• Capítulo 6 •

Beatrice estava presa. Cercada, encurralada e enclausurada naquela mansão enorme.

Olhando pela janela do quarto que mais parecia ter se tornado uma cela para ela nos últimos dias, Beatrice teve certeza que era impossível sair dali sem correr o risco de morrer na neve.

A estrada ao longe tinha desaparecido, as colinas pareciam infinitas e a neve não parava de cair um só instante. A nevasca só parecia ceder poucos minutos por dia, voltando com força total principalmente à noite.

No telefone com seu pai, Bea não conseguiu deixar de pensar que àquela altura ela já poderia estar em casa novamente, completamente curada e com os cinco dias de repouso estipulados por Dr. Davey terminados.

Mas a maldita nevasca veio com tudo, cercando aquele lugar isolado.

"Por que essa neve toda não esperou mais três únicos dias para cair?", ela lamuriou-se ao telefone, encostando a testa no vidro frio da janela. "Eu não consigo acreditar que isso está acontecendo!"

Do outro lado da linha, ela ouviu o pai suspirar.

"Bea, eu sei que você quer vir para casa", o pai disse, tentando acalmar a filha. "Mas as estradas estão completamente interditadas por um tempo indeterminado."

Beatrice sabia daquilo, e sabia também que estava agindo como uma criança boba. Ela não tinha problemas em ficar longe de casa por algum tempo, não era essa a questão, mas sim a perspectiva de que toda sua vida iria atrasar um pouco mais.

Sem trabalhar, ela não receberia seu pagamento semanal, o que poderia atrasar um pouco mais a sua sonhada entrada na universidade.

"Desculpe pai", disse Beatrice um segundo depois, sabendo que só deixaria o pai pior se continuasse reclamando da sua estadia ali. "Eu estou frustrada, só isso. Mas não precisa se preocupar, não vai demorar muito para que eu consiga voltar."

Eu espero, pensou ela.

"Querida, tem certeza que está tudo certo?", ele perguntou, com visível preocupação. "Estão tratando você bem?"

"Claro que sim", ela respondeu de imediato, sentando-se na cama com um suspiro. "Samantha é ótima e eu me sinto melhor ao pensar que é sua amiga. Não tive oportunidade de conhecer mais ninguém por causa do repouso, mas agora já estou bem."

Um silêncio esmagador surgiu naquele instante, e Beatrice teve certeza que o pai estava pensando na mesma coisa que ela.

Bea o ouviu limpar a garganta antes de perguntar:

"E então", começou, "já conheceu Frederick, não é?"

Beatrice sentiu uma sensação incômoda percorrer seu corpo quando ouviu a pergunta, como um formigamento que começou na ponta dos pés e subiu pela cabeça.

Ela se empertigou.

"Na verdade, não", respondeu, surpresa com a irritação ácida que detectou em sua voz. "Acho que ele não me quer aqui, já que até agora não teve nem ao menos a delicadeza de se apresentar."

"Bea...", o pai tentou acalmá-la com sua natural voz pacífica.

Em vão, ela já havia se levantado de novo, pisando duro.

"Não que eu esteja incomodada com isso, claro", ela falou, andando pelo quarto. "Mas, fala sério, que tipo de anfitrião ele é? Não que eu esteja reclamando pela hospitalidade maravilhosa, mas é ridículo que ele nem ao menos tenha dado as caras! É claro que não pareço ser muito bem-vinda aqui por ele."

"Beatrice, Frederick Harris garantiu que não havia problema algum na sua estadia na casa", falou o pai, seguro.

"Ele disse isso quando eu ainda tinha um tempo certo para voltar para Roseville", falou ela, sem ceder. "É totalmente ridículo o fato de ele estar na mesma casa que eu e não ter tirado um segundo para se apresentar e se mostrar minimamente gentil!" Beatrice voltou para a cama a passos firmes, desejando quebrar alguma coisa.

Com as mãos levemente trêmulas, ela respirou fundo, tentando manter-se indiferente a tudo àquilo.

Precisou de uns bons segundos para controlar sua fúria repentina.

"Papai, eu sinto muito", sussurrou, quando a raiva abandonou parcialmente seu corpo. "Eu... eu não devia estar agindo assim. Se Frederick Harris é um grande mal educado, isso não é da minha conta. Só vou aguentar firme e torcer para poder voltar logo para casa."

Marco ficou em silêncio por um tempo, enquanto Bea fitava o teto ornamentado e pensava pela centésima vez em como poderia ter evitado toda aquela situação.

Algum tempo se passou e ela achou que a ligação havia caído – o sinal ali estava realmente péssimo – até que o pai voltou a falar:

"Beatrice", ele começou, com aquela voz calma que parecia ter o poder de terminar uma guerra em dois segundos. "Tenho certeza que o rapaz tem seus motivos. Talvez ele só esteja ocupado e não tenha tido tempo de ver você."

Beatrice tinha certeza que ninguém estaria tão ocupado a ponto de não parar um segundo em sua própria casa e ser um pouco hospitaleiro, porém, foi outra coisa que o pai disse que chamou sua atenção.

"Espere um pouco", ela falou, franzindo as sobrancelhas. "O senhor disse rapaz?"

"Disse", confirmou Marco, parecendo não entender a confusão da filha. "Pensei que você soubesse. Frederick não deve ser muito mais velho que você."

Aquilo com certeza a surpreendeu.

Era claro que Beatrice não sabia daquele detalhe, pois o cara nem tinha aparecido para ela ainda, e Samantha também não havia comentado nada. Aliás, pensando bem, não era algo que tinha muita necessidade de ser dito.

Porém, pensar que alguém pouco mais velho que ela morava em uma casa daquele tamanho, sozinho e com tantos empregados, era no mínimo impressionante e levemente intrigante.

"E eu aqui difamando Frederick achando que ele era um velho gagá de 70 anos", disse Beatrice, soltando uma risadinha. Estranhamente, quando pensava em um homem multimilionário morando em uma casa como aquela, a imagem que vinha a sua mente era de um velhinho troncudo, com bigodes enormes, cachimbo na boca e observando as chamas de uma lareira antiga.

"Seja como for, acho que não deve ficar chateada por causa disso", falou Marco. "Agora que você está bem de novo, peça Samantha para te levar para conhecer a casa, conversar com os outros criados e espairecer um pouco. Todas as pessoas pareceram muito simpáticas no tempo em que estive aí. Ficar trancada nesse quarto só vai fazer o tempo passar mais devagar."

"É, eu sei disso..."

Sendo totalmente sincera consigo mesma, Beatrice sabia que o que mais queria era sair daquele quarto e olhar cada cômodo da casa. Sabia que ela era enorme e antiga, e quando a vira de longe, ainda correndo para salvar sua vida dos lobos famintos, pensou que havia voltado no tempo e estava olhando para um enorme palacete onde um duque ou um marquês dos anos passados deveria viver.

Naquele momento, quando já ia compartilhar seus pensamentos fantasiosos com o pai, uma batida na porta a despertou.

"Vou ter que desligar agora", ela disse, levantando-se para abrir a porta. "Ligo para você mais tarde."

"Tudo bem querida. Amo você."

"Também amo você."

Quando desligou, sentiu um enorme aperto no peito, algo que ela supôs ser saudade.

Nunca tinha ficado tanto tempo longe do pai, e Beatrice se perguntou se ele se viraria bem sem ela. Não era um velho que precisava de cuidados constantes, mas com certeza era alguém que necessitava de uma companhia naquela pequena casinha vazia.

Quando abriu uma das pesadas portas do quarto, deparou-se com o rosto sorridente de Samantha à porta.

"Bom dia!", ela disse radiante, adentrando o quarto. "Você parece estar ótima, querida. Como se sente?"

"Completamente bem de novo", Beatrice respondeu, sentindo-se grata pela felicidade constante da Sra. Sandoval. "Ah, oi Zion. Está acordado assim tão cedo?"

O garotinho entrou no quarto saltitando atrás da mãe, atirando-se nos braços de Beatrice assim que a viu de pé. Ela bagunçou seus cabelos claros com um sorriso.

"Zion", repreendeu a mãe. "É falta de educação se jogar nas pessoas desse jeito."

"Bea não se importa, não é Bea?", ele perguntou com um sorriso cheio de janelinhas. Beatrice o segurou junto ao peito.

"É claro que não", respondeu, feliz por estar forte o bastante para segurar o garotinho.

Beatrice nunca havia tido um irmão ou irmã, mas sentia que Zion aos poucos mostrava para ela como seria se tivesse tido um. Ele era uma peste às vezes, mas nos dias em que ela ficara completamente de cama, ele sempre dava um jeito de seguir a mãe e ficar ao seu lado contando histórias, fazendo com que o tédio de ficar deitada sem fazer nada diminuísse toda vez que ele aparecia.

Aparentemente, Zion se empolgava com a perspectiva de ter uma nova pessoa em seu ambiente.

"Bea, você já pode sair do quarto, não pode?", o garoto perguntou, pulando de seu colo e voltando para junto da mãe. "Porque ouvi a mamãe falar que você vai jantar hoje com..."

"Querido, por que não vai brincar por aí e não deixa que a mamãe converse com a Bea?", interviu Samantha no mesmo instante, reparando na expressão confusa de Beatrice. Zion, por sua vez, cruzou os bracinhos e fechou a cara.

"Não tem nada para fazer aqui", ele resmungou. "Não dá pra ir no jardim porque está nevando, Luke e Howard disseram que estão ocupados hoje, e se eu for lá para cima o..."

"Meu amor, acho que deixei meus óculos na cozinha, pode ir lá pegar, por favor?", interviu Samantha no mesmo instante, com um sorriso nervoso.

Zion ergueu os olhos para a mãe.

"Se fizer isso a senhora me deixa comer a sobremesa antes do jantar?"

Beatrice não aguentou, soltou uma gargalhada.

"Vou pensar nisso", respondeu Samantha.

Aquela resposta pareceu seu suficiente para o garoto, que no mesmo instante saiu do quarto.

Quando ficaram sozinhas, Samantha virou-se para ela.

"Desculpe por isso. Zion me deu cabelos brancos em abundância nesse último ano." Ela soltou uma risada. "Quando tiver os seus vai entender."

Beatrice sorriu, tentando ser delicada e não ir perguntando exatamente o que lhe interessava.

"Então, as dores de cabeça realmente cessaram?", a mulher perguntou, aproximando-se de Beatrice e a observando atentamente. "Você parece pálida."

Beatrice se remexeu desconfortavelmente na cama, tentando não pensar nas duas últimas crises pelas quais passara.

"Deve ser a falta de luz solar", mentiu descaradamente. "Sinto-me ótima." Ela então olhou para Samantha, tomando coragem. "Mas, pelo visto, vou ter que ficar aqui por mais algum tempo. Com essa nevasca, todas as estradas que levam até Roseville estão interditadas."

"Não se preocupe", apressou-se Samantha a dizer. "Não é problema algum para nós. Muito pelo contrário. Você deve ficar até ser seguro voltar para cidade novamente."

"Eu agradeço muito", disse Beatrice. "Mas não sei se o seu patrão concorda com você."

Samantha Sandoval pareceu ficar subitamente desconcertada, e Beatrice quase se sentiu culpada por colocar a pobre mulher naquela situação.

"Meu patrão é muito...", a frase permaneceu no ar por bastante tempo até que Samantha conseguisse encontrar a palavra certa. "Ocupado."

"Entendo", sussurrou Beatrice, mais para si mesma do que para ela. Estava determinada a não se deixar abalar por aquilo novamente. Não importava os motivos que levavam o dono da casa a ter lhe deixado tão incomodada e com a impressão de ser indesejada ali. Babacas se encontravam por toda parte, afinal.

"Mas ele está ansioso para poder conhecê-la e lhe dar as devidas boas-vindas", Samantha disse de repente, chamando completamente a atenção de Beatrice. "Frederick mandou convidá-la para o jantar dessa noite."

Bea ergueu uma sobrancelha para Samantha. Parecia ter algo bem errado com a palavra convidá-la.

"Um jantar?", perguntou receosa. "Bem, não parece ser um problema para mim."

Mas, em seu íntimo, Beatrice se perguntava o motivo daquilo.

Não era mais simples ele apenar aparecer e dar um oi?

Não que estivesse reclamando, mas não entendia muito bem o motivo daquela formalidade toda. Certamente, pessoas podres de ricas têm seus costumes.

"Sabe, quase achei que ele não me queria aqui", falou Beatrice em seguida, sincera. "Não apareceu e tudo mais..."

"É claro que não!", exclamou Samantha, como se aquilo fosse um tremendo absurdo. "Sr. Harris garante que não há problema algum na sua estadia aqui. Na verdade, todos nós estamos muito satisfeitos. Há bastante tempo não temos um convidado."

"Bem, agradeço por isso", disse Beatrice, levantando-se da cama e passando as mãos nervosamente pelos cabelos. "Só para garantir, não é algo tão formal, não é? Apenas um jantar comum."

"Claro", respondeu Samantha. "Embora, em modéstia parte, não posso dizer o mesmo do banquete que estou ajudando a preparar." Ela abriu um sorriso radiante. "Pode se vestir como quiser. Ah, quase ia me esquecendo! Como você vai ficar aqui por algum tempo, achei que as roupas que seu pai trouxe serão insuficientes. Temos muitas peças femininas na casa e sei que algumas servirão muito bem em você. Quer que eu as deixe aqui mais tarde?"

"Seria ótimo", falou Beatrice, sabendo que realmente precisaria. "Aliás, eu estava pensando se poderia conhecer a casa mais tarde. É que eu nunca estive em um lugar assim antes."

"Luke e Howard ficariam honrados em lhe mostrar o primeiro e o segundo andar. É bem grande e talvez nem consiga ver tudo nesse primeiro dia", disse Samantha, soltando uma risadinha.

"Obrigada, sei que deve ser incrível."

"Não foi nada, querida." Ela então se dirigiu à porta do quarto, virando-se para trás antes de sair. "Vejo você mais tarde."

E então se foi, deixando Beatrice sozinha novamente.

Pegando um de seus livros, ela deitou-se na cama e começou a ler a primeira página, mas, bastou que chegasse ao fim do primeiro parágrafo, para que percebesse que sua cabeça estava bem longe.

Não conseguia parar de pensar no jantar daquela noite, além de ainda se sentir bastante irritada pelo desaparecimento do dono da mansão até aquele dia, quando simplesmente resolvera chamá-la para um jantar por meio de Samantha.

Folheando as páginas do livro, Beatrice também sabia que havia algo de muito estranho naquele lugar, e, principalmente, no misterioso proprietário da casa.

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Oii gente!

Fiquei em dúvida se postava esse capítulo hoje ou não, por conta das eleições e tudo mais, mas acabei decidindo postar mesmo assim, aliás, acho que todos nós precisamos de uma distração, né? :/

Espero que tenham gostado do capítulo! A opinião de vocês é muito importante para mim e as críticas, de um jeito ou de outro, me fazem melhorar e enxergar o que precisa ser mudado tanto na história quanto na minha escrita.

Agora, um pequeno spoiler do próximo capítulo: Beatrice e Adrien vão finalmente se encontrar! Prontos para esse primeiro encontro? Bem, só posso dizer uma coisa: está incrível!

Vejo vocês de novo na quarta! Beijos,

Ceci.

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