Capítulo 4

Acordei no dia seguinte, após uma péssima noite de sono. Estava convicta de que tudo o que acontecera na última noite era loucura. Não arriscaria a mim e nem ao meu filho por algo que parecia teoria conspiratória. Dei banho em Nico, tomamos o café da manhã e, com ele em meu colo, fomos em direção ao palácio.

No caminho, quase no mesmo local do dia anterior, o que eu mais temia aconteceu.

− Dana, pode vir aqui, por favor?

A suposta rainha reapareceu. Ainda que a contragosto, fui até ela.

− Sei que o que lhe pedi ontem é algo muito sério. Por isso, quero, desde já, lhe entregar um presente como forma de agradecimento.

Recebi um objeto de suas mãos. Era um Santo Expedito feito em gesso.

− O... obrigada − respondi.

− Fiz especialmente para você. Espero que goste e que ele lhe proteja. Adeus, Dana. − Abraçou-me e foi embora.

Aquele objeto era muito parecido − se não fosse igual − aos artesanatos produzidos pela então princesa Irene. Guardei o presente e continuei meu caminho. A dúvida voltou a me consumir. Queria muito que meus pais estivessem ali para me confortar e dizer que tudo passaria. Mas não estavam. A saudade aumentava.

Chegando ao palácio, entreguei meu filho aos cuidados da babá da corte, que cuidava também de outras crianças da nobreza. Segui rumo à cozinha para verificar como estavam os preparativos para o almoço, quando ouço alguém chamar meu nome.

− Jordana? Você é a Jordana, correto? − perguntou-me um homem que me era familiar, apesar de não lembrar ao certo de onde.

− Sim e você?

− Meu nome é Carmo Abreu. Sou o ouvidor real.

Ouvidor real? Nunca havia escutado sobre esse cargo na corte. Mas eu sabia que o conhecia de algum lugar. Tentei resgatar na minha memória. Foi aí que me lembrei: esse homem era o mesmo que entrara com a rainha em sua cerimônia de coroação e respondera às perguntas do arcebispo em seu lugar.

− O barão e a baronesa de Pomal não estão no palácio no momento − disse ele. − Mas a rainha solicita a presença de alguém próximo. Como você é a governanta, achei que era a pessoa indicada na ausência do casal. Poderia ajudar?

− Claro, se estiver ao meu alcance.

Caminhamos em direção ao quarto da rainha. O ouvidor bateu levemente na porta e entramos. A rainha se encontrava deitada na cama. O local estava na penumbra. Senti um leve arrepio na espinha.

− Majestade, o barão e a baronesa de Pomal estão fora do palácio. Tomei a liberdade e pedi para Jordana vir em seu lugar − disse o ouvidor.

Nesse momento, a rainha começou a emitir grunhidos, como se quisesse falar algo mas não conseguisse. Eu fiquei paralisada.

− Acalme-se, rainha. Estou indo − disse ele.

O ouvidor foi para perto da cama e inclinou-se para ouvi-la.

− Ah, claro. Sua máscara. Perdão, Majestade.

O homem pegou em cima do criado-mudo a mesma máscara de gesso que a rainha vestiu na sua coroação, entregando-a. Enquanto a monarca colocava a máscara em seu rosto, Carmo me disse em voz baixa:

− Não se assuste. Ela apenas não gosta que vejam seu rosto.

A rainha, já mascarada, fez um movimento com as mãos, chamando o seu ouvidor. Ele se abaixou.

− Ela está pedindo para você se aproximar, Jordana.

Com um pouco de receio, caminhei em direção à cama. Ela fez o mesmo movimento para mim. Inclinei-me, colocando meu ouvido bem próximo de sua máscara.

− Cancele... todos... os meus... compromissos. De hoje... e de amanhã. Peça para... os barões... me substituírem. Preciso... descansar.

− Como quiser, Majestade − respondi.

Saí do quarto com as pernas trêmulas. Jamais me sentira tão desconfortável na presença de alguém. Aquela não se parecia nem um pouco com a princesa que um dia eu conheci. Minha mente fervilhava. Não sabia por quanto tempo suportaria tudo o que estava acontecendo. Fui caminhando pelo palácio sem uma direção exata a seguir.

− Jordana, você está bem?

Era Ana, a mensageira real.

− Sim... estou. Por quê?

− Parece assustada...

− Ana... eu preciso de um favor. Cancele toda agenda da rainha até amanhã. O que não conseguir cancelar, peça para o barão e a baronesa substituí-la − eu disse, enquanto saía.

− Está bem, Jordana. Mas para onde está indo?

− Estarei fora por algumas horas. Preciso... preciso resolver um problema. Obrigada, Ana.

Eu saí do palácio. Um impulso tomou conta de mim. Eu sabia que aquela decisão poderia mudar para sempre não só o futuro do Reino de Torim, mas também o meu. Após alguns minutos de caminhada, cheguei ao meu objetivo. Entrei numa grande casa e avistei, dentro de um espaço em anexo, uma mulher sentada em frente a uma mesa.

− Boa tarde − eu disse. − Este é o gabinete do lorde Donato Arone?

− Sim. Sou a secretária dele. Posso ajudá-la?

− Preciso falar com ele.

− Você tem horário marcado?

− Não, não tenho. Mas preciso falar com ele urgentemente − percebi meu tom de voz alterando-se.

− Ele a conhece, senhora?

− Bem... não tenho certeza. Mas preciso falar com ele agora! − estava quase gritando.

− Se não tem horário marcado, não poderá falar, senhora.

− Preciso falar com ele agora! − esmurrei a mesa enquanto gritava.

Com o impacto, a mesa chegou a balançar. Os olhos da mulher se arregalaram, assustada. Nesse momento, uma porta se abriu.

− O que está acontecendo aqui, posso saber? − Era lorde Donato.

− Essa senhora... está me ameaçando porque quer falar com o senhor, mas não tem horário marcado... eu avisei que...

− Você é a governanta do palácio... Jordana, não é? − perguntou-me, interrompendo sua secretária.

− Sim, sou. − Jamais imaginei que ele saberia quem eu era.

− Pois diga agora o que quer! Se não for algo realmente urgente, chamarei a guarda real para prendê-la por desacato e crime contra a ordem pública!

Já estava quase arrependida de ter ido para lá.

− Bem... é que...

− Você tem dez segundos antes de solicitarmos a guarda real − ameaçou-me.

− A rainha... não é quem ela diz ser. Irene Lecce não foi coroada, mas sim a condessa Bernarda Dioli. Ela é a monarca mascarada.

Os dois − o lorde e sua secretária − ficaram mudos por alguns segundos.

− Entre aqui − ele me pediu, apontando para seu escritório.

Lá dentro, contei tudo o que havia acontecido. Confirmei não haver provas concretas de que a mulher da noite passada era a verdadeira rainha, mas que sua semelhança, sua história e o artesanato em gesso, somados à estranha figura mascarada que chamávamos de rainha, eram suficientes para levantar as suspeitas em mim.

− Isso é uma história surpreendente, Jordana − ele me disse.

− Eu só peço, por favor, que isso não prejudique a mim e nem ao meu filho.

− Fique tranquila. Você fez muito bem. Independentemente de quem seja a verdadeira rainha, a outra é uma assassina. Prenderemos a mulher que matou o nosso rei. O Reino de Torim clama por justiça, e farei todo o possível para corresponder a esse clamor.

− Fico feliz em saber disso, lorde. Eu também desejo muito que a justiça seja feita.

− Então parecemos estar em sintonia. Traga essa mulher ao meu gabinete amanhã. Quero vê-la pessoalmente.

− Como quiser − concordei. − Mas, devido ao meu trabalho, terá de ser no final da tarde.

− O horário que lhe for mais adequado, minha cara. Esclareceremos isso juntos.

Despedimo-nos e saí, mais esperançosa do que confiante de que esse dilema seria solucionado em breve.

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