Mensagem

O castelo estava escuro, iluminado apenas por tochas que mal conseguiam se manter acesas e lanternas que os soldados de Morfeu carregavam por onde passavam. As paredes frias de pedra escura faziam a sensação térmica abaixar, mas ninguém naquele local sentia frio, o calor da batalha ainda estava dentro deles e sua vitória era o bastante para os manterem ativos naquela madrugada gelada. Os criados de Arion limpavam e ajudavam os soldados a tirarem os corpos sem vida de seus inimigos, antes que o sol raiasse aquele lugar ficaria limpo.

 A princesa andava imponente entre os corredores, procurando Morgana a princesa de Mor e filha de Morfeu. Seus olhos carregavam a mesma euforia que os dos soldados. 

"- Onde está a princesa de Mor?

 Anisia perguntou para uma serva que estava a arrancar as tapeçarias com o leão de Mirgo. A mulher se curvou diante de seus pés.

"- Deus salve a rainha de Arion.

 As palavras daquela moça a pegaram de surpresa. Ela não esperava que a devoção do seu povo permanecesse a mesma durante aqueles três anos de fome, guerras e pragas. Com um singelo sorriso, Anisia fez uma pequena reverência de volta. Os olhos verdes como grama da mulher brilharam com o gesto da princesa.

"- A princesa Morgana foi para a biblioteca vossa majestade.- a serva disse com sua voz doce e um sorriso gentil.

 "Deveria ter imaginado" a princesa pensou antes de agradecer e voltar a sua busca. O caminho até a biblioteca era rápido quando se cortava pelo jardim real, Anisia só não esperava encontrar aquela paisagem. 

 Onde antes ficavam as rosas-brancas de sua mãe agora era um espinheiro seco, a fonte com a estátua de sua falecida irmã Ariana tinha sido destruída e os caminhos de pedras coloridas que passavam pelas outras roseiras estava coberto por folhas e raízes mortas. A princesa sentiu a solidão a abraçar, um abraço frio e que junto trazia o sentimento de culpa. O jardim, Ariana e o restante da sua família estavam mortos. Apertando seus punhos ela sentiu suas unhas perfurarem sua carne. A dor física era reconfortante naquelas horas em que a saudade e o arrependimento tomavam conta de seus pensamentos. A princesa estava tão inerte que não notou a aproximação ao seu lado.

"- O passado não pode ser mudado, porém nosso futuro ainda está sendo lapidado minha Rainha.

 Aquelas voz arrastada e o perfume de lavanda entregaram Morgana. Se virando, Anisia admirou a princesa de Mor. Os cabelos escuros estavam presos apenas uma mecha rebelde escapava, seus olhos castanhos refletiam seu cansaço  mas, seu sorriso de lado não deixava que seu semblante caísse.

"- Não gostou da biblioteca?- a princesa perguntou se aproximando.- Achei que teria que te arrastar de lá e trancar a biblioteca a sete chaves.

 Morgana deixou uma risada escapar enquanto negava com a cabeça.

"- Só me retirei de lá por conta da fome, a única coisa que eu gosto mais de fazer do que ler é comer.

 Anisia sorriu com a fala da amiga. Os olhares das duas então se encontraram, ambas conseguiam ler o que os olhos uma da outra diziam. Morgana então pareceu se lembrar de algo e alargando o sorriso a filha de Morfeu pronunciou.

"- Deus salve a rainha Anisia soberana de toda Arion.

"- Eu não fui coroada, ainda sou a desertora do trono Morgana.

 Como se uma ofensa fosse dirigida a princesa de Mor, ela fez uma careta desgostosa.

"- Pelos céus! Você matou o rei Sebrasta e continua sendo a única viva da família real, então mesmo não sendo coroada você se tornou a rainha de Arion!- Morgana gritou aborrecida.

"- Está bem vossa alteza, não precisa estourar meus tímpanos eu já entendi.

 A filha de Morfeu agarrou a mão ferida de Anisia e começou a arrastá-la para fora do Jardim.

"- Vamos comer antes que eu te estrangule Nisa.

 Enquanto passavam pelos largos corredores a caminho da cozinha, o barulho de gritos chamou a atenção das duas monarcas que foram em direção ao som. Vários guardas estavam em fileiras na muralha do castelo e quando as duas mulheres se aproximaram para ver o motivo de tal alvoroço do lado de fora.

  O sol nascia no horizonte iluminando as centenas de pessoas que marchavam em direção ao castelo. Quando avistaram Anisia no topo do arco da muralha começaram a entoar "Deus salve a rainha! Deus salve nossa majestade Anisia!". Todas aquelas pessoas gritavam alegremente, aplaudiam e dançavam para a nova soberana.

 Olhando para seus súditos a rainha sorriu. Aqueles que um dia a chamaram de impotente, aqueles que a chamavam de fraca e a vaiavam pelo fato dela ser mulher, estavam ali a chamando de rainha e glorificando seu nome. Suas lágrimas, suas cicatrizes, suas percas, tudo poderia ter sido evitado se aquele mesmo povo que estava ali a saudá-la tivesse feito isso antes, a própria ruína do reino teria sido evitada. 

 O jovem soldado corria ao subir a escadaria. Empurrando alguns colegas para alcançá-la mais rápido ele sentia seu coração acelerado.

"- Vossa majestade! Vossa majestade!- o jovem gritou para conseguir sua atenção.

 Quando enfim se aproximou da rainha ele se ajoelhou.

"- Vossa majestade os reis da Aliança convocam sua presença em Liars.- finalmente entregando sua mensagem o soldado se sentiu aliviado.

 Anisia sorriu gentilmente para o homem. 

"- Então agora eles querem falar comigo.- com a voz mansa e rainha apertou o cabo de sua espada.- Descanse soldado e amanhã junto com uma escolta você levará uma mensagem até os reis para mim.

 O homem abaixou a cabeça em concordância. Suas mãos suavam e seus batimentos continuavam acelerados. Que mensagem ela mandaria para os reis?

"- Agradeço as majestades pelo convite mas, eu terei que negar. Nesse momento o meu único propósito e a reconstrução do meu reino é para isso eu não precisarei da ajuda do congresso e nem da Aliança.- Anisia sorriu ao continuar.- Mas para verem que não guardo mágoa alguma os convido para o baile da Lua Vermelha no próximo mês, encarecidamente Rainha Anisia de Arion.




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