Capítulo 10 - Parte 1
Relutamos
Enxuguei a boca com o lenço de papel que minha mãe estendeu para mim e inspirei o ar gelado da estrada.
- Bebe filha, vai ajudar no enjoo – segurei a garrafa térmica e bebi quase toda a água em três goladas.
Voltei ao carro com as pernas trêmulas. As mãos suavam ao ponto de manchar o guardanapo quando o segurei:
“Gostou do cochilo na lanchonete? Deixei você dormindo enquanto terminava sua listinha de desastres.
18 anos – uma festa universitária, que terminou com um incêndio. Achava mesmo que tinha sido causado por você?
19 anos – ah, essa lembrança, é uma das minha favoritas. Lembra do corte em seu braço? Da quantidade de sangue que perdeu naquela tarde em que você atropelou um carrinho de bebê com a bicicleta? Você ainda escuta o choro dele?
20 anos - Eu quase te afoguei na piscina da faculdade, lembra? Espero que tenha compreendido a essa altura: as duas garotas morreram por sua causa.
21 anos – não vou falar do futuro. Mas acho que vai gostar da surpresa em Los Angeles.”
Amassei o papel e o arremessei pela janela. O vento se encarregou de levá-lo para longe. Observei o profundo azul do mar da costa da Califórnia enquanto meu pai fazia as curvas sinuosas.
Uma sensação sufocante de que eu não teria escapatória quando chegássemos a Los Angeles, me agoniava.
Observei as costas de meus pais no banco do carro. Olhei minha irmã tirando fotos da estrada, como se fosse a última vez que os veria.
Você já teve esse pressentimento? De que tudo a sua volta está prestes a mudar bruscamente, e você vai ficar sozinho e perdido nesse mundo?
Eu sentia isso desde pequena. Lembro de entrar no quarto e ter a certeza de que alguém havia acabado de sair dali. Recordo das diversas noites em que me virei agitada na cama, porque guardava a certeza de ter visto um vulto no escuro me observando.
Mas nunca passava disso. De um presságio. Uma dúvida. Eu achava que era paranoia.
Só que agora, o vulto ganhava formas. Eu ouvia sua voz. Recebia seus comandos nos pensamentos. Lia recados escritos por dedos invisíveis.
Encolhi o corpo no banco do carro. A qualquer momento, essa sombra poderia aparecer para me deixar na escuridão. E ninguém seria capaz de me encontrar.
Mas para onde eu fugiria? A quem eu pediria socorro?
Eu estava totalmente sozinha, em uma batalha contra algo que aparentemente só existia na minha cabeça.
Será que isso é loucura?
Não! Tenho certeza do que vi. Do que senti. Não me entregarei a desesperança.
É mais fácil desistir do que lutar, e nunca fui do tipo que foge dos problemas.
Despertei dos pensamentos ao sentir que o carro estacionava. Li o letreiro do hotel onde meus pais haviam feito a reserva: Cottage Inn. Várias cabanas se espalhavam em fileiras lado a lado, de frente para um imenso jardim florido. Cada varandinha era ocupada por uma rede convidativa e um vaso de plantas. Lampiões amarelados pendurados entre os coqueiros iluminavam o caminho até a recepção.
Congelei feito estátua quando chegamos a cabana onde passaríamos a noite. A rede da varanda estava ocupada. Cabelos negros esvoaçavam com o vento enquanto ele se balançava despreocupado. Dessa vez sem o habitual capuz. O homem misterioso vestia blusa preta, calça jeans e bota de couro. Quase desfaleci. Meus pais e Raquel passaram direto. Permaneci parada.
Eles não podiam vê-lo?
Os cabelos negros balançaram quando ele moveu a cabeça para os lados, respondendo a pergunta que eu não havia manifestado.
Uma espécie de dormência se alastrou por meus braços e pernas. Tive vontade de acertar um tapa em meu próprio rosto para ver se despertava. Ele esticou o canto dos lábios. O desejo insano atrasava meu raciocínio toda vez que fitava aquele rosto perfeito.
- Como você sabia que eu estaria aqui? Está me seguindo?
Ele meneou em negativa e cruzou os braços definidos.
- Quem escreveu aquele bilhete? Teve algo a ver com isso?
Outra vez, ele apenas sacudiu a cabeça. Mantendo o rosto parcialmente oculto pelas sombras das plantas. A irritação já começava a formigar por debaixo da minha pele.
- Bom. Já que não vai me dizer nada, vou dormir. Estou cansada.
Subi o degrau da varanda e dei um passo em direção a porta. Segurei a maçaneta, um toque macio no pulso me impediu de girá-la. Ele me puxou e me virou colando minhas costas a porta. Inalei aquele perfume inebriante quando ele colou o corpo no meu, e segurou meu rosto. Senti a boca salivar de desejo. O estômago reagiu espalhando uma vibração prazerosa por meus membros. Sem refletir, enterrei os dedos naquela massa negra de cabelos sedosos. Ele me devorava com seu olhar. Pensei que fosse me desfazer a qualquer segundo sob a pressão intensa das milhões de coisas explícitas em sua expressão. Mas não compreendi nenhuma delas.
O homem misterioso deslizou as mãos por meu rosto, contornou minha clavícula com a ponta dos dedos e enterrou os lábios em meu pescoço. Um calafrio dolorosamente prazeroso me percorreu.
Suspirei com força sem entender o que era essa insanidade que ele me provocava.
Ele se afastou bruscamente, como se impelido por um choque e anunciou de costas na varanda:
- Se chegar a Los Angeles amanhã a noite, não serei capaz de evitar a tragédia. Convença seus pais. Encontre qualquer maneira, mas não vá.
- Do que você está falando? Por que não me diz o que sabe?
- Sinto muito. Não há mais nada que eu possa fazer.
Andei apressada, pronta para arrancar as respostas se fosse necessário. Segurei seu cotovelo por um segundo, antes de tatear o ar, e soltar um urro de frustração.
***
O homem misterioso
Ela entrou na cabana pisando duro e se jogou no sofá. Sentei ao lado dela e corri os dedos por seus cabelos ondulados.
O rosto inocente e o mel daqueles olhos atormentavam minhas noites.
Ela soprou o ar com força. Os pensamentos girando rápido em um turbilhão confuso.
Eu não sabia mais o que fazer para evitar aquele presságio de morte.
Observei os pais dela preparando o jantar na cozinha e a irmã assistindo televisão.
A sombra maldita estava ali. Pairando no teto. Uma névoa escura se espalhando em volta dos pais. Um crepitar ruidoso em volta dela, a bruma negra que eu havia dispersado diversas vezes.
Esperei que os pensamentos dela chegassem a alguma saída, alguma escapatória que pudesse levá-los para longe de Los Angeles, mas ela não fugiria. E era isso o que eu temia.
Apenas um poderia ser salvo. E eu precisaria apagar sua memória quando acontecesse.
Deixei o sofá em busca de um lugar para refletir. Na noite seguinte, aconteceria.
Não havia mais volta a partir dessa decisão. E seguir em frente, era o maior erro que ela poderia cometer.
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Olá amoresss! A Sombra está chegando ao fim, e aí? O que estão achando?
Façam essa autora aqui feliz! Comentem e deixem estrelinha! Quero saber de vocês!
FIquem ligados, em breve trarei novidades sobre o livro 2: O TEMPLO
beijosssss e bom domingo!
NÃO SE PODE FUGIR DE UMA SOMBRA, PORQUE ELA SE OCULTA, ELA SE ESCONDE E SERPENTEIA PELOS CANTOS...
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