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A VISITA 

Na semana seguinte, funcionários do governo invadiram nossa casa para me preparar para a Seleção. Havia uma mulher chata que insinuava que metade do meu formulário era mentira. Era de fato, mas isso eu não ia confessar. Estava sofrendo em dobro. Agora entendia perfeitamente a Katniss Everdeen.

O último visitante chegou na quarta-feira à tarde, dois dias antes de eu dar o fora. Ele era de uma magreza impressionante; tava pior que o Aspen. Seu cabelo seboso estava penteado para trás e ele também suava muito. Ordenou que deveríamos instalar um ar condicionado. Minha mãe se segurou para não soltar uma chuva de palavrões.

Ele enxugou o rosto e se atentou a May.

- Ela não pode ouvir. É confidencial.

May fez uma careta.

- Claro que posso, quem é que vai me impedir, você?

- May... - Minha mãe a olhou com cautela - Querida, não quer retomar a pintura? O trabalho filhou meio de fora essa semana.

- Mas...

- Eu acompanho você até a porta - Propus. Quando chegamos ao corredor dei um soco no seu estômago. Ela gemeu.

- Conto tudo de noite, boba - Cochichei - Não esquenta a cabeça, eu prometo.

- Quero só ver hein - Acenou a cabeça séria e foi para o estúdio do meu pai.

Minha mãe preparou um chá de gambá para o convidado e nos sentamos a mesa da cozinha para conversar. Ele carregava uma pilha de papéis e canetas, que pôs ao lado de uma pasta com o meu nome.

- Desculpe por isso, mas não consigo lidar com crianças. Um minuto com elas e eu perco a cabeça.

Mamãe e eu trocamos um rápido olhar. Tava na cara que o homem era um biruta.

- Senhorita Singer, desde sexta-feira passada a senhorita é considerada propriedade de Ilhéa. Você já pode chorar.

Fiz uma careta.

- Ah?

O homem limpou a garganta.

- Pensei que iria chorar. Todas choram quando pronuncio propriedade de Ilhéa.

- Mas eu não. Continua.

- Bem, a senhorita deve tomar certos cuidados em relação ao seu corpo. Se não cumprir nossas exigências estará excluída da Seleção. Compreende?

- Acho que sim - Respondi um pouco insegura.

- Muito bem. Aqui há algumas vitaminas. Visto que a senhorita é um Cinco, deduzo que nem sempre teve acesso a uma dieta adequada.

Ele me passou um frasco grande e eu tratei de abri-lo imediatamente e engolir várias pílulas. Queria mostrar que era independente e responsável.

- Peguei exames com o seu médico. Saúde muito boa, eu diria. Embora ele me tenha confidenciado que não prega os olhos de noite.

- Fica difícil dormir com tanta pressão. Meu Deus, vocês são tão chatos, hein, não largam do meu pé.

- Entendo. Bem, posso pedir para que lhe entreguem alguns calmantes hoje à noite, caso a senhorita precise. Queremos que esteja bem descansada.

- Não, não é preciso..

- Sim - Interrompeu minha mãe - Desculpa, querida, mas você está um horror. Por favor, peça os calmantes.

- Sim, senhora.

O homem fez uns rabiscos na folha. Estiquei o pescoço e vi que ele desenhava um dinossauro. Tão típico.

- Vamos prosseguir. Sei que é uma pergunta muito pessoal, mas dane-se, tenho que fazer isto com todas as participantes.

Ele fez uma pausa e continuou.

- Tú é virgem?

Minha mãe arregalou os olhos.

- Isso é sério?

- Muito sério Senhora Singer. Então, senhorita vai falar ou não?

- Claro que sou né. Fazer o quê.

- Muito bem, espero que esteja falando a verdade.

- América nunca namorou! - Minha mãe estava transtornada.

- Preciso que a senhorita assine este formulário para confirmar a declaração.

Assinei bufando. Tudo para a minha ditadura, pensei. Tudo por ela.

Ele repassou as regras nas quais eu já estava farta de ouvir e concordei relutante. Disse em como o príncipe era o nosso amo e a partir daquele momento serviríamos como brinquedinhos durante nossa estada. Só ele tinha o poder de nos chutar ou de permitir que brincássemos no jardim. Comentou que a Seleção não tinha uma data específica para acabar e que poderia durar até anos. Salientou que se caso eu quebrasse qualquer lei de Ilhéa (era claro que eu iria quebrar) seria punida com chicotadas. Tinha que estar presente todas as sextas-feiras no Jornal Oficial e ser gentil com os câmeras e fotógrafos quando viessem gravar meu dia a dia no castelo.

- A partir de agora a senhorita é uma três.

- Okay - Não escondi minha felicidade. Se o golpe não funcionasse eu estaria duas castas acima, pelo menos.

- Por último, caso permaneça até o final da Seleção, a senhorita se casará com o príncipe Maxon e será coroada princesa, assumindo todos os direitos e responsabilidades do cargo. Compreende?

- Ah tanto faz - Bocejei de tanto sono. Ele se levantou e foi até a porta e o acompanhei.

- Mais uma coisa - Ele lembou - Não é exatamente uma regra, mas se no caso o príncipe quiser te beijar ou tentar algo a mais, não recuse.

- What Fuck? - Perguntei cheia de ódio. Era só o que me faltava.

- Sei que soa inadequado, mas não convém rejeitar um partido como aquele. Sei que no fundo você gosta dele. Boa noite, senhorita Singer.

Bati a porta na sua cara. Estava revoltada demais. Provavelmente quebrar algumas das telas de Gerald seria uma boa opção para extravasar minha recente raiva adquirida.

Estava eu parada do lado da porta submersa nos meus pensamentos, quando minha mãe apareceu na minha frente e comentou que já havia recebido um cheque gordo e que iria gastar tudo em bolsas Chanel. Ignorei-a enquanto ia para o meu quarto. A campainha tocou furiosamente. Pensei que seria o magrelo novamente, agora com guardas do palácio para me prender por ter sido tão indelicada a ponto de bater a porta na cara de um agente a serviço da família real.

Mas não era ele. Era Aspen com um buquê de flores murchas em mãos.

- Oi Americana - Sua voz estava desprovida de qualquer emoção.

- Oi Aspen - Me contive para não me expresar erroneamente. O cara tinha terminado comigo! Fala sério. Tinha que manter uma postura fria e calculista.

- Essas flores são de Kamber e Celia. Elas queriam te desejar má sorte.

Ele se aproximou e entregou as flores.

- Mas é gentileza demais! - Minha mãe apareceu, roubando o buquê e o jogando no chão. Pisou furiosamente nele e depois cheirou as pétalas velhas, meio decepcionada - Não são drogas. Me desculpe por isso.

- Sem problema - Aspen respondeu. Limpei a garganta.

- Ei Aspen, será que você podia me ajudar a arrumar minhas malas?

- Arrume você, sua folgada - Respondeu num tom ignorante. Peguei seu pulso e o forcei entrar para dentro da minha casa. Minha mãe não notou, pois passava aspirador sobre a bagunça de flores no chão. Puxei-o até o meu quarto e tranquei a porta. Tinha um plano maligno em mente.

- Arrume isso - Apontei para a mala toda bagunçada na cama. Vendo como eu realmente era uma ameaça, ele obedeceu de imediato, organizando minhas roupas cuidadosamente na mala, enquanto eu observava de perto, sentada, com um chicote em mãos. Não ia fazer nada com aquilo, mas sempre quis estrear o chicote que ganhei no meu décimo aniversário.

- Estou te fazendo de bobo - Quebrei o silêncio - Tipo, não vou vestir nenhuma destas roupas. São eles que vão me vestir a partir de amanhã.

Ele não respondeu. Parecia triste.

- Suas irmãs ficaram decepcionadas? Por que tipo, era meio óbvio que eu iria ganhar.

- Um pouco - Ele respondeu - Você ficou muito bonita na foto.

- Era para você - Sussurrei. Não porque era meio vergonhoso confessar algo como aquilo, mas sim porque não ingeria um líquido sequer há três dias.

- Quê?

- É que.. eu pensei que você ia me pedir em casamento e..

- Estava pensando nisso sim, mas não queria fazer isto antes do recrutamento.

- Ah...

O recrutamento era uma coisa idiota de Ilhéa. Todos os rapazes de dezenove anos eram elegíveis para a guarda. Os soldados eram recrutados aleatoriamente duas vezes por ano. Os soldados serviam dos dezenove aos vinte e três anos. E a data do próximo recrutamento estava próxima.

A única coisa boa disso tudo é que quem fosse pego, viraria um Dois automaticamente. Os que não se casavam antes do recrutamento eram inteligentes. Os que se casavam poderiam passar anos sem ver a amada. Isso sem contar que a mulher poderia ficar viúva.

- Mas já que terminamos, poderei ser recrutado feliz e saltitante.

- Você realmente disse isso? - Balancei a cabeça negativamente sentindo toda aquela revolta se apossar de mim novamente - Não está vendo como parte o meu coração?

- Desculpe, mas é a verdade - Deu de ombros inocentemente - Gosto de você, mas fiz a escolha certa.

- Não acredito que escrevi duzentas páginas sobre o nosso plano de governo por você. Não era digno da minha piedade - Fechei os olhos - Você me fez entrar nessa droga de concurso. Vou virar um brinquedinho do príncipe. Está feliz?

Ele se virou para mim.

- Como?

- Eu não posso recusar nada que ele queira.

Aspen pareceu ficar bravo. Seus punhos se cerraram.

- Mesmo que ele não se case com você... Ele pode?

- Sim.

- Desculpe, eu não sabia. Mas mesmo assim, se ele te escolher, vai ser bom. Você merece ser feliz.

Não aguentei mais e lhe dei um tapa no rosto.

- Só cala.. a boca - Sussurrei com força - Odeio o príncipe! Eu amava você! Eu queria você! Tudo o que sempre quis foi você!

Aspen fez um barulho estranho com a boca e pensei por um segundo que ele segurava o riso.

- Para de tanto drama queen, Americana. Agora eu preciso ir, tá? - Ele disse, saindo.

- Espere. Ainda não te paguei.

- America, você não precisa me pagar - Disse ele, saíndo. Mesmo assim, esvaziei todas as minhas economias (três reais no total, em moedas de cinco centavos) e joguei em sua direção com raiva. Abri a boca e chorei, escorregando naqueles centavos miseráveis e pensando em como não haveria mais nada entre Aspen e eu. Estava chorando tão alto, com enormes e estridentes soluços que nem reparei que May tinha aparecido na minha porta.

Tomei um daqueles calmantes idiotas e dormi agarrada a ela, me sentindo oblíqua e dissimulada. 

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