• Capítulo 15 •

Beatrice não tinha saído do quarto desde a discussão com Frederick na biblioteca.

Ficou ali, olhando pela janela e andando de um lado para o outro, remoendo tudo o que havia acontecido.

Ao pensar na biblioteca, naquela surpresa maravilhosa e os momentos que se seguiram antes que eles adentrassem terreno perigoso, Beatrice sentia seu coração disparar e uma emoção desconhecida invadir seu peito. Quando não estava irritado, quebrando alguma coisa ou sendo absurdamente teimoso, Frederick era de longe uma das pessoas mais interessantes que ela já havia conhecido.

Com ele, Bea sentia que poderia falar sobre tudo, expor ideias sem ser olhada torto, contar sobre os livros que tinha lido e os lugares que mais queria conhecer. Era uma sensação... libertadora, ainda mais quando vivera a vida toda em um mundinho de mente pequena.

Talvez seja por esse e outros motivos que ela ficou tão abismada quando Frederick revelou seu plano de tentar outra cirurgia plástica.

Como um homem tão inteligente poderia cometer uma burrada daquelas? Não era possível! Arriscar tudo em uma cirurgia que seus próprios médicos disseram ser arriscada?! Era impensável.

Querendo ou não, Beatrice até conseguia imaginar a dor dele, podia compreender seus motivos. Não conhecia muito sobre o passado de Frederick, mas olhando para a parte de seu rosto que não tinha sido destruída, podia ver o quanto ele fora bonito antes do acidente que o desfigurara. E isso, consequentemente, deve ter tornado tudo mais difícil para ele.

Sim, ela entendia. Entendia que Frederick poderia se sentir inseguro de se mostrar para as pessoas de novo, de seguir com a vida. Particularmente, ela não achava que a aparência física era assim tão importante para privá-lo de tudo daquele jeito, aliás, simplesmente o fato de ele ter sobrevivido àquele acidente terrível, já era algo a se agradecer.

Porém, o que não entrava na sua cabeça, era o fato de que Frederick parecia não dar a mínima se aquela cirurgia desse errado, parecia não ligar se acabasse morrendo durante a tentativa de voltar a ter a aparência de antes.

Será que, realmente, aquele homem de postura fria e distante, não tinha nada nem ninguém que amasse de verdade para não cometer uma loucura daquelas? E o futuro que ele poderia ter, jogado fora daquele jeito? Beatrice podia ver o quanto Frederick era jovem, e sabia que, aos poucos e com as pessoas certas ao seu lado, poderia aceitar o que havia acontecido com ele depois do acidente.

Os pensamentos a cercaram durante toda tarde, e seus sentimentos em relação a tudo o que estava acontecendo eram tão conflituosos que sentia estar ficando maluca.

Pensou em ligar para o pai e conversar com ele, aliás, aquilo sempre ajudava, mas naquele horário ele provavelmente ainda estava na loja.

Depois de tomar um banho relaxante e ler algumas páginas dos livros que seu pai tinha trazido semanas antes, – com a discussão que tivera com Frederick, não conseguiu pegar alguns volumes da biblioteca e trazer para seu quarto – Samantha apareceu trazendo seu jantar. Aquilo foi uma confirmação silenciosa de que as coisas entre Frederick e ela realmente tinham piorado.

No fim das contas, Beatrice pensou que não deveria ter dito tudo o que disse para ele na biblioteca, aliás, que conta ela tinha com sua vida? Ele era bem crescidinho para tomar as decisões que quisesse, além do mais, ela logo iria embora dali.

Quando terminou o jantar, esperou que Samantha viesse buscar a bandeja e conversar um pouco com ela, como sempre faziam à noite. Ter a mulher alegre por perto era sempre um alívio para Bea.

Mas Samantha não veio, e quando Beatrice se dirigiu ao banheiro para escovar os dentes e tentar se deitar mais cedo, quase teve um colapso ao se olhar no espelho.

Aquela não era ela, era?

Não, não podia ser.

Ela parecia maior, muito maior, bem distante daquilo que sempre almejara ser. Sua cintura, abdômen, até mesmo rosto, tudo parecia maior, desajeitado e horrível. Seus traços estavam grosseiros e o corpo pesado.

Desesperada, Beatrice passou as mãos pelo corpo, se aproximando do espelho.

"Não", sussurrou, fechando os olhos com força quando os sentiu marejar. "Não."

Ela já tinha lido sobre aquilo. Não era real. Distorção de imagem. Isso.

Beatrice abriu os olhos, nada tinha mudado.

Aquela era ela, de verdade, e a culpa, a culpa por estar daquele jeito, era toda dela.

Por que havia se empanturrado de comida daquele jeito? Ou comido sempre tantas besteiras no café de Roseville? Se tivesse se controlado, ou levantado mais cedo todos os dias para fazer exercícios como as outras faziam, aquilo não teria acontecido.

Chegava a sentir nojo de si mesma.

Desviou o olhar do espelho, deslizando pela parede fria do banheiro até o chão. O choro preso na garganta veio com tudo, sacudindo seus ombros e fazendo com que o nó na garganta se apertasse insuportavelmente.

Ela não aguentava mais tudo aquilo, queria saber como tinha entrado naquele buraco sem fim.

Enroscando seu cabelo em uma das mãos, Beatrice engatinhou até a privada, sentindo o corpo mole e fraco. As lágrimas molhavam seu rosto, e quando vomitou, pôde ver pontos pretos dançando a sua frente.

Ela não conseguia parar. Aquele parecia o caminho mais fácil e mais rápido para conseguir o que queria, por isso continuou tentando colocar tudo para fora, até lembrar que não havia mais nada para vomitar.

Quando seu corpo amoleceu e suas vistas se escureceram, Beatrice se perguntou qual fora a última vez que realmente tinha comido algo e deixado no estômago.

Não se lembrava.

Quando atingiu o chão, pensou ouvir uma voz distante lhe chamando, mas não conseguia abrir os olhos, muito menos se mover.

Houve um baque, e no que poderiam ter sido horas ou instantes, seu corpo foi erguido do chão.

Uma voz a chamava, uma voz que gostava e que não queria que fosse embora.

Ela queria acordar.

De repente, a inconsciência lhe engoliu.

Os sonhos eram confusos, inebriantes e malucos.

Havia uma estrada ao entardecer, com o sol do fim da tarde se pondo no horizonte. Ao longe, conseguia ver um carro se aproximar em alta velocidade, vindo perigosamente em sua direção.

Ela sentiu medo e tentou correr, mas quando virou para trás, sentiu braços fortes lhe envolvendo, mantendo-a no lugar.

"Vai ficar tudo bem", sussurrou o rapaz. "Eu prometo."

E quando ergueu os olhos para encará-lo, mergulhou em dois profundos lagos azuis.

Quando abriu os olhos, a primeira coisa que percebeu foi a luz prateada que iluminava o quarto. Girando os olhos até a janela, percebeu a enorme lua que brilhava no céu, servindo de luz para o local.

Beatrice sentia-se meio tonta, esquisita e completamente fraca. Os cobertores eram quentes, mas sua mão esquerda era com certeza a parte mais aquecida do seu corpo.

Ao seu lado, Frederick estava sentado em uma cadeira, segurando sua mão na dele, os olhos azuis fixos no escuro.

Beatrice queria perguntar o que diabos ele estava fazendo ali, mas se sentia tão sonolenta que não conseguiu emitir mais do que um muxoxo indistinguível.

Foi o suficiente.

Naquele instante Frederick pareceu pular da cadeira, virando-se para ela com uma expressão tão aliviada que Bea teve vontade de rir.

"Você acordou", ele murmurou com cuidado, como se o som de suas palavras pudessem causar algum estrago nela. "Como você... está se sentindo?"

Na penumbra, era difícil distinguir com clareza seu rosto, mas os olhos azuis transmitiam tudo o que Beatrice precisava saber.

"Bem, eu acho", ela murmurou em resposta. "Um pouco... tonta."

Frederick assentiu com a cabeça, como se aquilo já fosse esperado.

"Samantha deixou algumas coisas aqui para que você comesse quando acordasse", ele disse em tom baixo, mostrando um cesto que estava na escrivaninha ao lado da cama, repleto de frutas frescas. "O que você prefere? Tem uvas, maçãs, pêssegos, tem até..."

"Frederick", ela o interrompeu, um sorriso fraco surgindo em seus lábios. "Eu estou bem."

"Não, você não está", disse ele, carrancudo, pegando uma maçã e colocando na mão dela. "Precisa se alimentar."

Sem saber o que dizer, Beatrice olhou para suas mãos entrelaçadas, só então se perguntando o que aquilo significava.

"Você estava... tendo pesadelos", ele disse, desviando o olhar do dela quando percebeu o que queria perguntar. "Então..."

"Tudo bem", respondeu, se sentando na cama e soltando a mão forte de Frederick com certo pesar. "Eu... costumo ter pesadelos."

Beatrice brincou com a maçã em suas mãos.

"Beatrice", ouviu Frederick chamar de repente, olhando atentamente para ela. "Acho que precisamos conversar."

Ela não conseguiu encará-lo, mesmo na penumbra. Aos poucos as lembranças de tudo o que tinha acontecido lhe voltavam à mente, e embora não soubesse quem havia lhe achado desmaiada no chão do banheiro, sabia que não seria muito difícil para Frederick ligar um ponto e outro e descobrir tudo.

"Ei, pare de desviar o olhar", ele disse de repente, e quando ouviu aquilo Beatrice não teve outra escolha senão rir, o som baixo ecoando pelo quarto. Olhou para ele.

"Desculpe", murmurou, desejando que ele entendesse.

"Pelo quê está se desculpando?", perguntou Frederick, os olhos azuis a analisando atentamente. "Por quase matar todos de preocupação?"

"Também."

Ele suspirou, voltando a segurar sua mão. O coração dela saltou.

"Beatrice, por que você não contou antes? Por que não contou que tinha bulimia?"

A palavra ricocheteou. Por mais que soubesse que seu problema era justamente aquele, sempre evitara pensar na palavra. Provavelmente um instinto bobo de proteção.

"Não consegui", admitiu, balançando a cabeça com amargura. "Eu nunca... nunca contei para ninguém. Nem para o meu pai."

"Isso acontece há muito tempo?", perguntou ele, os cabelos ruivos brilhando na luz do luar.

"Quase um ano", contou.

Frederick comprimiu os lábios, como se não soubesse o que dizer.

"Você não precisava ter entrado nisso", disse por fim, tomando completamente a atenção dela. "Você... é linda." Ele encarou-a por um longo instante. "Linda do jeito que é."

"Não como os outros", ela respondeu de imediato, encarando a maçã vermelha. "Eu...", seus olhos marejaram, e quando uma lágrima rolou pelo seu rosto Beatrice a enxugou com força. "Eu não queria me comparar com ninguém, não queria ter... essa paranoia. Às vezes é tão difícil... É como se houvesse uma pressão para ser quem eu não sou. Sei que é bobagem, uma enorme e estupenda bobagem, mas simplesmente não consigo me livrar disso."

"Não é bobagem", Frederick falou, apertando de leve sua mão. "Não é. Escute, eu queria poder dizer algo para fazer com que se sinta melhor, mas a única coisa que posso falar é que, independe do formato do seu corpo, ou de seja lá como você seja fisicamente, sempre vai ser bonita."

Beatrice olhou para ele.

"Você é inteligente, engraçada, determinada e...", ele pareceu pensar por um instante, "muito corajosa."

"Ah, é?"

"É sim", respondeu, abrindo um pequeno sorriso. "O que acha que eu faria se desse de cara com um lobo? Correria e buscaria ajuda? Fala sério! Eu ficaria paralisado e deixaria com que ele me devorasse sem protestar." Beatrice riu, sem conseguiu conter. Frederick se aproximou mais, prendendo um cacho do seu cabelo atrás da orelha. "E você também foi bem corajosa em contestar certas coisas que eu digo, mesmo ainda achando que estou certo às vezes." Beatrice viu um sorrisinho aparecer nos lábios dele. "Foi corajosa em não sair correndo ou ser grosseira quando viu meu rosto. E, principalmente, está sendo corajosa em ficar perto de mim."

Bea balançou a cabeça, apertando de leve a mão dele.

"Não preciso ser corajosa para ficar perto de você", contestou. "Faço isso porque quero. Só preciso ter coragem quando você fica meio esquentadinho."

Frederick sorriu, seu rosto se iluminado. Ele devia fazer aquilo mais vezes. Sorrir.

"Olhe só para nós", sussurrou ela com um sorriso. "Pessoas com sérios problemas de autoestima."

"Somos patéticos", concluiu Frederick. "Absurdamente patéticos."

"Pois é. Deveríamos superar isso."

"Com certeza." Então ele olhou sério para ela, os olhos azuis refletindo o que sentia. "Beatrice, não quero mais que passe pelo que passou hoje, ok? Quando voltar para Roseville, eu mesmo vou providenciar um psicólogo para você, alguém especializado que pode realmente te ajudar."

"Frederick..."

"Não, você não vai recusar", ele disse lhe interrompendo. "Vai aceitar e vai deixar tudo isso para trás. Ok?"

Beatrice não teve outra escolha.

"Ok."

Então ele a abraçou. Envolveu-a nos braços e a segurou junto ao peito.

Qual foi a surpresa de Adrien quando percebeu que Beatrice retribuía o abraço.

Por boas horas ele tinha ficado ali, ao lado de sua cama, com os olhos bem abertos e segurando firmemente sua mão. Adrien nunca pensou que poderia atingir um estado tão grande de preocupação, mas naquela noite pensou que nunca sentira um desespero tão esmagador.

Ver Beatrice sofrendo daquele jeito, ainda mais com algo que atingia tantas garotas, era horrível. Ele queria olhá-la nos olhos e sacudi-la bem forte, gritando que ela era linda, muito, muito, muito linda. Linda principalmente por ser quem era.

"Ei, Frederick?", ouviu-a chamar.

"Sim?"

"Obrigada."

Ele suspirou, estranhamente, desejando tê-la nos braços para sempre, congelar o momento e revivê-lo centenas de vezes.

"Não foi nada."

Quando se afastaram, percebeu a maçã na mão dela.

"Melhor comer", disse. "Não saio daqui até vê-la enfiar pela garganta abaixo umas três frutas diferentes."

Ela riu, dando uma mordida na maçã.

"Está bem", concordou, e, em seguida, remexeu-se no colchão. "Frederick, sobre hoje mais cedo..."

"Podemos conversar sobre isso depois", disse de imediato, percebendo o quanto a briga deles havia sido sem importância, comparado aos acontecimentos da noite. "De verdade Beatrice, não vamos nos preocupar com isso."

Quando ela comeu o suficiente e emitiu um bocejo, Adrien recomendou que ela voltasse a dormir. Quando se deitou e puxou as cobertas até o queixo, perguntou se ele não devia fazer o mesmo.

"Eu já vou", respondeu. "Pode dormir. Só quero... ficar aqui mais um pouco."

"Eu estou bem", ela garantiu, olhando para ele com seus profundos olhos castanhos. "Não quero que fique exausto amanhã."

Ele apenas deu de ombros, como se aquilo não tivesse importância.

Minutos depois, observava Beatrice em um sono profundo, que deveria estar tão cansada que nem se importou em dormir com ele por perto.

Olhando-a sentado em sua cadeira, Adrien sentiu aquela emoção estranha invadir seu peito. Era algo bom, sem dúvida. Na verdade, era algo maravilhoso.

Nunca tinha sentindo aquilo por ninguém antes, aquela vontade de estar por perto todo momento, a preocupação que quase lhe fizera perder o juízo e o coração que parecia balançar toda vez que via Beatrice.

Na escuridão da noite, Adrien suspirou, escondendo o rosto nas mãos.

Assustado e acreditando estar maluco, perguntou-se se estava gostando dela, realmente gostando dela.

Não, aquilo era impossível, impensável e inacreditável.

Mas, sem dúvida, era real.

Quando saiu do quarto dela e dirigiu-se ao seu próprio, ainda preocupado com tudo o que tinha acontecido e se ela estaria melhor na manhã seguinte, Adrien perguntou-se se, de alguma maneira maluca, Beatrice seria capaz de corresponder o sentimento.

E aquilo, de fato, pareceu impossível.

___________________♡__________________
Oii genteeeee! Tudo bem com vocês? Comigo está ótimo (a animação da pessoa pelas férias terem finalmente chegado hahaha)

Estou aqui, louca de curiosidade para saber a opinião de vocês sobre esse capítulo. Acho que temos um divisor de águas, não é mesmo? hahaha O que acharam da atitude do Adrien? E a nossa Bea, será que tudo vai ficar bem agora? 
Só o tempo dirá.

Queria avisar - com uma pontadinha de orgulho, quem sabe - que eu terminei de escrever esse livro, e que a previsão para término de postagens é no fim de dezembro, com o livro tendo 23 capítulos + um epílogo. Talvez termine de postar antes, se decidir soltar alguns capítulos extras em algumas sextas. Vamos ver como vai ser.

O feedback de vocês é super importante para mim, então tudo que quiserem comentar podem escrever que vamos interagir muito nos comentário <3

Por hoje é só pessoal, um beijão e até o próximo capítulo!

Ceci.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top