Ruínas sob a neve
O frio cortava e queimava. Já não restava energia no grupo para conversar. Um silêncio sofrido recaiu sobre os viajantes. Mik adoecera, mas não falava de seus sintomas a ninguém. Seu último desejo era ver Kaleor. Já o maior desejo de Ilya era estar longe dali, de preferência em seu alojamento aquecido na universidade, ou então na casa de seu tio. Ao redor de seus olhos a pele estava vermelha e queimada. Um manto branco de neve e gelo, salpicado de negro de rochas parcialmente cobertas e esparsas coníferas os cercava por todos os lados.
Aquele cenário despertou memórias esquecidas para o professor Mikhail. A expedição de que participou há cerca de cinquenta anos também tentou localizar a desaparecida cidadela Wlegdar de Kaleor. Ele era apenas um rapaz que ajudava a carregar coisas e fazia pequenos serviços nos acampamentos. Aquele exploradores tinham o apelido de toupeiras, pois escavavam túneis em montanhas em busca de de ruínas Wlegdar. A expedição não encontrou nada, mas foi o que deu a Mikhail a certeza do que queria estudar arqueologia e dedicar toda sua vida àquele ofício.
— Como estamos, Bilak?
Os olhos verdes do Coronel percorreram a carta de orientação. — Bem perto.
— Ora, perto! Você disse isso há duas horas! — Mik estava impaciente.
— Segundo os cálculos do Cifra — deu uma olhadela desconfiada para Ilya. — Já devíamos ter visto a cidadela. Está certo destes cálculos?
Ilya retrucou — Tem certeza que a escala do mapa é precisa?
Enquanto os dois discutiam, Mik ergueu as mãos trêmulas. — Ali está! — sua voz quase não saiu. Tossiu forte, seu olhos se encheram d'água e suspirou. — E pensar que estivemos tão perto!
Todos voltaram os olhares para a encosta rochosa sobre a qual via-se traços de construção arruinados e cobertos de branco. Poderia passar despercebida para alguém que não a procurasse atentamente, mas ali estavam, não restava dúvida: as torres arruinadas da antiga Kaleor.
Ilya franziu o cenho — O senhor já esteve aqui? — passou a língua nos lábios rachados.
— Sim, uma vez. Há muito tempo ajudava na expedição do Marquês de Nergorod. — disse com entusiasmo, aqueles memórias trouxeram um fôlego inesperado.
— Há tanto tempo? — A expedição liderada por um nobre deveria ter ocorrido antes da Revolução Gloriosa.
— Sim, eu devia ter a sua idade. Quanto anos tem, à propósito?
— Dezessete, bem, quase dezoito. Faltam duas semanas.
— Era isso, devia ter dezesseis ou dezessete.
— Foi antes da revolução? — ele queria confirmar.
— Sim, antes daquele horror. Meu pai era fidalgo a serviço do Marquês. Ele também era membro da Ordem, mas eu ainda não sabia. — Mik ralhou com amargura. — Vi muita gente de valor morrer naqueles dias terríveis, incluindo o Marquês. Ele era um sujeito extraordinário. Depois disso, os revolucionários e o partido reescreveram a história. Transformaram um período nefasto em algo glorioso. Heróis da Revolução Gloriosa, rá! O melhor nome seria os Carniceiros da Revolução Covarde.
Muque ficou incomodado, um reflexo do condicionamento cultural — Falar assim poderia trazer problemas...
— Bah, deixe de tolice! Será que ainda não percebeu que o Estado de Durkheim ruiu? E além do mais, estou velho demais para não dizer o que penso. Vamos logo! Afinal este pode ser meu último dia de vida.
Ainda precisariam caminhar por uma boa hora para alcançar as ruínas.
Ilya seguiu pensando no que Mik havia dito. Urguda moveu a cabeça pra fora para espiar — Que frio sinistro! — tremeu e recolheu-se novamente para o calor do casaco de Ilya.
Gregorvich indagou — O senhor teve nascimento na nobreza?
— Nem tanto e devo agradecer por isso, senão estaria morto.
— Mas nem todos os nobre foram mortos.
— Verdade. Alguns foram exilados, muitos humilhados e subjugados, forçados a trabalhar nos piores ofícios, sob as mais precárias condições. Devo dizer que Durkheim enquanto ainda era um reino, não era tão horrível como se conta nas atuais lições de história. Houve bons reis, mas também ruins, apenas isto. Veja se hoje há algum líder, cidadão de cargo nomeado, membro do partido que não estejam mais interessados em obter benefício próprio do que promover o bem comum para o povo? E também, é claro, o esporte favorito desses malditos burocratas, criar e impor suas regras sobre a população.
Vetch se aproximou e disse — É, mas agora, o único privilégio que podem oferecer ao povo é morrer nas mãos dos invasores.
Mik assentiu e completou — Ah, não se esqueça que arranjar passagens privilegiadas para Sisqua ou para as colônias é o que mais se procura ultimamente. — Mik tossiu continuamente e pediu uma pausa para retomar o fôlego.
Klaus não parou. Seguiu adiante com sua cara mau-humorada e mais carrancuda que o de costume.
— Ei, Klaus? Onde vai? — chamou Muque.
— Vou na frente avaliar os riscos — e seguiu acelerando para uma corrida lenta.
Muque olhou-o com certa inveja, sentindo cansaço. — Posso ser forte, mas é notável que o Klauss tem um fôlego fenomenal.
Pompu Xai Xu'Fur ainda não havia alcançado o grupo. Andava lento, sempre ficando um pouco para trás. Mik, Ilya e a doutora estavam cansados e abalados, mas Pompu já estava fraco mesmo antes do início da expedição. Era a doença que acometia todos os Elkin.
— Oh, Senhor da Luz! — gemeu ao finalmente alcançá-los. — Dai-me forças.
Muque o sustentou para que não despencasse — Como se sente? Ainda consegue seguir mais um pouco, ou devo carregá-lo?
— Não ouso colocar um fardo assim sobre você, meu caro. Apesar do cansaço extremo, ousaria dizer que não me sinto tão bem desde a minha juventude.
— É mesmo? — para Muque não era o que parecia.
— Os ares das montanhas estão lhe fazendo bem, não é, Pompu? — sugeriu a doutora.
— Vou dar um jeito de me mudar para cá. Aqui posso sentir a energia da boa vida novamente. Há sementes aqui que ainda resistiram.
— Oh sim, jovem Xu'Fur, senti isso também. — a cabeça de Urguda saiu do casaco — Mas isto também pode representar grande perigo.
— É claro, venerável Xeu'Pen. Mas ao menos poderei contar com um melhor humor da parte de meus gênios, caso surja a necessidade de convocá-los.
— E então, Bilak? O que nos diz? — indagou Pompu.
— Menos de meia hora, eu acho. Sugiro que desempacotemos nossos armamentos. Lugares antigos sempre reservam surpresas desagradáveis.
Vetch disse — Quando recuperar o fôlego, avise.
— Só mais uns minutos — o Elkin fez uma careta e pressionou as mãos contra o tórax.
Ilya sentou-se numa rocha agradecendo a falta de fôlego de Pompu. Se não fosse por ele, tinha certeza que ele seria o lanterna do grupo. Fechou os olhos e permitiu-se suspirar. Recostou-se ignorando uma conversa entre Mik, Vetch e a Doutora. Pensou em Halle e Marya. Ainda os veria? Estariam bem? Abriu os olhos examinando as torres arruinadas, mais de perto. Que perigos teriam de enfrentar, logo mais?
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