04| Verdades ocultas
Dizer que preguei o olho durante a noite seria provavelmente a maior mentira do século, minha mente não me dava paz e mil e uma teorias se formavam.
O foco era um e único, encontrar a resposta para essa avalanche em minha vida.
Onde é que eu falhei?
- Dá para escutar daqui o seu cérebro maquinando... parecem engrenagens em funcionamento...__ Sarah me entregou uma chávena com líquido fomegante e aroma adocicado e sentou-se ao meu lado no sofá.
- É! Tenho muitas perguntas...__ dei o primeiro gole, aquecendo minhas entranhas.
- E você tem todas as respostas.__ Sarah respondeu me fazendo encara-la imediatamente.
- O que quer dizer com isso?__ perguntei inquieta e receosa da resposta que viria.
- Que você não é burra, que apenas deixou que o "amor" te cegasse a ponto de se submeter a isto tudo.__ falou de forma cautelosa.
- Eu acredito que seja só uma fase...__ minha voz saiu baixa, enquanto eu tentava engolir o bolo que se formava em minha garganta.
- Você sabe muito bem que não se trata disso. Que fase é essa que te separa das tuas amigas? Que te faz parar de ir à faculdade? Que te torna refém das vontades de um imbecil? Que te faz perder contacto com os teus pais? Que te isola do mundo e te faz sentir pequena e insuficiente?!__ a mulher tinha abandonado seu olhar dócil, suas feições eram duras tal como o tom da sua voz.
- Eu... Ele só quer o meu bem...__ murmurei cabisbaixa.
- Ele não quer o teu bem! Ele vai te destruir, acredite em mim, eu sei do que falo! Se você deixar que ele tome o controle da sua vida, você vai acabar infeliz — o que você já é — ou morta!__ disse Sarah e colocou suas mãos sobre as minhas.
- Henry nunca me mataria, ele me ama, nunca se quer levantou a mão para mim...__ nem eu tinha certeza disso.
- Mas vai fazer e não falta muito, essa marca roxa no teu braço não caiu do céu.__ encarei meu braço e imediatamente as lembranças vieram.
- É que eu o amo tanto...__ murmurei chorosa.
- Eu sei, mas ele não! E se você não lutar pela vida, ele vai levá-la de você...__ disse com pesar e seus olhos brilharam.
- Eu vou te contar uma história...
Há vinte anos, existia uma moça muita apaixonada pelo seu namorado. Ele era gentil, amoroso e muito cuidadoso, não demorou para que ele a pedisse em casamento e ela aceitou de imediato. O casamento aconteceu e foi lindo, ela se despediu dos familiares e foi viver com o marido em SmallVille. A vida de casados foi maravilhosa por um ano, até que ele começou a limitar o contacto dela com a família, com os amigos, com o mundo.
A moça vivia isolada e por não querer discutir com o marido, ela aceitou tudo calada, até ela pensar na possibilidade de ter filhos. O marido negou, dizia era cedo e que eles precisavam estar preparados financeiramente, essa foi a desculpa para ele chegar tarde à casa.
O relacionamento só esfriava, eles estavam cada vez mais distantes um do outro, principalmente quando ele aparecia com marcas de batom nas roupas...__ pausou para limpar uma lágrima que ameaçara cair.
- Ela não fez nada?__ perguntei indignada, apesar da situação não ter acontecido comigo, me identifiquei com a moça.
- Oh, ela fez, questionou ao marido o que aquilo significava e então a resposta veio. Ela levou a maior surra que já tinha levado até aquele dia, ela perdeu um dente, fracturou 4 costelas e torceu o pulso.
Depois daquele dia as agressões se tornaram constantes, com ou sem motivos segundo a lógica do marido. Ao final de cinco de casados a moça conseguiu reunir coragem suficiente para sair daquela situação.
Sem filhos, sem família, sem amigos, sem dinheiro, ela decidiu começar uma nova vida...__ suspirou.
- E como ela fez isso?__ cruzei as pernas no sofá ao sentir o sangue circular com mais velocidade.
Sarah se levantou e parou em frente a janela, pegou um pequeno regador rosa e molhou as plantas que estavam nos vasos ali perfiladas.
- Quando você se vê entre o fogo e a espada, você toma decisões impensadas, você age sem pensar direito e tudo o que você quer é se ver livre daquela situação... você só quer continuar viva!__ seu olhar se encontrava distante e eu pude sentir o peso das suas palavras.
Quais as chances de Sarah ser essa garota?
Quais as chances dela ter sido torturada por alguém que jurou amá-la e protegê-la?
100%!
Essa era resposta.
Ela nunca falou de seus familiares, do marido, de ninguém! Ela sempre foi uma mulher sozinha que trabalhava em sua floricultura.
Sempre sorridente e simpática, mas sempre arrisca quando qualquer homem vinha com segundas intenções.
Apesar da idade, o tempo foi bem generoso com ela, sua pele continuava brilhante, poucos fios grisalhos adornavam sua cabeça, dando um charme para sua postura.
Sarah era pequena e rechonchuda, suas bochechas rosadas davam um aspecto fofo e saudável a sua aparência, podia facilmente chamar atenção do sexo oposto.
Era difícil imaginar que ela pudesse ter passado por uma situação tão triste como essa.
Ela é tão amorosa e merecia toda a felicidade do mundo...
Ninguém nunca poderia imaginar tal coisa porque ela sempre esbanjou sorrisos.
- Sarah, eu sinto muito...__ me levantei do sofá com cautela e fui ao seu encontro.
Seus olhos brilhantes, vermelhos pelas lágrimas.
Imediatamente o gosto em minha boca se tornou amargo, meus olhos ficaram embassados de lágrimas.
Só de imaginar que ela tenha passado por isso tudo, meu coração quebrou-se em mil estilhaços.
No segundo a seguir meus braços foram ao encontro do corpo gordinho de Sarah e ela rodeou suas mãos em minha cintura.
Não eram preciso palavras, também não seria capaz de formular qualquer palavra que exprimisse minha dor e compaixão.
- Não permita que ele acabe com você! Você é minha bebé...__ sua voz saiu chorosa, me quebrando ainda mais.
- Não vou...__ sussurrei.
- Promete?!__ olhou-me com seus olhos vermelhos e grandes. Era impossível negar qualquer coisa pra ela com aquele olhar.
- Prometo. Eu prometo que não vou permitir que ele acabe comigo!__ disse firme e plantei um beijinho em sua bochecha.
Mesmo que eu o ame, eu não posso deixar que ele acabe comigo.
Por mim, por Sarah!
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