• Capítulo 2 •
Quando Beatrice abriu os olhos, teve certeza que algo estava completamente errado.
Teve que piscar várias vezes para que sua visão entrasse em foco, mesmo assim permanecendo um pouco turva e embaçada. Sua cabeça parecia pesar uma tonelada, mas seu corpo estava envolvido em cobertas tão quentes e macias que toda a dor que ela sentia quase desapareceu.
Mas, espere um pouco, que televisão enorme era aquela do outro lado do aposento? De tela plana e tudo? Seu quarto não tinha televisão nenhuma, muito menos aquele carpete cor de creme que cobria todo o chão.
Beatrice levou a mão à cabeça, tentando lembrar o que havia acontecido e onde estava. Quando se virou de lado - com um esforço hercúleo - percebeu uma mulher rechonchuda e de bochechas rosadas bem ao lado de sua cama, tricotando algo que parecia um casaquinho azul.
Naquele instante, como se sentisse os olhos de Beatrice sobre ela, a mulher olhou para a cama e seus olhos se encontraram com os dela. Suas sobrancelhas arquearam em surpresa e ela pulou da cadeira, largando o tricô.
"Ah, querida! Finalmente você acordou! Estávamos ficando preocupados..."
A mulher se aproximou de Beatrice estabanada, ajeitando seus travesseiros macios e cobrindo seus ombros.
"O que...", Beatrice tentou falar, percebendo o quanto sua voz estava rouca. Limpou a garganta. "O que aconteceu?"
"Pobrezinha, não se lembra de nada?", ela perguntou gentilmente, os olhos gentis parecendo verdadeiramente preocupados.
Beatrice forçou a memória, o que fez sua cabeça doer como se um prego estivesse sendo cravado em sua nuca e saindo por sua testa.
"Os lobos...", sussurrou, quando as memórias vieram em um rompente. "Tentei fugir deles, vinham logo atrás e..."
"Shhh, querida, não fale muito", recomendou a mulher. "Está tudo bem agora. O Dr. Davey está aqui, assim como seu pai. Não saia da cama que eu já vou chamá-los."
"Dr. Davey? Meu pai?", Beatrice indagou sem entender, perguntando-se o que seu pai e um dos únicos médicos que trabalhavam em Roseville faziam ali. Ela estava bem. Não precisava de um médico.
"Vou à loja do seu pai com frequência quando estou na cidade", disse a mulher, indo em direção à porta. "Assim que vi você, reconheci como a filha de Marco Morgan. Quando fomos buscar o Dr. Davey avisamos seu pai o que havia acontecido e ele veio junto."
Então a mulher saiu apressadamente do quarto, recomendando que Beatrice esperasse bem quietinha.
Assim que ficou sozinha, ela tentou se apoiar nos cotovelos e ficar sentada, mas quando fez o mínimo esforço sua cabeça explodiu em dor e Beatrice afundou novamente nos travesseiros, soltando um arquejo e sentindo os olhos arderem.
Foi naquele instante que as coisas - finalmente - começaram a se encaixar na sua cabeça debilitada.
Quando correra dos lobos, avistara uma mansão enorme, aquela antiga e majestosa, que fora construída muito antes de Roseville surgir e se industrializar. Beatrice nunca tinha chegado tão perto da casa e não sabia mais que o básico sobre sua história. A mansão não tinha moradores fixos há bastante tempo, mantida por algum ricaço. Mas há poucos anos, a casa finalmente havia ganhado um morador que, aparentemente, não frequentava muito a cidade, já que ninguém sabia quem ele era.
Seja como for, Beatrice havia simplesmente se jogado dentro da propriedade e batido a cabeça com força, depois de uma corrida alucinante com lobos atrás dela, prontos para devorá-la. Uma apresentação e tanto.
Enquanto esperava a mulher desconhecida voltar, trazendo o médico e seu pai, Beatrice voltou os olhos para o enorme quarto em que estava.
Descrevê-lo em uma única palavra seria difícil, mas se fosse para escolher apenas uma Beatrice escolheria majestoso.
As paredes, teto, janelas e portas duplas seguiam um estilo rococó perfeito, com ornamentos dourados e prateados, que subiam pelas paredes e se encontravam no teto, exatamente no local onde um enorme lustre cristalino pendia, captando a fraca luz do sol que entrava pelo quarto, refletindo tudo em suas facetas de cristal. Era incrível como naquele lugar o moderno se misturava com o antigo de uma forma perfeita. O carpete tom de creme mantinha a graça da decoração, assim como as cortinas rendadas que cobriam as janelas que iam do chão até o teto. Havia uma enorme TV de tela plana defronte a cama de pilares em que Beatrice estava deitada, suspensa na parede. O banheiro, ela podia espiar dali, tinha um espelho enorme que reluzia. Se conseguisse entrar lá dentro tinha certeza que encontraria uma banheira luxuosa. Uma cômoda se encontrava do outro lado do quarto, dourada e branca, assim como o guarda-roupa gigante que estava ao lado da sua cama.
Isso aqui mais parece um castelo do que qualquer outra coisa, Beatrice pensou, completamente sem fôlego diante de tudo aquilo. Aquele quarto parecia ter saído diretamente de um dos seus romances de época, e ainda sim, visto de tão perto, parecia mais belo do que os descritos nos livros.
Antes que pudesse olhar ainda mais para as belezas do quarto, uma figura apressada surgiu, atravessando as portas e vindo até ela.
"Beatrice!", a voz do pai exclamou, e quando ela se virou para olhá-lo percebeu que seus cabelos estavam bagunçados e o rosto tomado por preocupação. "Você está bem? Está sentindo dor?"
"Eu estou bem", Beatrice forçou-se a dizer. "Só fui perseguida por lobos famintos e bati a cabeça um pouco forte demais. Coisas rotineiras."
"Nem ouse brincar com uma coisa dessas!", o pai repreendeu de imediato. "Tem noção do quanto fiquei preocupado?"
"Papai...", ela começou, tentando se desculpar, mas naquele instante Dr. Davey entrou no quarto, segurando sua maleta e com um sorriso tranquilizador no rosto.
"Finalmente nossa Bela Adormecida acordou", disse ele, gentil. "Estávamos preocupados com você, Bea."
Elroy Davey era um homem velho, de cabelos brancos e rosto enrugado. Trabalhava no pequeno hospital de Roseville há quarenta anos e era uma das pessoas mais queridas na cidade, tanto pelo seu bom-humor constante quanto pelo carinho com que tratava todos os pacientes que passavam por suas mãos.
"Por quanto tempo fiquei desacordada?", Beatrice perguntou.
"Doze horas", respondeu Dr. Devey, o que a fez arquejar e abrir muito os olhos. "Sabia que iria acordar a qualquer momento, mas com sua concussão jamais arriscaria te colocar em um carro e levá-la para Roseville por essas estradas tortuosas das colinas."
"Doze horas?", Beatrice perguntou. Tinha dado atenção somente àquela parte. "Isso quer dizer que são... quatro da manhã!" Para Beatrice, o tempo que havia ficado desacordada mal passava de alguns minutos...
"E daí?", perguntou Dr. Davey com uma risadinha, se sentando na beirada da cama e examinando-a. "Garanto que Sra. Sandoval estalou muito bem seu pai e eu enquanto esperávamos a senhorita acordar."
"Quem?"
"Já disse que eles podem me chamar apenas de Samantha", a mulher que Beatrice vira ao acordar disse com um sorrisinho, entrando no quarto naquele instante.
"A senhora é a proprietária da casa?", perguntou Beatrice.
"Valha-me Deus, não." Ela soltou uma gargalhada. "Eu trabalho aqui."
"Então, Beatrice, como está se sentindo?", Dr. Davey perguntou em seguida, depois de deslizar os dedos longos e frios por um galo enorme que havia se formado na parte de trás da cabeça dela.
"Com dor de cabeça", respondeu ela. "Muita dor de cabeça."
"Você teve uma concussão cerebral", ele falou. "Não se preocupe, não é algo que vai te atormentar para sempre, mas vai ter que ficar em repouso absolto por pelo menos cinco dias, só se levantando para ir ao banheiro."
"Cinco dias?!", exclamou Beatrice sem acreditar, os olhos arregalados. "Eu não posso ficar deitada sem fazer nada por cinco dias! Preciso trabalhar e..."
"Mocinha, se você tentar se levantar dessa cama pelas próximas horas sem ajuda, tudo que vai conseguir fazer é bater a cabeça de novo", Dr. Davey disse, olhando diretamente para ela. "Sua cabeça precisa de tempo para se recuperar. Foi uma batida feia. Sua visão e equilíbrio, principalmente, vão ficar afetados por alguns dias. É arriscado até mesmo voltar com você para Roseville em um carro agora. Ninguém aqui quer arriscar sua saúde, Bea."
"Quer dizer que vou ter que ficar aqui?", ela perguntou, praticamente sem palavras com toda aquela loucura. Maldita hora que decidira visitar de novo aquelas colinas e ter um tempo para si. Nada daquilo estaria acontecendo se tivesse se enfiado na biblioteca e voltado para casa depois.
"Pelo menos por alguns dias", Dr. Davey confirmou. " Assim que o tempo de repouso tiver se esgotado volto e vejo como você está. Se tudo estiver em ordem voltará para Roseville no mesmo dia, mas, por em quanto, deve descansar."
"Não precisa se preocupar", disse Samantha gentilmente, se aproximando e segurando a mão de Beatrice na sua. "Qualquer coisa que precisar tanto eu quanto os outros criados podemos ajudá-la."
"Eu... agradeço muito", disse Beatrice com sinceridade, embora ainda tentando se acostumar com ideia de ficar em um lugar completamente desconhecido. "É só que eu nunca fiquei de cama antes. Acho que vou enlouquecer."
Dr. Davey riu, levantando-se da cama.
"Vai ver que não é tão ruim quanto parece ficar à toa o dia inteiro." Ele então se virou para Samantha. "Sra. Sandoval, Beatrice pode ter muita dor de cabeça nesses primeiros dias, além de analgésicos não lhe dê outros medicamentos."
"Sim, doutor", ela disse prontamente.
"Bem, acho que é isso", ele falou por fim, virando-se para Beatrice. "Senhorita, tente descansar o máximo possível, evite a TV e só se levante para ir ao banheiro. Entendido?"
Beatrice assentiu.
"Ótimo. Marco, se quiser conversar com ela antes de irmos estarei te esperando lá fora."
"Já vou mandar chamar o motorista para levar vocês até à cidade", disse Samantha, saltando da cama e saindo do quarto junto com o Dr. Devay.
Assim que eles saíram, Marco voltou os olhos para a filha.
"Desculpe", disse ela no mesmo instante, antes que a bronca viesse. "Não fazia ideia que os lobos poderiam estar tão perto da cidade, caso contrário jamais teria subido as colinas de novo. O senhor sabe o quanto gosto de ficar aqui em cima às vezes."
Marco suspirou, parecendo cansado e esgotado. Beatrice sentiu o coração apertar.
"Bea, eu poderia ter perdido você..."
"Mas não perdeu", ela respondeu de imediato, segurando as mãos do pai e apertando-as levemente. "Estou aqui com nada mais que uma concussão e alguns arranhões. Vou estar em casa em poucos dias e prometo nunca mais subir nas colinas até o inverno acabar e os lobos estiverem longe."
"Olhe", começou Marco, massageando a ponte do nariz e olhando para a filha, "dá próxima vez que quiser passear pelos arredores de Roseville, pelo menos leve minha espingarda com você. Certo?"
Beatrice riu, tentando ignorar as pontadas de dor que atingiram sua cabeça.
"Pode deixar."
"Queria poder ficar aqui com você...", ele começou a dizer, mas Beatrice o interrompeu no mesmo instante.
"De jeito nenhum. Precisa tomar conta da casa e a loja não pode ficar fechada por tanto tempo", ela disse, referindo-se a pequena loja em que o pai trabalhava, vendendo caixinhas de música e outros enfeites que ele mesmo fabricava em casa. "Vou ficar bem, papai. Não precisa se preocupar."
Ele ergueu a mão para o rosto da filha, afastando uma mecha de seus cabelos castanho-avermelhados dos olhos.
"Seria impossível não me preocupar com você."
Eles ficaram em silêncio por algum tempo, até que Marco suspirou e disse que precisava ir.
"Quando o motorista voltar vou pedir que traga algumas roupas suas, celular, escova de dentes e..."
"Livros", Beatrice pediu imediatamente. "Três ou quatro, quaisquer que achar primeiro na bagunça do meu quarto. Não estava brincando quando disse que posso enlouquecer se ficar aqui sem fazer nada."
Marco riu, assentindo.
"Livros. Certo."
"Papai", Beatrice chamou antes que ele se fosse, lembrando-se de algo. "O senhor chegou a conversar com o dono da casa? Quero agradecer e ter certeza que não vou incomodar durante o tempo que ficar aqui."
Podia ser apenas impressão, mas Beatrice achou que o pai assumiu uma postura inquieta, transferindo o peso do corpo de uma perna para outra e desviando os olhos dos dela.
"Ele garantiu que não há problema algum", disse Marco. "Aliás, foi ele quem te viu primeiro quando conseguiu passar pelos portões e fechar os lobos do lado de fora."
Beatrice assentiu, por mais que não se lembrasse de nada daquilo.
"Como ele se chama?"
"Frederick", respondeu o pai. "Frederick Harris, foi o que disse."
"Bom, talvez ele apareça aqui amanhã."
"É. Talvez", ele respondeu simplesmente, ainda agindo de um modo estranho que Beatrice não conseguiu compreender.
Dando um último beijo na testa da filha, ele prometeu que ligaria todos os dias e que viria com o Dr. Davey em breve para levá-la para casa.
Quinze minutos depois, Samantha apareceu com um analgésico para aliviar sua dor de cabeça. Ela ajeitou as cobertas de Beatrice com um carinho maternal e apagou as luzes do quarto.
"Tente dormir, querida. Tenho certeza que pela manhã estará melhor", ela falou com voz doce, antes de sair do quarto.
"Obrigada, Samantha", respondeu Beatrice, realmente agradecida pela atenção da mulher que nem ao menos conhecia.
Virando-se de lado, Beatrice fechou os olhos, ainda não acreditando em toda aquela confusão em que havia se metido. Pelo jeito, teria que esperar pacientemente naquela cama macia até que fosse liberada por Dr. Davey.
O que ela não sabia era que aquele acontecimento desencadearia outros, conduzindo-a para um desfecho imprevisível.
Beatrice Morgan não fazia ideia, mas a grande história pela qual ela sempre esperara havia, enfim, começado.
_________________♡_________________
Oii gente! Tudo bom? Espero que sim!
Então, o que acharam desse capítulo? Estou super ansiosa para ler os comentários de vocês! Estou bastante nervosa com o feedback desse novo livro kkk <3
Galera, como vocês podem ver, eu ainda não tenho dois dias definitivos para postar aqui, então estou aceitando sugestões. Geralmente é melhor um capítulo no fim de semana e um durante a semana, então vou esperar vocês escreverem suas sugestões para que eu posso montar um cronograma bonitinho, já que estou postando um capítulo por semana em Sangue Real também.
Por hoje é só pessoal, vejo vocês... em algum dia que ainda não faço ideia kkkk
Beijos,
Ceci.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top