Capítulo 22


 A escuridão tomava conta. O frio  vinha com o vento e passava pela minha pele exposta a toda aquele clima.  A frieza não era culpa somente pela neve, pela estação de inverno, era também pelas suas palavras,  seu sorriso malicioso, sua mente corrupta e perversa ponta para atacar,  seu olhar sedento e pronto para o sangue. Como se me entregasse ao meu fim fechei meus olhos e a escuridão era única na soma dos dois tiros, foram as únicas coisas que pude ouvir. Mas..

"Mamãe?" eu coloquei a cabeça por trás da porta "Não quero ir!" eu dizia envergonhado.

"Venha aqui, meu bem. Deixa a mamãe te ver!"  minha mãe estava em seu quarto e sua voz ecoou pelo corredor até mim. Saí envergonhado do meu quarto e em passos curtos eu fui  até a porta do seu quarto, estava entre aberta e eu entrei. 

  Minha mãe estava colocando seu brinco de cristais brancos. Seu cabelo preto se ondulava em suaves ondas como as do mar, um delineado em seus olhos verde claro  brilhavam mais que os brincos e um rímel escuro quase imperceptível, seu rosto branco em uma base suave, um leve gloss vermelho em seus lábios macios, seu vestido vermelho vinho era encantador. A parte da frente ia até seus joelhos e descia atrás indo até  o salto-alto preto em seus pés, tecido de ceda por baixo e revestido em um tecido por uma renda florida, o mesmo tecido segui até o decote que era apenas a renda e ia até atrás de seus ombros, onde voltava a ceda revestida, o vestido se fechava pouco a cima da cintura, deixando suas costas nuas, um cinto de ceda fazia um belo laço redondo em sua cintura fina, seu cheiro de lírio exalava pelo quarto. Eu a olhei de queixo caído e ela me olhou com um belo sorriso. 

 "Hum, fofinho!" ela disse para mim. Eu vestia uma camisa social  branco, um suspensório e gravata borboleta azul escuro combinando com a calça, um sapato social e cabelo lambido de gel. Eu parecia um almofadinha metido, mas minha mãe achou lindo, e seu sorriso me convenceu disso "Vai chamar  alguém para dançar, meu pequeno grande homem?" ela pergunta voltando a olhar no espelho para por seu brinco enquanto me olha de canto. Eu desviei o olhar para baixo e inflando as minhas bochechas eu disse:

"Eu não sei dançar, mamãe!" eu me decepcionei. Estávamos indo  a uma festa de casamento, era normal que as pessoas dançassem e, aos meus dez anos, aquele seria apenas o segundo casamento que eu ia. 

"Não seja por isso!" ela estendeu a mão para mim "Me daria a honra?!" ela sorria.

"Wow, vai me ensinar a dançar?!" ela apenas sorriu mais e acenou positivamente com a cabeça. Segurei  sua mão e fui para perto da minha mãe.

"Naturalmente o homem deve comandar a dança, mas vamos com calma!" ali mamãe ficou comigo até que eu tivesse aprendido o básico de valsa, pelo menos o suficiente para um casamento "Olha a hora. Perdemos a cerimônia!" ela disse coçando a nuca "Ne, Ikki!" ela me chamou "Obrigada!" ela sorria verdadeiramente.

  Eu não entendi, no principio, mas quanto a mais casamentos eu ia e mais tempo ela passava me dando aula de dança, mais eu entendia. Não era uma cerimônia que importava, não era o compromisso e nem o fato de cerimônias serem um tédio para os convidados, e até para os noivos, era o estar comigo, fazer as coisas comigo, me ver sorrir, que alegrava seu estado de espírito. Aos treze anos eu já tinha ultrapassado seus um metro e cinquenta e nove centímetros apenas o suficiente para conduzir uma dança. Aos quatorze eu já alcançava um metro e sessenta e quarto. Nossa última dança foi a valsa lenta na sala. Eu a surpreendi em seu aniversário, usando uma roupa igual a que usei no dia que ela me ensinou a dançar valsa para o casamento. Nesse dia ela me pediu que prometesse algo a ela.

"Ne, Ikki" ela falou baixou "Nunca se entregue!"  e eu prometi a ela que jamais me entregaria.


...Eu prometi. O som da música dessa memória se abafou pelos disparos e eu abri meus olhos. Eu não iria agora, nem amanhã. Se entregar não é uma opção. Ceder ao abraço da morte não é uma alternativa. Como pude esquecer dessa promessa?! Encarei meu assassino nos olhos. Mas seus olhos estavam em choque no ar. Meu corpo estava intacto e uma voz feminina ressoou na minha esquerda.

"Não toque nele!" Yuriko e Isamu surgiam, armados, enquanto o corpo do homem que, um dia foi meu pai, caia ao chão.

 O tiro de Isamu havia acertado sua cabeça e Yuriko acertou suas costas.

"Você está bem, Sr. Showa?" Isamu parecia me respeitar agora.

"É Ikki, Isamu!" eu sorri para eles e me aproximei do corpo já sem vida ou consciência e me abaixei "Você era um verme!" fiz uma pausa antes de sorrir "Mas eu te perdoo, mesmo assim. Ia ser oque ela esperaria de mim!" fechei seus olhos "Adeus, papai!"  me levantei e andei até eles "Vamos! Querem um café?" eles guardaram as armas e concordaram. Fomos para a cafeteria mais longe dali, mas ainda naquela região.


Já naquela cafeteria, sentamos na janela, em uma mesa para quarto pessoas. O clima frio lá dentro, com o design escuro com detalhes de plantas que iam do teto ao chão em alguns pontos do local.

 "Estão atrás de mim a muito tempo?" eu questionei.

"Só hoje!" Yuriko disse fria. Desde Nakimi ela, claramente, estava sofrendo.

"Começamos hoje!" Isamu repetiu.

"Obrigado, pessoal!" eu falei com pausas e tomei meu café.

"Está ciente que foi um assassinato?" Isamu perguntou.

"Acho que estou me acostumando! Era ele ou eu." eu era frio, mas contente. Não pela morte, mas sim pela vida, que posso seguir mais um dia.

"Mas dessa vez o crime também é seu. Nós o matamos mas você o deixou lá, é cúmplice!"

"Já mataram quantos? A Yakuza, no caso!" eu perguntei frio. 

"Centenas, desde que eu estou nela!" Yuriko sussurrava. 

"E não foram pegos tão facilmente. Se ele também ia se safar, nós também vamos!" eu era convicto. Isamu sorriu e pediu três doses de saque puro.

"Bem vindo a Yakuza. Ou melhor, a ninkyō dantai!" erguemos o saque e dissemos baixo e em unissom:

"Kanpai!" e viramos.



  Na manhã seguinte eu retornei as aulas. Era estranho voltar ao normal, admito. As aulas sem ela eram um tédio. Não ter alguém me espiando e me incomodando ou me ajudando com algumas questões, como as de biologia, que agora tenho mais facilidade graças a ela, era horrível. Sinto como se todos aqueles anos que se passaram antes dela eram um treino, um preparatório para dias como esse, mas que eu não aprendi e nem me preparei para seguir sem ela. Mas é por ela que eu continuei minha vida! Akemi me fez companhia durante os intervalos. Mas o primeiro dia foi algo que eu não pude suportar. Começou com Akemi, antes da primeira aula.

"Ikki!" ela me abraçou, forte. Era detalhe que ela não me via desde o dia em que fomos para Yokohama, seu abraço vinha de algo além da saudade, vinha do luto, da perda. O senhor Showa, ou melhor, meu pai ainda não havia ido na escola comunicar a secretaria e só foi no dia em que voltei definitivamente. Quando o sinal tocou e fomos ficar em forma na ginásio, algo que não era do meu costume mas eu me acostumaria logo, a diretora apareceu com meu novo pai no palco do ginásio, ele se manteve ao lado da diretora, quieto. 

"Bom dia a todos!" a diretora começa e nos curvamos dando bom dia também "Como muitos devem ter notado durante a semana, a senhorita Showa não esteve comparecendo as aulas. Chegou na direção, hoje, a informação de que, infelizmente, Showa Nakimi faleceu após uma parada cardíaca na semana passada. Oque ocorreu devido a problemas de saúde com que ela vinha lidando nos últimos anos!" a notícia gerou comoção instantânea. Eu entendo bem o fato da Yakuza ocultar o assassinato, papai já havia falado comigo "Ela lutava contra um tumor no coração a quatro anos e infelizmente, mesmo depois de lutar tanto contra a doença, ela não suportou e veio a falecer nesse domingo a noite." alguns choravam e outros não entendiam, mas Choki, ria por dentro de seu sorriso maldoso "A escola terá uma manhã de luto. Tenham uma boa aula!" fomos dispensados, sem hino nacional ou apresentações.   Eu acabei saindo mais cedo por conta dos negócios da yakuza e uns documentos necessários de serem assinados.

   Eu achei estranho os dias seguintes. Choki não havia nem chegado perto de mim, na escola ou na rua. Até achei que seria coisa da yakuza, uma ameaça ou seguranças. 

  Segui o mesmo caminho que sempre fiz antes de Nakimi. Passei por aquele beco e as memórias eram fieis em minha mente. Lembrar de sua aparição quando mais precisei, da nossa harmonia no kung fu, o dia em que me estendeu a mão e cuidou de mim, me livrou dos meus inimigos e me deu uma amizade, novos olhos e lutou pelo meu bem. Me deu motivos para lutar, mostrou minhas promessas de tantos anos. Ao olhar para a neve repousada e elevar meus olhos ao céu, os flocos caiam mas o sol saia atrás das nuvens e era tão belo, assim como seus belos olhos lilás. 

"Será que, pelo menos hoje, o dia vai ser diferente?" eu disse de olhos fechados para o céu. Até que uma voz me chama, abri meus olhos e o vi "Sim, vai ser diferente!" meu desânimo ao ver Choki me cercar de seus amigos, igual aquela última surra.

"Ei, idiota!" ele estralava seus dedos.

"Esse tempo todo que você me deixou em paz" fiz uma pausa tirando minha bolsa e levando para por em cima de uma lata de lixo "Você não desistiu." coloquei a bolsa e me virei para olhar ele e voltar ao centro da roda olhando  cada um "Você estava planejando isso aqui!" parei e olhei para ele do meio do circulo, cinco adversários, uma parede a meu favor, não vou sair sem minha bolsa de qualquer jeito, não vou perder mais nada. 

"Exatamente, perdedor!" ele terminava cada frase com uma tentativa falha de me ofender "E agora você não tem mais aquela vadia para te ajudar!" me segurei para não partir para cima dele, palavras contra mim eu não vou me importar, mas ele não tinha direito de falar assim dela "tudo voltará a ser como antes, little shit!" ele sorria com seu inglês forçado e mal usado.

"Indo para as aulas de inglês agora, Choki?!" a ironia, o sarcasmo, a ignorância, tomavam conta das minhas palavras. E minha expressão o diminuía, oque despertava ainda mais ódio nele. 

"Sabe que horas são, stupid?!" eu sorri olhando para baixo.

"Ele está sorrindo? Que idiota!" um deles disse atrás de mim, lembro da sua voz ser a mesma de quem eu soquei a cara no dia em que ela veio. A formação era a mesma.

"Deve ter se conformado com o destino fracassado dele!" ele era arrogante, mas meu sorriso também "Está na hora do punch, asshole!" ele sorria ainda mais, eu podia sentir sem olhar para ele.

"Ele só sabe essas palavras?!" eu pensei comigo. 

  Se ele soubesse o real significado do meu sorriso, se eles entendessem, tudo poderia ter sido diferente e eles poderiam voltar para casa sem precisar de uma ambulância e atendimento médico, talvez a neve não tivesse se manchado com a cor vermelha do sangue de cada um dos cinco. Ergui minha cabeça esperando que a partir dali fosse diferente e então eu notei que o céu estava limpo e tão lindo, como ela foi. Peguei minha bolsa para sair e ouvi passos atrás de mim, correndo sem fôlego.

"Está atrasado!" eu olhei para trás e sorri, Rami estava curvado, respirando ofegante, apoiado com as mãos nos joelhos.

"Não teve um beco que eu não olhei no caminho para cá!" ele dizia se aproximando e pondo sua mão no meu ombro "Esses eram os assaltantes que você dizia então?" eu sabia que não precisava de resposta 

"Nakimi te contou?" ele também não precisava me responder, apenas sorriu, eu também sorri. 

"Me diga uma coisa" ele fez uma pausa respirando fundo "O que mudou?" ele  perguntou.

"Agora eu tenho um..." fiz uma pausa repensando "...tenho alguns motivos para seguir em frente. Tenho pelo oque lutar!" eu coloquei a mão em seu ombro sorrindo "Vamos, irmão. Quero um lamen quente!" eu puxei ele me apoiando no seu ombro e passando pelo grupo caído na neve. 

Família, amigos, amor, futuro. Minhas ambições definirão meu destino. Não vou deixar que ninguém mude oque eu desenho!


Continua?

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