Capítulo 2
Lutamos, porque acreditamos.
"Espero que você nunca leia isso, filho. Pois se o fizer, significará que falhamos.
Gostaria de poder me sentar junto a você no Penhasco daqui a alguns anos e lhe contar tudo o que aconteceu.
Mas eu e sua mãe não temos tempo agora.
Eles podem estar a caminho. Nós precisamos esconder você para que esteja a salvo. Eu, preciso garantir que ela fique bem.
A Irmã lhe contará quando chegar a hora certa. Ela sabe de todos os segredos, confidenciei a ela todos os meus erros, toda a minha vergonha.
O Conselho estava certo. O amor pode destruir o mais forte dos homens. Pode despedaçar qualquer um. Exatamente como eu fiz. Sozinho, condenei a nós dois. Agora, três.
Mas não devo me lamentar, porque isso não muda nada.
Sua mãe está pronta aqui ao meu lado na sala. O rosto dela está vermelho. Ela evita me encarar. Ambos sabemos que não podemos desistir de levá-lo ao orfanato. No entanto, a hora chega e nosso peito se comprime. Sinto que no momento que eu soltar essa caneta, perderei você, filho.
Céus, você me parece tão pequeno nesse embrulho. Alheio a tudo o que poderá acontecer de agora em diante.
Perdão, filho. Perdão por não estar ao seu lado para lhe proteger.
Não sei se nosso plano funcionará, mas somente assim, você terá uma chance.
Está na hora. Estão batendo na porta e só pode ser ele. O único membro do Conselho em quem posso confiar. O único a saber de tudo.
Mikael.
Não, isso está errado. Pensando bem, filho. Você não lerá essa carta. Não quero que saiba como foi esse triste momento. Rasgarei esse papel. Precisamos partir agora."
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Irmã Daiana, os aguardava nos fundos do Orfanato Alis Angeli. De pé diante da porta velha e enferrujada, pois ali, estariam ocultos.
Ocultos de olhares curiosos.
Ocultos de olhos humanos e nesse caso, do reitor. Principalmente do reitor.
Se levantassem suspeitas quanto as razões desse encontro, as consequências beirariam a catástrofe.
Ela escolhera esse lugar, pois assim os manteria afastados da verdade. Poderia dizer que o bebê, fora abandonado na porta. Como de fato acontecia com tantas outras crianças.
Esperava ansiosa a chegada dos pais.
Arrastou os pés de um lado para o outro, até ver duas silhuetas encapuzadas dobrarem a esquina.
Nuvens carregadas nublavam o céu, talvez fosse melhor se apressarem antes da chuva cair.
As silhuetas se aproximaram alguns passos, Irmã Daiana tentou reconhecer seus rostos, mas permaneciam ocultos pelo capuz.
A distância deles até ela, lhe pareceu uma eternidade,
Se ela, sentia-se aflita de tal maneira, que dirá aqueles pais, prestes a abrir mão do próprio filho.
Agora, quando ficaram mais próximos, ela confirmou que se tratava do casal. Ambos cessaram seu caminhar e encararam um ao outro.
Deduziu que a silhueta mais alta fosse do pai. Ele envolveu a mulher, que mantinha os dois braços em posição de canoa, como se segurasse um pacote. A viu deitar a cabeça no ombro dele.
Uma terceira silhueta, materializou-se de repente e interrompeu o abraço do casal. O manto dessa, era pálido.
Só soube que o reflexo, doeu em seus olhos.
Exatamente como fizera a presença, que anos atrás a visitara e pressagiou esse exato momento.
A recordação de repente, despertou em Irmã Daiana o desejo de se benzer.
Um breve diálogo deve ter ocorrido, foi difícil afirmar pois não passavam de mantos esvoaçantes. Talvez algo importante, visto que o casal vinha apressado agora em sua direção.
A silhueta branca desapareceu, como toda a vida de Irmã Daiana desfazia-se à sua frente.
Cada pisada do casal, lhe trazia seu destino no colo. Enrolado naquele embrulho.
Inevitável, irremediável e perduraria até a morte.
Sua missão e seu segredo. Levaria ambos até o túmulo.
O casal chegou e freou seus passos, a cumprimentaram com um meneio da cabeça e removeram o capuz, revelando seus rostos.
O do pai, aceleraria o coração de qualquer mocinha. Olhos verdes cor do oceano, dono de um semblante belo com a fisionomia esculpida e cabelos negros como ébano.
A mãe, possuía as feições puras, cristalinas. Seus cabelos loiros, sob sua pele branca, lhe conferiam uma aura angelical.
Ambos encontraram força no meio da tormenta e sorriram para Irmã Daiana. Gesto que lhe pareceu, incrivelmente sincero.
A mãe do bebê, puxou a coberta que o escondia e ela compreendeu o sentido da frase:
“Amor à primeira vista.”
O bebê tinha o rosto sereno. Sequer se moveu, ao deixar os braços de sua mãe e ir de encontro ao seu.
Dormia calmamente, a respiração suave fez Irmã Daiana imaginar que tinha bons sonhos.
Pelo menos durante os sonhos, ele teria paz.
Afinal, era só uma criança, pelo amor de Deus.
A mãe chorava copiosamente ao tê-lo agora, longe de seus braços. O pai enrugou o rosto e olhou o bebê em seu colo, como se fotografasse o momento, para visitá-lo na memória posteriormente.
Já a fotografia de irmã Daiana foi outra. Gravou aquela imagem na lembrança. A gravura que marcava o seu início.
O fim para uns, pode ser o começo de outros.
A partir de hoje, ela iniciava sua missão:
Cuidar daquele bebê, da criança especial, que deveria permanecer sob seus cuidados até atingir a maior idade, quando ela não poderia fazer nada além de orar. Rezaria para que ele encontrasse seu destino.
E se a profecia estivesse correta, destino esse, entrelaçado ao da menina.
Pobre menina. Sequer nascera e quando chegasse em alguns anos, já portaria uma marca, cravada em sua alma.
Ainda havia muito pela frente, mas Irmã Daiana sabia: Cada dia seria essencial ao caminho traçado e algo muito ruim o espreitava.
Poderia estar à espreita naquelee exato momento.
Ignorou o calafrio e acariciou os cabelos negros do bebê. Mesmo recém nascido já cobriam toda a sua cabeça. A pele dele reluzia como pérola, exceto onde as bochechas se pronunciavam, ali, eram cor de pêssego. E o bebê, tinha as feições de um anjo.
Com pais como aqueles, não poderia ser diferente.
Notou uma corrente prateada no pescoço do menino.
Exatamente como previsto, ele o usava. Soube que teria um pingente, metade dourado e metade prateado. Um artefato, que em alguns anos a contar deste dia, selaria um destino.
Suspirou cansada pelo mero vislumbre do que aconteceria e subiu os olhos para os pais.
A mãe abraçou o próprio corpo, parecia tentar preencher o vazio em seus braços. Vazio pelo bebê, que nunca mais seguraria.
De repente irmã Daiana compartilhou de suas lágrimas.
- Prometo cuidar dele, como faria com meu próprio filho – anunciou.
Os pais à sua frente, esboçaram um último sorriso e desapareceram, sem nada dizer.
Muito já fora dito. Tudo já fora explicado.
E não adiantaria se despedir.
O bebê não se recordaria deste dia. E uma mãe, jamais se despediria do próprio filho, a não ser que fosse sua única opção.
A não ser, que fosse um caso de vida ou morte.
E o caso era exatamente esse.
Lembrou-se do inimigo e precipitou-se para dentro do Orfanato Alis Angeli.
Sentiu-se uma tola ao dar-se conta, de que para esse inimigo específico, grades e muros não ofereciam proteção.
Andou poucos passos até chegar ao berçário. Ia colocar o menino em um dos velhos berços doados ao orfanato, mas um toque suave a impediu.
O toque da mão dele em seu rosto. Pequenina, frágil e estranhamente morna.
Passado o susto, Irmã Daiana o olhou e teve a necessidade de fazer o sinal da Cruz.
Que Deus me proteja, para que eu possa proteger esse menino.
Seus olhos eram verdes, como esmeraldas. Brilharam para ela e por um momento insano, jurou ter sentido paz ao observá-lo. Enquanto a mão dele manteve-se em seu rosto, sentiu que era ele quem a protegia e não o contrário.
Ele deveria fazer isso assim, tão cedo?
A pequena mão voltou a se apoiar no próprio corpo e ela sentiu o mundo se firmar novamente sob seus pés.
Vá se preparando, isso é só o início.
Não havia nenhuma infantilidade no olhar do bebê que ainda a fitava. Pelo contrário, lhe parecia um adulto pensativo, alguém em busca de uma maneira de se apresentar.
Irmã Daiana o deitou no colchão do berço e sorriu para tranquilizá-lo antes de deixar sua vista.
Foi até o corredor em busca de um monitor. Não desperdiçaria tempo.
- Louis, vigie-o por um instante. – Apontou para dentro do quarto. – Por favor. Não saia do lado do berço por nada nesse mundo. - Enfatizou a um dos monitores que passou pelo corredor e lhe pareceu desocupado.
Precisava providenciar o batismo o quanto antes. Protegê-lo da sombra maligna, ocultá-lo do seu algoz.
Ao receber a missão, foi alertada:
“No batismo ele se esconde, no pecado ele se mostra.”
A tarefa inicial seria praticamente impossível.
Como impediria um ser humano, de cometer um pecado?
Diria até que de pecados são feitos os humanos. Como se uma metade fosse feita de falhas e a outra de remorsos.
Crianças então, chegavam a ser cruéis.
Mas como esse não era um bebê comum, talvez levasse um pouco mais de tempo, antes de cometer seu primeiro pecado.
Talvez ela conseguisse.
A questão é que toda a história guardava excessos de talvez. Pensando nisso, desceu o longo corredor de pedra, e foi em busca da certeza.
Bateu com mais força do que pretendia, na porta do reitor.
Por trás daquela parede, trabalhava um homem rude e insensível. Ele combinava perfeitamente com seu corpo avantajado e suas roupas sempre marcadas de suor. Só Deus sabe como fora parar ali. E ele detestava visitas sem horário marcado, provavelmente detestaria mais ainda, ouvir o que ela fora lhe dizer:
- Espero que seja urgente! - gritou de dentro, o tom sugeria irritação.
- Sim, senhor Raymmond. Não viria se fosse o contrário. - sua resposta saiu murmurada.
- Pois então entre!
Irmã Daiana, empurrou lentamente a porta que rangeu com o movimento.
- Senhor Raymmond, acabo de trazer uma nova criança ao orfanato. – ela ficou de pé na soleira da porta, não ousou entrar. - Foi deixado nos portões - se apressou a acrescentar.
- Vigaristas! Acham que isso aqui é um lar beneficente. – esbravejou da cadeira preta de couro - Que isso aqui, não precisa de administração e dinheiro. Estamos na miséria, miséria!
- Sim, senhor - concordou apesar da certeza daquela fala, se tratar de um monólogo.
- E agora, mais uma boca para alimentar. – O homem vil apoiou os cotovelos na mesa - Já notou que é sempre você, Daiana?
- Eu o que senhor?
- Você que os traz aqui. As vezes me pergunto se o que me conta, é verdade.
- Jamais mentiria, senhor. - mentiu em pró da sua causa.
- Será que não, Daiana? Não sei, vejo facilmente você catando mendigos na rua e trazendo para cá.
A conversa ia longe de seu objetivo e precisava trazê-lo de volta ao rumo. O reitor Raymmond, dominava a arte de contornar pedidos transformando-os em discussões.
- Senhor, por favor. Sobre o menino...
- Ah, me desculpe. Está com pressa?- ele empurrou a cadeira de rodinhas para trás e apoiou as mãos sobre o grande volume de seu quadril - Ora, quem me interrompeu foi você!
- Sim, desculpe senhor. Vim solicitar a inclusão do bebê, na cerimônia de batismo amanhã.
- Por acaso é a nova dona deste orfanato?
- Como disse senhor? - Do que esse homem vil estava falando?
- Quem disse que iremos acolhê-lo?
- Mas senhor! – Não pôde acreditar no que ouviu.
- Sequer verifiquei a contabilidade e já quer marcar o batismo? Deus! Dai-me paciência.
Pelo visto seu maior obstáculo seria contornar o homem desalmado à sua frente. Enquanto ela falava de uma vida inocente, ele falava de números. E ainda blasfemava!
O som de passos apressados a fez se virar. Levou as mãos ao peito ao ver que era Louis.
Ele devia estar de vigia do bebê!
Antes dele se aproximar mais, perguntou sentindo-se desesperada:
- O que está fazendo aqui?
- O bebê, sumiu!
Não, não e não!
Ela não poderia falhar tão terrivelmente. Muito menos no primeiro dia.
- Como assim Louis? Isso é impossível!
- Pronto, problema resolvido! - O reitor anunciou com um sorriso nítido em sua voz.
Irmã Daiana virou-se e o olhou incrédula.
Como pode alguém, reagir dessa maneira ao sumiço de um bebê?
- Agora me deem licença, tenho mais o que fazer. - O reitor levantou-se e os encaminhou da soleira afora. E de um jeito nada sutil, bateu a porta.
- Ande Louis, me explique! - pediu aflita e retomou o caminho do corredor até o berço onde o havia deixado.
- Não sei explicar, Irmã. – Louis a acompanhou - Conferi o bebê, ele estava dormindo. Me abaixei para amarrar o cadarço do tênis e quando olhei de novo, não estava mais ali!
- Não, não é possível. É só um bebê! Não sabe nem andar. Pra que fui deixá-lo com você.
- Quer dizer que a culpa é minha agora?
- Não! É minha! Por ter saído de perto dele.
Derrapou de tão rápido que andava ao chegar na porta do quarto. A empurrou e preparou-se para enfrentar seu pior pesadelo.
Inclinou o rosto em direção ao berço e o encontrou.
Vazio.
- Louis, o que você fez?
- Nada irmã, nada.
Ai meu Deus, ai meu Deus!
Ainda por cima estou blasfemando!
Irmã Daiana sequer tinha a opção de seguir uma linha lógica de raciocínio.
Bebês com pouco mais de um mês, não saiam simplesmente andando. Não desapareciam de uma hora para a outra.
Ia puxar os próprios cabelos, para sua frustração deparou-se com o tecido do limpel que cobria sua cabeça.
Varreu o quarto com os olhos.
Nenhuma pista.
Nenhuma irmã ali, dois berços vazios e uma cama de solteiro desocupada.
Nada.
Onde ele poderia ir?
Se perguntasse a alguém, denunciaria a verdade sobre o bebê. Não havia ninguém capaz de lhe ajudar.
Voou pelos corredores de pedra, sem saber muito bem aonde ir.
Deixou-se guiar pelos instintos.
Para sua infelicidade, a angústia comprimindo seu peito, confirmou seu temor.
O algoz viera.
Viera buscá-lo.
Subiu a primeira escada em espiral e agradeceu por passar despercebida. Nenhuma das irmãs no amplo corredor, notou sua aflição. Sem questionar a razão, continuou a subir. Ignorou a fadiga nos músculos e prosseguiu os cinco andares, até chegar a torre onde ficava o batistério.
Será que o bebê fugiu até lá? Por puro instinto, em busca de água benta?
Não. Não é possível...
O choro estridente do menino, a alarmou. Parou no último degrau e seguiu o som. Pensou em gritar para que o deixasse em paz, mas conteve o ímpeto. Se o fizesse, perderia o elemento surpresa.
Diante da torre, adicionou outro som ao choro.
Uma voz.
Voz masculina e sussurrada.
Voz que soava carregada de notas de prazer e de terror.
Sua intimação, serpenteava no espaço.
“Não adianta se esconder, hoje você será meu.”
Um calafrio se instaurou nos poros de Irmã Daiana. Estava sozinha no batistério, não havia uma viva alma ali. Mesmo assim, ouvia o bebê e a ameaça.
Fitou a pia batismal sob o altar e o susto se abrandou.
O bebê! No chão, aos pés da pia.
Correu até ele.
A um movimento de pegá-lo, caiu catapultada para trás. Não viu o que a atingiu.
Bateu primeiro as costas no chão de pedras. Sua nuca, recebeu o impacto da quina do banco de madeira. No instante em que tombava, um manto branco esvoaçou no ar e forrou o bebê ao se amontoar no chão. De dentro dele, Irmã Daiana vislumbrou uma sombra. E nessa mesma sombra, caiu.
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