Capítulo 7
Dias se passaram desde a ordenação dos quatro cavaleiros. Apesar da vingança pública da qual o juiz fora submetido, todos nós do Palácio sabíamos que o burburinho da população continuava. A demonstração de poder da família real não fora suficiente para acalmar os ânimos. O povo de Torim ainda tinha dúvidas se a rainha Irene estava saudável o suficiente para governar um grande reino como aquele. Os boatos ganharam ainda mais força à medida em que a monarca se ausentava dos eventos. Ela não havia colocado os pés para fora de seu quarto desde a cerimônia de ordenação.
− Jordana − chamou-me Ana, a mensageira real −, recebi algumas correspondências endereçadas à família real. Uma delas tem o brasão do Palácio da Justiça. Parece algo sério. Você pode levá-la até os barões?
− Por quê? Não sabe onde eles estão?
− Sim, sei. Estão nos aposentos de Irene. Eu não tenho acesso ao local, mas como você já entrou no quarto da rainha, talvez... − supôs ela.
− Está certo − concordei. − Eu levo até eles.
Segurei o envelope. Os brasões nas correspondências ordinárias vinham em preto, mas este era vermelho. Após tantos anos trabalhando de perto com a família real, eu sabia que a cor vermelha indicava urgência, e isso era algo raro de acontecer. A última vez que ocorrera foi após a morte do rei Basílio, quando o Palácio da Justiça permitiu aos barões se tornarem os representantes diretos da monarquia até a recuperação da então princesa Irene.
Fui em direção ao quarto da rainha e bati na porta.
− Majestade, é Jordana. Chegou uma correspondência urgente do Palácio da Justiça.
− Entre − disse o barão.
O quarto, assim como da outra vez, estava na penumbra. Além dos barões e da rainha, deitada na cama com sua máscara de gesso, havia um médico examinando a monarca.
− Aqui está, senhora. − Entreguei a carta à baronesa.
Enquanto o médico continuava examinando Irene, a baronesa lia a correspondência. Apesar da penumbra, suas rugas ficavam mais aparentes a cada segundo. Quanto mais lia, mais visível sua expressão de espanto.
− Por Deus, o que há nessa carta? − questionou o barão.
− Alguém está acusando a rainha de falsidade ideológica. Nós fomos convocados pela Justiça para depor em três dias. Incluindo a própria Irene.
− Meu Deus! É ela, não é? − questionou o barão, como se esquecesse de minha presença. − Eu sabia que um dia ela voltaria para nos atormentar.
O comentário surpreendeu-me. Os barões de Pomal realmente sabiam da existência da outra! Após alguns segundos de silêncio absoluto, a baronesa fez um pedido ao médico.
− Doutor, pelo bem da monarquia, precisamos que a rainha ganhe energia novamente. Não podemos deixá-la transparecer fraqueza.
− Senhora, não posso aplicar outra daquela injeção em Irene − respondeu o médico. − Vocês viram o quanto isso exigiu de seu sistema respiratório. Só agora ela está se recuperando. Ainda desconhecemos completamente os efeitos do estimulante e os riscos que isso traria.
Eu quase não acreditava no que acabara de ouvir. Era por isso que a rainha havia se mostrado mais disposta e tão ofegante no evento de ordenação.
− Não há outra opção − disse a baronesa. − Temos que estar preparados para enfrentar o tribunal.
Retirei-me do quarto. O julgamento que abalaria a coroa de Torim já havia sido marcado. Eu, mesmo aflita, agradecia por ter sido poupada. Já havia me envolvido demais naquela história toda.
Durante o dia de trabalho, pude sentir o clima de tensão no ar, especialmente entre os barões de Pomal. Mas, para os outros funcionários que não estavam cientes da grande bomba que viria, aquele havia sido um dia como outro qualquer. A tarde já se findava e, com ela, o meu dia no palácio. Saí de lá com Nicolau no colo em direção à minha casa. O tempo estava nublado, anunciando a chuva que estava por vir.
No caminho, notei que a suposta rainha que me abordava frequentemente em meu trajeto estava ausente por alguns dias. Perguntei-me por onde ela andava. Apesar disso, no fundo, estava agradecida pelo turbilhão estar, dessa vez, passando bem longe de mim. Quanto mais distância de todos, melhor. Ouço trovões. Decido apertar meus passos.
Pouco antes de chegar, lembrei-me mais uma vez de meus pais. Recordei-me também do vilarejo e dos motivos que me fizeram sair de lá: a falta de perspectiva daquele lugar, a sensação de não pertencimento, o futuro incerto, o medo de apenas existir. Curiosamente, era dessa mesma forma que eu me sentia agora morando no reino. Com a diferença de que, desta vez, eu não tinha meus pais para reconfortar-me. "Quando será que acharei o meu lugar?", questionei-me. Não obtive resposta alguma.
Avistei a porta de casa. Na frente dela, no chão, um envelope endereçado à Jordana Modeste. Meu coração gelou quando notei o brasão vermelho do Palácio da Justiça. Abri-o com as mãos trêmulas. Assim como a família real, eu era uma das convocadas para depor. Quem assinava a convocação também me causou surpresa: juiz Fausto Carrero.
Eu ainda estava do lado de fora de casa, paralisada, quando uma chuva torrencial começou a cair. Deixei a água molhar a mim e ao meu filho. Aquela tempestade não tinha a menor importância. Uma outra, ainda mais forte e cruel, estava por vir, e eu só poderia torcer para não ser levada por sua enxurrada. Senti medo, e ele tomou conta de mim.
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