Capítulo 8

Caímos... Explodimos...

Olhei para a imensa queda do abismo e meu estômago pareceu descer uma montanha-russa. Onde estava a voz que sussurrava para mim? O dono dos cabelos negros que sempre me resgatava?

Ele havia acabado de pedir para confiar nele. Por que me deixou sozinha?

Girei os braços para manter o equilíbrio mas a beirada era muito escorregadia.

Arregalei as órbitas ao ver o destino que me aguardava. Meu batimento retumbou nas costelas. Seriam as pedras, ou o oceano que de repente parecia uma ameaça.
Eu jamais conseguiria nadar no meio das enormes ondas. E da altura onde estava, talvez a queda por si só, já me matasse.

O homem moreno ria do meu esforço. Fiz uma força imensa com as pernas tentando me equilibrar, até que ele se aproximou, e me empurrou bruscamente.

Eu caí.

Onde você foi, homem misterioso?

Eu confiei nele e ele desapareceu. Não entendi porque ele fez isso. Dessa vez, não estava comigo, exalando sua aura quente para mim. Eu cairia estatelada nas pedras, ou no pacífico.
A brisa gelada do oceano acariciou minha pele. Naqueles frascos de segundo, desci as pálpebras e não tive mais coragem de abrir os olhos. Eu não devia ter ido sozinha visitar a árvore solitária. Não no estado em que as coisas andavam ultimamente, com aquele calafrio constante, o medo impregnado em cada poro. Agora eu sabia. Era a morte que andava atrás de mim, mas descobri tarde.

Pensei na temperatura da água, no frio, na dor. Se eu desse sorte, a qualquer instante cairia no mar. As pedras me pareciam um destino doloroso demais.

Um segundo. Dois segundos. Talvez seja agora.

Adeus pai. Adeus mãe.

Até um par de braços quentes impedir.

Meu corpo pairou no ar, centímetros acima das ondas. Se eu inclinasse o rosto, poderia mergulhar a ponta do nariz na água. Fechei os olhos de novo, em choque.
Senti que era elevada no ar.

Isso é surreal.

Só podia ser ele. Seu perfume já me deixava entorpecida.

Respirei fundo e ouvi o som das ondas quebrando nas rochas.

Como posso estar pairando no ar sobre a pedra?

Depois de passado o susto, notei as mãos firmes sobre a minha barriga. A respiração dele em meu pescoço fez todos os meus poros se arrepiarem. Ele parecia arquejar, como se recobrasse o fôlego.

-        Como você faz isso?

Girei o pescoço e ele parecia tenso. Como se estarmos daquele jeito fosse errado.

-        Hora de voltar para o hotel. - disse seco.

-        Não! 

****


- Acorda filha. Vamos perder o café da manhã. O aquário de Carmel abre daqui a pouco.

Ergui o tronco na cama extremamente irritada.

Se ele pensava que iria me convencer de que pirei e andava sonhando acordada, pensou errado. Aquilo tudo foi real demais para eu simplesmente deixar para lá e seguir a vida como se nada tivesse acontecido. Impossível.

Conferi as horas no relógio da cabeceira e vi que eram dez horas da manhã. Mais um fator anormal a minha rotina. Eu sempre acordava cedo. E para confirmar que não havia sido um sonho, eu me sentia cansada como se tivesse virado a noite acordada.

-       Eu não estou louca!

-       Mas está parecendo, Liza. Agora deu para falar sozinha?

-       Só tive um sonho esquisito, Raquel. Nada demais.

-       Sei. Vê se fica pronta rápido e come logo. Quero chegar no aquário antes que fique lotado!

Sim, majestade.

Revirei os olhos e vesti a primeira calça e casaco que alcancei na mala. Quando cheguei ao salão do café da manhã, estranhei a cara de pânico dos meus pais com um jornal aberto à frente deles na mesa.

Enchi o prato de panquecas e calda e sentei ao lado deles. Raquel estava perdida dentro do seu mundo, cantarolando com fones de ouvido.

Li uma parte da matéria e rapidamente compreendi a expressão de terror dos dois. 

“Agora a própria polícia integra a lista de vítimas. Na tarde de ontem, o inspetor de polícia aposentado Andrew Mccollins, foi encontrado morto dentro de sua casa em São Francisco. Há boatos sobre suicídio. Mas terá essa morte, alguma associação ao assassino apelidado de A Sombra? Será que ele resolveu atacar também os homens?  Os moradores sentem-se cobertos pela nuvem negra que paira sobre Los Angeles, desde o primeiro caso de Angela Jakes. A menina foi encontrada morta em um parque público, com uma flor de pétalas escuras deixada ao lado de seu corpo. Desde então, mais seis inocentes foram perdidas para esse criminoso, e as famílias continuam sofrendo do descaso da polícia. Nenhuma informação foi divulgada sobre a causa das mortes e possíveis suspeitos. Será que com o falecimento do inspetor, a polícia enfim, tomará providências mais drásticas?...”

Meu pai dobrou o jornal ao notar que eu nem comia mais do prato:

-       Não se assuste, Liza. A maioria dos jornais só tem desgraça.

-       Nem sempre. E nem tão grandes assim. Quantas meninas morreram, pai?

-       Esqueça isso, filha. Termine seu café e iremos para o aquário, está bem?

Assenti. Talvez ele tivesse razão. Ficar refletindo sobre a notícia tenebrosa não ajudaria nenhuma das vítimas.

    Terminamos de comer em silêncio. Notei meus pais trocando olhares nervosos entre uma garfada e outra. Ou eles sabiam de algo a mais, ou eu como sempre estava paranoica. Só sei que decidi ficar de olho neles.

    Seguimos para o aquário de Carmel, o Monterey Bay Aquarium. O lugar fazia jus a sua fama. Era enorme e possuía uma área aberta com vista para o mar.

Passamos pela entrada principal após comprar os ingressos e meus pais insistiram em assistir um dos vídeos explicativos nos auditórios. Nitidamente tentavam se livrar de mim. Suspeitei logo que quisessem ficar sozinhos para conversar e fui vencida. Raquel me ignorou completamente e saiu andando para a área dos mamíferos. Vencida, escolhi começar pelas águas-vivas.

    Bastou dar o primeiro passo, e ficar um segundo sozinha, para o calafrio aparecer.  Como um dedo gelado acariciando minha coluna. Cheguei a olhar para trás, mas como de costume, não havia ninguém. Só que isso não significava que eu estava de fato, sozinha. Meu peito disparou e andei arfante para o lado onde ficavam as águas-vivas.

Não tem ninguém aqui, Liza. Respira. Respira.

    Entrei em uma espécie de túnel, havia uma parede de vidro circular no teto onde dezenas de sardinhas nadavam em sincronia. Como um ballet de peixes. Esperei os olhos se habituarem a escuridão e fitei o espaço. Era quase místico. Os animais se moviam na água como se fossem de neon. Azul, rosa, branco e vermelho. Andei hipnotizada para o aquário logo a frente. O maior de todos. A parede de vidro parecia ter uns dez metros de largura, era onde ficavam as águas-vivas maiores. Deduzi que fossem adultas.

    Perdi a noção do tempo e consegui me distrair enquanto observava o movimentos hipnótico delas na água. A cabeça que me lembrava um cogumelo transparente subia e descia, os tentáculos brilhando como diamantes pulsavam e elas subiam e desciam. Nunca imaginei que acharia águas-vivas, bonitas.

    Andei para o lado e pisei no pé de alguém.

-       Desculpa.

-       Não tem problema – disse uma voz masculina.

Ou eu enlouqueci de vez, ou o homem misterioso está bem aqui ao meu lado.

    Arrisquei um olhar de esguelha e vi que ele continuava fitando o aquário. Ignorando que eu o encarava. Apertei os olhos. A escuridão me atrapalhava a ver o rosto dele, e o gorro na cabeça não me permitia ver os cabelos. Mas a pele era a mesma. Branca, de aspecto sedoso. A boca convidativa e o rosto bem delineado. Inclinei o rosto em direção ao peito dele e inalei aquele perfume intoxicante. Uma lufada de ar quente, oposta ao vento gelado do ar condicionado me atingiu.

Definitivamente, é ele.

Hesitei. Pela primeira vez ele aparecia e não era para me salvar de nada. Concluí que ele não teria pressa de partir. Mas eu não podia desperdiçar a oportunidade. Ele estava bem ali! Do meu lado. Como uma pessoa normal!

Eu precisava falar alguma coisa sem afugentá-lo. De repente meu cérebro esvaziou como uma tumba. De soslaio notei que ele esboçava um sorriso. Franzi o cenho. Ele não podia ver a confusão estampada em meu rosto, podia?

-       Você é sempre assim? Cheia de dúvidas?

-       Como você sabe disso?

-       Posso ver seu rosto pelo reflexo do vidro.

Fitei meu rosto confuso pelo reflexo no vidro do aquário e apesar da vontade que tive de me esconder, achei muito escuro para que ele pudesse ter notado. Estranhei esse fato. Resolvi ir direto ao assunto. Eu não podia deixar passar essa chance.

-       Por que você me deixou no hotel como se eu estivesse dormindo?

-       Não sei do que está falando – ele cruzou o braço e manteve o rosto escondido pela sombra. Controlei a vontade de puxar aquele capuz.

-       Sabe sim. Foi logo depois que fui empurrada do abismo da árvore solitária.

-       Tem certeza que não foi um sonho?

Bufei irritada. Ele não me convenceria disso.

-       Por que está aqui agora se não há nada me ameaçando?

-       Vim conhecer o aquário – ele deu de ombros e segurei o desejo de gritar.

    Não tive coragem de dar as costas e sair batendo o pé. Por mais estranho que tudo fosse, ele me atraía como um ímã, eu não conseguia me distanciar. Daquele calor, daquele perfume. Observamos os animais em néon em silêncio. Meu peito inflando e esvaziando com certeza denunciava minha irritação.

-       Você não devia sair tanto sozinha.

-       Por que não?

-       Conseguiu terminar de ler aquele jornal hoje de manhã? Menores de idade assassinadas em Los Angeles, o suicídio de um inspetor de polícia aposentado, um criminoso invisível.

    Recuei um passo para trás. Só existiam duas maneiras de ele saber que eu li o jornal no café da manhã. Se estivesse hospedado no mesmo hotel, ou se estivesse me seguindo. Perdi o ar. O sangue gelou debaixo da pele. E se o homem misterioso, fosse a mesma presença que desejava me matar? Afinal, ele sempre aparecia logo depois, as vezes ao mesmo tempo. Como ele fazia isso? Seu interesse podia ser muito bem conquistar minha confiança aos poucos, como meu eterno salvador, só para depois desaparecer comigo. Mas por que ele esperaria? Várias oportunidades de acabar com a minha vida já haviam aparecido. Inspirei e exalei com força. Então minha cabeça deu um estalo com uma palavra dita por ele: “menores de idade.”

Seria por isso? Ele aguardaria até o último segundo antes que eu completasse vinte e um anos?

Comecei a ficar sufocada naquele espaço. Os turistas se amontoavam por todos os lados e o homem misterioso se mantinha parado como uma estátua.

“Você entendeu tudo errado.”

    O ouvi dentro de meus pensamentos. E aquilo foi o bastante para me fazer correr. Lágrimas embaçaram a vista. Eu havia sido enganada. Iludida por uma fantasia maluca da minha própria cabeça. Era ele quem me perseguia. Essa seria a única explicação convincente. Não fui rápida o bastante. O formigueiro de pessoas lerdava meus movimentos. Ele segurou meus cotovelos quando uma mulher quase me derrubou:

-       Você não pode ficar sozinha. Me ouça.

   Sua fala foi autoritária mas a voz soou macia. Tive raiva de mim quando meus joelhos amoleceram.

-       Me solta! – pedi fraca sacudindo os braços.

   Ele soltou e a mesma mulher caiu de forma violenta em cima de mim. Cheguei a pensar que ela havia feito de propósito. Até ter a certeza. A voz dela serpenteou por meus ouvidos, e estremeci pelo frio congelante que se espalhou dos pés a cabeça. Quando levantamos do chão, ela espalmou a mão sobre o vidro do aquário e sentenciou com um sorriso presunçoso:

-       Você já se queimou com águas-vivas, Liza?

Ouvi o vidro estalando, e não acreditei no que vi em seguida.

A mulher desapareceu.

E o aquário explodiu.

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Oi amoresss, espero que tenham gostado!

Quase não tenho recebido comentário de vocês. O que estão achando?

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Beijosss e até domingo!

TENHA CUIDADO AO OLHAR PARA TRÁS. VEJA SE NÃO HÁ UMA SOMBRA AS SUAS COSTAS...

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