Estado de Alucinação
O segundo foi Valter. Foi ele que levou o tiro que Lilian disparou. Mentiu ao dizer que foi atingido por uma bala perdida, pois assim não ia levantar suspeitas. A sorte sua é que foi de raspão, deixando uma leve cicatriz.
Durante o caminho para casa, começou a sentir uma forte dor no estomago... não exatamente no estomago, mas na musculatura do abdômen e justamente na marca do tiro. A dor era tão intensa que ele precisou parar em frente a um salão de beleza para descansar um pouco.
E foi neste momento que o terror começou.
Ao olhar para o lado, viu um rosto muito familiar sendo refletido na porta de vidro do salão... era Lilian acenado para ele.
Olhou para os lados para ver onde ela estava. Não viu ninguém parecido com ela. Voltou a olhar para a porta de vidro... e ela ainda estava lá. Tentou espiar para dentro do salão. Fora a clientela e algumas funcionárias, não viu mais ninguém que lhe fosse suspeito.
Respirou fundo e decidiu ir para casa. Pelo menos a dor no abdômen passou, mas a sensação de estar sendo seguido começou a incomodá-lo. A todo instante olhava para trás para ver se havia alguém ou alguma coisa atras dele.
— Ah, mas que bobagem. Eu só fiquei impressionado com a morte repentina do Theodoro. Aquele mané não passava de um pervertido que do nada ficou deprimido porque sentiu falta de mexer com a Lilian. — Falou sozinho no meio da rua para espantar o nervosismo.
— E você, não sente a minha falta? — Ela ronronou no ouvido dele, causando-lhe um arrepio glacial na espinha.
Ele olhou assustado para todas as direções para ver de onde veio aquela voz. Não queria acreditar que acabara de escutar a voz de Lilian. Tinha que manter o controle se não quiser terminar igual ao amigo. Repetia para si mesmo que era apenas coisa da sua cabeça devido aos últimos acontecimentos.
Acelerou os passos para chegar mais rápido em casa. Acreditava que lá estaria mais seguro, o que era um tanto ilógico, já que Theodoro se matara em casa. Ainda assim queria chegar logo...
... e só porque estava com pressa, demorava mais para chegar. Era como se tivesse se perdido no próprio bairro.
E Perséfone e Hades só assistiam o desespero dele de camarote.
— Você tem certeza que quer continuar com isso? — Ele perguntou um tanto preocupado.
— Sim... porquê? — Ela o respondeu com outra pergunta.
— Bom, eu... confesso que estou com um pouco de pena desse garoto. Tudo bem que ele foi cruel com você..., mas ele pode acabar se matando igual ao outro.
Perséfone só o olhou com um ar de deboche e despejou o seu plano para Valter:
— Não se preocupe. Ele não vai se matar, pelo menos não hoje. Até porque a morte é muito pouco para ele. Vou me divertir um pouco com ele. Darei um tempo para ele aproveitar o tempo que ainda lhe resta...
***
Finalmente chegou em casa. Não havia ninguém e ele agradeceu por isso. Queria mesmo ficar sozinho. Largou a mochila no sofá e foi direto para o banheiro na esperança de que um banho morno pudesse acalma-lo.
Durante o banho, pensou em Theodoro. Por mais que tentasse afasta-lo dos seus pensamentos focando em outra coisa, ele sempre voltava. Imaginou o quanto ele deve ter enlouquecido quando escutava voz de Lilian, a ponto de tirar a própria vida.
Precisava fazer alguma coisa para não chegar a esse ponto.
***
No dia seguinte, Valter se isolou dos seus companheiros zoação. Não queria contar que meio que sentiu a presença da Lilian e achassem que ele ficou maluco igual ao Theodoro... ainda mais depois do que disse.
Numa tentativa de se redimir pelos seus erros, começou a tratar todo mundo bem, principalmente com os que ele adorava praticar bullying. Todos estranharam aquela mudança repentina de comportamento. Seus amigos o questionaram o motivo... e ele se enrolou para explicar:
— Bom, um dia a gente tem que crescer né? Parar com criancice e começar a ser mais responsável... e vocês deveriam fazer o mesmo.
Eles se espantaram com aquela explicação. Perséfone só observava aquela cena patética, chegando até ficar com pena. Passados alguns dias, sua pena passou ... e a cicatriz no abdômen de Valter voltou a dor e dessa vez mais forte, a ponto de ser liberado para ir embora.
— Espere, chamarei alguém para te acompanhar até em casa. Vai que de repente você passe mal no meio da rua? É responsabilidade da escola garantir a segurança dos alunos...
Apesar de achar aquela conversa uma grande besteira, Valter teve que concordar com a diretora. Realmente ele não estava em condições de ir sozinho para casa. Enquanto a diretora foi buscar ajuda, alguém entrou na enfermaria.
— Por favor deixe-me acompanha-lo até em casa. Estou mesmo no meu intervalo e para mim não será incomodo algum... ao contrário, será um grande prazer!
Quando Valter levantou a cabeça para ver quem falando com ele, se deparou com uma morena deslumbrante olhando fascinada para ele. Teve a sensação de a conhecer de algum lugar...
— O que foi? Sou mulher demais para você? — Ela perguntou em um tom bem desafiador.
— A gente não se de algum lugar?
— Oh sim, da turma B, da sala número 9... aquela que você e a sua turma de vândalos picharam "Pavilhão 9" na porta.
Valter só olhou para a morena, se perguntando como que ela sabia dessa pichação... que foi até ele fez.
— Não está me reconhecendo? Pois eu vou te ajudar a se lembrar... — Com apenas um estalar de dedos, Perséfone foi envolvida por uma nevoa cinzenta... quando a fumaça se dissipou, a dúvida de Valter foi tomada pelo pânico.
— Lilian? — Ela fez questão de aparecer do jeito que eles a deixaram naquele terreno, cheia de hematomas e fraturas... e o rosto ensanguentado.
— Sentiu minha falta querido?
— Mas como que...
— Como que isto é possível? Simples, você e aqueles seus amiguinhos me mataram e me enviaram para o quinto dos infernos... chegando, lá fiz um acordo com o Senhor das Trevas para me tornar a Rainha do Submundo e voltar para acabar com a raça de vocês.
— Então foi por sua causa que Theodoro se matou?
— Não. Foi por causa dele mesmo e você é o próximo... a propósito, o que é essa mancha vermelha na sua camisa?
Valter olhou para a própria camisa e viu uma imensa mancha de sangue. Saiu correndo da enfermaria o mais rápido que pode. Durante a fuga, trombou com um dos seguranças da escola.
— Cuidado aí garoto!
— Desculpe...
— Credo o que houve para ficar pálido desse jeito? — Perguntou ao vê-lo naquele estado.
— Tem uma garota morta lá na enfermaria! — Falou sem pensar e apontando para trás. O guarda o olhou de cima a baixo se perguntando que conversa era aquela. Na dúvida, decidiu verificar.
Enquanto o vigia ia na enfermaria, Valter aproveitou a chance para fugir da escola. Seus amigos o viram ir embora e o chamaram. Ele nem olhou para não ter de encara-los.
***
Em casa, Valter mais uma vez estava sozinho e chorando todo encolhido no sofá. Lembrou de todas as vezes que assediava Lilian com obscenidades e xingamentos.
E assim como Theodoro, a mesma coisa aconteceu com ele. Em qualquer canto da casa, sempre via o fantasma de Lilian e escutava a sua voz. Bem que ele tentou enfrenta-la, mas em vão. Vozes no escuro começaram a agredi-lo com os mesmos apelidos que usava contra ela.
— Você não me assusta, sua escrota! Volta para o inferno que lá é seu lugar! Vai ver, assustou até o Diabo com essa sua feiura!
Mas Valter realmente estava apavorado. A cicatriz em seu abdômen começou a latejar, desta vez mais forte. Foi verificar e praticamente surtou quando se viu encharcado de sangue. O ferimento havia sido aberto.
Era apenas uma alucinação causada por Perséfone. Não tinha nada ali. Mas ele achava que tinha e ficou ali urrando, se debatendo e se arranhando todo até que uma hora também não aguentou mais. Foi cambaleando até a cozinha atrás de uma faca... e não encontrou nenhuma, pois com a ilusão, qualquer objeto cortante desaparecera de sua vista.
— Você nunca me deixava em paz... por que eu deveria deixar você morrer em paz, seu escroto?
A voz de Lilian ecoava por todos os cômodos da casa. Sua imagem no dia em que morreu também. Continuou sendo atormentado quando saiu correndo para o meio da rua para fugir dela... e não viu quando bem na hora passou um carro, acertando-o em cheio!
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