Capítulo 9

− Chamem um médico! É urgente!

A rainha mascarada estava caída no chão. Não ouvíamos mais sua respiração. Rapidamente, dois doutores surgiram do público e começaram a realizar os primeiros atendimentos. A guarda real iniciou a retirada de todos do tribunal, exceto a família real e os médicos. Nem mesmo os juízes permaneceram no local. Ficamos aguardando em um grande corredor dentro do Palácio de Justiça.

De onde estávamos, conseguíamos ouvir o barulho que a multidão do lado externo fazia, protestando e cobrando por uma solução diante do escândalo da família real de Torim. Percebi a apreensão no olhar dos nobres do reino. Qual seria a reação da população caso a atual monarca viesse a falecer durante um julgamento marcado por tantas dúvidas?

Por onde eu passava, o olhar curioso de todos me acompanhava. Meu depoimento inacabado não apenas fugira de todas as expectativas, como também fora o estopim para toda aquela confusão. O que eu mais queria naquele momento era um lugar calmo e longe dos olhares daquelas pessoas.

Afastei-me do corredor principal e encaminhei-me para um local mais apartado, um corredor menor que dava acesso a outras salas. Ninguém mais me olhava. Lá, o barulho era menor, tanto o dos que aguardavam no grande corredor quanto do público que protestava. Um momento de paz no meio da tempestade. Eu precisava disso.

Em meio a esse quase silêncio, porém, ouço algumas vozes, que me eram familiares. Andei sorrateiramente em direção a elas para ouvir sobre o que conversavam.

− Precisamos pensar...

− É a melhor solução para todos, senhor Albuquerque. O que vocês pensam sobre minha sugestão, senhores juízes? − Era a voz de lorde Donato.

− No que depender de mim o acordo será realizado − falou um homem.

− De minha parte está feito − disse a voz de uma mulher.

− Eu penso apenas no futuro de Torim. E o futuro do reino necessita desse acordo. − Era a voz de Fausto Carrero.

− Não considero o ideal, mas se nos garantirem esse acordo, ele será benéfico para minha cliente. E, é claro, ao povo. O que você pensa sobre isso, Irene?

− Se ela sobreviver, eu aceito o acordo. Mas, honestamente, rezo pela sua morte − disse a suposta rainha.

Ouvi passos aproximando-se. Saí rapidamente de lá, voltando para o corredor principal. Não sabia qual acordo havia sido feito, mas, certamente, tudo fora acordado em prol de um "bem maior": a manutenção do poder. O teatro acabou de ter seu roteiro definido. Eu só não sabia qual seria o ato final.

Chegando lá, os nobres se aglomeravam para ouvir a mensageira real. Ela anunciava a respeito do estado de saúde da rainha mascarada. Aproximei-me para escutar.

− ... apesar do grande susto, os médicos conseguiram reanimar nossa rainha e ela se encontra lúcida e fora de perigo. A rainha Irene pediu-me para lhes dizer que agradece a preocupação de todos, mas, para recuperar suas energias, se ausentará do resto do julgamento. O tribunal está novamente liberado para os que quiserem acompanhá-lo − disse Ana.

As dezenas de pessoas voltaram a seus assentos. Eu, na dúvida de onde sentar, decidi me juntar ao público e não ao banco de depoimento. Sábia escolha a minha.

Antes de retomarem o julgamento, os três juízes, os barões de Pomal e seu advogado, a suposta rainha e seu advogado, além de lorde Donato, conversaram por cerca de 20 minutos lá mesmo, dentro do tribunal. Não conseguíamos entender do que se tratava, mas os barões ouviam tudo de cabeça baixa. Um lado parecia ter se saído vencedor.

Após o final da conversa, todos voltaram a seus assentos e o grão-juiz Romeu de Sorti disse em voz alta:

− Diante de tudo o que ocorreu, e num acordo entre todas as partes envolvidas, chegamos a uma decisão. Essa decisão visa favorecer única e exclusivamente o Reino de Torim e seu povo.

Repleto de tensão, o público quebrou o protocolo e se colocou de pé para ouvir o veredito.

− Mesmo com tudo o que nos foi apresentado até aqui − prosseguiu o grão-juiz −, não conseguimos chegar a uma resposta que fosse 100% conclusiva. Porém, levando em consideração o clamor do povo do lado de fora do tribunal, a saúde da nossa atual monarca e o futuro de nosso reino, ficou decidido: os barões de Pomal e a atual rainha serão afastados dos cargos, mas manterão seus status de nobreza, bem como um soldo mensal com valor a ser definido. Já a acusadora será nomeada Rainha Irene II, e passará a governar o Reino de Torim.

Eu mal acreditava que aquilo realmente estava acontecendo.

− Ambas as rainhas receberão escolta pessoal para a garantia de sua segurança, e nenhuma será acusada pela morte do rei Basílio. Por conta da dúvida, o Palácio da Justiça decidiu não correr o risco de prender uma inocente − completou a juíza Maristela Ramires.

Cheio de si, o juiz Fausto Carrero olhou para os barões de Pomal e disse-lhes:

− Barões de Pomal, saibam que seus serviços à monarquia serão lembrados e reconhecidos mesmo após sua saída. Em nome de todo o reino e do Palácio da Justiça, eu agradeço todos os serviços prestados por vocês. Eu desejo, do fundo do meu coração, uma boa sorte em seu novo lar. − Ele não fez questão de esconder seu sorriso. Carrero havia, enfim, vencido a queda de braços com os barões.

Eu e todo o público estávamos atônitos com a notícia. Achei que veria um teatro, mas aquilo acabou sendo um verdadeiro circo. Fomos todos colocados como peões num julgamento em que ninguém perdeu de fato. Ninguém foi preso. A morte do rei não foi julgada. Mais do que isso, outras questões passavam pela minha mente: e se ela não fosse a verdadeira filha de Basílio? E se tudo aquilo fosse o verdadeiro golpe à monarquia? Ninguém parecia se importar.

Eu havia me exposto totalmente. Não sabia qual seria meu futuro no reino com a nova rainha no comando, principalmente depois de eu não tê-la apoiado em meu depoimento. Eu tinha todas as possibilidades para mudar o jogo, mas não iria expor a mim e ao meu filho mais ainda do que já fizera. A verdade tem seu preço, e eu não estava disposta a pagá-lo.

Retirei-me do tribunal antes de a notícia ser informada aos manifestantes. No fim, todos sairiam ganhando: a população não seria governada pelo rei de Lume; a nova rainha vestiria a coroa; a mascarada teria paz suficiente para descansar e recuperar sua saúde; os barões, com o nome manchado, não precisariam ir a eventos públicos e receberiam uma boa quantia mensal de soldo; os juízes pró-monarquia asseguraram a permanência da família real no poder; e o juiz Fausto Carrero conseguiria sua vingança. Diante de tudo isso, havia apenas uma incógnita: o que lorde Donato Arone havia ganhado com a manutenção da monarquia? Cheguei à conclusão que, para algumas perguntas, a ignorância era uma verdadeira dádiva.

Fui ao palácio, peguei meu filho Nicolau e passei o restante do dia em minha casa, trancada, sem querer ver o rosto de ninguém. Eu estava completamente perdida. Qual seria o futuro de Torim? Qual seria o meu futuro? Eu conseguia ver apenas escuridão.

-----

Como eu havia previsto, o povo de Torim respeitou a decisão do Palácio da Justiça. Mesmo sob desconfiança geral, a população preferia essa solução a Augusto, o rei de Lume. Em dois dias, a rainha Irene II foi coroada. No terceiro, a decisão de transferir o juiz Fausto Carrero foi revogada. Em poucos meses, o grão-juiz Romeu de Sorti aposentaria. Não precisava ter o dom da mediunidade para imaginar quem era o mais cotado para assumir o seu lugar.

Os funcionários do palácio permaneceram os mesmos. A decoração também. Os cheiros, os horários, o movimento... nada parecia ter mudado. Na mesma medida em que as coisas iam se estabilizando no palácio, eu, apesar de ainda ser a governanta, ficava cada vez mais isolada. Não tinha contato direto com a rainha. Fazia apenas o meu serviço e voltava para casa, como se eu fosse mais um número no palácio. E era. Não apenas um número, mas, certamente, uma funcionária malquista pela nova rainha.

Quase quatro semanas após o início do reinado de Irene II, vejo Ana, a mensageira real, caminhando em minha direção.

− Jordana, a rainha Irene II deseja vê-la imediatamente.

− Está bem. Onde ela está?

− Em seus aposentos. Disse que poderia entrar sem bater na porta.

Caminhei a passos seguros em direção ao quarto da rainha, com a certeza de que seria dispensada do palácio e também do Reino de Torim. Uma monarca não manteria ao seu lado alguém em quem não confiasse. Meu destino estava selado e eu conformada. Entrei no quarto.

− Com licença, Majestade.

Irene II se olhava no espelho, com a coroa real repleta de pedras preciosas em sua cabeça.

− O que acha, Dana? A coroa combina comigo?

− Certamente, Majestade.

− Quanta formalidade há entre nós atualmente, não é?

− Diante de tudo o que ocorreu, eu entendo essa distância, Majestade − concordei.

A rainha retirou a coroa de sua cabeça e colocou cuidadosamente em cima do criado-mudo.

− Tenho um pedido para lhe fazer, Dana. E espero que, com isso, nós possamos nos reaproximar. Será algo muito importante para mim.

− Se estiver em meu alcance, será um prazer realizar, Majestade.

− Quero que entre com as alianças em meu casamento, Dana.

Respirei aliviada.

− Será um prazer. Com sua posição e sua beleza, logo encontrará algum homem de boa família com quem queira se casar.

A rainha riu.

− Dana, não me diga que ainda não sabe! Pensava que a notícia já havia corrido pelo palácio.

− Qual notícia, Majestade?

− A do meu casamento. Casarei no próximo mês.

Meus olhos se abriram em espanto.

− Mas... mas como assim? Você irá se casar no próximo mês?

− Isso mesmo, Dana. Estou tão feliz! Eu o amo tanto!

Fiz a única pergunta possível naquele momento:

− Por acaso eu já conheço o futuro rei de Torim?

− Claro que conhece, Dana. Estou noiva de lorde Donato Arone.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top