⤴️ Marcha 3 - LÉSBICA
Diana arremessou a bolsa sobre o painel do carro do primo assim que bateu a porta do carona, logo, puxando o cinto. Passara aqueles quatro dias, inconformada, xingando até as formigas no pote de açúcar devido ao dinheiro que teria que gastar com aquela mulher. Uma fortuna! Tudo bem que ela fez por merecer; se tivesse intensificado a atenção no trânsito, situação como aquela teria sido evitada, mas... A motociclista não poderia ser um pouco mais compreensível?
Dar uns descontinhos?
— Tem certeza que esse moto peças existe? Não estamos indo para uma cilada, né? — Renato, sempre sensato, levantou a questão.
Com o rapaz, cuidado nunca era demais.
— Existe. Ontem tive que ir ao banco e passei em frente do estabelecimento para ter certeza. — Um tanto aérea, utilizou o retrovisor à sua direita para modelar os cabelos com a ponta dos dedos.
Infelizmente, o vento fez questão de desmanchar tudo que havia feito antes de sair de casa.
— Então, tá! Mas, por que você está arrumada?
Bom... aí Diana parou o que fazia para encarar o primo, o qual manobrava o carro na pista.
— Eita! Não estou arrumada. — A seguir, passou rapidamente os olhos sobre seu vestido branco tomara-que-caia, levemente justo na cintura e coberto de babados, que por sua vez ia até o meio das coxas. — Vim do jeito que eu estava em casa. Eu, hein!
Ela tinha que aproveitar aquele solzinho de outono.
Balançando a cabeça, Renato se atentou apenas à rua, seguindo tranquilamente até o moto peças ao som discreto de "Tiê - Mexeu Comigo". Já Diana, apanhou algumas barras de cereal da sacola de compras do primo e tratou de dar a primeira mordida; doce lhe relaxava. Mas, Diana estava nervosa pelo que mesmo? Nisso, minutos mais tarde o destino se tornou visível. Por sorte, aquela quarta-feira se encontrava tranquila, portanto, não tiveram que enfrentar tráfego pelo caminho. Assim como Gabrielle, a qual já se localizava em frente ao local com o celular em mãos, pois, aproveitou que Cíntia não usaria o carro e prontamente o pediu emprestado. Foi então que, quase em simultâneo ao instante que Renato parou seu carro no outro lado da rua, o aparelho do rapaz apitou graças à notificação. O mesmo teria acontecido com o celular de Diana caso este estivesse conectado à Internet.
15:08
Gabrielle batida: Cadê você, bonequinha?
Se não aparecer em dez minutos, já sabe!
Gabrielle concluiu a mensagem com o envio da foto da placa do carro, a qual Renato achou melhor não mostrar a Diana. Deixar a prima irritada não era uma boa ideia, ainda mais porque Renato não poderia acompanhá-la no passeio.
— Vá logo, aposto que ela está impaciente. — Por fim, ele mesmo soltou o cinto de Diana. — E faça o possível para não aceitar as provocações dela.
Depois de assentir — mais para si mesma —, informando que seguiria o conselho do primo, a jovem apanhou a bolsa bege e saiu do carro mordiscando outra barra de cereal, enfim fincando os pés na faixa de pedestres para esperar a pista ficar livre à sua passagem. E, no instante em que focou a frente do moto peças, deixou de mastigar os grãos de avelã envolta em chocolate.
Aquele doce derretia em saliva, tingindo a língua paralisada — igualmente a boca —, diferente dos olhos, os quais se encontravam movimentados até demais na imagem diante dela.
A moça encostada de costas no carro logo à frente, esta, que enquanto tinha uma das mãos sobre o capô, a outra portava o celular, no qual pela concentração da dona deveria conter alguma informação importante, tomou sua atenção completamente. Havia razão para aquelas palpitações? E quanto ao friozinho nas mãos? Nesse meio tempo a rua havia se tornado limpa, mas Diana continuou observando aquela mulher a distância, dos pés à cabeça... centímetro por centímetro. "Não pode ser a mesma pessoa", por que será que até a maneira dela estar apoiada na dianteira do carro, mantendo uma perna sobre a outra e exibindo a sola preta da bota de cano alto, lhe tomou os olhos? Provavelmente o fato da jovem usar óculos de sol e ganhar alguns fios de cabelo sobre a testa devido a cabeça baixa, tenha culpabilidade.
Seria essa a definição de uma atração à segunda vista?
"Jeans rasgado, cardigã e bota é tão lind... Brega! Credo!", após parar de encarar a tatuagem de flecha no interior do antebraço daquela moça e retomar a consciência, finalmente atravessou a rua engolindo o que havia na boca. Não seria nada bom ser flagrada pela estranha a olhando daquele jeito. Já pensou na quantidade de piadinhas que surgiriam? "Nem brinca!", concluiu dando os passos finais, por fim alcançando a outra calçada onde aterrissou os pés.
Especificamente, frente a frente de Gabrielle.
Um pigarrear teve que se fazer audível, já que a motociclista não demonstrou vê-la se aproximar. A qual após erguer os olhos escondidos atrás daquelas lentes escuras, conseguiu disfarçar o leve sobressalto e tornou a descer suas íris, para que assim, pudesse subi-las outra vez, só que... lentamente; pouco a pouco; devagarzinho. Registrando tudo nos mínimos detalhes, atenciosamente, até encontrar outra vez o rosto da garota incomodada com aquela situação, a qual resolveu encher a boca com mais um pedaço do alimento doce.
E, escondendo a vontade de soltar uma piada relacionada com a possível religião de Diana e o fato dela estar usando um vestido branco, Gabrielle apenas desceu os óculos de sol, deixando-os na ponta do nariz.
— A boneca está atrasada dezoito minutos. Mas... se falar que estava treinando como se usa a seta, te desculpo e até esqueço de pedir o extrato da conta.
Com a força da raiva, a barra de cereal foi engolida.
— Você não cansa de parecer uma pernilonga retardada? — Como se tivesse invocado uma adolescente, Diana rolou os olhos. — Anda logo. Não tenho a vida toda. — Sendo assim, não deu combustível para a implicância, apontando a porta do local. Gastar dinheiro com os outros, definitivamente não era algo que lhe agradava.
"Por que ela está sorrindo?", a confusão tomou os pensamentos da mais nova.
Gabrielle, enquanto guardava o celular no bolso e ajeitava os óculos no topo da cabeça, rapidamente avançou os passos até a entrada do moto peças, no entanto, parou antes de adentrar o estabelecimento. Ato que obrigou Diana a também se interromper e encarar confusa, a moça a qual já lhe fitava com o braço direito esticado ao interior do lugar.
Exibindo novamente a tatuagem de flecha.
— Primeiro, a Hello Kitty pistola — provocou. E, em um ato súbito, puxou o pulso direito de Diana com a outra mão, roubando-lhe uma mordida daquela barra de cereal. — Adoro essas porcarias. Tem mais? — completou com a boca cheia.
"Qual é a doença dessa mulher?", nem Iemanjá sabe.
— Não, é a última! Aliás, quantos anos você tem, hein?
— Vinte e três. Quer saber o signo também? Altura... centímetros do busto? — Gabrielle sorriu de um modo que não pôde ser descrito, pois, a classificação indicativa da história não permite.
De olhos apertados, Diana mentalizou, repetindo mentalmente como um mantra, as palavras do primo, e, após o suspiro, enfim entrou no moto peças. Aquilo só podia ser castigo. E dos brabos! O pior é que o risinho o qual ouviu um segundo mais tarde, quase lhe fez não só se virar, como gastar aquela irritação através de socos. É claro que isso ficaria apenas no pensamento ou convertido em tapas infantis; Diana não levava jeito algum para a violência.
Pelo menos enquanto Gabrielle procurava a tão idolatrada roda, deixou seu lado implicante em segundo plano, o que claro, Diana agradeceu. Não que ela se sentisse mal em ser reconhecida por seguir uma religião africana — em situações apropriadas, nos debates sobre intolerância religiosa, por exemplo, sua fama era até muito bem aproveitada —, mas, essa característica religiosa precisava ser apontada negativamente vinte e quatro horas por dia?
Ela precisava ser resumida a isso? Virar sempre o alvo das piadas?
— Ei, você disse 349,99! Pode devolvendo isso aí! — Depois de gesticular indignada com aquele valor absurdo, Diana nem percebeu que ao empurrar Gabrielle de volta ao corredor das rodas e pneus, fez isso lhe segurando o ombro.
Toque que obrigou a dona do tal ombro a encarar aquela mão com... satisfação? Notando, a outra apressadamente recolheu a mão, cruzando os braços para disfarçar sabe se lá o quê o seu empurrão tenha dado a entender naquela estranha. Ser acusada de agressora era tudo que Diana não precisava.
— Primeiro: se me tocar de novo, queimo a sua coleção de bruxinhas da Barbie. Segundo: vou pagar a diferença, não sou unha de fome igual você... Melhor, a gente racha o valor. Assim você para de chorar um pouco.
A notícia até tranquilizou a jovem, mas não a ponto dela agradecer, afinal, a coleção de bruxinhas da Barbie que ela não tinha fora ameaçada, e exatamente por isso, Diana passou a se sentir verdadeiramente mal perto da motoqueira bipolar. A atitude lhe mostrou que as vezes que Gabrielle pareceu demonstrar interesse, não passavam de brincadeiras. Provavelmente era parte do jeito esquisito daquela mulher, e ela, fazia aquilo com qualquer pessoa.
Sem querer, Diana foi tomada pela decepção. Sim, aquele "aviso" lhe deu uma bela de uma frustrada; um verdadeiro banho com a água que congelou o Titanic.
— Sempre tive curiosidade de saber se vocês macumbeiros conseguem conquistar quem quiserem à base de feitiço. Aquela baboseira "trago o seu amor em três dias", funciona mesmo? — Gabrielle acabou trazendo o assunto inconveniente. A longa fila na qual elas estavam se tornaria menos tediosa caso engatassem uma conversa para passar o tempo.
Decerto só funcionaria para ela própria.
Diana, em silêncio estava e em silêncio permaneceu; com a diferença de entrelaçar os dedos diante do corpo. Envergonhada. Porém, um cliente à frente das duas segurando a mão de uma criança e também esperando a sua vez de realizar o pagamento, ao ouvir a conversa se virou para trás, dando uma boa analisada na jovem de vestido branco. O problema é que o olhar não foi dos melhores e constrangeu Diana com força. Expressão imediatamente assistida por Gabrielle ao avançar na fila e encontrar a outra de cabeça baixa. "Ah, pronto, daqui a pouco vai chorar", acabou achando melhor também se manter quieta. Até porque, não conhecia a moça ao lado a ponto de ficar puxando assunto, coisa que não fazia parte da sua personalidade e sendo bem sincera consigo mesma, não entendia o motivo de ter vontade de implicar o tempo todo com Diana. Portanto, os minutos foram caminhando junto com a movimentação da fila, e isso teria acabado bem, caso a cena seguinte não tivesse acontecido.
A criança, um menino de aparentemente três anos, acabou se entretendo demais com o joguinho no celular e não olhou para frente; resultando em uma pequena queda ao tropeçar nas peças compradas pelo pai, as quais se encontravam no chão. E, no impulso, Diana agachou-se para acudir o pequeno que já iniciava a imensa choradeira ecoada por todos os cantos do moto peças.
— O que você... Tira a mão do meu filho, demônia! — O homem, de porte mediano, primeiro se preocupou em empurrar Diana no piso frio, para depois, resgatar o filho, pegando-o no colo. — Não olhe pra ela, filho, Jesus não gosta.
Percebendo que desmoronaria a qualquer segundo e chorar na frente de estranhos era algo que Diana fazia o possível e o impossível para não acontecer, ela simplesmente se levantou do chão, para quase correndo, deixar o moto peças rumo a lugar nenhum. Diana só precisava sair dali; sumir. Estava em pânico; com vergonha. A timidez que tanto lhe apunhalou na adolescência voltara com tudo. No entanto, ela não foi rápida o suficiente: a moça que segurava a roda ao lado do corpo registrou contra a sua vontade, aquelas lágrimas na memória.
Imóvel, sem ação alguma, Gabrielle presenciou tudo calada; paralisada. Poderia parecer pena de Diana, mas não era. A motociclista havia visto o momento exato em que o menino tropeçou e machucou ambos os joelhos, ocorrido que, se Diana não tivesse agido primeiro, ela própria teria ajudado a criança. Foi naquele instante que uma certa culpa passou a penetrar os poros de Gabrielle. Será que se ela não tivesse feito aquela pergunta, a cena lamentável teria acontecido? Ela tinha a sua parcela de culpa? Entretanto, não foi apenas Gabrielle quem assistiu aquilo. Boa parte dos clientes às suas costas também viu o ato solidário de Diana. Porém, apenas uma mulher iniciou as críticas em cima do pai injusto, que logicamente, não as aceitou bem.
— Achou ruim?! Então leve a macumbeira pra casa, filha! Nem a ajuda dela eu pedi! Eu não quero essa raça do Satanás perto do meu filho, muito menos tocando! — Por fim, colocou o menino de volta no chão, que por sua vez, já havia esquecido o tombo e voltara a se concentrar apenas no joguinho online.
Nesse momento, a roda de liga leve, cara e cobiçada, a qual carregava tons escuros e prateados, foi cuidadosamente posta no chão, para assim, deixar ambas as mãos livres; desocupadas; prontas. Mãos estas que, enquanto Gabrielle tomava a frente da mulher que ainda discutia com o homem o qual mudara o faco para as agressões verbais machistas, forçou a dona daqueles pequenos punhos fechados a puxar o sujeito pesado pela camisa. Ao lado, tomada pelo instinto protetor, a outra moça tirou depressa a criança da cena, prevendo o que aconteceria. O que de fato aconteceu graças às aulas de muay thai. Gabrielle pegou o homem de surpresa e fez o que precisava fazer, uma, duas — caramba, três? — vezes...
— Não sou especialista, mas aposto que agora, Jesus está batendo palmas enquanto diz "Essa é a minha garota!".
...antes de sair sem sequer lembrar no que tinha ido ali, comprar.
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