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O PLANO

Arrumei toda a cozinha, porque se não fosse por mim, essa casa já estaria caindo aos pedaços. Guardei meu prato que eu quase não tinha tocado com um guardanapo.

Fui para o meu quarto e comecei a pensar novamente nesta maldita Seleção. Até que participar teria lá suas vantagens. Eu poderia comer de montão, ter criadas e não fazer absolutamente nada. Bom, ao contrário do que eu era aqui, a Cinderela dois. E eu podia estar aliviada, pois não gostava nem o pouquinho do príncipe Maxon. Era só agir para manter as aparências e pronto.

Me olhei pro espelho e me emperiquetei um pouco. Fui até a cozinha e embrulhei as sobras do jantar e algumas coisas que estavam praticamente vencidas. O que não mata, engorda.

Voltei para o quarto em passos lentos e abri a janela. Olhei para os lados. As luzes dos vizinhos já estavam apagadas. Todos já estavam dormindo. Barra limpa. Saí pela janela, com cuidado e corri pela grama. Se alguém me visse a essa hora da noite, provavelmente fofocaria para a vizinhança toda e eu não queria borrar mais a imagem que nós tinhamos nessa comunidade. A de completos malucos.

Escalei as ripas pregadas na árvore e cada degrau era um alívio.

Entrei naquele amontoado de madeira, na qual minha família chama de casa na árvore, já irritada. Alguém estava lá dentro, mas eu não me assustei. Não haviam assediadores sexuais na vizinhança, o que era um alívio para minha mãe paranóica. A sombra se aproximou devagarinho e acendeu uma vela. Finalmente meu quase marido abriu um sorriso malicioso e balbuciou na sua melhor versão galã de novela:

- E aí gostosa?

Botei meu corpo para dentro do cubículo e lhe dei um tapa.

- Não me chame mais disso! Ainda sou uma moça de princípios.

- Nossa, desculpa aê - Ele levantou as duas mãos - Mas não consigo evitar. Já te disse que você fica muito sexy de pijama?

Foi o suficiente para que eu o beijasse. Era sempre assim. Eu beijava, lhe entregava a comida e partia (hastag partiu! Sempre quis dizer isto, mas tenho medo que minha mãe me quebre pelo palavreado). Mas sempre que o beijava parecia que havíamos só ele, eu e a comida vencida. Nada da minha mãe intrometida, minha irmã assanhada e todos os apetrechos que acompanhavam nossa vida na linha da pobreza. Havia apenas as mãos de Aspen percorrendo lugares onde eu nunca permitiria a Maxon - o cabelo - e me puxando para mais perto.

Sua respiração toda irregular me fazia cócegas e eu me separei dele. Seu corpo estava fedendo a alguma droga que eu desconhecia. Sua mãe estava envolvida no crime da nação, mas ninguém desconfiava. Recusava- se a oferecer dinheiro a família e ele e as irmãs passavam fome. Tava pior que Jogos Vorazes, vou te dizer.

- Sorry baby, estou um monstro hoje, muito irritada e tal - Comentei - A gente recebeu aquela carta idiota da seleção, sabe.

- Ah sim, a carta - Ele concordou, cabisbaixo.- A gente recebeu duas.

- Claro. Por que você tem duas irmãs, isso é meio óbvio né?

- Me desculpe. Sempre pensei que você tinha déficit de atenção.

Nossa relação era perfeita demais para ser verdade. Ele me considerava uma pirada e eu o achava fofo por ser tão pobre. Além dele ser o partido da cidade, é claro. Apesar de não ter os dois dentes da frente e ser muito magro (põe magreza nisso; o coitado tava abaixo do peso), as garotas enlouqueciam quando ele passava. Usava roupas esfarrapadas e não lavava o cabelo. Trabalhava muito para garantir um pedaço de pão para as irmãs. Era perfeito para mim. Quem era o príncipe Maxon perto do meu namorado? , toma essa família real.

Doía muito saber que nosso casamento poderia não se concretizar. Aspen era um seis. Eu sou um cinco, então pelo meu ponto de vista, talvez dê certo. As pessoas - Vulgo minha mãe - Gostavam de salientar que morrer seria o futuro de alguém que se casasse com uma pessoa de uma casta inferior. Mas eu estava pouco me lixando. Casaria com Aspen sim e ponto final. Não seria mais a velha solteirona na qual a família toda debochava. Com meu talento musical poderíamos fazer fortuna e ficarmos famosos; nada é impossível. Nem mesmo para uma garota tão entediante como eu. Estava com Aspen já fazia dois anos e não seria agora que daria o braço a torcer e lhe entregaria a uma das minhas vizinhas invejosas.

- O que você acha dessa palhaçada toda? - Perguntei.

- Que palhaçada?

- A da Seleção, seu burro da peste! Fala logo o que tú acha, moleque.

- Ei eu não sei - Deu de ombros - O coitado deve ser horrível pra não arrumar uma mulher por conta própria. Agora passa a comida.

- Não, peraí - Puxei a sacola - E se eu entrasse nessa coisa? O que você faria?

- Iria rir muito. Agora a comida.

- Um momento esfomeado - Coloquei a sacola atrás de mim - Você está incentivando as gêmeas entrar no concurso?

- É óbvio - Revirou os olhos - Se elas vão para o palácio, não gasto todo o dinheiro em comida. Se não gasto todo o dinheiro em comida, fico rico. Simples assim.

- Elas ainda comem que nem um elefante? - Perguntei preocupada.

- Infelizmente. Uma vez até botei veneno no meio do arroz pra ver se as desgraçadas morriam, mas não deu em nada.

- Tá, isso não me interessa. Mas tipo, você tem noção do que aconteceria? Se Kamber ou Celia ganhassem?

- Claro. Íamos subornar e ganhar uma pensão milionária mensal pelo resto da vida.

- Por isso que eu te amo - Lhe abracei emocionada - Tão pobre e tão esperto.

Lhe entreguei a marmita e ele a devorou em um segundo. Era ótimo ver a satisfação dele ao lamber o tempero do frango nos dedos. Mal ele sabia que eu o estava matando aos poucos com aquela comida vencida.

- Hey Americana, cê vai entrar para a seleção?

- Meu nome não é Americana. É America, seu burro.

- Para de mudar de assunto e fala logo.

- Não - Fiz uma expressão despreocupada - Até parece.

- Você quer ser uma seis?

- Ah? - Me fiz de desentendida.

- Você entendeu muito bem.

Balancei a cabeça positivamente. É claro que eu não queria ser uma seis. Cinco, já bastava para sofrer. Mas eu não diria algo tão cruel ao coitado. Ainda tinha esperança que eu lucraria com a minha música até virar uma bilionária.

- A gente consegue Aspen. Somos inteligentes - Ele me repreendeu com o olhar - Tudo bem, só você é o inteligente. Mas mesmo assim a gente vai conseguir. Podemos pedir bolsa família e tudo mais. O governo ainda ajuda um pouco os pobres.

- Bolsa família são para casais que tem filhos, Americana.

- Ué é só a gente ter filhos, querido! Depois sou eu quem tem défict de atenção.

Ele suspirou frustado e jogou a marmita pela janela da casinha da árvore. Alguém gritou alto e fizemos uma careta do tipo vixi, nos ferramos!

- Acho que você devia.. - Ele começou.

- Eu também acho - Olhei abismada pela janelinha - Alguém foi atingido pelo prato e deve estar inconsciente lá embaixo.

- Não, sua tonta. Você deveria participar da Seleção.

- Tá usando drogas, né?

- Me escute Americana. Você está perdendo a melhor oportunidade da sua vida miserável. Se não se inscrever nessa encrenca, eu te mato agora mesmo.

Ignorei sua indelicadeza. O coitado é tão fraco e magro que seria incapaz de matar uma formiga.

- Tá, vou me tratar de me inscrever. Mas não vai dar em nada, você vai ver.

- Chega de pessimismo. Você vai ganhar. Podemos dar um golpe de governo e instalar nossa própria ditadura. Seria perfeito!

- Ótimo - Finalizei com um sorriso malicioso - Esse principezinho mal sabe o que lhe espera.

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