12 - Dmeyfou

"Dmeyfou! Dmeyfou!"

Ao virar-se foi como se o mundo tivesse desaparecido, a paisagem do dia se transformou em escuridão.

Tornou a olhar para frente e a mesma escuridão existia agora em todos os lados, enquanto a voz de uma mulher continuava a ecoar em sua mente.

"Dmeyfou! Dmeyfou!"

Onde já ouvira este nome antes? Onde está a arena? Sr. Ninguém? Todos?

"Dmeyfou! Dmeyfou!"

Por que não conseguia sair do lugar? Para onde foi o arpão? Estou sonhando?

"Dmeyfou! Acalme-se! Acalme-se!"

"Está falando comigo?" – Disse o loiro enfim tentando se controlar – "Quem está falando comigo?"

"Dmeyfou! Acalme-se! Acalme-se!"

"Dmeyfou? Já fui chamado assim! Há muito tempo, agora me lembro..."

"Dmeyfou! Acorde! Acorde!"

Cláudio fechou os olhos e ao tornar a abri-los estava deitado dentro de um local desconhecido. O Sr. Ninguém roncava ao lado, numa cama repleta de peles. O local estava muito iluminado e o dia parecia já ter iniciado há algumas horas.

Ainda confuso com tudo que havia acontecido, o loiro pensou que provavelmente ainda era o dia do torneio e suas lembranças aconteceram somente num sonho com cara de pesadelo e que este fora muito realista. Se não fosse isso, então ele deveria ter levado uma boa pancada na cabeça e ficou desacordado desde então, mas essa ideia evaporou assim que não encontrou nenhum ponto dolorido sob os cabelos.

Com esse pensamento em mente a viu sobre uma bancada de madeira que os servia de mesa, brilhante, parecendo em chamas produzidas por energia própria. Devia ter aproximadamente mais de um metro só de lâmina, com mais meio metro de encosto e empunhadura.

Levantou-se num salto e teve que apoiar na parede, pois se sentia exausto e faminto. Mesmo assim foi cambaleando até a bancada e leu em voz baixa a inscrição que vinha na espada:

CH

Com toda a certeza esta era a espada que se encontrava com Sttor.

"Mas então vencemos!" - disse em voz alta e continuou num sussurro – "E eu não me lembro de nada! Apenas do nome que minha mãe me chamava quando era pequeno e somente quando estávamos sozinhos. Apenas um apelido..."

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No mesmo momento em que Cláudio se encontrava perdido, Sttor se levantava de uma cama não tão macia, numa estalagem longe dali, com a cabeça dolorida por dois grandes motivos: a derrota inesperada da véspera e uma ressaca impressionante.

Também ele acordara como de um sonho e teve a certeza da realidade do dia anterior quando observou o machado com o cabo quebrado.

Não estava mais irado, muito ao contrário. Somente se achava ainda surpreso, afinal foram anos sendo sempre o vencedor do torneio.

Levantou-se e se sentou num banco de pedra construído junto a uma grande mesa também de pedra, previamente preparada com um reforçado desjejum e enquanto comia pôs-se a lembrar dos últimos tempos passados em Cabidan.

Sua vida atual era baseada na diversão que consistia em saquear no deserto, lutar nos torneios e, pensando bem, no fundo chegou à conclusão que era uma vida muito sem graça, no que dizia respeito principalmente aos desafios. E a luta da véspera reacendera nele algo que julgara há muito perdido: o desejo de vencer!

Lutava, mas como os inimigos não eram páreo, não havia mais emoção nas vitórias. Nos saqueamentos que fazia com seu grupo também não encontrava resistência que valesse a pena, ainda mais porque sempre agiam de forma a surpreender suas vítimas.

Pensou até em retornar para a arena e se inscrever para o próximo torneio, não teria agora o Sr. Ninguém e seu ajudante loiro para enfrentar, com toda a certeza poderia sentir um gosto diferente ao vencer, mas pensando bem lembrou-se de outra coisa que o incomodou. O Sr. Ninguém poderia tê-lo matado facilmente no torneio e isso nem ia contra as regras, ele mesmo já havia feito isso antes, então concluiu que na verdade a emoção que sentia não era pelo desejo de vencer uma luta qualquer e sim um outro tipo de sensação de lutar pela sua própria sua sobrevivência, de permanecer vivo.

Tomou uma decisão e ao terminar o desjejum saiu com um destino certo, que segundo acreditava poderia eliminar a sensação de vazio que muitas vezes o invadia. Quem sabe não poderia dar um novo sentido para sua vida – se imaginou pensando.

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Cláudio tentara se alimentar junto ao Sr. Ninguém, mas em vão. Nem mesmo leite desceu por sua garganta. E sentindo-se cada vez mais cansado, voltou a se deitar.

O Sr. Ninguém, por sua vez, comeu pelos dois sem fazer comentários, no silêncio que lhe era peculiar. Somente quando percebeu que o loiro se deitara novamente é que se pronunciou.

"Você não me parece bem!"

Cláudio esforçou-se para sorrir.

"Sinto-me como se uma tropa de cavalos tivesse passado sobre mim..."

"Devia comer..."

"Bem que tentei" - respondeu o loiro com tristeza.

"Então descanse!"

Não foi preciso que o Sr. Ninguém falasse duas vezes e antes mesmo que ele saísse do alojamento que haviam ganho, Cláudio já adormecera.

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Na véspera do torneio não haviam arranjado um lugar sossegado dentro da cidade para ficar. Agora, com a vitória que seria lembrada por muitas décadas e como sempre acontece, viraria lenda, acabaram por ganhar aposentos dignos de homens muito ricos, o que Cláudio parecia não ter notado, dado o seu estado.

O Sr. Ninguém saiu da estalagem e quase colidiu com Sttor que vinha rápido e em direção contrária. Ele nem o olhou e ia mesmo desviar dele quando o gigante fechou a passagem.

Com a cara fechada de sempre, levantou o rosto para Sttor e arqueou as sobrancelhas numa atitude de espanto: o gigante sorria.

E o seu sorriso era ainda mais feio que o resto. Faltavam vários dentes e sua enorme boca era torta, mas, mesmo assim, surpreendeu o Sr. Ninguém.

"Venho em paz!" - disse ele.

"Então vá em paz!" E assim dizendo desviou do gigante, deixando-o plantado no lugar com o sorriso que não combinava com o rosto.

Sttor nem se virou, entrou no aposento deles como se fosse um convidado, pensando em tentar a sorte com o loiro, mas como sabemos, o encontrou dormindo.

Resolveu esperar e somente horas depois o Sr. Ninguém retornou, se sentou junto à bancada onde foi servida a refeição. Ignorou totalmente a presença de Sttor e só lhe dirigiu a palavra quando aparentava estar satisfeito.

"Ele parece doente para você?" – disse apontando para um Cláudio adormecido.

"Dorme normalmente sem febre. Parece só cansado..."

"É o que eu pensei" - disse encarando o gigante – "O que você quer?"

Sttor pensou por um instante antes de prosseguir, sem desviar o olhar e colocando o sorriso feio de volta no rosto.

"Quero fazer parte do seu grupo!"

"Não temos grupo algum! Somos apenas dois homens que se esbarraram no deserto. Devo minha vida ao loiro que me socorreu onde você e seus amigos me deixaram para morrer e ainda não sei como pagar esta dívida para com ele. Vou esperar que se recupere e provavelmente vou seguir o meu caminho sozinho, como sempre..."

"Certo! Vou aguardar o vermelho acordar..."

"Ele não é um dos vermelhos!" - cortou o Sr. Ninguém – "Se fosse eu estaria enterrado nas areias do deserto..."

Não passou muito tempo e o loiro acordou e assim como o Sr. Ninguém levou um susto enorme com a presença do gigante e o seu sorriso torto que insistia em permanecer no rosto.

Depois de vencerem esse breve silêncio inicial, Sttor e Cláudio desandaram numa conversa que tomou a tarde toda e ficaram sabendo um pouco mais sobre cada um e descobriram muitos pontos em comum, mas durante todo o longo diálogo que se seguiu somente uma frase do gigante ficou se repetindo na mente do loiro:

"Fiquei surpreso com seu desempenho na luta de ontem!"

Havia um espaço de tempo entre a voz misteriosa e a manhã deste dia que ficara em branco e isto o estava deixando maluco. E em se falando em voz misteriosa, bem no final da tarde ela voltou e com ela a escuridão.

"Dmeyfou! Dmeyfou!"

Acordou somente no outro dia à tarde, faminto e cansado como no despertar do dia anterior.

O Sr. Ninguém se encontrava sentado no chão próximo à bancada, passando óleo na espada.

O loiro levantou-se e desta vez conseguiu comer. Entre uma mordida e outra num pedaço de pão, tirou algumas dúvidas com o Sr. Ninguém.

"Diga-me com sinceridade, estou agindo de maneira estranha nos últimos dias?"

"Difícil dizer..." - respondeu ele secamente – "Para mim todos vem agindo estranhamente há algum tempo..."

"E ontem fiz algo de anormal?"

"Conhecemo-nos há poucos dias para que eu possa lhe responder isso."

O Sr. Ninguém percebeu ao olhar para Cláudio que, pela expressão de seu rosto, não o deixaria em paz enquanto não sanasse suas dúvidas e então prosseguiu.

"Bem, como no dia do torneio você saiu para uma volta e retornou tarde, quando eu já estava dormindo. Fora isso tudo normal."

Normal? Não me sinto nada normal, pensou Cláudio.

"E quanto ao Sttor, ele me parece sincero ao dizer que quer ficar conosco. Que acha?"

"Não tenho nada para achar! Daqui a alguns dias pretendo continuar seguindo na direção do meu destino e preferia ir só. É claro que estou em dívida com você..."

"Se está falando do deserto, esqueça! Foi puro acidente eu ter tropeçado em você. E é lógico que eu jamais negaria água e alimento para quem quer que fosse."

"Por isso mesmo sou grato. Nos dias de hoje é preciso muita coragem até para ser bom. Fico lhe devendo um favor do tamanho da necessidade que você tiver, mas prefiro continuar minha jornada sozinho..."

"E o que está buscando?" - Perguntou com boca cheia.

"Ainda não sei! Creio que estou me preparando para algo grande."

"Eu não quero ficar só, já andei muito tempo sozinho por esta Seran afora. Portanto, apesar dos defeitos que Sttor possa ocultar, é menos perigoso vagar com ele por aí..."

"Eu não acho!" - interrompeu o Sr. Ninguém – "Ele com certeza tem muitos inimigos gerados pelas suas más ações."

"Eu sei disso! Mas algo me diz que posso confiar nele! Você me disse que ele ficou comigo a sós ontem enquanto eu dormia e se estivesse interessado somente em me matar, julgando pelo tipo de caráter que ele aparenta possuir, creio que já o teria feito e fugido daqui."

"São somente suposições, nada de concreto..."

"Pode ser, mas vou deixar que ele resolva seus próprios problemas, eu só quero companhia..."

Neste instante Sttor adentrou o recinto.

"Venho em paz!" - disse ele.

"Estávamos falando exatamente de você" - apressou-se em dizer Cláudio – "Creio que seguiremos viagem juntos daqui a alguns dias."

"Que bom saber disso. Faremos isso assim que se recuperar bem, seja lá do que for..."

"Mas venho aqui para tratar de outro assunto" - continuou o gigante - "Ouvi rumores na feira de que existe um animal grande, que alguns consideram muito perigoso, numa caverna a leste daqui, a cerca de duas horas de viagem. Dizem que só aparece à noite, o que deve ser para caçar, e estão oferecendo uma boa recompensa pela sua captura. Então estou aqui para convidá-los a me acompanhar nesta aventura."

Após algum tempo de um silêncio incômodo, foi o loiro que se manifestou.

"Já atacou alguém, ou, pelo menos, alguma pessoa já viu esta criatura?"

"Atacou alguns mercadores que seguiam para cá e matou umas criações, e parece que só por diversão, mas não se alimentou. Dizem já ter sido visto ela entrando na caverna, que pode ser o seu esconderijo noturno."

"Para mim isso cheira a invenção!"

"Duas noites seguidas, Cláudio? Quem a viu na primeira noite ficou escondido na segunda e viu novamente. Estão pensando até em formar um grupo para capturar o animal, mas as pessoas mais corajosas que estavam na cidade nos últimos dias se foram com o fim do torneio, só ficaram na maioria mercadores."

"Eu não me sinto em condições de ajudar nesta tarefa no momento..."

"E quanto a você, Sr. Ninguém? Que tal aumentarmos o seu prestígio por estes lados?"

O Sr. Ninguém fez uma expressão que demonstrava estar alheio ao diálogo que se desenrolava.

"Por que não chama seus amigos?" - disse ele após pensar um pouco.

"Dispensei aqueles que andavam comigo. Agora estou só e assim irei se for necessário. Pretendo mudar a minha fama que hoje é de bandido para algo melhor e eis que a oportunidade bate à porta!"

Como não houve nenhuma manifestação ele continuou.

"Veja bem, Sr. Ninguém, estou disposto a provar que posso ser digno de confiança e nada melhor que uma aventura pelo deserto para demonstrar isso. É claro que pelas minhas atitudes anteriores, você deve me odiar, mas o que lhe peço é uma chance de me redimir..."

"Não precisa responder agora" - continuou ele – "Sairei daqui a duas horas e estarei no portão da cidade aguardando. Se não aparecer vou entender. Fiquem em paz!"

Após a saída de Sttor e do loiro se satisfazer com mais alguns pedaços de pão e de carne, este retornou ao assunto do possível animal desconhecido.

"Acredita que seja uma armadilha proposta por Sttor?"

"Não sei ainda..." - disse o Sr. Ninguém espantado por pensar exatamente nisso – "Mas só há uma maneira de descobrir."

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