• Prólogo •

Adrien

Dirigindo pela autoestrada em uma velocidade que com certeza não era permitida, Adrien Fletcher ainda sentia as mãos tremerem ao volante.

O fim de semana na casa de campo do seu amigo - e chamar a mansão luxuosa de três andares de casa era no mínimo um disparate - havia sido maravilhoso até duas horas mais cedo, quando Adrien pegara Drake Lawson flertando com a garota com quem estava se pegando desde sexta à noite.

Não adiantou Drake dizer que os dois estavam apenas conversando. Quando se deu conta, Adrien já estava em cima dele, acertando tantos murros em sua cara quanto era capaz. Lembrava-se de sentir os ouvidos zunirem e o coração palpitar, enquanto os amigos tentavam tirá-lo de cima de Drake.

Antes de pegar seu carro e ir embora da casa em alta velocidade, fizera questão de, ainda cego de fúria, quebrar todos os vidros do Porche de Lawson.

Agora, mesmo algum tempo depois e já tendo rodado dezenas e dezenas de quilômetros, Adrien ainda conseguia sentir as mãos tremerem e a cena se repetir mecanicamente em sua cabeça. Lá no fundo se dava conta que sua reação ao ocorrido fora bem maior do que o necessário, e a culpa aos poucos invadia seu peito.

E a culpa, ele sabia, era bem mais difícil de lidar do que a raiva.

Aquela não fora sua primeira explosão e nem seria a última, sabia disso. Podia quase ouvir a mãe gritar com ele naquele instante, dizendo que era louco e precisava de calmantes e tratamentos psicológicos para controlar os surtos que vez ou outra tomavam conta dele. Crescera a vida toda ouvindo aquilo e se recusava veemente a fazer qualquer coisa que os pais diziam.

Adrien, porém, tinha certeza absoluta que o problema estava nas pessoas e não nele. O que podia fazer se seus pais, seus amigos e várias outras pessoas lhe aborreciam de uma forma que o fazia perder o controle?

No dia seguinte concertaria tudo e voltaria para a mansão do amigo para pegar suas coisas, que tão despreocupadamente deixara para trás. Com certeza não veria mais a cara de Drake na sua frente, caso contrário quebraria seu nariz de novo, mas aquilo não era um problema seu. Nunca gostara do cara mesmo e afastá-lo seria um alívio. Talvez assim ele aprendesse uma ou duas coisas.

Adrien então pisou no acelerador, determinado a não pensar mais naquilo. Testando a velocidade que seu novo carro tinha, se surpreendeu ao constatar que o veículo era ainda mais rápido do que pensava. Havia ganhado o automóvel de seus pais alguns meses antes, como presente de aniversário. Seu pai também passara uma das enormes mansões da família no interior do país para o seu nome, agora que tinha dezoito anos. Era um palacete antigo e isolado do resto do mundo, onde Adrien tinha passado apenas alguns verões durante a infância. Não contou ao pai, mas não pretendia de jeito nenhum ter a responsabilidade de cuidar da propriedade que se estendia por incontáveis metros quadrados. Em segredo, presenteara a si próprio com algo bem mais interessante: uma cobertura luxuosa na capital.

Observando o sol se pôr aos poucos pela janela aberta, Adrien supôs que levaria pelo menos mais meia hora para chegar à cidade. Sua chegada estava prevista apenas para a manhã seguinte, o que com certeza levantaria uma centena de perguntas irritantes dos seus pais do motivo pelo qual chegou mais cedo.

Naquele momento, enquanto ainda acelerava e pensava em ligar para o pai e avisar que estava chegando à cidade, avistou uma figura distante na beira da estrada, sinalizando por carona.

Mesmo sem saber muito bem o motivo, Adrien desacelerou o carro conforme se aproximava, parando por completo quando percebeu que a pessoa que avistara de longe era na verdade uma velha horrenda, de pele enrugada e marcas de antigas queimaduras pelo corpo.

"Obrigada por parar, rapaz", ela disse em um fiapo de voz, antes que Adrien pudesse pisar no acelerador de novo. "Preciso chegar à casa de milha filha antes de anoitecer, é uma fazenda a poucos quilômetros daqui. Ela está grávida e ligou dizendo que precisa de ajuda."

Adrien analisou a velha atentamente, reparando nas roupas simples e cheias de remendos. Seus cabelos brancos eram quebradiços e o odor que emanava dela não era dos mais agradáveis, além das repugnantes cicatrizes que lhe cobriam os braços e ombros.

"Isso não vai ser possível", Adrien disse simplesmente, enojado e mais do que nunca querendo sair dali. "Tenho uma política sobre as pessoas com quem decido passar mais do que alguns minutos. Sinto muito."

"Por favor", disse a velha, de repente lhe estendendo uma linda rosa vermelha que segurava junto ao peito. A rosa era bela, uma das mais lindas que Adrien já vira, com um perfume doce e inebriante. "A rosa era para o bebê que vai nascer, mas eu posso dá-la a você em troca de me levar até lá..."

Adrien soltou uma gargalhada seca, finalmente se divertindo desde que socara a cara de Drake e saíra da mansão no campo horas mais cedo.

"Uma rosa?", ele indagou com um humor ácido. "Talvez pudesse deixá-la entrar, senhora, se tivesse pelo menos um pouco da beleza da flor que carrega."

Os olhos da velha pareceram escurecer naquele instante. Olhos amendoados e leitosos, fitando Adrien diretamente.

"Você dá muito valor a aparência, não é?", ela perguntou com sua voz rouca. Adrien abriu um sorriso para ela.

"Todos dão", respondeu. "É o que importa." Adrien então se lembrou do mais recente título que recebera da mídia um mês antes, como um dos rapazes mais bonitos do mundo. Realmente, ter um pai bilionário - proprietário da rede de cassinos internacional mais luxuosa e cara do mundo - estampar capas de revistas, frequentar as melhores festas e ter tudo o que quisesse era uma vida maravilhosa e que Adrien amava. Era verdade que o dinheiro que tinha facilitava muito as coisas, mas sua aparência abriu mais portas do que seria capaz de contar.

Olhando para a velha que mais parecia uma mendiga, Adrien teve ainda mais certeza que o mundo havia sido feito para os belos, e que pessoas bonitas devem se relacionar com gente de igual aparência.

"Você não deveria julgar as pessoas pela aparência que elas têm", disse a velha, quando Adrien já começava a dar partida no carro. "A verdadeira beleza, aquela que realmente importa, é a que está dentro de nós."

"Sei", ironizou Adrien, olhando para ela com uma sobrancelha erguida. "Isso é o que as pessoas feias dizem para se sentirem melhores." Ele voltou a colocar as mãos no volante, sem mais se preocupar em olhar para a hedionda mulher. "Boa sorte em chegar ao seu destino, está escurecendo e os lobos nessa região correm soltos. Talvez sua... Como é mesmo? Ah! Beleza interior lhe ajude. Bem sabemos que seu exterior está bastante decrépito e desfigurado."

Soltando uma risada, Adrien pisou no acelerador, vendo a figura da velha pelo retrovisor se distanciar até sumir.

Enquanto dirigia, ele pensou em como algumas pessoas perdem completamente o senso. O que aquela velha que mais parecia uma mendiga esperava? Que ele a deixasse entrar no seu carro? Bastava um rápido olhar para perceber o quanto eram diferentes e faziam parte de mundos distintos.

E Adrien não se misturava com o que era diferente. Muito menos com que era feio.

Já era noite quando Adrien avistou as luzes da grande cidade, apenas alguns quilômetros de distância. Ele tateou o banco do passageiro a procura do celular para ligar para casa, mas ao invés de pegar o aparelho frio, sentiu espinhos roçarem seus dedos.

Assustado, desviou os olhos da estrada e olhou para o banco do carro, onde uma rosa vermelha perfeita descansava no assento de couro.

O corpo de Adrien se arrepiou por inteiro, e de repente, quando piscou os olhos, a rosa tinha desaparecido.

"Eu só preciso de uma boa noite de sono", sussurrou para si mesmo, o coração aos pulos e suor brotando da testa. Sua mente havia apenas lhe pregado uma pecinha boba. Só isso. "Ficar duas noites em claro bebendo como louco com certeza afetou meus neurônios."

Adrien então, que por longos segundos fitou o banco do passageiro, voltou os olhos para a estrada.

Tudo aconteceu tão rápido, que, mais tarde, seria impossível dizer como os eventos realmente se sucederam.

Os faróis do carro iluminaram um enorme cervo que cruzava a estrada naquele momento, a pouquíssimos metros de distância para que Adrien conseguisse frear.

Desesperado, ele girou o volante com toda a força, tentando evitar a colisão. Porém, Adrien vinha dirigindo a quase cento e vinte quilômetros por hora, e quando tentou desviar perdeu o controle do carro, que saiu da pista.

O grito ficou preso na garganta quando Adrien viu a escuridão que se estendia a frente. Ele não fazia ideia de quantos metros o barranco tinha, mas quando o carro colidiu com o chão, capotou e atingiu uma árvore, ele já tinha perdido a consciência há muito tempo.

Adrien não sentiu dor quantos os estilhaços de vidro do painel do carro cortaram seu rosto por completo, nem quando os destroços e os impactos que se seguiram destruíram sua aparência que tanto estimava.

Dias depois, Adrien Fletcher acordaria no hospital como outra pessoa, se dando conta disso após algumas semanas, quando finalmente visse seu reflexo no espelho.

Ele era um príncipe, sem dúvida com a aparência de um, mas quando sua beleza fora arrancada dele, tudo que sobrara havia sido um monstro.

Por dentro, e agora também por fora.

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