• Capítulo 11 •

A neve estava compacta em suas mãos, ela a moldou e fez com que ficasse firme. Sentindo o frio mesmo com suas mãos enluvadas, Beatrice ergueu o braço por cima da cabeça e mirou em seu alvo.

Não foi assim tão difícil acertar, na verdade, a cabeleira ruiva de Frederick se destacava na imensidão branca. O fato de ele estar de costas para ela também ajudava um pouco.

Quando a bola de neve acertou a lateral de sua cabeça, se desfazendo por completo, ele se virou para trás com os olhos azuis esbugalhados, levando um susto tão grande que Bea sentiu a barriga doer de tanto rir.

"Então você espera que eu vire as costas para poder atacar?", ele perguntou com a sombra de um sorriso, estreitando os olhos em sua direção. "Isso não é muito honrado, Srta. Morgan."

"Desculpe, mas pensei que não precisaria jogar limpo com você", ela respondeu, sorrindo para ele.

"Quer jogar sujo?", ele perguntou, se aproximando. "Então vamos jogar sujo."

Frederick então se abaixou e juntou um punhado de neve nas mãos enormes, formando uma bola bem maior do que Beatrice era capaz de produzir. Ela começou a rir ao mesmo tempo em que tentava correr para longe, se escondendo atrás de uma árvore próxima.

Observando o céu cor de chumbo, Bea tinha todos os motivos para ficar de mau humor assim como aquele dia fechado, porém, a neve tinha parado de cair na noite anterior, e ela estava louca para sair ao ar livre de novo.

Meia hora antes, quando ela bateu na porta do quarto de Frederick, ele a olhou com uma cara fechada, provavelmente se perguntando o que diabos ela fazia ali de novo.

"Quer ir lá fora?", havia perguntado, antes que ele pudesse enxotá-la dali. "A neve parou e... Bem, só pensei em sair um pouco."

Ele deve ter ficado olhando para ela por uns bons cinco segundos, analisando-a com aqueles olhos azuis que mais pareciam poder enxergar através dela. Bastante desconfortável.

"Está bem", ele disse por fim, e ela se viu soltando um pequeno suspiro de alívio.

Bea achava que, tirando as refeições que faziam juntos, Frederick ainda estava evitando-a o máximo possível. Bem, ela não se importaria se ele ficasse confinado em seu quarto pelo restante do tempo em que ela estaria ali, mas as estradas ainda estavam fechadas e, embora a neve tivesse parado de cair desde a noite anterior, a previsão era que a nevasca poderia continuar por mais algumas semanas.

Quando saíram juntos pela porta da frente, agasalhados o bastante, Luke estava por perto e olhou-os como se estivesse vendo uma miragem. Beatrice teve que se segurar para não rir. Era como se o fato de ver o patrão simplesmente saindo de casa, fosse um sinal claro de que o apocalipse estava chegando.

Os pensamentos de Beatrice foram brutalmente interrompidos quando ela sentiu algo gelado se chocar contra sua bochecha. Ela cambaleou e olhou para o lado, onde Frederick ria como uma criança.

"Pelo amor de Deus", disse ele, os olhos carregando um brilho divertido. "Eu estava do seu lado! Por acaso estava em outro mundo?"

"Mais ou menos", Bea respondeu com um sorriso, ainda em choque por vê-lo... rindo. Desde quando ele ria? Já estava ali há duas semanas e não recebera muita coisa dele além de olhares gélidos, caras fechadas e, às vezes, o esboço de um sorriso. Era certo que Beatrice nunca havia conhecido um homem como aquele. "Mas devo dizer, Sr. Harris, que está brincando com a melhor guerreira em bolas de neve."

"É mesmo?", ele zombou, erguendo uma sobrancelha para ela. "Então vê se se defende dessa." Ele se curvou e apanhou um bocado de neve nas mãos.

Beatrice não levou nem um segundo para dar no pé, rindo e sabendo que, uma hora ou outra, ele iria acertá-la.

Dentro da mansão, espiando por uma das janelas que davam para o jardim da frente, os criados mal podiam acreditar no que estavam vendo.

"Espere um pouco", falou Howard, balançando a cabeça e colando o nariz no vidro da janela. "Ele está rindo?!"

"É realmente impressionante", sussurrou Emerie, a criada que se encontrava nos braços de Luke. "Acho que nunca o vi rir, não desde o acidente."

"Nem fale, mon amour", disse Luke, olhando espantado para a cena que se desenrolava no jardim. "A garota deve ser uma feiticeira."

Ao seu lado, Samantha soltou uma risada.

"Uma feiticeira eu não sei, mas com certeza é uma garota especial."

"Você acha que...", Howard engoliu em seco, olhando para a colega, "ela pode fazê-lo desistir da cirurgia? Ou, quem sabe, fazer com que ele...", o criado hesitou antes de completar, "viva a vida novamente?"

"Ela nem ao menos sabe sobre a cirurgia", disse Luke, balançando a cabeça. "E não sei se alguém no mundo pode fazer aquele cabeça dura enxergar as coisas por outro ângulo que não seja o dele."

Segredos - principalmente um que já era bastante conhecido, com a ideia fixa do patrão de tentar fazer uma nova cirurgia plástica - não eram mantidos por muito tempo naquela casa, ainda mais quando Adrien, às vezes e provavelmente por se sentir sufocar pelas coisas que guardava, compartilhava seus planos com seus três criados mais próximos.

"Mas como ela poderia fazê-lo desistir?", perguntou Emerie depois de um tempo, enquanto observavam Beatrice e Adrien jogarem bolas de neve um no outro lá em baixo. "Quer dizer, ele está decido em relação a isso, vocês mesmo disseram, e eu não acho que ele já esteja apaixona..."

"De fato, é muito cedo para supor isso", apressou-se a dizer Howard. "Para falar a verdade, nem sei se Adrien é capaz de se apaixonar por alguém..."

"Não diga uma coisa dessas", repreendeu Samantha Sandoval, dando um tapinha em seu ombro. "É fato que pessoas são difíceis de mudar, mas elas podem aprender com seus erros e se tornarem melhores."

"E você acha que Beatrice pode realizar uma proeza dessas?", perguntou Luke. "Domar nosso querido patrão?"

"Domar não é bem a palavra certa", falou Samantha, olhando para os dois lá em baixo, que acabavam de se sentar nas raízes de uma árvore grande. "Mas é claro que estamos vendo alguma coisa acontecer."

"Você perdeu."

"Não perdi não", ela retrucou.

"Ora, vamos lá, você foi massacrada por uma quantidade impressionante de bolas de neve."

Bea não aguentou, soltou uma risada e em seguida deu um empurrãozinho em Frederick, que riu com ela.

"Mas você estava em vantagem."

"Ah, é?"

"É. Você é mais rápido, caso contrário eu teria conseguido fugir."

"Duvido muito."

"Insuportável."

Bea ainda estava um pouco ofegante pela brincadeira, encostada na casca dura de uma árvore ela tentava recuperar o folego. Olhando para Frederick, ela não pôde deixar de perceber o quando ele parecia bem menos assustador na luz do dia, com a pele clara rosada e os cabelos ruivos brilhando com a luz do sol.

Vestindo uma calça jeans justa, blusa preta de mangas compridas e um casaco, ela pôde perceber pela primeira vez o quanto ele parecia forte por trás daquelas roupas. Com seus ombros largos, pernas fortes e barriga lisa, era sem dúvida muito atraente, ou teria sido, em outra época.

Erguendo o olhar para ele, Beatrice notou que seus olhos, agora, traziam uma estranha leveza, algo bem melhor do que os olhares ríspidos que ele geralmente lançava para ela.

Pelo canto do olho, Bea percebeu um movimento vindo da mansão. Erguendo os olhos, percebeu Samantha se aproximando com o que parecia ser duas xícaras fumegantes.

"Fiz chocolate quente", ela falou alegremente, quando chegou até eles. "Pensei que poderia mantê-los aquecidos."

Beatrice pegou uma das xícaras enquanto Frederick pegava a outra. Provando o líquido, ela fechou os olhos em deleite.

"Puxa, Samantha, obrigada", ela agradeceu com um sorriso.

"Se quiserem mais, é só chamar." A mulher então voltou a caminhar em direção à mansão, com visível dificuldade por causa de toda aquela neve.

"Está realmente delicioso", comentou Bea, enquanto saboreava o chocolate quente. "Não fazem como esse no café."

"Café?", indagou Frederick.

"Trabalho em um café em Roseville", ela contou. "Há bebidas maravilhosas lá, mas não como isso aqui." Ela bebeu mais um gole.

"E então, como é sua vida naquela cidade minúscula?", Adrien perguntou interessado, desejando saber mais sobre a cidade mais próxima que havia dali e como era viver em um lugar daqueles. Ele crescera a vida toda em uma cidade grande, onde coisas para fazer era o que não faltava. Muito menos dinheiro para realizá-las.

"É... monótono", ela respondeu depois de um tempo, observando sua xícara com uma expressão desanimada. "As pessoas são iguais, os dias são iguais, para dizer a verdade, não há muita novidade por lá."

"Isso não me espanta", falou ele. "Roseville tem o quê? Seis mil habitantes?"

"Menos."

"Meu Deus, chego a ter pena de você."

Eles riram.

"Não entenda mal, eu gosto daquele lugar. Quando você cresce e mora a vida toda em uma cidade como aquela, acaba amando-a de qualquer jeito, mas é que..."

A frase ficou suspensa no ar.

"Vamos lá, diga", Adrien incitou.

"É que eu quero mais", ela falou por fim. "Quero conhecer outros lugares, outras pessoas, ter um trabalho que eu ame de verdade."

"Pensa em fazer uma faculdade?"

"É o meu objetivo de todo dia", ela respondeu, virando seus olhos castanhos para ele. Adrien fitou o líquido em sua xícara. "Por isso trabalho tanto, para que, mesmo se conseguir uma bolsa de estudos, possa me virar sozinha longe de casa e sem depender do meu pai."

"E você acha que vai conseguir?"

"Claro que vou", ela respondeu de imediato, com uma determinação que fez com que Adrien a admirasse por alguns segundos. "É meu sonho e vai abrir mais portas do que posso contar."

"Já tem ideia do curso?"

"Jornalismo."

Adrien fez uma careta.

"O que foi?", ela perguntou com um sorrisinho, cutucando-o nas costelas. "Não acha uma boa ideia?"

"Não gosto muito de jornalistas, nem de repórteres nem nada disso", ele disse com sinceridade, lembrando-se de como boa parte da mídia do país quase se matara para conseguir algo sobre ele depois do acidente.

"Por quê?", ouviu Beatrice perguntar.

"É uma longa história", ele respondeu simplesmente, balançando a cabeça. "Mas espero que tudo dê certo para você."

Beatrice abriu um sorriso, seus olhos brilharam e ela pareceu tão desconsertadamente linda que Adrien temeu encará-la demais.

"Obrigada", ela disse. "Mas e você? Se formou em alguma coisa? Já parece ter idade suficiente para ter saído de um ou outro curso."

"Pareço ser tão velho assim?", ele perguntou, erguendo uma sobrancelha para ela.

"Não!", Beatrice respondeu de imediato. "Eu só..."

Adrien riu, balançando a cabeça. "Estava brincando."

Ela revirou os olhos, tentando segurar o sorriso.

"Eu já sabia."

"Não me formei em nenhuma faculdade", ele contou, respondendo a pergunta dela. "Na verdade, oficialmente, me formei no ensino médio sem comparecer as três últimas semanas."

Adrien se arrependeu de dizer aquilo no segundo seguinte, temendo que levantasse perguntas. O acidente de carro três anos atrás acontecera três semanas antes de ele oficialmente se formar no colégio, mas graças ao seu pai e o fato de ele ter ficado internado mais de um mês depois do acidente, fizeram com que ele conseguisse seu diploma de todo jeito.

Beatrice olhou para ele, que subitamente ficou calado.

"Me formei há pouco tempo", ela contou. "Foi uma benção. O colégio às vezes é um saco."

Adrien não pôde concordar, pelo menos não de todo. O colégio na verdade havia sido ótimo para ele. Ser um dos mais populares, pegar líderes de torcida e ser capitão do time de futebol americano era incrível, e, às vezes, quando se lembrava daquela época dourada, o que mais queria era voltar no tempo e viver tudo de novo.

"Pretende cursar alguma coisa?", Beatrice perguntou em seguida, parecendo se esforçar para manter uma conversa.

Adrien teve que se esforçar para não rir.

Frequentar uma faculdade? Daquele jeito? Não era como se não tivesse vontade, na verdade tinha, mas só se permitiria pensar naquilo se a cirurgia desse certo.

"Não sei", respondeu com sinceridade.

"Mas gosta de alguma coisa? Um curso em específico?"

Ela é mesmo curiosa, pensou divertido.

"Sempre gostei de ler", ele acabou revelando, não se sentindo completamente à vontade. "Talvez algo na área de literatura, quem sabe..."

"É sério?", Beatrice perguntou, olhando para ele como se tivesse dito que havia vindo de outro planeta.

"Que eu quero me formar em algo que envolva literatura?"

"Não", ela falou balançando a cabeça. "Que gosta de ler."

Adrien olhou para ela, não conseguindo conter a risada.

"Minha cara já não é muito boa, Morgan, se eu não exercitar a mente ninguém se aproximará demais."

Ela revirou os olhos para ele, sem responder àquilo.

"Em Roseville, a maioria das pessoas me acha meio louca por ler tanto."

"Sua cidadezinha deve ter parado no tempo então", ele falou, dando de ombros como se o problema estivesse neles e não nela. Aquilo a agradou mais do que poderia descrever. "Quem é considerado louco por simplesmente gostar de viver em outro mundo que não seja a nossa realidade de merda?"

"Meu Deus, como eu sempre quis ouvir isso...", ela sussurrou, soltando um risinho. "Você deveria dizer uma coisa dessas para Gavin."

"Gavin?", Frederick olhou para ela, sem entender.

"Ele é um brutamontes", contou. "Arrogante, machista, se acha o galã do pedaço, e, para completar, tem a ideia fixa de que só não estou com ele até hoje por trabalhar demais e ler mais ainda."

"Então ele não merece você", falou Adrien, antes que pudesse frear as palavras. "É inteligente demais para ele."

"Ah, sou?", ela perguntou, piscando.

"Bem, talvez não muito", ele concertou, abrindo um sorrisinho de lado. "Levando em conta que fugiu de casa aquela noite, ficou presa na neve e..."

"Você me deu motivos", ela rebateu, lhe dando um tapinha no peito e se levantando, com a xícara de chocolate quente já vazia.

"Dei é?"

"Foi, e nem pediu desculpas", ela disse, enquanto eles caminhavam de volta para a mansão.

"Tenho Transtorno Explosivo Intermitente, esqueceu? Não tenho culpa de nada..."

"Ah, tá bom."

Eles riram com gosto, com suas vozes ecoando pelo ar.

Estavam subindo as escadas que levavam até as portas de entrada quando Beatrice virou-se para Adrien e entrou na sua frente, fazendo com que ele parasse em um dos degraus.

"Eu vou te fazer uma pergunta, Frederick Harris, e dependendo da sua resposta eu posso me sentir tão ofendida a ponto de tentar fugir de novo."

Ele abriu um sorrisinho para ela, cruzando os braços fortes na frente do peito.

"Manda ver."

Ela respirou fundo, olhando nos olhos dele.

"Qual é sua opinião sobre Harry Potter?"

O silêncio entre eles durou um microssegundo até que Adrien respondesse, com toda a firmeza do mundo:

"Uma das melhores sagas que eu já li na vida. Isso se não for a melhor."

Beatrice sentiu o coração bater mais forte, além de querer abraçar Frederick no mesmo instante.

A única pessoa com quem ela conversava sobre livros era o bibliotecário da cidade, mas ele já estava bem velho e mal se recordava da última frase que lia segundos antes.

"Passei no teste?", perguntou Frederick, enquanto Bea ainda olhava para ele com um sorriso bobo no rosto.

"Com certeza", ela respondeu. "Você está oficialmente perdoado depois disso."

"Meu Deus, se eu soubesse que a chave para ganhar o seu misericordioso perdão era Harry Potter..."

Ela riu, olhando para ele divertida.

"Desde quando você tem senso de humor?"

"Eu não tenho senso de humor."

"Bem, com exceção de hoje então."

Adrien olhou para ela, sem saber como responder, sentindo algo estranho vibrar em seu peito.

De algum modo, aquela garota meio louca e que não tinha medo de enfrentá-lo, o fez sorrir mais durante o tempo em que estivera ali do que os três anos inteiros desde que ele sofrera o acidente.

E aquilo, com toda certeza, era assustador.

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Hello amores! Tudo bom com vocês? Espero que sim!

Infelizmente não consegui postar a prévia ontem por motivos de falta de tempo, mas aqui está o capítulo como prometido <3

E então... O que acharam??? Gostaram dessa super interação da Bea e do Adrien? Talvez eles finalmente estejam se entendendo de algum jeito. Ou será que não?
Na verdade, eu acho que se eu fosse a Bea ainda estaria dando um gelo nele, mas ainda bem que não sou hahaha

Muitos beijos e até domingo!

Ceci.

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