Capítulo 4
Buscamos, mas nunca encontramos.
Junho de 1999
"TREZE MORTES, NENHUM TRABALHO DA POLÍCIA
Foram encontrados os corpos das três jovens desaparecidas na noite de ontem, no Píer de Santa Mônica.
O caso foi associado as mortes causadas pelo criminoso intitulado de Sombra, uma vez que ninguém parece ser capaz de capturar a pessoa cruel por trás de tais crimes violentos.
Em seu último depoimento, o Delegado Machado informou que todas as medidas de segurança foram providenciadas, e solicitou aos pais e a todos os moradores que aguardem por mais informações da polícia. Ele ainda reforçou que em momentos como esse, toda cautela é pouca.
Mas as famílias querem saber: Será que é ele a pessoa mais indicada para o caso?
Já foram treze jovens com causa de morte desconhecida e não existe nenhum suspeito? Não há nenhum possível assassino?
O que a polícia está esperando?
Vão deixar esses crimes percorrerem toda a cidade? Até não sobrar nenhuma...."
O delegado Machado fez uma bola ao amassar o jornal e se serviu de uma xícara de café na cozinha. Outra vez, questionavam o trabalho da polícia. Como se fossem eles os próprios culpados pelos desaparecimentos em Los Angeles. Estava cansado de ler aquele bando de baboseira. Cansado do seu trabalho exaustivo para ainda ser taxado de incompetente, para ainda ter suas habilidades como delegado colocadas à prova.
Andou até a sala, sentou-se no sofá azul e ligou a televisão. Pelo visto, não o deixariam em paz no dia de hoje. A voz da jornalista reportava as mesmas baboseiras:
"Os moradores de Los Angeles foram as ruas em protesto nesse final de semana.
Nessas imagens, podemos vê-los com suas placas erguidas no alto, os rostos cobertos de lágrimas por sua perda e a principal questão estampada nos olhos arregalados:
O que a polícia pensa que está fazendo?
A manifestação começou pacífica, mas acabou resultando em atos de violência.
Em reação a opressão da guarda local, os manifestantes picharam os nomes das jovens desaparecidas na calçada da fama. Dez pessoas foram detidas.
O motivo do protesto, no entanto, parece no mínimo justo. Após a localização do corpo das três jovens no Píer de Santa Mônica, a polícia, mais uma vez ocultou maiores informações e se recusa a se pronunciar sobre as investigações.
Os números já somam treze vítimas, todas menores de idade. Os moradores estão em estado de alerta, as famílias sofrem com a falta de comunicação.
A mãe de uma das vítimas, procurou o jornal para fazer um apelo, confira agora ao vivo, o sofrimento que a polícia está causando a essas pobres famílias:
"Nós temos o direito de saber o que está acontecendo! Eles sequer nos dizem o resultado da necropsia. É horrível demais. Foi terrível demais. Minha filha saiu para passear com o cachorro, e nunca mais voltou. E a polícia simples...."
O delegado Machado desligou a televisão.
Detestava a mídia e seu jeito manipulador de explorar o sofrimento alheio para vender jornais. Queriam que a polícia fizesse o que? Colocasse todas as menores de idade de Los Angeles em alguma espécie de quarentena?
As pessoas acreditam mesmo nessa palhaçada de jornal?
Como se a emissora estivesse muito preocupada com os desaparecimentos.
Quem sofria era ele. Quem não dormia há meses, era ele.
Como o delegado designado para ficar à frente do caso, ele sabia de tudo. O que devido as circunstâncias, dava no mesmo que nada.
Porque a única certeza da polícia era a dúvida.
Como as meninas morriam daquela forma? Olhos arregalados, o pânico estampado no rosto.
E por que?
E quanto a flor? De pétalas negras deixada ao lado do corpo de cada uma?
Ninguém encontrava lógica naquilo. Não havia digitais nos corpos delas. Nenhum vestígio. Nenhum sinal de agressão.
Ele próprio analisou cada caso. Esmiuçou detalhes particulares da vida de cada uma delas. Namorados ciumentos, amigas vingativas, relacionamento com familiares, situação financeira. Ele conferiu tudo, e a interrogação na sua cabeça brilhava com cada vez mais força.
Quem faz isso? E para conseguir o que?
Se dissessem isso ao jornal, ele e seus companheiros de trabalho certamente perderiam o emprego. Taxados de incompetentes. Inválidos.
Depois dessa notícia então.
As pessoas pareciam manter o péssimo hábito de assistir a um noticiário e acreditarem estar informadas.
O delegado Machado enterrou o rosto nas mãos.
Que belo dia de folga.
Folga. A palavra soava errada para ele. já que não conseguia se desligar daquelas atrocidades. Ele gostaria que em sua cabeça houvesse um botão capaz de desativar sua mente, que trabalhava incansavelmente em busca de uma solução. Bem que ele adoraria isso.
O delegado Machado segurou o bloco e a caneta abaixo do abajur e deixou um recado para sua companheira. Ela não gostaria nem um pouco daquilo.
Mas havia apenas uma única pessoa capaz de ajudá-lo a esclarecer os pensamentos. E assim, quem sabe, manter seu emprego e principalmente a possibilidade de continuar a frente do caso, até colocar o culpado na cadeia. O delegado Machado queria olhar fundo nos olhos de quem quer que cometia as barbaridades e garantir que apodrecesse atrás das grades.
Para isso, ele precisaria sair de Los Angeles por hoje.
O delegado Machado pegou o casaco pendurado atrás da porta, conferiu as chaves do carro no bolso e saiu.
Chegando ao aeroporto, comprou a passagem com o horário mais próximo para São Francisco. Nem tinha dinheiro para essas despesas, talvez ele estivesse mesmo trabalhando demais. Sua companheira o chamava diariamente de obcecado.
O delegado Machado fez o check in e se sentou para aguardar no portão de embarque. Folheava uma revista sem absorver nada do que lia.
Imaginava se o antigo inspetor de polícia, agora aposentado, gostaria dessa visita. Talvez Andrew o expulsasse de sua casa assim que visse o delegado parado na porta. Segurando em vez de uma mala de roupas, uma pasta cheia de relatórios e documentos.
No entanto, ele não o fez.
Ao chegar em São Francisco, o delegado Machado tomou o famoso Cable Car, mais conhecido como bondinho, e seguiu pelas ruas de São Francisco que subiam e desciam em íngremes ladeiras. Os rostos das meninas mortas piscavam por trás de seus olhos. Eram essas as imagens o atormentando praticamente a cada segundo. Ele coçou a barba rala no rosto e sacudiu a cabeça.
Ouviu o cobrador do Cable Car anunciar sua parada e desceu. O delegado andou alguns minutos. Desviou das dezenas de pessoas perto dos deques de madeira do famoso Fisherman's Warf, e finalmente encontrou a rua Casa Way. Ele bateu na porta de uma das casas baixas com pintura fresca.
Andrew o recebeu com um tapinha cúmplice nas costas. Bastou uma troca de olhares para que ele compreendesse do que se tratava. O delegado Machado sorriu, como não fazia desde o primeiro crime ocorrido. Enfim, um homem capaz de compreender:
- Confesso que achei que você demorou a aparecer. - Andrew sorriu, mas o brilho nos olhos parecia cinismo. - Depois do primeiro noticiário que assisti essa semana, imaginei ver seu rosto na minha porta no dia seguinte.
- Acho que meu orgulho de delegado não permitiu. - ele ajeitou o casaco no corpo e apertou a alça da maleta.
- Eu compreendo, meu caro. Entre, vou buscar uma bebida. Aceita uísque? - Andrew tinha um brilho suspeito nos olhos.
O delegado Machado assentiu. Cruzou o hall da entrada e depositou sua maleta na mesa de mármore da sala. Sentou mantendo o tronco ereto no sofá. Um pouco incomodado com tamanho luxo. Candelabro no teto, móveis de madeira escura e veludo. Esse não era o Andrew que o delegado conhecia. Talvez os anos mudassem as pessoas.
Ele voltou com dois copos cheios de uísque até a boca.
O delegado Machado deu uma grande golada. A queimação desceu com tanta força por sua garganta, que ele pensou que fosse rasgar.
Estranho.
O delegado Machado nunca reagia assim a bebida alcoólica. E Andrew... Andrew de repente parecia uma cobra à espera do bote. O sorriso de canto nos lábios confirmava. Um calafrio percorreu os poros do delegado. Andrew emanava uma energia pesada. Como se tivesse uma presença ruim por perto, algo que pressagiava um desastre. O delegado massageou o pescoço. Talvez fosse efeito da bebida. Ele nunca acreditou em superstições. Muito menos em sombras negras se movendo feito fumaça nos olhos de alguém. Como acontecia com Andrew enquanto o encarava. As sombras se moviam densas, escuras. O delegado piscou com força. Ele não havia enlouquecido. Pelo menos, ainda não.
Segundos depois, o delegado Machado viu a sala, os móveis de madeira e o candelabro girarem. Ele massageou a têmpora e soltou o ar com força. Foi só um gole de uísque, não era normal ficar assim.
Ergueu o olhar e Andrew agora sorria largamente por trás do copo de vidro enquanto bebia. As sombras continuavam lá. Girando em volta de olhos negros.
- Tem certeza que isso é uísque, Andrew?
- Por que? Acha que eu drogaria você ou algo do tipo? O que eu ganharia ao sequestrar o grande, o insuperável delegado Machado?
- Pelo visto, eu errei em vir aqui. Você não é mais o Andrew que eu conheci. - O delegado apoiou as mãos sobre os joelhos para se levantar, mas fraquejou. Precisava sair dali antes que desmaiasse. Havia algo muito errado com Andrew e do jeito que suas pernas pareciam doentes, ele seria facilmente imobilizado. Mas o delegado Machado não conseguiu dar um passo. Apenas cambaleou e caiu de volta no sofá.
- Vá direto ao assunto, Andrew. Qual é o problema?
- Comigo? Nenhum delegado. Até onde sei, é você que tem algo te atormentando, foi você que chegou aqui sem convite. Com essa maleta velha, e relatórios inúteis esperando que eu resolva a situação por você.
- Como eu disse Andrew, você não é quem eu pensava. Não tomarei mais o seu tempo. - o delegado falhou outra vez ao tentar se levantar.
- Quer saber como elas morrem? Posso te contar se quiser. - A expressão de Andrew transbordava prazer. E sua voz soou estranha, como o sibilar de uma cobra.
A vista do delegado Machado escureceu. Seu sangue parecia congelado debaixo da pele. Sua pulsação acelerou violentamente, e naquele segundo, ele acreditou que não escaparia. O que restava de sua lucidez, lhe dizia que havia cometido um grande erro ao mentir no bilhete para sua companheira, dizendo apenas que precisava espairecer. Um erro enorme. Pois ninguém saberia onde procurá-lo, caso ele desaparecesse.
O delegado Machado deu um tapa no próprio rosto para afastar a dormência. As feições de Andrew e a sala, derretiam a sua frente como se feitos de cera. Em uma espécie de alucinação.
Que diabos ele havia colocado no uísque?
A voz de Andrew vinha em câmera lenta e abafada. Lembrava o som de alguém que tenta falar debaixo d'água. A última pergunta dele ganhou sentido em seus pensamentos.
- Como você saberia Andrew? Está louco? Só o próprio assassino poderia explicar.
- E você tem alguma ideia de quem poderia ser?
O delegado Machado engasgou ao tentar responder. Onde ele queria chegar com aquilo? Andrew o assassino? Ao tentar levantar de novo, suas pernas fraquejaram e o delegado Machado caiu sobre o tapete felpudo no chão da sala.
Andrew se levantou. Com um chute derrubou a mesa de centro. Os estilhaços da garrafa de vidro se espalharam. O odor do álcool subiu pelo ar.
O delegado ia levantar, mas agora eram os braços que pareciam doentes, moles.
Aquilo era inconcebível. Não. Só podia ser teatro.. Andrew no mínimo via isso como uma brincadeira, ainda que de péssimo gosto.
Mas o delegado Machado logo mudou de ideia, ao receber o primeiro chute no estômago. O segundo golpe, o atingiu no meio das pernas.
Andrew imobilizou seus braços acima da cabeça, foi difícil se desvencilhar com o forte efeito da droga que ele devia ter colocado na bebida. O joelho de Andrew pressionou sua garganta.
O ar falhou em alcançar seus pulmões.
Quando o delegado Machado ergueu os olhos, se assustou como nunca antes em sua vida. As sombras negras, escapavam das órbitas de Andrew e começavam a se amontoar em volta de seu corpo. Elas correram para o chão, se espalharam como névoa.
O delegado Machado, engasgou. Lutou contra si mesmo para permanecer acordado. O rosto de Andrew, havia se tornado um borrão escuro. Como se ele não estivesse mais ali.
Ele sentiu o ar voltar aos seus pulmões quando Andrew liberou sua garganta. No segundo seguinte, o delegado Machado quase se convenceu de que havia enlouquecido. Porque uma voz masculina sibilou dentro de seus pensamentos:
"Você chegou bem perto de mim. Aquele dia na floresta nacional de Los Angeles, lembra? Claro que jamais descobriria o motivo. Mas você está me atrapalhando e isso está começando a me irritar. Já perdi umas cinco ou seis garotas por sua causa. Parece que você sente meu cheiro e me encontra pelo rastro. Fique longe delegado, ou pegarei a garota mais especial do mundo para você."
Por mais estranho que lhe parecesse responder para uma voz em sua cabeça, ele o fez.
- Deixe ela em paz! Eu vou fazer você pagar pelo que fez!
"Pobre delegado, ainda não compreende que há muito mais na Terra. Muito além daquilo que os olhos veem. Você só não morrerá hoje, porque isso me daria dor de cabeça, fique calmo meu caro. Quem eu quero, está chegando. Logo, logo, eu a pego."
- Covarde! É fácil me ameaçar drogando minha bebida!
"O que você está sentindo, não tem nada a ver com o uísque. Você vai embora agora delegado. E se me atrapalhar de novo, não serei tão bonzinho assim. O que aconteceu aqui hoje, foi isso: Você veio aqui, e como não me encontrou em casa, decidiu caminhar na ponte Golden Gate, e fazer hora até pegar o voo de volta."
Andrew aproximou o rosto a milímetros do delegado. Ele fitou as sombras negras se movendo, e sua mente mergulhou em um túnel sem luz. O delegado Machado sentiu que caia, caia, caia...
O mundo pareceu girar rapidamente.
Foi o vento gelado da ponte Golden Gate que o despertou de seus devaneios.
O delegado pensava no que diria a sua companheira quando chegasse em casa. Não deveria ter omitido o que foi fazer. Ela veria a fatura do cartão de crédito de qualquer maneira.
Uma pena que o dinheiro foi desperdiçado, já que não havia conseguido conversar com Andrew.
Ele conferiu o relógio e se apressou em deixar a ponte vermelha.
Um casal e duas jovens andavam a sua frente. A mãe e as filhas tiravam fotos atrás de fotos. O homem, que ele deduziu ser o pai, parou bruscamente de andar e o delegado Machado quase o derrubou. Ouviu o baque seco da carteira dele caindo no chão de ferro da ponte.
Os dois abaixaram ao mesmo tempo para pegar o objeto. O delegado lhe entregou a carteira:
- Desculpe. Você parou bruscamente e não deu tempo de desviar - disse o delegado Machado enquanto ambos se levantavam.
O homem simplesmente sorriu, e o delegado Machado viu sombras dançarem por trás dos olhos azuis cobalto.
O delegado nunca acreditou em coisas sobrenaturais, era um homem sensato. Trabalhava com provas, evidências e seu instinto vez ou outra. Mas o calafrio percorrendo sua coluna ao observar aquelas sombras, parecia um péssimo presságio.
Ele voltou a caminhar pela ponte e se distanciou apressado daquele homem. Voltou a Los Angeles com uma horrível sensação de algo à espreita em suas costas. Pois conhecia muito bem o desconforto. Sempre que o sentia, um desastre acontecia. E a catástrofe, de fato chegou no dia seguinte. Pelo visto, a situação só iria piorar dali em diante.
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Oláá amoresss! Como só estou falando com vocês agora, Feliz 2015!!! =D
Não esqueçam da estrelinha e do comentário! Quero saber o que acharam!
Beijossss e até domingo!
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