Chegar ao próximo dia

Argos estava bastante inquieto e cansado, mas segurar o volante o mantinha aceso. Rever as terríveis máquinas de guerra dos Makluskey sobre aquela cidadezinha deixou-o perturbado. Seu grupo, ou melhor, o que restou dele, já estava próximo a Nergorod. Ele vislumbrava o avanço dos Menodrols sob outras tantas pequenas cidades e vilarejos através do país e depois, restaria apenas Nergorod com o último grande centro. A desesperança tomou-o. Sentia-se pesado e sem vontade de conversar. Após a passagem por Cobaymorza, houve pouca conversa entre eles. Somente um milagre poderia salvar Durkheim da completa derrota. Argos escutava a discussão dos demais sem querer participar.

— Há navios — disse Mono — que estão saindo de Sisqua para Nova Zalle. Os afortunados pelos sorteios nos campos de refugiados estão recebendo uma segunda chance nas colônias.

Pulgão retrucou — É... Até mesmo as colônias parecem uma boa perspectiva...

— Se tivermos sorte, — comentou o doutor, também no banco traseiro — nós mesmos podemos dar um jeito de ir para lá, e talvez, reencontrar alguns parentes.

Oleksei comentou com amargura — E por quanto tempo as colônias ficarão livres dessa guerra? — Completou com leve irritação — Para mim, não tem essa conversa de fugir. Temos que dar um jeito de repelir esses malditos e reconstruir nossa nação.

— Bem dito, agente! Mas é uma mera fantasia — resmungou o doutor.

Pulgão tentou soar animado — Com tantas vítimas do azar, a lógica diz vai sobrar um pouco de sorte para nós.

Argos riu com escárnio — Há! A única coisa lógica que vejo é a queda definitiva de Durkheim.

Oleksei reagiu — Não é nem lógica ou sorte que escreverá a história. São as nossas ações. Apenas no momento em que paramos de acreditar na vitória virá a derrota final.

— Há! Fico muito feliz de ter um crente entre nós.

— Olhem — apontou o doutor — É Nergorod? Havia fumaça no horizonte.

Argos rebateu mau humorado — Se não me avisasse, nunca ia ver...

— Se tivéssemos religião como os Sisquianos, seria a hora de agradecer a Deus — sugeriu Pulgão.

— Que? — Mono não tinha entendido.

— Ora — Pulgão explicou com um sorriso debochado — ao menos esta noite dormiremos em camas de verdade. Uma ótima perspectiva para mim, ao menos.

— Concordo — disse Oleksei — um merecido descanso.

— E depois de dormir, contar os dias para sermos destruídos — sentenciou Argos num tom sombrio.

— Um dia de cada vez, Sr. Vseldoff, é assim que venho sobrevivendo. — disse o doutor.

— Não é uma má filosofia — concordou Oleksei.

— É... — Argos fez uma careta — Acho que nos resta ficar com esse papo furado, tentando nos esquecer do vem certamente nos espera. Para mim, Durkheim já era. As nações vem e vão. Chegou a vez de Durkheim virar história. Outra coisa vai surgir em seu lugar... Mas não é nada disso que me preocupa.

Pulgão ficou curioso — Então o que, rapaz?

— Encontrar o verdadeiro covil dos Vorn-Nascas. Encontrar o líder. Se o matarmos, toda força dos mais jovens se esvairá. Eliminar essa praga de nosso mundo. Isso transcende o destino de Durkheim e é o que me faz seguir adiante. Ter um objetivo claro é bem melhor que ficar pensando em apenas chegar ao próximo dia.

— Bem dito! — anuiu Oleksei. — Ainda creio numa chance, mesmo que remota, de encontrarmos os responsáveis pela guerra e suspendê-la.

— É? Mas para mim. — Pulgão disse rindo — Uma cama quente ainda é a maior das motivações.


***


O Major Drakeen acabara de receber os viajantes. Argos, Oleksei e Slovany estavam agora sentados e poltronas confortáveis da sala de oficiais do quartel.

— Não há tempo a perder, Major — Argos estava inclinado para a frente e apertava as mãos, ansioso.

— Devemos chamar os demais para discutir? — indagou Oleksei.

— Não. Determinou Slovany, o agente mais graduado.

— Vimos uma situação difícil pelo caminho, Major. — disse Argos — Estamos próximos da derrota?

— Por um perspectiva, sim. Li relatórios citando negociações para a rendição. Salzbragg, Horff e outros países com interesses comerciais ligados ao nosso estado estão tentando negociar termos junto aos Makluskey, mas ainda sem sucesso. Os Makluskey estão nos acusando de cometer crimes contra Delora. Obviamente, Horff e Karisheim estariam implicados. Agora os Makluskey conseguiram outras nações, com população Menodrol majoritária como aliadas.

— Crimes contra o mundo? Tudo isso por causa da porcaria da usina de Nergorod? — indagou Argos.

— Não — respondeu Drakeen — Isso é apenas uma coisa da lista. Eles entendem que toda nossa industria de matriz manótica está ferindo o equilíbrio ambiental e ameaçando o futuro do mundo.

— Que papo furado! — o rapaz tirou o pequeno chapéu de couro da cabeça e coçou a careca raspada.

— Não temos embaixada junto aos Makluskey. E de qualquer...

— Espera aí — interrompeu Argos. — Eles estão dizendo que estamos destruindo o mundo? Isso não faz sentido!

— Eles também sofrem, assim como os Elkin, com a queda dos níveis de mana atmosférico e terrestre.

— Para mim, isso é novidade — confessou Oleksei — Os Mendrols possuem dependência manótica?

— Não sei ao certo, mas li sobre isso em alguns relatórios recentes.

— Como o Sr. tem acesso a essas informações trabalhando na unidade de contra-deserção?

— Eu tenho outros meios... E por falar nisso, há alguém no alto comando com algum interesse na hipótese que estamos investigando.

— Sim — concordou Oleksei — devemos perseguir a hipótese do Tentáculo e dos Vorn-Nascas estarem por trás de tudo isso.

— E o destino nos favoreceu com uma possível localização do covil dos malditos. Tenho sob custódia uma oficial foragida do IMPA chamada Masha Flammoc. Ela e um fugitivo menodrol estiveram na tumba próxima a Huselberc há poucos dias. Encontraram criaturas que podem bem ser Vorn-Nascas.

Argos ficou de pé, inquieto. — Isso!

— Senta aí, Argos. — pediu Oleksei. — Masha Flammoc não é a garota de Halle Bremmen, Major? Ela foi mantida como refém por um Vorn-Nasca que Gregorvich derrotou, há cerca de um ano.

— A mesma — assentiu Drakeen.

— Bremmen foi capturado?

— Quase capturamos ele e Gregorvich há duas semanas, em Vetrocrav.

— De certo ia de encontro a eles — apontou Slovany.

— Ela negou. Alega ter sido vítima de controle mental por parte do prisioneiro menodrol chamado Clarão. Ele está se recuperando em nossa enfermaria. Feriu-se gravemente no confronto em Huselberc. Mas a outra garota que vinha com eles, Marya Wolchkin, admitiu que vinha para encontrar-se com Ilya Gregorvich. Segundo ela, não houve hipnotismo, nem nada assim. Ela teria libertado o menodrol por que se apaixonou por ele.

Slovany torceu os lábios — Por um menodrol?

Drakeen deu com os ombros — Enfim, o mais importante é que temos os equipamentos furtados do IMPA no carro dela. Há um captador de frequência com o qual ela alega ter encontrado a tumba. E que lá o menodrol teria sido influenciado pelos Vorn-Nascas. Ainda penso que algo não se ajusta bem em toda essa história.

— Qual seu entendimento, Major? — indagou Argos.

— Parece-me que Flammoc está tentando livrar-se da punição por furto, traição e deserção. Mas o pior de tudo foi mesmo o que descobri numa visita à tumba Msul Xetlael. Eu e o Dr. Riboachev descobrimos milhares de Menodrols preservados e adormecidos. Já estavam num processo de despertar. O Dr. está supervisionando trabalhos no local e me envia relatórios diários. Já instalamos explosivos para o caso de necessidade. O alto comando está ciente, mas não consegui recursos para fazer busca em todas as outras tumbas e ver se encontramos outras câmaras escondidas. São muitas tumbas e algumas são de difícil acesso. Já tenho equipes em dois sítios, mas ainda não encontramos nada. Hoje chegou a ordem com mais recursos para investigarmos mais algumas. Partiremos amanhã mesmo. Vocês chegaram bem a tempo de nos ajudar nisso tudo.

— Sim — concordou Oleksei — Essas tumbas são locais malignos. Muitos exploradores morreram nelas. É quase certo encontrar espectros e outras criaturas das trevas.

— Devem estar cansados da viagem, senhores — sugeriu Drakeen.

Oleksei levantou-se e desejou boa noite. Slovany o seguiu, mas Argos ficou, queria ainda discutir algo com seu velho amigo, o Major.

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