13 - A criatura

O Sr. Ninguém parecia ter terminado finalmente os cuidados na sua espada e a colocou num suporte, o qual fixara nas costas através de uma cinta de couro, que ia da diagonal do seu ombro direito até a cintura. Ganhou o acessório de um mercador de armas que ficou impressionado com seu desempenho na arena. Retirou de um saco próximo ao seu leito a luva metálica e o escudo, equipou-se e saiu.

Chegou bem antes de Sttor na entrada da cidade e sentado numa posição estratégica ficou observando.

Viu quando o gigante chegou sozinho, mas viu também quando ele trocou alguns sinais com dois homens que se encontravam junto a uma barraca de frutas e que logo após saíram de Cabidan.

Depois de ter a certeza de que não havia mais nada interessante para observar, se aproximou de Sttor.

"Aqui estou! Vejo que arrumou o machado."

"Ainda não tive tempo, este é outro, um pouco mais leve..."

"Devia tê-lo usado no torneio!"

"Pensando bem, tem razão" - Sttor deu uma girada no machado e o apoiou no ombro – "Está na hora!"

O Sr. Ninguém assentiu com a cabeça e deixaram a cidade.

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O sol ainda não se escondera no leste quando chegaram próximo à caverna, aberta tal uma enorme boca numa montanha, que delimitava o fim do deserto. Havia algumas pedras grandes espalhadas um pouco antes do acesso à caverna e Sttor escolheu uma que lhe serviu como um bom esconderijo, enquanto o Sr. Ninguém se refugiou atrás de outra, bem menor.

O Sr. Ninguém, que já há algum tempo se colocara em total vigilância, pronto para agir, notou que a montanha que se erguia à frente parecia um tipo de vulcão pelo seu formato.

A noite chegou e com ela um vento frio e cortante, o qual ambos nem pareciam sentir. O céu de repente tornou-se como breu e o som do vento foi quebrado pelo barulho de asas muito grandes, porém, invisíveis. Entreolharam-se no escuro sob a pequena claridade de uma tocha acesa pelo Sr. Ninguém e apenas com sinais decidiram entrar na caverna. Na entrada o Sr. Ninguém fez um gesto para o gigante ir na frente e cochichou que ele cuidaria da retaguarda.

Estavam entrando vagarosamente desta forma, com Sttor na frente e o Sr. Ninguém quase colado atrás, quando ouviram o primeiro grito, que indicava uma mistura de medo e dor. O segundo grito veio menos de um minuto depois. Não se abalaram e continuaram entrando.

"Seus amigos se deram mal!" - sussurrou o Sr. Ninguém.

"Não são meus amigos!" - afirmou também num sussurro – "Vieram atrás de matar a criatura e receber a recompensa, assim mesmo como nós dois..." - e depois de um pequeno intervalo continuou – "Mas por onde a fera entrou?"

"Com toda a certeza existe outra entrada por cima. Lembra-se de ter escutado asas, pois acredito que temos pela frente um grande pássaro."

Mesmo sabendo disso continuaram entrando no mesmo posicionamento de antes, até chegarem à entrada de uma área maior, que lembrava um salão com teto alto. O vento que os tomou de assalto confirmou a suspeita de ambos de que existia outra passagem, e quase apagou a tocha que o Sr. Ninguém carregava. Algumas outras tochas haviam sido acendidas e presas por ganchos nas paredes. Puderam perceber pequenas saliências pelas quais se podia subir e se posicionar em plataformas mais elevadas. De uma destas plataformas pendia o corpo imóvel de um dos homens e o outro não era visível.

Sem pararem na entrada continuaram até o meio do salão, agora um apoiando as costas no outro e apesar de toda a atenção de ambos nem perceberam de onde veio o primeiro ataque.

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Sttor, muito tempo antes de vir para o deserto, vivera próximo à Floresta Sem Luz, da qual o loiro se lembrava muito bem.

Quando jovem se aventurou por diversas vezes em suas matas e enfrentou muitos animais de todos os tamanhos, sendo reconhecido nas redondezas como, literalmente, um grande caçador. Depois se cansou dessa vida e resolveu se aventurar no mundo conhecido e o medo jamais havia feito parte dele, até aquele momento junto ao Sr. Ninguém.

Ele pensou que seja lá o que fosse que os atingiu e os derrubou um sobre o outro, era mais forte e ágil do que qualquer animal que já havia enfrentado antes. Viu a tocha rolando para o lado, mas entre ela e seu machado, ficou com a segunda opção.

O Sr. Ninguém, que apesar de não ser tão velho, também já passara por inúmeras aventuras durante sua vida, fora da mesma forma que Sttor surpreendido pelo ataque da fera e por puro reflexo, erguendo o escudo na hora exata, não fora atingido na cabeça. O golpe veio em sua direção e como estava grudado de costas com o gigante, ambos foram arremessados no chão duro da caverna, mas imediatamente se puseram de pé, preparados para o novo ataque que veio quase que imediatamente. Sttor girou o machado que foi arrancado de suas mãos. O Sr. Ninguém, com toda a sua concentração, vislumbrou no segundo ataque braços e pernas longos e musculosos, e asas de pele grossa, como se a criatura fosse um grande morcego, um pouco maior do que o tamanho de um homem alto. Rapidamente empurrou Sttor para o lado.

"Somos presas fáceis aqui no centro, vamos para o canto mais próximo agora!"

Antes de chegarem à parede a criatura atacou novamente e o Sr. Ninguém os defendeu pela segunda vez com o escudo e este novo golpe os ajudou a chegar mais rápido na parede, praticamente os prensando contra ela.

"Precisamos contra-atacar!" - berrou o gigante quando o barulho de asas os preveniu da nova investida da fera alada que foi defendida pelo Sr. Ninguém.

"Vou tentar!" - respondeu o Sr. Ninguém arrancando a espada e jogando-a no chão à sua frente – "No próximo ataque se desloque para o lado."

Mal terminou de falar sentiram a aproximação da criatura e no exato momento em que ela fazia seu quarto ataque, Sttor se movimentou rapidamente para a esquerda e o Sr. Ninguém, numa velocidade surpreendente, rolou sobre sua espada, atacando a fera pelas costas, fazendo com a espada um arco no ar. Chegou a atingi-la de raspão numa das asas, arrancando um bramido assustador, provavelmente mais de surpresa do que de dor.

A fera voou novamente e atacou rapidamente mais duas vezes o Sr. Ninguém, que defendeu um golpe em pé e o outro deitado, onde foi jogado pela força do ataque. Depois disso a criatura rugiu de novo e o silêncio tomou conta do lugar.

Ambos se posicionaram novamente na parede e ficaram ainda alguns instantes quietos, pensando que a fera só estava aguardando uma nova oportunidade para investir. Foi Sttor que quebrou o silêncio, movimentando-se ruidosamente em busca do machado.

"O monstro se foi! É melhor fazermos o mesmo."

"Não acha melhor investigarmos antes todo o local em busca de alguma pista do animal?"

"Eu vi um pouco, quase nada, é verdade!" - começou Sttor – "É uma criatura com um corpo parecido com o nosso, garras e asas. Acho que isso é o suficiente para contarmos na cidade. Durante o dia será mais fácil para que alguns homens tirem os corpos lá de cima e investiguem por aí. Eu não quero correr o risco de um novo confronto sem estar mais bem preparado. E creio que você precisa de um novo escudo..."

O Sr. Ninguém concordou e levantou as mãos para perto de uma tocha da parede, olhando para o escudo que se rachara em duas partes e uma delas pendia da moldura metálica.

Saíram do local sem maiores problemas e voltaram para a cidade ainda durante a noite, em silêncio, quebrado apenas pelo vento cortante.

No outro dia, pela manhã, já estavam descansados e após reunirem um bom grupo de homens e explicarem o que enfrentaram na noite anterior, marcaram para o meio da tarde a saída rumo à caverna, com todos que aparecessem.

O Sr. Ninguém, apesar de perceber uma ligeira melhora no loiro, pediu para que ele continuasse descansando, o que Cláudio aceitou sem pensar duas vezes. Continuava tendo sonhos estranhos com a mulher, da qual só ouvia a voz, e pretendia conversar com o Sr. Ninguém sobre isto assim que ele terminasse essa aventura junto a Sttor.

Com cerca de cinquenta homens retornaram à caverna, prepararam diversas armadilhas e por três noites ficaram na espreita, mas a fera não tornou a aparecer. Alguns homens começaram a espalhar a informação de que seria bem provável que o Sr. Ninguém a tivesse golpeado fatalmente e ela poderia estar morta em qualquer parte do vasto deserto que cobria a região e qualquer dia algum viajante poderia esbarrar com sua carcaça.

Sttor e o Sr. Ninguém concordaram que a fera não estava morta e que um dia cruzariam o caminho dela novamente, o que realmente aconteceu, alguns meses depois.

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