Correspondência
A estrada até Vetrocrav era estreita e perigosa. Era um longo caminho subindo uma serra muito sinuosa. Subiam mais e mais até aquela localidade remota. Vetrocrav era uma pequena cidade cujo sustento vinha da mineração. Halle deixou seu carro na casa de um conhecido há poucos quilômetros de distância da cidade e os quatro seguiram à pé o restante do caminho.
Todos, exceto Halle, vestiam roupas que haviam pertencido aos primos de Halle. Os filhos de Piotr tinham morrido na guerra. As calças eram simples, marrons ou cinzentas. Usavam mantos grossos de lã tingida de vermelho escuro combinada com fios negros em padrões que eram característicos da região de Nergorod. Ilya ainda usava um grosso cachecol alaranjado em torno do pescoço para esconder a presença de Urguda.
Halle e Skeniev estavam um pouco barbudos e Ilya e Bakan exibiam tímidos cavanhaques e bigodes. Halle não se separava de seu velho casaco de couro marrom, ainda que cheio de remendos. Porém, os quatro usavam chapéus típicos dos fazendeiros de Durkheim, com abas molengas e grandes que caiam nas laterais.
Usavam nomes falsos para conseguir uma condução até Vetrocrav e chegaram no início da tarde.
— Estou morrendo de fome — resmungou Skeniev.
— Alí — indicou Halle. — É um bom restaurante. Vá na frente com Balkan. Eu e o Frango vamos até a agência de postagens passar um teletexto.
— Teletexto? — Ilya franziu o cenho.
— O que gostaria de dizer a Marya?
— Você é doido, Halle? Vão acabar nos encontrando assim...
— Não esquenta, Ilya. Eu tenho um amigo em Dusseloris que tem um amigo em Kassev que pode mandar a mensagem para elas. O esquema é garantido. Você não quer deixá-las no escuro e sem notícias, não é? Aposto que sua Marya está morta de preocupação.
— Tudo bem — ele deu-se por vencido — O que vamos dizer?
— Nada muito específico. Estou pensando em dizer que já peguei o frangote e que estamos curtindo um friozinho. Que aqui está tranquilo e que elas podem ficar despreocupadas. O que acha?
— Parece bom.
— É logo ali. Eu vou passar a mensagem e você vai lá e compra um jornal. Vai ser bom sabermos o que está acontecendo na guerra.
O restaurante era pequeno, tinha apenas cinco mesas. Eram cobertas por panos poeirentos e manchados de restos de comida. Havia algumas pessoas almoçando nos fundos. Estava muito distante do conceito de restaurantes de cidades como Voln.
— Será mesmo que deveríamos nos sentar todos juntos? — Ilya indagou apreensivo.
— Relaxa, Frango! Você realmente acha que no meio dessa guerra vamos encontrar caçadores de desertores em cada esquina?
— Somos estranhos e jovens. Isso já deve ser o suficiente para levantar suspeitas.
— Você tem razão Ilya, mas não está levando em conta que estamos em Vetrocrav. Isso aqui é a roça da roça. Sequer tem uma unidade militar própria! E ademais, vocês estão bem disfarçados de camponeses. Aqui nas regiões remotas o alistamento não foi conduzido com severidade. Os recrutadores vem de tempos em tempos e escolhem alguns desocupados. O estado precisa dos lavradores lá embaixo.
— Não sei... Não gosto de quando você fica tão certo de si.
— O que seria mais esquisito é nós quatro chegarmos juntos na cidade e depois sentarmos em mesas separadas para comer. Vamos, você está preocupado demais com esses pega desertores. São uns moleirões!
Urguda esticou o pescoço por baixo do cachecol e cochichou ao pé do ouvido de Ilya — Ele é bem teimoso, não é?
— Nem me fala.
— O que? — perguntou Halle.
— Ah nada, só estou resmungando.
Bremmen acenou para os outros dois.
— Então deixa disso e vamos logo comer.
— O excesso de confiança pode ser um problema grave — comentou Urguda.
— Parece funcionar no caso dele. Isso me tira do sério.
Urguda riu — Tive um companheiro assim, acabou morrendo de uma maneira banal. Mas estou curioso, será que encontraremos algum elkin nesta cidade?
— Acho improvável. Como havia lhe dito, a população elkin em Durkheim é mínima. Deve haver menos que cem. A maioria estava em Voln ou em Kassev.
Halle acertou uma cotovelada em Illya.
— O que eu lhe falei sobre ficar cochichando sozinho? Isto sim é estranho e pode chamar atenção indesejada!
— Desculpe-me por isso, Ilya. — Urguda recolheu-se.
— Ninguém vai servir a gente nessa espelunca? — reclamou Skeniev.
Halle esticou o pescoço e fez um gesto para o rapaz que estava lá nos fundos lendo um jornal. O rapaz de cabelos alaranjados bem curtos levantou-se lentamente.
— Quatro pratos e quatro cervejas — Halle imitou o sotaque interiorano com perfeição.
O rapaz acenou com a cabeça e foi repassar buscar o pedido na cozinha. Eles serviam refeições prontas já montadas nos pratos. Logo ele chegou trazendo uma bandeja com os pratos e uma mulher mais velha veio trazendo as cervejas. A comida não tinha uma aparência boa, mas o cheiro não era ruim. Eram pedaços de carne escura junto com raízes ensopadas.
— Cozido de piligueu — o rapaz informou enquanto colocava os pratos sobre a mesa.
Skeniev estava faminto e comeu duas colheradas em sequência.
— Como está a comida, primo Volken? — Halle seguiu emulando o sotaque.
— A melhor que como em semanas! — retrucou Skeniev satisfeito.
— Ótimo, também estou faminto. — Halle pediu ruidosamente.
Ilya olhou desanimado para seu prato, parecia ter sido feito para três pessoas. Talvez conseguisse comer, afinal, agora tinha Urguda para alimentar.
***
Fredrik Hurtog e seus companheiros estudaram todo o trajeto feito pelo carteiro, que entregava a correspondência do bairro da residência de Masha. Consideraram a opção de suborno, mas se algo desse errado ficariam em maus lençóis. Assim, acabaram optando pelo caminho mais difícil, mas de menor risco.
Finn vestia roupas escuras e um capuz. Estava à postos para abordar o carteiro num atalho que tomava através de um terreno abandonado.
— Passa tudo, carteiro! — disse saindo de trás de um arbusto com um pé de cabra em mãos.
O carteiro magro, de meia idade, entregou tudo o que carregava.
— Sabe — disse Finn com asco — eu odeio carteiros!
Golpeou-o no ombro. Ele gritou por socorro. Depois de derrubá-lo, Finn atingiu-o na perna com violência para quebrar os ossos. O carteiro gritava e chorava pedindo misericórdia.
Foi quando Hurtog, uniformizado, entrou em cena.
— Parado aí! O que pensa que está fazendo?
Hurtog correu para enfrentar Finn. Como combinado, desarmou-o, deu uns sopapos e colocou-o para correr.
Ele socorreu o carteiro e levou-o a um hospital. Se ofereceu para registrar a queixa na polícia (o que nunca fez de fato) e também se ofereceu para levar o malote de correspondência de volta à agência central. Informou-os sobre o ataque de um delinquente e que o carteiro estava hospitalizado com a perna quebrada. Lá mesmo perguntou se não estavam precisando de um substituto. Naqueles dias, muitos carteiros haviam sido alocados para o serviço postal militar, sendo que o serviço civil estava sobrecarregado. No dia seguinte, sob indicação de Hurtog, Berg se apresentou na agência e conseguiu uma posição temporária.
O plano havia funcionado. Agora, tinham acesso a toda correspondência destinada àquela região. Tentaram obter o endereço exato de Masha, mas este estava sob sigilo por ser uma pesquisadora do exército. Ao fim do primeiro dia de trabalho de Berg, Hurtog encontrou-o em um bar.
— Como foi seu dia, hã sr. carteiro? — ele indagou zombando Berg.
— Um saco, Fred. E cansativo... E não tinha nada para a tal Masha hoje.
— Não tem problema, nós vamos conseguir alguma coisa, é apenas uma questão de tempo...
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