal infortúnio.

Elas prosseguiram andando pelo local e deixando para trás uma explosiva e raivosa Edith, que pegou o seu cigarro e atirou na direção das duas garotas, mas por sorte, este não as atingiu.

Foi literalmente uma grande batalha para encontrar o Sr. Townsend, que por aquela hora devia encontrar-se no salão dos fumantes, recolhendo as cinzas dos cinzeiros das poltronas, mas as duas garotas chegaram lá e não o encontraram. Depois partiram para a sala de jantar dos funcionários, onde encontrou apenas a Sra. Winters, elas o questionaram e as mesma afirmou que não sabia. Logo após, partiram para a cozinha e lá não o encontraram, apenas a ajudante, a Srta. Burns, que também alegou não ter visto durante a manhã. Elas saíram dali e por fim chegaram ao corredor dos quartos dos criados, onde não encontrou ninguém. Nem mesmo Colin. Depois, elas saíram novamente dali e prosseguiram agora em direção ao jardim, onde encontraram um funcionário. Este era o serviçal Allan Latimore.

- Latimore, você viu o Townsend nesta manhã?- Perguntou Mabel. - Procuramos por ele durante toda essa manhã e não o encontramos!

Allan ficou pensativo por alguns minutos.

- Bom, a última vez que eu o vi, foi no portão principal juntamente com um detetive! -respondeu o serviçal. - E ele provavelmente está lá porque o Sr. Bloodvessel teve de sair com o Conde ao departamento de polícia da cidade!

- Muito obrigada, Sr. Latimore!

Elas correram até o topo da ladeira que levava ao portão principal da mansão, chegando lá, avistaram o chefe dos serviçais subindo o monte com uma caixa de papelão, onde tinha alguns materiais. Elas esperaram pelo homem, que vinha calmamente subindo e por fim chegou até elas.

- Sr. Townsend, você pode nos ajudar em uma coisa?

- Sim senhoritas, em que lhe posso ser útil?

- Nós acompanhe, Townsend! - Lucy disse agora andando calmamente. - Precisamos que você nos responda uma coisa.

Townsend assentiu.

- Bom, o senhor pode nos responder algumas perguntas sobre o criado Ferguson? - Lucy questionou o homem. - Responda-me sobre onde o conheceu e porque o contrataram?

Townsend soltou um suspiro forte e pesado.

- Bom, eu o conheci durante um festival na principal igreja da cidade, onde ele servia como garçom nessa festa. - Townsend dizia enquanto as duas garotas prestavam atenção. - Eu notei que ele era ágil, prestativo e muito inteligente, tanto que até chamou a atenção do Conde Welland!

Lucy assentiu.

- E com isso, o interrogamos, conseguimos contrata-lo e o designamos como primeiro criado, ele subiu a este cargo após o Sr. McCoy ser demitido por razões desconhecidas... - Townsend fez uma pequena pausa. - Provavelmente decisão do Conde...

Lucy assentiu.

- Mas assim, você conhece algo sobre o passado do Sr. Ferguson?

Townsend ficou pensativo por longos segundos.

- Não, não conheço nada sobre ele. - respondeu o chefe dos lacaios. - Sei apenas que este morava na rua Mareville, na casa de número trezentos e quarenta.

Lucy olhou para Mabel que sorriu.

- E você sabe mais alguma coisa? - Mabel questionou. - Por exemplo, com quem ele morava? Se ele tinha algum ente nesta cidade?

Townsend ficou mais um pouco pensativo.

- Não, eu não sei mais nada a partir deste fato, Srta. Swire! - respondeu o chefe dos lacaios, enquanto a moça assentiu. - Agora, se me derem licença, eu preciso voltar ao meu trabalho. Com licença!

Não demorou muito para que o chefe dos lacaios evaporasse dali, deixando uma Lucy e Mabel pensativas e intrigadas com todo aquele caso.

- Essa história dele não saber com quem o Sr. Ferguson morava está mal contada! - comentou a Srta. Swire. - Como contratam um funcionário desconhecido e não sabem nada sobre ele.

- Sim, mas precisamos ir mais a fundo! - Lucy disse agora com um tom mais misterioso. - Porém, já sabemos que ele morava na mesma rua em que o amigo de tia Francine mora!

Mabel assentiu.

- Pedirei a minha mãe que nos leve até a casa do Sr. Sanders hoje a noite! - Swire disse com um ar de alegria. - E hoje, descobriremos mais sobre a família do Sr. Ferguson!

- Mas tia Francine irá desconfiar se pedirmos isso a ela sem dizer nada... - Lucy respondeu meio preocupada. - Provavelmente ela nem nos levará até lá!

Mabel sorriu.

- Não se preocupe, Lucy! - disse a jovem tranquilizando a outra. - Eu conheço minha mãe e com certeza ela irá nos ajudar!

Lucy sorriu.

- Assim esperamos!

Elas assentiram.

Não demorou muito para que o Conde Welland retornasse da cidade com o delegado do departamento de polícia de Bridgetown, onde este veio especialmente para recolher o relatório sobre a tal tentativa de assalto que Lucy sofrera. Este era o mais renomado delegado de Bridgetown, o Sr. Beaufort, nomeado o melhor delegado, ele já desvendara inúmeros casos de assassinatos, furtos e outros crimes naquela cidadezinha e, com toda a certeza, este caso de Lucy seria apenas mais um dos milhares de crimes já cometidos naquela cidade. Enquanto isso, a jovem Welland encontrava-se sozinha no salão de jantar, onde sentia-se receosa e com uma imensa ansiedade. Batia os dedos com bastante frequência na mesa e olhava para todos os lados, como se estivesse sentindo-se sufocada ou presa. Aqueles tais sentimentos nunca fora sentidos por ela em toda a sua vida. Como pode um simples criado, que chegou recentemente, trazer milhares de problemas.

- Olá minha querida filha, devido ao seu problema de não ir até a cidade. - disse Hugh adentrando no salão de jantar. - Eu convidei o delegado do departamento de polícia da cidade, o Sr. Beaufort, para anotar o seu depoimento.

Lucy assentiu sem esboçar nenhuma reação, mas olhou para o delegado com uma certa desconfiança. O Sr. Beaufort era um homem alto e com um físico quase impecável, tinha cabelos castanhos e não tinha nenhuma barba, nariz meio fino e de um sorriso simpático e adorável. Este vestia uma tradicional roupa de qualquer cidadão e como sempre, carregava o seu distintivo.

- Beaufort, Alfred Beaufort.

Ele pegou a mão de Lucy e a beijou, enquanto a moça demonstrava uma expressão de desconforto, mas não desfazia o seu sorriso falso.

- Welland, Lucy Welland! - ela disse com uma expressão séria. - Encantada, Dr. Beaufort.

O delegado sorriu.

- Prazer, Srta. Welland!

Hugh sorriu.

- Muito bem, eu vou deixar vocês dois a sós.- disse o Conde colocando a sua cartola na cabeça e deixando o local. - Assim, Lucy pode relatar melhor os acontecimentos. Com licença!

Hugh desapareceu do local e fechou as portas do salão.

- Muito bem, Srta. Welland! - disse o delegado puxando uma cadeira e sentando-se logo em seguida. - Pode me contar o que ocorrera durante a noite anterior?

Lucy soltou um suspiro forte e pesado, porém, não disse nada e permaneceu observando as suas mãos.

- Pode começar quando sentir-se melhor, está bem?

Ela não respondera nada. A sua cabeça pensava apenas em uma única coisa. Kemal. Se ela relatasse sobre o tal herói, ele com toda a imensa certeza iria perguntá-la sobre a identidade dele. Porém, ela precisava dizer e era uma questão de mantê-lo salvo ou não.

- Bom, tudo começou quando eu...

Depois de longas e longas horas de depoimento de Lucy sobre a tentativa de assalto, o delegado Beaufort, que permanecera ali em todos os momentos e anotando tudo, agradeceu-a por ter relatado tudo e depois, despediu-se do Conde e da família e se foi embora. Todos se despediram dele do lado de fora da casa, menos Lucy. A moça preferira ficar sozinha no salão, onde pensava mais um pouco sobre o que havia relato ao delegado e sua prima e fiel escudeira, Mabel Swire, encontrou-a sentada em uma cadeira da sala e observando o pôr-do-sol através das janelas do salão, e com um pensamento longe e distante. Era como se ela se culpasse a todo momento pelo que havia acabado de relatar ao delegado.

- E então, Lucy? - Mabel disse sentando-se ao seu lado. - O que você disse à ele?

Lucy mostrou o seu semblante de preocupação e medo quando a encarou. Mabel sabia o que aquele olhar significava.

- Eu menti, Mabel... - ela disse em sussurro e aos poucos desviando o seu olhar do dela. - Eu menti...

Mabel franziu o cenho.

- Como assim, Lucy?

Lucy engoliu a seco.

- Eu não disse nada a ele sobre Kemal e sobre quem o matou... - ela olhou para Mabel mais uma vez. - Eu culpei o... Sr. Bloodvessel!

Mabel arregalou os olhos sem acreditar no que estava ouvindo. Lucy havia incriminado o melhor funcionário da casa e desde já, sabia que isso iria ter o resultado de uma imensa confusão, mas ela precisava preservar Kemal, pois, ela não queria que ele se saísse mal nesse caso.

1 · A Baía da Biscaia ou Golfo da Biscaia é um golfo e uma zona do oceano Atlântico situado entre a costa norte da Espanha e a costa sudoeste da França. Possui uma profundidade máxima de 4735 m e uma área de aproximadamente 223 000 km².

Música: Remaining in Darkness
Compositor: Gareth Coker
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